sábado, 6 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10489: Convívios (476): 4.º Convívio anual dos ex-Combatentes do Ultramar do Concelho de Gondomar, ocorrido no passado dia 29 de Setembro de 2012 em Valbom (Jorge Teixeira - Portojo)

4.º CONVÍVIO ANUAL DOS EX-COMBATENTES DO ULTRAMAR DO CONCELHO DE GONDOMAR, LEVADO A EFEITO NA FREGUESIA DE VALBOM NO PASSADO DIA 29 DE SETEMBRO DE 2012

REPORTAGEM DE JORGE TEIXEIRA (PORTOJO), EXTRAÍDA, COM A DEVIDA VÉNIA, DO BLOGUE DA TABANCA DOS MELROS


Os Ecu's foram de abalada até Valbom, agora Cidade - mais uma - dentro da Cidade (?) e  Concelho de Gondomar. Nossa referência convivencial. Nascidos e/ou residentes ou simples passantes, é daqui o motivo-origem da nossa (re)união. Gondomar.

Coisas que não interessam nada para o caso dentro do contexto Tabanca'uístico dos Melros, que mesmo em crise de presenças não querem esquecer como tudo começou há quatro anos em Medas, território do famoso régulo de Mampatá, o Carvalho Mano Novo.

Seguiram-se Jovim - ó Presidente que já não apareces há manga de chuvas, que é feito de ti ? - S. Cosme (mais deserções no nosso exército, especialmente dos manos Martins, esses músicos fadistas que tanta falta nos fazem),  e o impulso do Presidente-Secretário-Tesoureiro-1º Vogal-2º Vogal-Secretário- apresentador/publicista que ninguém ouve, museologista (?)  Carlos Silva, o Gondomarense Mouro I.

Pois, como diria o poeta, foi na antiga Escola Primária de Rossamonde, agora sede do Grupo Etnográfico de Valbom, que o camarada Silva - não o Mouro mas o Bigodes - escolheu para nos receber na sua freguesia, bem acoitado pela direcção e voluntários do Grupo. A todos o meu obrigado, que não é representativo (mas acho que assinarão por baixo) dos presentes na dita e referida reunião dos Ecu's. 

Claro que para ir descobrir Valbom precisava de amigos. Eles não faltaram ao meu help, mas acabei por escolher o Cibrão. Não por nada, mas sempre é mais seguro viajar numa Mercedes-Chaimite, do que por exemplo no Seat-Unimogue do Neca. No vermelhão Jipe 4x4-Amaro Barbosa é que nunca.
A rapaziada foi chegando mas as preocupações eram outras.

Olhar o porquinho ao sol e às brasas de sobreiro, pinho ou louro. Não sei, a madeira é importante, mas para mim o bronze do bicho é que me interessava

Temperatura escaldante e enquanto o Quim Soares se abriga do Sol, o Presidente Bandalho J.Teix.45 está meio friorento.

Vamos olhando para fora da cerca, mas o que está dentro dela é que interessa.

E para a posteridade, aqui ficam os "arranjos" do alegorismo do Grupo Etnográfico, com o presidente Bandalho em destaque.

Não sei como nem de onde apareceram umas chouriças e morcelas e uns canapés, coisa fina a que os Melros se foram habituando lá no Choupal. E também umas iscas de bacalhau que por qualquer motivo não tiveram direito a foto de promoção. Mas que estavam boas, não houve dúvidas.

Ainda hoje não entendo a razão porque é que onde há ex-militares se formam bichas (sim bichas, não estou a denegrir ninguém ...) chamadas desde tempo longínquos, de pirilau.

Para os e as jovens desconhecedores(a)s, aqui fica o esclarecimento: essas bichas formavam-se em três ocasiões especiais: para o Rancho-da- fome, para receber o Pré-miserável e para Saltar ao Galho. O mais pequeno, para mim, era o de Vendas Novas, o maior o das Caldas.

Este blogue (e este secretário que gosta de reviver Os Meus (Nossos) Vinte Anos) arroja-se a ser um manancial histórico-didáctico que faria raiva ao Oliveira Martins ou mesmo ao Hermano Saraiva, se ainda fossem vivos. Mas sei que o coordenador museológico Carlos Silva tem em conta este futuro arquivo. Mai'Nada.

Não são precisos oficiais e sargentos de dia para organizar e manter em ordem os camaradas.

As Bichas - Pirilau, claro - formam-se naturalmente. A frente pela esquerda, à retaguarda pela direita. A velhice continua a ser um posto. 

O Gil aviador, nosso anfitrião no Choupal e zelador do Museu,  toma a sua aperitiva lourinha. Mas em que estará a pensar ? O Porquito está sob meu cuidado e segurança.

Contradizendo as reportagens de ditos e desavenças em que a última semana foi fértil, nos Ecu's, verdes ou vermelhos - Barbosa e Neca - só têm o trabalho de mastigar. Mas algo se passou que não lhes agrada. Será que houve um azul ao vento? Mistérioooo...

O tal dito cujo Porco, salvo seja, bronzeava-se mas logo era aparado, saltando para o meio dos moletes deliciando os apreciadores da boa fêvera.

Mais bichas

Finalmente, chegaram as Tripas. Confidicialmente contou-me o Silva de Catió que quando se chegou à frente, o tacho estava vazio. Esperou pelo segundo, coisa que nunca se deve fazer, mas quando lá foi espreitar, nicles, também não havia. Ora isso é coisa em que não acredito.

A malguinha em primeiro plano foi cheia duas vezes. Adivinhem de quem era... E não foi preciso ir duas vezes para a bicha. Bem sei que há quem tenha regalias, mas que diabo, temos de fazer por elas. Olhem só os Catrogas, os Borges, os Marcellos, os Coelhos, etc e tal, embora nada disso venha aqui para o caso, mas é como que uma explicação e prontos. Por sinal, o tinto foi errado. Era para ser maduro mas saiu verde. Mas também nada se perdeu.

E cada um se amanhou com as cordas que teve. Eles pela experiência de vida, elas por terem aprendido.

Só eu sei, como diria o cantor brasuca, quantas andanças fiz. Mas parece que houve meninos que não se mexeram (ou será mecheram ??) do mesmo sítio desde que entraram em cena.

Ora aqui está a prova de que o Silva de Catió mentiu e enfardou e bem sobre as Tripinhas. Lá por estar a explicar ao Cibrão como é que os canoístas conseguem trazer umas medalhitas para Portugal, nunca perdeu de vista o objectivo. Mas nos entretantos em que estaria a pensar o Fernando Súcio ? O azul, não sei se raparam, é a cor dominante. Lindo.

Claro que no meio de tanta gajada há sempre quem se aproveite e o santinho do Carlos Vinhal é um aproveitador...

E o Lobo uuuuuu parece que se andou a fazer ao cargo de secretátio fotógrafo. Só a D. Germana destoa do azul. 


Para complemento umas fatias de melão e melancia. Do primeiro ainda comi uma pequennininhhaaa. Sério. Mas desde uma célebre semana de campo em Vendas Novas que não provo melancia. Mas isso são outras histórias. E o azul continua da cor do céu.

Até que ficam bem no prato. Mas não sei para onde se sumiram. Bá, verde e vermelho...

Uma caneca perdida, mas achada à posteriori. Não devemos quebrar o sigilo de a quem pertencia. Mas o dono dela andava lá por longe, despistado como habitualmente.

Um belo coração em filigrana de ouro, ex-libris de Gondomar. Pertence a uma componente do Grupo Etnográfico que mais tarde actuaria para nós. E aqueles cordões, que dariam para pagar uns tantos jantares de marisco...

Os nabos de S. Cosme ganhariam a estes, mas isso também são outras histórias.

E mesmo que passem encostados com a barriga ao balcão, há camaradas a quem ela nunca se esvai.

O camarada Súcio, que me conhece de ginjeira, ajudou a montar a segurança ao Bicho Porco.

Mas como é muito versátil e dá para todas as especialidades, veio juntar-se ao Quim na segurança aos pipos.

Esta história nunca mais acaba porque o Porco dura e dura e dura...

Alguns dos nossos anfitriões fizeram o favor de "pousar". Só não sei que lata era aquela e o que continha...

O Carlos Silva só está bem quando lhe dão alguma coisa para a mão. Mesmo que ninguém o ouça, o microfone tem de estar próximo. Quer esteja desligado ou não. Para ele tanto faz. E para nós também. Mas o bolo comemorativo estava bom mesmo, até para os diabéticos.

A D. Germana ajudou o Silva organizador da Festa a partir e distribuir o dito.

Os primeiros lateiros não podiam ser outros. Um Bandalho e um Lobo.

Ó p'a eles - e elas - desconsoladinhos, esperando como pobres a esmola.

O Bicho Porco estava finalmente à maneira para se lhe deitar o dente. O Presidente Bandalho já estava com pena dele. Não foi por nada, é que depois do bolo é proibido comer porco.

Mas quem não comeu bolo, come porco e a sua costelinha. Demorou umas horas, mas valeu a pena.

Para terminar a confraternização, o mestre de cerimónias foi buscar alguns elementos do Grupo Etnográfico para a rapaziada acabar o dia em beleza.

Música a rolar, Grupo a ensinar e a rapaziada a dar ao pé.

"Prontos"... é tudo por hoje.
Agora já comia mais umas costelinhas, mas esqueci de levar a marmita.

Rapaziada, até ao dia 13 na nossa sede, O Choupal dos Melros
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Notas de CV:

- Ecu's - Ex-combatentes do Ultramar
- Bandalhos - Ex-combatentes pertencentes à tertúlia do Bando dos Melros/Tabanca dos Melros

Vd. último poste da série de 20 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10412: Convívios (475): I Encontro do pessoal do Pel Rec Daimler 2208 (Mansoa/Mansabá e Bissau) ocorrido no passado dia 28 de Julho de 2012 em Porto Alto (Ernestino Caniço / Carlos Pinto)

Guiné 63/74 - P10488: Do Ninho D'Águia até África (15): O "Caneta" (Tony Borié)

1. Continuação da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (15)

O Caneta

O carro da “Psico-Social” foi um invento, creio que do comando da unidade militar a que o Cifra pertencia, pelo menos era o que constava na altura, mas talvez não, talvez fosse um invento de Lisboa ou do comando militar da província, que na altura era comandado por um general cujo segundo nome, era Schulz, difícil de pronunciar, parecendo que este nome, não era de origem portuguesa. Alguns até brincavam com a situação e diziam:
- Este nome, deve de ser de origem alemã, ou de descendentes muito antigos, daquelas princesas germânicas, que se intrometeram na família real inglesa, herdou este território e o governo de Portugal o mandou para aqui, para olhar pelos bens que os seus antepassados lhe deixaram.

Ao que outros logo respondiam:
- Mas se isso é verdade, não tinha nada que me mandar para aqui, pois eu não sou seu escravo porque não lhe pertenço, o meu pai e a minha mãe tinham cédula de nascimento e não carta de alforria.

Enfim, coisas para rir, que não têm qualquer senso, mas quem sabe, se lermos com alguma atenção, as diversas versões, algumas contraditórias, que foram publicadas em todo o mundo, contando a história do continente Africano, moralmente, talvez tivessem só um bocadinho, mesmo muito pequenino, de razão, pois no caso de Portugal, não nos podemos esquecer que era a Companhia Ultramarina, não se sabia com que capitais, com armazéns, barcos e cais de embarque, nas principais vilas ou lugares importantes, que negociava e transportava, quase todos os produtos que saíam da então província da Guiné.

Com todo este blá, blá, blá, o Cifra não está querendo associar a Companhia Ultramarina, à “Royal African Company”, nem pensar, longe de nós, semelhante comparação. Mas continuando com a narrativa, pois já estamos a ir longe de mais com pormenores, pois o Cifra, está a falar única e simplesmente pelo que na altura em que lá se encontrava e todos nós tivemos oportunidade de observar, e que não deve ter nada a ver com a guerra que todos nós, antigos combatentes, estivemos envolvidos e que ainda hoje, os que têm o privilégio de estar vivos, recordam e continuam a sofrer com algumas dessas malditas recordações. Portanto vamos continuar, esta viatura era um Unimog, coberto com uma cobertura de pano oleado, tanto na cabine como na zona de carga, tinha instalado uma aparelhagem sonora, com quatro altifalantes, colocados no topo da viatura, tipo funil, tal como se usava nos arraiais das festas e romarias, nas aldeias e vilas de Portugal.

A missão desta viatura era percorrer algumas aldeias, nas redondezas do aquartelamento e não só, distribuindo panfletos, alguns com a fotografia de um militar, com uma arma à tiracolo e com uma criança africana ao colo, dizendo, num português acrioulado, que os militares estavam ali para proteger, ajudar, ensinar, curar feridas, dar medicamentos, enfim, fazer tudo o que o Criador ainda não tivesse feito.

Algumas vezes, o “Pastilhas”, o tal cabo enfermeiro, que fazia de doutor, ia na viatura, com uma mala à tiracolo, com uma cruz vermelha desenhada na frente, onde levava, entre outras coisas, comprimidos, álcool medicinal, tintura e ligaduras, e desinfectava com álcool, depois pincelava com mercurocromo, deitando em seguida um pó branco, envolvendo com ligaduras, algumas feridas nas pernas e nos pés, que alguns africanos, já com idade avançada, tinham principalmente dos joelhos para baixo, dizendo mais ou menos isto:
- Mézinho do sinhô dotô, faz manga di bom

Era só o que o “Pastilhas” sabia dizer em português acrioulado.

Quase todos sabiam, que após a viatura abandonar o local, as ligaduras eram removidas, para os mais novos enrolarem e fazerem uma pequena bola de futebol, sendo as feridas lavadas com água, às vezes suja, e as moscas e outros insectos iriam poisar de novo nelas.

A aparelhagem sonora era utilizada por um africano em quem os militares confiavam, que falava em crioulo, ou outro dialecto, dizendo o que só ele entendia, pois os militares não percebiam.

Esta viatura, depois de fazer a sua viagem, quase diária, ficava estacionada, dentro do aquartelamento, perto do local onde o Cifra dormia, e era aí que o “Caneta”, pegando no colchão, no travesseiro e no rádio portátil, ia dormir, quando os ataques de tosse contínua, o apoquentavam, e ele não queria acordar, ou molestar, com os ruídos da sua tosse, os seus companheiros.

O Caneta era um cabo escriturário, de estatura média, cara de criança, pois quase não tinha barba, com uma madeixa de cabelo preto, caída para a frente, que lhe cobria os olhos e parte do nariz, que ele arredava para os lados com a mão, segurando sempre um lápis ou uma caneta, de onde, talvez daí lhe viesse o nome. Era ele quem fazia as “ordens do dia”. Fazia cinco cópias, que distribuía por diversas repartições do aquartelamento e arquivava o original, às vezes fazia mais uma cópia, quando algum militar era louvado ou qualquer outra coisa digna de registo e entregava por mão própria a esse militar. Também escrevia, e lia, os aerogramas e as cartas a alguns militares menos habilitados para o fazerem, portando sabia coisas privadas, desses militares, que confiavam nele e gostavam da maneira com ele escrevia, porque começava sempre os seus escritos com uma letra maiúscula cheia de floreados, pois tinha alguma habilidade para o desenho, e às vezes fazia o rosto de alguns, mais populares, como era o caso do Curvas, alto e refilão, com uma arma na mão.

O Caneta não comia quase nada, quando a comida vinha para a mesa, ele procurava uns bocaditos de qualquer coisa, que colocava na boca, mastigava e raras vezes engolia, só gostava de pão, bebia muita água, por vezes quando lhe apertava a sede, bebia dos bidons de água, que estavam a arrefecer dos três furos que havia ao fundo do aquartelamento, de onde saía água quente, mesmo muito quente, a cheirar a enxofre ou coisa parecida, por vezes com pó e insectos mortos ao de cima, onde ele soprava a superfície, mergulhando a sua cara de criança, incluindo a madeixa de cabelo preto, bebendo por alguns segundos, levantando a cara e com alguma satisfação dizia:
- É suja, mas é boa.

Mais ou menos aos treze meses de estadia na província, começou-lhe aquela tosse. Primeiro era só um catarro, depois era mesmo tosse, ficava aflito quando alguém estava a fumar perto dele e a tosse quase o sufocava, os olhos ficavam vermelhos, colocando a mão na garganta em sinal de aflição.

Os colegas sabendo dessa situação, não fumavam junto dele. Foi ver o “Pastilhas”, o tal cabo enfermeiro, que o analisou, mandou-lhe abrir a boca, escutou-lhe o peito e logo lhe disse:
- Tens que ir amanhã, no carro dos doentes, a uma consulta ao hospital da província, estás a ficar muito “infezado”.

Lá foi à consulta, onde o doutor o analisou, lhe mandou tirar algumas radiografias e o mandou embora de regresso à unidade militar, e que fosse de novo à consulta na semana seguinte, para mais detalhes.

Vai à consulta na semana seguinte e muitas outras. Anda com uns comprimidos e com um frasquito de xarope no bolso, de onde toma uns goles, sempre que é atacado pela tosse contínua. A tosse agora, prolonga-se por minutos, fica com cor vermelha no rosto, os olhos chorosos, e passado uns minutos de tosse, na sua boca, aparece alguma saliva com uma cor vermelha, que limpa a um farrapo, restos de uma camisa do Cifra, pois o Caneta já tinha gasto todos os farrapos da sua farda.

Na próxima sexta-feira vai de novo ao hospital da capital da província, no carro dos doentes, vê um novo doutor, pois o antigo tinha ido para Portugal, faz novas radiografias e regressa à unidade militar, dizendo no dormitório, para quem o quisesse ouvir:
- Não comam nem bebam por objectos que eu tenha tocado, pois estou tuberculoso.

Todos os presentes ficaram tristes e admirados com a informação, guardando silêncio, excepto o Curvas, alto e refilão, que num ataque de fúria diz:
- Filhos da puta, são todos uns filhos da puta!

A guerra para o Caneta acabou.

Começou outra guerra, agora não combatia guerrilheiros, combatia uma doença que naquela época era quase mortal. Recolhe todos os seus haveres, que coloca no saco do exército e numa malita, incluindo o seu rádio portátil, onde ouvia entre outras coisas, o relato de futebol do seu clube em Portugal. Na semana seguinte vem para a metrópole, como então se dizia, para um sanatório numa montanha, no centro de Portugal. O Cifra, não mais teve notícias do Caneta, mas nunca o esqueceu, e quando regressou a Portugal, como a sua aldeia ficava não muito distante dessa montanha, vai um dia de bicicleta, a essa região de hospitais sanatórios para tentar encontrar o Caneta.

Encontrou um velho, com cara de criança. Magro, muito magro, o cabelo raro e cinzento, uns olhos iguais, com algum brilho, as orelhas finas e saídas, trazia vestido uma bata branca que lhe cobria o corpo até aos pés, estava sentado na borda da cama, com um lápis na mão direita e um bloco de papel branco na mão esquerda, tentando desenhar a cara de um militar com uma arma na mão, cercado de arame farpado, talvez lembrando o seu antigo aquartelamento, na província de onde foi evacuado, já doente. O rádio portátil, estava lá.

Assim que viu o Cifra, levanta a cara, larga o bloco de papel, que caiu no chão, fica com o lápis na mão direita, levanta-se com algum custo da cama, dá uns passos para o Cifra, dizendo:
- Só podias ser tu, mais ninguém. Ainda nenhum militar do nosso comando me veio ver.

E abraça-se ao Cifra, chorando, com alguns soluços, tentando conter-se. Dava a impressão que lhe custava chorar.

Conversaram, fez algumas perguntas a custo, pois não dizia duas palavras seguidas, sem abrir a boca e tentar pôr algum ar dentro de si, tinha mesmo muita dificuldade em falar, o Cifra respondeu-lhe a tudo o que se lembrava, incluindo o regresso, mas o Caneta sempre lhe perguntava:
- Mas... morreu mais alguém?

E por fim diz, com bastante dificuldade:
- Olha se não tens receio de comer a comida tocada por um tuberculoso, aceita estes figos, que a minha mãe que ontem esteve aqui, me deixou.

O sabor dos figos da mãe do Caneta são a última recordação que o Cifra, nessa altura o To d’Agar, guarda do colega de guerra que foi o Caneta, pois passado algum tempo, foi de novo para o visitar, mas já lá não se encontrava, informaram-no que mesmo débil, foi embora, queria regressar à sua aldeia, porque queria morrer na sua aldeia, junto da sua família. O Cifra, nessa altura o Tó d’Agar, nunca mais soube nada do Caneta, que era oriundo de uma aldeia próximo da Guarda, junto à fronteira com a Espanha, para onde mandou duas cartas, uma pelo Natal e outra pela Páscoa, nunca obtendo resposta.

Oxalá esteja vivo e possa ler este texto, mas, se já não está neste mundo, esta é a sentida homenagem do amigo e combatente “Cifra”.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10467: Do Ninho D'Águia até África (14): O herói "Curvas" (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P10487: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (6): Cacine e o Rio Cacine, deslumbrantes (dezembro de 1969)


Foto nº 49


Foto nº 55


Foto nº 53


Foto nº 54



Foto nº 47


Foto nº  48

Foto nº 51

Foto nº 50

Foto nº 52

Guiné > Região de Tombali > Cacine > Pel Caç Nat 51 > Dezembro de 1969 > Álbum fotográfico do Armindo Batata, ex-alf mil, que esteve em Guileje de  janeiro de 1969 a janeiro de 1970...  De cima para baixo: fotos nºs 49,  55, 53, 54, 47,  48, 51,  50, 52... 

Não sabemos - mas ele vai explicar-nos - o que ele e o pelotão vieram aqui fazer a Cacine, em dezembro de 1969... Possivelmente fizeram a viagem de LDM, de Gadamael a Cacine, uma vez findo destacamento em Guileje, seguindo depois para Cufar. Terá sido assim ?

Temos de reconhecer, até por experiência própria, que o Rio Cacine  é magnífico, que a viagem de barco é emocionante e que a vila de Cacine deveria ser uma terra encantadora em finais de 1969, com os seus altos poilões e cabaceiras...  Continua a ser hoje, apesar da sua decadência, um dos mais lugares mais exóticos e belos da Guiné. Estive lá em março de 2008, tendo atravessado o rio entre as duas margens (Cananima / Cacine). Cananima não existia no nosso tempo, é hoje um porto e aldeia piscatória.

Fotos: © Armindo Batata (2007). / AD - Acção para o Desenvolvimento Todos os direitos reservados [Fotos editadas por L.G.]







Guiné > Mapa da província (1961) > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Guileje, Gadamael  Porto e Cacine, no sul, região de Tombali.

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de outubro de 2012 >  Guiné 63/74 - P10465: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (5): Guileje: a messe de oficiais...

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10486: Os Soldados não morrem, apenas tombam no campo de honra (2) (José Martins)

Todos fomos INFANTES: 
Infantes na Idade; 
Infantes no Esforço; 
Infantes no Combate; 
Infantes na Nobreza, 

Somos soldados mal-amados, não só depois de mortos, mas ainda em vida!

Monumento de homenagem AO VALOR DO INFANTE, em Mafra


Os que caíram pela Pátria!

Os soldados não morrem, apenas tombam no campo da honra!

Por José Martins

Terminada a invasão francesa e afastada que estava a possibilidade de nova investida estrangeira, a Família Real, acompanhada da Corte, continuava a sua estadia no Brasil, enquanto em Portugal o povo se interrogava sobre o seu destino: era uma “colónia” do Brasil e um “protectorado inglês”, já que cá quem “reinava”, em nome do monarca o oficial inglês, William Carr Beresford, depois 1.º Marquês de Campo Maior, acumulando o comando das forças do exército.

Em 1815 formou-se o "Supremo Conselho Regenerador de Portugal e do Algarve", integrando oficiais do exército e maçons, com o objectivo de “libertar Portugal do domínio inglês” e restaurar a salvação do país. Chefiados pelo General Gomes Freire de Andrade e Castro, foram denunciados em Maio de 1817, julgados e executados em 18 de Outubro. O General Gomes de Andrade no forte de São Julião da Barra e, os restantes, no Campo de Santana, hoje Campo Mártires da Pátria, em Lisboa.

Durante uma deslocação de Lord Beresford ao Brasil, onde foi solicitar ao monarca mais poderes, no regresso foi impedido de entrar no país. Em 24 de Agosto de 1820, reuniram-se no Campo de Santo Ovídio, no Porto, hoje Praça da República, grupos de militares que, depois de ouvirem missa e dar uma salva de artilharia como inicio do levantamento, reuniram-se na Câmara Municipal dando origem à “Junta Provisional do Governo Supremo do Reino”, constituída por representantes de militares, do clero, da nobreza, da magistratura, da universidade, do comercio e das várias províncias do norte, cujo objectivo primeiro era:
● O imediato retorno da Corte para Portugal, visto como forma de restaurar a dignidade da antiga Metrópole, deslocada para o Brasil; e
● A restauração da exclusividade de comércio com o Brasil.

No mês seguinte, a 15 de Setembro de 1820, um grupo de oficiais subalternos, apoiado pela burguesia e pelo povo, depõem os regentes e constituem um Governo Interino. A 28, os governos de Lisboa e Porto, unem-se numa única “Junta Provisional do Governo Supremo do Reino”, para organizarem a eleição de Cortes Constituintes. As Cortes reúnem-se em 30 de Janeiro de 1821, aprovando uma Constituição provisória e um Conselho de Regência, para governar em nome de Dom João VI.

O monarca deixa o Brasil em 26 de Abril e chega a Lisboa em 3 de Julho de 1821. O Brasil proclama a independência a 7 de Setembro de 1822 e no dia 23 desse mesmo mês, é jurada a Primeira Constituição Portuguesa.

D. João VI, quando regressou a Portugal, deixou como regente o seu filho D. Pedro, herdeiro da coroa portuguesa, que se tornou imperador de Brasil em 12 de Outubro de 1822. Entretanto o monarca, D. João, tinha nomeado a sua filha D. Isabel Maria de Bragança como regente do reino, na ausência do herdeiro e seu irmão.

Assim, à morte do monarca, a 10 de Março de 1826, D. Pedro IV assume a coroa portuguesa, mas dias depois abdica a favor da sua filha D. Maria da Glória, em 28 de Março de 1826, uma vez que, a constituição brasileira, lhe vedava a possibilidade de ser soberano de mais que um país. Para obviar a possibilidade de D. Miguel, seu irmão, reivindicar a coroa de Portugal, ficou assente que a sua filha casaria com o tio, tentando, assim, selar um armistício entre os partidos que, cada uma das figuras tutelava: liberais e absolutistas.

Independência ou Morte! do pintor paraibano Pedro Américo (óleo sobre tela, 1888) © Foto: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/40/Independence_of_Brazil_1888.jpg

A 23 de Junho de 1828, D. Miguel é proclamado Rei pelas Cortes Gerais do Reino. O novo monarca anula a Carta Constitucional e restabelece as antigas leis. O novo monarca é reconhecido pelo Vaticano, Espanha e Estados Unidos, enquanto as outras potências se mantêm na expectativa.

É exactamente nesse ano, de 1828, em que se comemoravam os 700 anos da Batalha de São Mamede, a primeira guerra civil portuguesa, que se inicia uma fase da nossa história, ligada à sucessão da coroa, que irá terminar numa nova guerra civil, que se prolongaria por quatro anos, envolvendo não só as ilhas atlânticas, mas estendendo-se, rapidamente, a todo o território nacional.

É perante este e outros acontecimentos que D. Pedro I, do Brasil, em 7 de Abril de 1831, abdica a favor do seu filho D. Pedro II, dirigindo-se para os Açores, onde irá formar exército para defender o direito ao trono de sua filha D. Maria. Nas ilhas dos Açores trava o Combate do Pico do Seleiro, ilha Terceira (4 de Outubro de 1828); a Batalha da Praia da Vitória, ilha Terceira (11 de Agosto de 1829); o Recontro da Ladeira do Gato, ilha de São Jorge (Abril de 1831) e o Combate da Ladeira da Velha, ilha de São Miguel (3 de Agosto de 1831).

Dos Açores parte para o norte do país, desembarcando na Praia dos Ladrões, rebaptizada como Praia da Memória, dando-se o Cerco do Porto (entre Julho 1832 - Agosto 1833), seguindo-se as Batalhas da Ponte Ferreira, freguesia de Campo, concelho de Valongo (23 de Julho de 1832); Batalha do Cabo de São Vicente (5 de Julho de 1833); a Batalha de Alcácer do Sal (2 de Novembro de 1833); a Batalha de Pernes (30 de Janeiro de 1834); de Almoster (18 de Fevereiro de 1834); de Sant’ana (24 de Abril de 1834) e da Asseiceira (16 de Maio de 1834).

A paz regressou ao reino com a assinatura da Convenção de Evoramonte em 26 de Maio de 1834, determinando o regresso ao trono da rainha D. Maria II, o exílio na Alemanha de D. Miguel e o fim da Guerra Civil Portuguesa.
Porém, esta guerra civil, marcaria o final de umas centenas de anos de nacionalidade, em que, no final de cada batalha, recolhidos que eram os corpos dos oficiais caídos em combate, ficavam os corpos dos soldados tombados no campo de batalha, aguardando não só serem “encontrados” pelos familiares, ou o habitual saque, especialmente aos estrangeiros, das populações próximas ou que se movimentavam atrás dos exércitos, mas que alguém lhes desse sepultura, que mais não era que uma vala comum aberta no local.

Esta guerra, a travada entre 1831 e 1834, foi a última em que este triste espectáculo aconteceu.
A partir desta altura, o campo de batalha mudou-se para África e Ásia, já que na América do Sul, o território brasileiro não era mais possessão portuguesa.

O estranho na situação de abandono dos corpos, tratando-se de corpos de militares, que mais não são do que “povo em armas em defesa da Mãe Pátria”, contrasta com a forma como, à época, as populações reagiram à lei, datada de 21 de Setembro de 1835 e assinada por Rodrigo da Fonseca Magalhães, que impunha a construção de cemitérios em campo aberto assim como a cobrança de taxas, e de tal forma “mexeu” com as populações que, uma dezena de anos depois de publicada, ainda não tinha sido implementada.

Um novo decreto, datado de 28 de Setembro de 1844, assinada por António da Costa Cabral, que vem reforçar a lei anterior de Rodrigo da Fonseca, reforçando não só a proibição do enterramento de defuntos nas igrejas, mas impondo o registo do óbito e a obtenção de licença sanitária para o depósito dos corpos nos cemitérios construídos a céu aberto, tendo de pagar despesas pelo funeral.

Revolta da Maria da Fonte 
© in A Ilustração v. II, pagina 71 

É daqui que resulta a Revolta da Maria da Fonte, iniciada em Fontarcada, uma freguesia da zona de Póvoa do Lanhoso, no Minho, e com forte participação feminina. O rompimento com uma tradição multissecular, só podia ser “obra do diabo”.

Os políticos não conseguem conter as crescentes manifestações populares, que já envolvem cartistas e setembristas, ou mesmo liberais e miguelistas, fazendo recuar aos problemas contemporâneos das Lutas Liberais, até que os militares passam à acção e se envolvem nas “contendas”.

Estes acontecimentos iniciam-se a 10 de Outubro de 1846 e, de golpe ou golpes, de revoltas, de intentonas, de alianças feitas e desfeitas, de convenções, de juntas governativas, tumultos e ameaças de intervenção estrangeira, falando-se, também, da abdicação da Rainha D. Maria II a favor de seu filho Pedro, futuro D. Pedro V, com a nomeação de um regente face à pouca idade do príncipe.

A Quádrupla Aliança assinada em 21 de Maio de 1847, formada pela Grã-Bretanha, Espanha e França e, logicamente por Portugal, vem sossegar os ânimos e, no cumprimento do articulado da mesma, a rainha D. Maria II, anuncia uma amnistia geral e promete cumprir com as condições do protocolo assinado.

Muitos nomes, de vários quadrantes políticos e militares, correm nas bocas de governantes ou governados, vindo tudo a acabar na Convenção de Gramido, assinada na Casa Branca do lugar de Gramido, em Valbom, Gondomar, em 19 de Junho de 1847, voltando a reinar no país a calma, pelo menos, aparente.

O apetite das potências europeias, dos finais de XIX, por África, alertou para a necessidade de Portugal rever a sua posição neste universo, já que o seu vasto império espalhado pelo mundo o tornava “mais pequeno” aos olhos das nações.

Mapa cor-de-rosa, apresentado por Portugal 
© Foto Google (DR) 

Por proposta de Portugal, tendo como país anfitrião a Alemanha e como organizador o Chanceler Otto von Bismark, é convocada a Conferência de Berlim, que decorre entre 19 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885, tendo representantes da Grã-Bretanha, França, Espanha, Itália, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Estados Unidos da América, Suécia, Áustria-Hungria, Império Otomano, além de Portugal e da Alemanha, que não tinha territórios em África.

Foi nesta conferência que a África foi retalhada, “redesenhada a régua e esquadro, fazendo tábua rasa da história, etnias e laços familiares do povo africano”. Os portugueses, que de certa forma se estabeleciam perto da costa, sem avançarem muito para o interior dos territórios, tinham alterado o seu procedimento e iniciaram o desbravamento do interior do continente africano, de tal forma que, aos fazerem o percurso “de Angola à Contra Costa (Moçambique)” e criando o célebre Mapa Cor-de-Rosa, puseram em causa planos acarinhados pela Inglaterra, que era a ligação por via férrea, sempre assente em território britânico, da cidade do Cabo, na África do Sul, ao Cairo, no Egipto, projecto de Cecil Rhodes.

Desta “nova atitude de Portugal” levou a que a Inglaterra, aliada de Portugal de longos anos que, em forma de memorando entregue, pelo Lord Salisbury em 11 de Janeiro de 1890, um “Ultimato” exigindo a retirada da força militar que se encontrava na zona situada ente Angola e Moçambique, comandada pelo Major Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto.

Painéis de azulejos. Pátio dos Canhões – Museu Militar - Lisboa 
© Foto José Martins 

É a partir destes acontecimentos que se iniciam as Campanhas de Ocupação ou Pacificação, em África, que levou à mobilização de muitos militares para fazerem parte do Exército Colonial, já que existia um exercito colonial e um exército metropolitano, dependentes do Ministério das Colónias, o primeiro, e do Ministério da Guerra, o segundo. Muitas foram as expedições enviadas para as possessões, a fim de submeterem à soberania portuguesa as populações revoltadas, e que se prolongaram para além do final da Grande Guerra.

Os militares que tombavam em África, já tido como dado adquirido, ficariam sepultados lá, nos cemitérios das povoações próximas, cuja manutenção era atribuída às unidades que lá se encontravam.

Quando a Alemanha declarou guerra a Portugal, em 6 de Março de 1916, já há bastante tempo que as tropas portuguesas se batiam contra os alemães em África: a Sul de Angola, onde ficava a África Ocidental Alemã; e a Norte de Moçambique, separada da África Oriental Alemã pelo Rio Rovuma.

Porém, era no teatro de guerra na Europa, que os governantes deste país, eleitos nos escrutínios que se seguiram à Implantação da República de 5 de Outubro de 1910, pretendiam entrar. Várias razões eram invocadas, para tal: a já várias vezes citada Aliança com a Inglaterra; a vontade de aparecer, ao lado das potências europeias, na assinatura de rendição da Alemanha; o manter as suas possessões de além-mar, já de si ambicionadas, por acordos secretos entre a Inglaterra e a Alemanha; a vontade de se apresentar com uma postura diferente da Espanha, apresentando valores diferentes.

Os ingleses embora não inviabilizando a hipótese da nossa colaboração, adiavam sempre essa possibilidade, até que essa “oportunidade” surgiu, no mês de Fevereiro de 1916, quando os ingleses por falta de “meios navais de transporte”, solicitam o aprisionamento dos navios que se encontrassem ancorados nos portos lusitanos.

Painéis de azulejos. Pátio dos Canhões – Museu Militar - Lisboa 
© Foto José Martins 

A 9 de Março seguinte, a Alemanha, pela mão de Friedrich Von Rosen, faz a entrega ao Ministros Português dos Negócios Estrangeiros da declaração formal da declaração de guerra, apesar de já ter havido vários combates com os portugueses em África desde 1914.

A 15 de Junho seguinte, o governo britânico convida, formalmente, a entrada de Portugal na guerra, ao lado dos aliados.

As condições de combate em África, apesar de adversas para os nossos soldados, já eram bastante conhecidas. Os Oficiais e Praças do nosso exército, conheciam bem o terreno, o clima e, sobretudo, os nossos opositores, instigados ou não por intuitos e interesses estranhos à nossa politica de além-mar.

Foram necessários esforços sobre-humanos para reunir e treinar, em pouco tempo, cerca de cinquenta e sete mil homens para formar o Corpo Expedicionário Português, além de mais cerca de trinta e dois mil mobilizados para África [Imagens da I Guerra Mundial – EME 1998 – pagina 193].

Em França, os militares do CEP encontraram uma forma diferente de combate: a guerra de trincheiras. Era um sistema da valas comunicantes onde, as unidades destacadas para a linha da frente viviam em condições insalubres, até porque as condições atmosféricas eram muito mais rigorosas e onde, o frio e a chuva não davam tréguas, provocando alagamentos onde, para tornar mais fácil a vida, era necessário recorrer a bombas de escoamento de água.

Quando soava a artilharia, antecedendo um combate próximo, poucas vezes não deixava no terreno vários mortos mas, se coincidia cair dentro de alguma trincheira, os números subiam, dependendo da quantidade de militares que se encontrassem nesse espaço, apesar do “desenho” das trincheiras prever essas defesas contra explosões. Depois havia as patrulhas na “terra de ninguém” que, ao cruzarem-se patrulhas antagonistas, acabavam por deixar os seus mortos nessa zona, até que a sorte de avanços e recuos, permitisse dar sepultura condigna.

A Pátria coroando um soldado português tombado em combate – Grande Guerra 
Pintura de Veloso Salgado – 1923 
Sala da Grande Guerra – Museu Militar – Lisboa (DR) 

Quando havia “barragem de fogo de artilharia”, o cair desordenado das granadas provocava, a maior parte das vezes o “enterramento” dos corpos caídos, mas também a sua reaparição, quando o solo era revolvido com a queda das granadas. Em 9 de Abril de 1918, deu-se a Batalha do Lys, assim apelidada pelos aliados, enquanto os Alemães lhe chamaram “Operação Georgette”, onde as forças do CEP sofreram uma das maiores ofensivas registadas em toda a guerra, tendo provocando um elevado número de baixas, entre mortos, feridos, desaparecidos e prisioneiros, sendo certo que unidades inteiras quase desapareceram.

Em França, segundo as fontes consultadas, foram registados 2086 militares “Tombados pela Pátria”, tendo as seguintes causas: Combate – 1310; gaseados – 70; desastre – 121; doença – 529; outros motivos – 56. Deste número, só 1882 têm sepultura conhecida, repousando 1831 em Richebourg, 44 em Boulogne-sur-Mer e 7 em Antuérpia. Registaram-se, como prisioneiros, 439 Oficiais e 6840 Praças, e feridos e/ou incapacitados 12.508 militares [Imagens da I Guerra Mundial – EME 1998 – paginas 164, 180 e 193].

O primeiro militar português a tombar foi o Soldado António Gonçalves Curado, mobilizado pelo Regimento de Infantaria n.º 28, da Figueira da Foz, tendo embarcado para França em 22 de Fevereiro de 1917. Tombou em combate, na Flandres, no dia 4 de Abril de 1917. Foi transladado, para a sua terra natal, onde chegou a 31 de Julho de 1929, por iniciativa do Município de Vila Nova da Barquinha, onde os seus restos mortais foram depositados no Monumento Mausoléu, erigido para o efeito.

Em África, onde Angola e Moçambique faziam fronteira com possessões alemãs, tiveram combates desde 1914, nos quais tombaram 5621 militares, sendo 810 em Angola e 4811 em Moçambique. Foram registados, também em Angola 683 feridos e/ou incapacitados, enquanto em Moçambique eram registados 1592 militares.

A Campa Rasa, o Cristo das Trincheiras e o Lampadário – Sala do Capítulo – Mosteiro da Batalha 
© Foto Google (DR) 

Para saldar a “dívida de gratidão” de Portugal para com os seus “Militares tombados pela Pátria”, e na linha seguida pela Itália, Bélgica e Estados Unidos da América, seguido no ano de 1922 pela Grécia, Jugoslávia e Polónia, o governo tomou a decisão de fazer trasladar um soldado tombado na Flandres e outro tombado em Moçambique, que seriam inumados na Sala do Capítulo do Mosteiro da Batalha, em campa rasa, o que viria a acontecer no dia 10 de Abril de 1921.

Apesar de, desde a implantação do regime republicano em Portugal, estar a exercer o seu mandato o 7.º Presidente da República e estar no Governo o 30.º Presidente do Conselho, todos eles, Presidente e Governo, olhavam o esforço dos militares como uma dádiva à Pátria, quer tombassem em combate, na defesa directa nas possessões portuguesas, quer fosse noutro local, como em França, para onde foram defender, ainda que indirectamente, o direito à manutenção da nossa soberania. Embora a terra tenha continuado o seu percurso de rotação sobre si, e a rotação à volta do sol, o ser humano manteve-se fiel à sua decisão de dominar o seu semelhante e, por este, o próprio mundo.

Em África, na Ásia ou na Oceânia, onde quer que houvesse alguma possessão portuguesa, continuávamos a ter uma presença militar para, em colaboração com os recrutados localmente, se ir mantendo a “lei e a ordem”, missões essas atribuídas às forças armadas, além da administração desses territórios, mantendo para tal, os militares dos Quadros Coloniais ou, se necessário, o envio de forças de reforço. Foi assim que, após o eclodir da II Guerra Mundial, e em consequência da evolução das tropas do eixo no terreno, que Portugal, já em regime de Estado Novo, e a Espanha, após a guerra civil espanhola, acordam entre um Pacto de não agressão, a fim de manter a neutralidade face aos acontecimentos que, em crescendo, vai envolvendo uma parte substancial dos países do globo.

É neste conflito que os países beligerantes “descobrem” as ilhas atlânticas portuguesas, nomeadamente os Açores e Cabo Verde. Nos Açores e, por arrastamento, a Madeira, são reorganizadas e redistribuídas pelas ilhas as forças locais, que também são reforçadas com tropas mobilizadas no continente.

Cabo Verde - Ilha de São Vicente - Mindelo - Cemitério de Mindelo – 1943 
Foto do álbum de Luís Henriques (1920-2012), ex-1º Cabo nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5. Oferecido pelo seu amigo Boaventura no dia 17-8-1943, dia em que ficou livre da junta (hospitalar). 
© Foto: Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné (DR)

Diferente foi em Cabo Verde. A reorganização do exército, prevista para este arquipélago, ainda não se tinha iniciado, pelo que foi necessário guarnecer este território com tropas metropolitanas que, devido à distância e falta de equipamentos, foi necessário transportá-los, via marítima e, no local, encontrar forma de desembarcá-los.

Aí ficarão, para sempre, os militares que, devido à agressividade do clima, não resistiram às doenças. Impressionantes são as imagens que nos chegaram, dos arquivos dos próprios expedicionários que, quando se preparavam para regressar à metrópole, não deixaram de desfilar “em continência” perante as campas dos seus camaradas, num adeus sentido, que só os militares sabem sentir.

A vintena de anos que marcam a transição da primeira para a segunda metade do século XX, da África à Oceânia há um “vento de revolta” que vai mudar a face daquela parte do planeta.

A 15 de Agosto de 1947, a coroa inglesa concede a independência à Índia, passando este território a ser governado por Jawaharlal Nerhu. Assim que é declarada uma Republica e aprovado o texto governamental, em 26 de Janeiro de 1950, a União Indiana passa a reivindicar a posse dos territórios que Portugal detinha naquelas paragens. Em 24 de Junho de 1954, sem qualquer aviso prévio ou sinal que o fizesse prever, invade e ocupa os territórios de Dadrá e Nagar Haveli e impede a entrada naqueles territórios de qualquer força militar não indiana. Perante esta invasão, Portugal envia mais forças militares para a região, tendo-se registado o total de cerca de 12.000 efectivos e três navios de guerra. Dada a defesa ser muito difícil, devido à dispersão dos territórios e, face ao início da revolta armada em Angola, é decidido baixar os efectivos para cerca de 3500 militares, tendo sido os excedentes distribuídos pelos outros territórios.

Estado Português da Índia em 1961

Como em 1954, e após um incidente ocorrido em 17 de Novembro de 1961, começam a notar-se alguns movimentos militares que têm o seu epílogo no dia 18 de Dezembro seguinte, quando o Estado Português da Índia é invadido por uma força militar de cerca de 45.000 efectivos. A aviação ataca as embarcações que se encontram na área e, desta forma, dá-se o último combate da Marinha Portuguesa no Índico. Em terra, dada a fraca qualidade dos armamento e pouca quantidade de munições, e sendo a proporção do ataque de 10 para 1, contra as nossas forças, foi transmitida a ordem de “alto ao fogo”, dando-se a rendição.

No rescaldo desta acção houve 31 militares tombados e 57 feridos em combate, e o aprisionamento de 3306 militares, encontrando-se entre eles o próprio governador, além de um número indeterminado de civis.

O Governo de Portugal recusa-se a negociar com a União Indiana, ficando os prisioneiros “abandonados” nos campos de concentração, até que em Maio de 1962, se iniciou a repatriação dos prisioneiros, através de uma ponte aérea para Carachi, no Paquistão, e daqui para Lisboa em três navios enviados de Lisboa, tendo chegado a Lisboa em 22, 26 e 30 desse mês de Maio de 1962.

Quando chegam a Lisboa os navios que transportam os ex-prisioneiros de guerra da Índia, os militares repatriados só saíram sob forte dispositivo de segurança militar, sendo esta atitude justificada “pela necessidade de os proteger da população, que os queria linchar pela cobardia demonstrada”.

No cais apenas alguns familiares e amigos dos regressados.
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 4 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10479: Os Soldados não morrem, apenas tombam no campo de honra (1) (José Martins)

Guiné 63/74 - P10485: Notas de leitura (414): "História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936", por René Pélissier (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Agosto de 2012:

Queridos amigos,
O segundo e último volume da história da Guiné de René Pélissier abarca a última década do século XIX até à última campanha de pacificação, em 1936. Temos, pois, o período da confirmação de fronteiras, das dolorosas guerras de Bissau, das guerras luso-mandingas e de um interminável número de expedições por todo o território, ficando bem claro que mesmo com a chegada da República a vida dentro de Bissau não era segura; as campanhas de Teixeira Pinto irão revolucionar o modo de relação ente animistas e muçulmanos e a autoridade portuguesa.
A bibliografia citada por Pélissier é gigante, fica-se com a quase certeza que demorará muito tempo a aparecer um investigador como ele.

Um abraço do
Mário


A história da Guiné por René Pélissier (3)

Beja Santos

A seguir à Convenção Luso-Francesa (1886) as fronteiras do enclave conhecido poe Guiné portuguesa ficam praticamente definidas (haverá campanhas de demarcação), impunha-se uma ocupação efetiva do território, a celebração de acordos de paz com etnias recalcitrantes, a compra de vassalagens e a exploração de alguns conflitos interétnicos. No princípio, tudo se revela difícil: os Papéis à volta de Bissau andam constantemente agressivos, Mussa Molo, diretamente ou por entreposto agente, devasta até ao Geba, o que leva a que, em Janeiro de 1892, Sousa Lage vá à frente contra Mali Boiá, a expedição sobe ao regulado de Mancrosse, arrasam-se tabancas e seguem depois para Mansoná, prossegue-se para Gussará, a resistência é mínima, a coluna sairá vitoriosa e depois regressará a Geba. Mas Mussa Molo não cede, ele detém o poder real no Alto-Casamansa, é o senhor do Firdu, também no Casamansa. Em 1893, Mussa Molo pede ao comandante de Farim para atravessar o posto e o rio a fim de fazer a guerra na região do Geba, parece uma fanfarronada, de imediato vêm canhoneiras defender Farim e travar as ambições de Mussa Molo. As autoridades portuguesas pedem às autoridades francesas para porem cobro às ameaças de Mussa Molo. O torno luso-francês está em marcha para esmagar este dirigente insubmisso, incómodo para as duas partes. Prosseguem as guerras em Bissau, dispendiosas e em que as populações dentro da fortaleza estão permanentemente inseguras. A autoridade portuguesa alarga-se no final do século. Em 1896, há postos militares em Geba, São Belchior, Sambel-Nhanta, Contabane, Cacine, Bolola, Cacheu, Farim e Buba. Com êxito, procede-se contra os manjacos de Caió. Em 1897, parece que se pôde obter a paz contra os Mandingas e os Soninquês. É o exato momento em que Infali Soncó, régulo do Cuor, ganha posições e pretende fechar o Geba ao comércio dos portugueses. Infali Soncó será uma permanente dor de cabeça até 1908, altura em que uma expedição militar de grande envergadura porá o régulo em fuga.

As campanhas militares serão uma constante até 1936: o governador Júdice Biker lança-se no Oio contra os Soninquês e consegue impor o imposto de palhota (1902), o Oio fica aparentemente domesticado; haverá frequentes expedições contra os Papéis e de repente surge um aventureiro senegalês ao serviço dos portugueses, Abdul Indjai, irá revelar-se um fiel apoiante de Teixeira Pinto mas mais tarde será deportado devido aos seus excessos; o governador Muzanty fará uma expedição aos bijagós e depois ao Cuor, segue-se a campanha de Badora contra o Beafadas e também contra os Beafadas do Quinara, por fim contra os Felupes de Varela. René Pélissier traça o quadro dfe Adbul Indjai esse mercenário tão complexo: inicialmente foi um comerciante ambulante que passou por Ziguinchor; terá entrado na Guiné em 1894, ao serviço de uma casa francesa e depois apresenta-se ao lado do governador Sousa Lage; parece ter-se ficado em Geba no início dos anos 1900, encarregando-se de fazer com que o imposto fosse pago pelos Soninquês; teria um bando de senegaleses ao seu serviço e ter-se-ia instalado no Ganadu de onde pilhava aldeias de Mandingas e Fulas; em 1906 foi deportado durante ano e meio para São Tomé pelo governador Muzanty; perdoado, teria regressado à região de Geba, onde foi alistado na campanha de Muzanty contra os Beafadas de Badora e do Cuor; corajoso condutor de homens, era um senhor da guerra em toda a acepção do termo; com os sucessos do Oio e a fuga de Infali Sonco, Muzanty nomeou-o régulo do Oio e do Cuor.

É neste contexto de campanhas intermináveis, de embaraçantes guerras fiscais, de operações contra os balantas, e tendo ocorrido a queda da monarquia e o aparecimento da República, que René Pélissier elenca um conjunto de factos de importância indiscutível: a criação da liga guineense, formada por notabilidades, comerciantes que reclamavam uma maior autonomia, atraindo para a sua causa funcionários e profissões liberais; com a República e o reconhecimento do direito à greve, ocorrem greves logo em Junho de 1911, em Bolama; persistindo as sublevações, repensa-se um plano de conquista e o capitão João Teixeira Pinto (1913-1915) entrou em ação. René Pélissier diz a seu respeito: “Não veremos em Teixeira Pinto um brilhante produto de uma escola de guerra pois que, sem grande diferença, retoma os métodos de todos aqueles que tiveram de se bater com a ajuda de irregulares na Guiné, desde Marques Geraldes em 1886, Sousa Lage, em 1891-1892, Graça Falcão em 1897 e, em certa medida, Júdice Biker, em 1902, no Oio. Onde a sua superioridade se anuncia com mais clareza é na sua minúcia e na sua perseverança. Além disso, beneficia de 3 circunstâncias favoráveis e de um trunfo inestimável: a) o seu teatro de operações está inteiramente circunscrito entre os rios Cacheu e Geba, de onde uma centralidade colonial que lhe evita fricções com os Franceses e encurta singularmente as suas linhas de abastecimento; b) chefe de um Estado-maior de um governador pacífico (Carlos de Almeida Pereira) a quem tem de forçar a mão; c) tem muito poucas tropas, mas alguns bons oficiais e, sobretudo, sabe encontrar e utilizar chefes de mercenários à altura das suas aspirações. A esse respeito, um Abdul Indjai ou um Mamadu Sissé vão compensar pela sua coragem e pelo seu ascendente a fraqueza dos efetivos portugueses; d) obsidiado por uma ideia fixa: ser o liquidador das bolsas animistas, não tem naturalmente muitos escrúpulos em utilizar os islamizados contra esse reduto insubmisso”. Segue-se a descrição das diferentes campanhas de Teixeira Pinto que culminam com a pacificação da Península de Bissau, tudo termina com a rendição de Biombo em 20 de Julho de 1915.

Teixeira Pinto é chamado à metrópole e inicia-se um período que vai levar à prisão de Abdul Indjai, ocorrem novos focos de revoltas, em 1915 Calvet de Magalhães manda construir a primeira pista rodoviária de Bafatá a Bambadinca e em 1921 surge um governador que deixará rasto, Velez Caroço. O autor designa-o por um verdadeiro mouro de trabalho e obnubilado pelo exemplo do general Norton de Matos em Angola. Será ele quem transformará a Guiné fluvial numa Guiné terrestre: rasgam-se caminhos para Farim, Bafatá, Cacheu e destas para além fronteiras. É um tempo febril de construções no sertão, Velez Caroço é um homem de estradas e pontes. Não obstante, no seu tempo ocorre uma sublevação dos balantas de Nhacra, prontamente sufocada. Velez Caroço adverte que não contemporizará com quaisquer sublevações. Em 1925 obriga à submissão os Bijagós rebeldes.

Chegou o período da Ditadura Nacional, o sucessor de Velez Caroço é Leite de Magalhães, antigo governador do Cuanza Norte, as últimas rebeliões serão sufocadas, com destaque para a dos Felupes de Susana. Parece que se chegou a um clima de aceitação do poder português: cobram-se impostos, criam-se estradas e pontes, e em 1936 o autor regista um problema de fundo, o relacionamento entre os portugueses metropolitanos na Guiné e os cabo-verdianos, os brancos dizem abertamente que estes cabo-verdianos instruídos têm uma mentalidade de guarda de forçados das galés em relação aos negros. A tal propósito escreve o autor: “A Guiné volta a ser uma colónia de Cabo Verde, ou melhor, de certos cabo-verdianos, bem mais claramente que durante o período de 1879-1909. Em 1936, metade dos funcionários de craveira média são cabo-verdianos. Nos 6 mil civilizados e assimilados da Guiné, em 1933, avalia-se que mais de metade são cabo-verdianos”.

Em 1936, com a 4ª e última campanha de Canhabaque, nos Bijagós, chegou oficialmente a pacificação. A Guiné irá ficar ordeira até à luta armada, em 1963. Entretanto, com o pós-guerra, a Guiné irá conhecer uma fase de franco desenvolvimento graças a um governador de exceção, Sarmento Rodrigues. Mais adiante, recorrendo ao trabalho de António Duarte Silva, iremos falar desse tempo.
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Nota de CV:

Vd. postes da série de:

28 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10447: Notas de leitura (412): "História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936", por René Pélissier (1) (Mário Beja Santos)
e
1 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10462: Notas de leitura (413): "História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936", por René Pélissier (2) (Mário Beja Santos)