sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 – P11004: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (23): As emboscadas

1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, BissorãOlossatoMansoa, 1965/67), com data de 23 de Janeiro de 2013:

Caros e prezados amigos Luís, Vinhal e M. Ribeiro:
Recebam o abração de sempre.
Em anexo, uma história tirada do meu caderno de memórias.

Passem bem.
Rui Silva


Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra. 

Do meu livro de memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa” 

23 - As emboscadas

A operacionalidade da Companhia de Caçadores 816, certamente semelhante a muitas outras, no terreno, passava principalmente pelas seguintes ações:

Principalmente (e ligadas diretamente à guerra):

- Golpes-de-mão a refúgios do inimigo (as então chamadas “casas-de-mato”) dentro da quadrícula distribuída à Companhia.
- Defesa dos ataques ao aquartelamento
- Saídas para montagem de emboscadas ao inimigo.

Outras (que se relacionavam de algum modo com a guerra, mas não diretamente):

- Patrulhamento (batida ao terreno) na área da periferia adstrita ao aquartelamento.
- Recolha de nativos (operação “psico”) em moranças ou pequenas tabancas “clandestinas” algures no mato e controladas pelo inimigo
- Operações “Vaca” (no Olossato era bife XL todos os dias)
- Idas à lenha e/ou à água.
- Proteção aos nativos nas capinagens, apanha de mancarra, recolha de xabéu, etc..


Falando do 3.º item: EMBOSCADAS

Era das coisas não menos importantes neste tipo de guerra, mas que raramente surtiam qualquer efeito. Era muito difícil intercetar o inimigo no terreno, que ele conhecia muito bem, como as suas próprias mãos. Assim era certo que eles evitavam os carreiros, trilhos e principalmente as estradas, pondo-se assim a coberto de qualquer cilada da nossa parte.

Quando optavam utilizar os trilhos usavam muito a tática de enviar 1 ou 2 homens à frente, desarmados, tipo batedores, e denotando pacíficos caminhantes. Após alguns minutos então vinha o “grosso” da coluna: homens armados, pelo menos alguns, então transportando armas, víveres (normalmente arroz), caixas e cunhetes de munições diversas, livros, prospetos, isto é, diverso material bélico e também didático ou propagandístico.

A maior parte das vezes, no entanto, eles não davam qualquer sinal de vida; conhecedores do terreno como ninguém e sabendo a movimentação da tropa, esta controlada muitas vezes por carteiro adiantado.

Assim, a tropa normalmente regressava de uma emboscada, e, como se costuma dizer, de mãos a abanar. Houve uma altura que a Companhia, no efetivo de um pelotão, fez sucessivas emboscadas em Colissaré baseadas em informações de que o inimigo fazia por ali um corredor para (ou de) Morés. Nada, nada resultou. Eles conheciam bem o chão que pisavam e assim evitavam-nos, ao passo que a tropa via-se normalmente forçada a deslocar-se através dos carreiros e trilhos que havia, senão queria perder-se, ou mesmo por estrada, aqui necessariamente quando auto-transportada. Quero com isto dizer que assim éramos muito mais vítimas de emboscadas montadas por eles, do que algozes das nossas. Podia então bem dizer-se que o mato era deles e as povoações eram nossas. No entanto pode dizer-se que quando havia refrega, mesmo no mato, a vantagem e qualquer que fosse o sítio do recontro, era invariável e nitidamente nossa, pelo menos na zona do nosso domínio e parecia que quase em toda a Guiné. Isto em 1965-67. Em quase dois anos luta da 816 na Guiné pode-se dizer que as emboscadas - e foram largas dezenas - que eles nos montavam normalmente acabavam por debandada deles face ao nosso poderio quer em homens quer na qualidade do armamento e porque não dizer à nossa audácia. Ao cair da nossa primeira morteirada normalmente acabava com a emboscada. Normalmente eles usavam a tática do bate-e-foge. Ressalve-se no entanto e por paradoxal que pareça, que os nossos dois mortos foram-no em emboscadas e em alturas diferentes e feitas em retaliação a nossa “provocação” (leia-se: ataques nossos) e uma delas bastante forte. Foi feita inicialmente à base de arremesso de granadas de mão. Saraivada delas.

Tínhamos já ouvido falar deste tipo de emboscadas. Provaríamos mais tarde deste veneno. Um Furriel miliciano morto e vários feridos foi a consequência desta audácia inimiga.
Dizia-se que os lançadores das granadas que se posicionavam natural e necessariamente muito próximo da picada eram elementos que faziam isso por castigo - castigo por qualquer traiçãozinha na tribo.

Eles também eram duros na sua disciplina, sabia-se. O castigo muitas vezes era pô-los a atuarem como lançadores de granadas em emboscadas às nossas tropas.
A probabilidade de serem atingidos, e foram, era grande, daí uma missão para castigados,… ou drogados (também se ouvia isto).

Verdade se diga, que à medida que os meses passavam eles também ofereciam cada vez mais resistência, pois para além de irem obtendo armamento mais sofisticado, iam sendo mais bem organizados. E depois os cubanos e outros mercenários - O pequeno partido (?) que eles tiravam, então, das suas emboscadas, na altura, talvez fosse mais psicológico, como que a demonstrar a sua força (…), o querer dizer nós estamos aqui e não vos queremos cá, para além de nos fazer gastar munições. Lembro-me que em resposta a uma simples rajada da “costureirinha” (isto nos primeiros tempos), nós despejávamos os carregadores (periquitices). Com o tempo aquela rajada do inimigo, se isolada, não tinha resposta. Ao fim de alguns meses conhecíamos o tipo de tiro ao sair do cano. Aí já não era um sexto sentido mas um sétimo talvez. Era impressionante aí já o feeling da malta com o boom do tiro.

Vou contar, em primeiro lugar, (o assunto é “emboscadas”) o que se passou com uma das emboscadas feitas pelo meu Grupo de Combate, feita não muito longe muito da “casa-de-mato” de Iracunda, mais concretamente em Cudana, e que teve o seu quê de insólito.

( Insólita era a guerra também).
 Estávamos então a 26 de Fevereiro de 1966.

O meu Grupo de Combate foi então incumbido de fazer uma emboscada em certo ponto de um carreiro, em plena zona de Cudana, onde e pelos vistos, presumia-se (informações que chegavam) que passavam por lá elementos terroristas com alguma regularidade. Com o meu Grupo de Combate foram alguns dos nativos voluntários do Olossato que sempre se prontificavam a ir a qualquer espécie de operação, pois isso sempre lhes rendia alguns “Pesos”. Chegados ao carreiro pré-identificado e depois de escolhermos um lugar que nos oferecesse boas condições de êxito, instalamo-nos o melhor possível e eu, fiquei, ou melhor procurei ficar, junto de dois pretos veteranos, os tais que esgravatavam pesos. Perto de mim estava também o “bazookeiro do meu GComb, o “Doutor”.

Eu gostava de estar junto de um ou mais indígenas, daqueles calejados (alguns já andariam há pelo menos dois anos naquilo) e veteranos, pois estes além de silenciosos eram muito atentos, até parecia que nem pestanejavam; pressentiam o inimigo ainda bem longe e até ainda que oculto. Parecia que tinha um “faro” para descobrir pessoas e denunciar ou prever as oscilações climatéricas, isto é, o tempo que ia fazer dali a pouco, ou dali a muito.

Estávamos ali emboscados havia já algumas horas, quando um dos pretos que estavam ao pé de mim me tocou e sussurrou:
- Furriel, vêm aí dois pessoais bandido.

Então, sem me agitar muito, procurei vislumbrá-los entre a folhagem que nos encobria o que com dificuldade consegui, pois vinham ainda muito longe e mal se distinguiam no emaranhado do mato, e então aqui a ideia que eu fazia de que os pretos, pelo menos os mais experimentados e que nos acompanhavam operacionalmente, eram dotados de um sexto sentido incomum, saiu reforçada, pois fiquei deveras impressionado como eles toparam os dois “turras” a tão longa e sinuosa distância. Tomei o devido cuidado pois eles podiam muito bem vir armados, segurei a arma em posição adequada. O silêncio que era quase absoluto até aí, passou a sê-lo mesmo pois então e pelos vistos, entretanto, toda a malta já estava prevenida da aproximação dos dois indivíduos.

Eles vieram pelo carreiro onde nós estávamos emboscados e no seu andar normal. Então e aqui é que tem o seu quê de piadético, qual não é a nossa surpresa, eis que eles, precisamente à nossa frente, numa pequena poça de água, que se calhar ninguém tinha reparado da sua existência, resolvem despir o seu reduzido e rudimentar trajo e aprestam-se para aquilo que seria uma banhoca. Julgo que a poça de água ali foi uma coincidência.

Detrás de uma pequena sebe saltam logo o “Fafe” (mais tarde com grande condecoração e já falecido há algum tempo, já depois do regresso - paz à sua alma), que era sempre o primeiro nestas coisas, outro soldado que não reconheci, mais o Sargento Tavares, que em jeito de far west, de armas sobre a anca e apontadas aos tipos, ordenam-lhes que se rendam. Um então, que era um verdadeiro atleta, tenta logo fugir, mas uma rajada, que lhe esfacelou um braço, faz-lhe gorar os intentos e então deixa-se dominar. O outro, que tremia de alto a baixo, nada tentou e… também nunca mais deixou de tremer. Bom, de qualquer forma, armados ou não, eles seriam sempre apanhados, mas, na circunstância, não havia armas em seu poder. A piada da história está então no raro azar que eles tiveram em lembrarem-se de se refrescarem logo naquele sítio mesmo em frente da tropa emboscada. Trouxemo-los para o Olossato. O ferimento provocado pela rajada não foi de modo a que ele não pudesse prosseguir pelo seu pé, mas, de vez em quando, fazia-se desfalecer e atirava-se declaradamente para o chão. Claro que isto provocava atraso no regresso da coluna e então logo nos apercebemos que a intenção dele era precisamente essa: retardar o mais possível a nossa marcha para que os seus colegas de uma base ali perto, que seria provavelmente a de Iracunda, uma vez alertados com a nossa rajada feita momentos antes, tivessem tempo de vir ao nosso encontro e fazerem-nos uma emboscada. Mas não, nada houve.

Mas, a emboscada de maior êxito, a emboscada que resultou no aprisionamento de mais de 10.000 (!) cartuchos de diversos calibres e no infligir de 4 confirmadas baixas e mais 2 feridos - ficaram aos olhos de toda a malta - foi uma levada a cabo pelo 2.º Grupo de Combate da 816 e que por si só justifica este “Post” . Adiante também o extrato do relatório que regista o acontecimento.

Este Grupo instalou-se num ponto estratégico do trilho que ligava Bissajar a Maqué e intercetou um grupo de 6 terroristas que transportavam à cabeça sacos cheios de munições, na circunstância cartuchos e mais cartuchos.

Foi nesta emboscada que se constatou que eles tinham a tática de mandar uns minutos antes alguém à frente e desarmado. O homem nem sonhou que tinha passado pouco antes por dezenas de G3 apontadas.

Foi uma caçada em grande, que teve o seu quê de insólito, pois tal êxito era de todo em todo inesperado.

Aquela quantidade de cartuchos e cujo destino provável era a base de Maqué, dava para um ataque a um quartel durante uma noite inteira, calculamos nós. Como o quartel mais próximo era o nosso, logo deduzimos que provavelmente aquilo estava reservado para um ataque a Olossato. A 566 (que nós fomos substituir no Olossato), que diga do ataque que lhes fizeram na véspera de deixarem a guerra.

Esta foi então uma emboscada que resultou de uma forma bastante positiva (captura de armamento e baixas ao inimigo) pois, como já disse, na grande maioria das vezes eles nem sequer davam sinais de si a não ser às vezes um ou outro que aparecia, que muitas das vezes nem “turra” era, embora fosse tomado como tal e consoante a zona em que era intercetado.


Um Obus no Olossato, calibre 8.8 (granadas de 11,54 Kg; alcance de 11800 jardas)

Na foto acima um dos dois Obuses no Olossato ao tempo (1965/66). Duas secções de Artilharia superiormente comandadas pelo meu grande amigo Alf. Miliciano M. Brandão que quando o inimigo, para atacar o aquartelamento, se instalava preferencialmente no outro lado da pista das aeronaves e precisamente de frente para os Obuses, dado aquele julgar, erradamente, que eles só batiam zonas distantes, mas aconteceu ser necessário fazer tiro direto, inclusive para junto do arame farpado (trilho entre os Obuses e a pista das aeronaves)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 DE NOVEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 – P10701: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (22): O Boby

Guiné 63/74 - P11003: Efemérides (118): Data da Operação Irã (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 23 de Janeiro de 2013:

Boa Noite
Em resposta à questão colocada como comentário ao post 10990*, em anexo remeto o que consegui apurar.

Por cruzamento de dados, o que faço normalmente por deformação profissional - sou contabilista - o facto deve ter ocorrido em 1965, já porque as unidades que participaram na operação só chegaram à Guiné em data posterior a mesma data do ano de 1964.

Um grande abraço
José Martins


DATA DA OPERAÇÃO IRÃ

► ► Suponho que a questão que se coloca, é a referência que consta nas páginas 30 e 31, mapa, no que concerne ao nº 3
“1965 – Maio – Operação Irã – Tropas portuguesas atacam guerrilheiros na zona do Morés, controlada pelo PAIGC”
(In Correio da Manhã – Revista Domingo – separata da edição nº 12.277).

 ► ► Na obra “GUERRA COLONIAL (Angola – Guiné – Moçambique)" de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes - Edição do Diário de Noticias - Fascículos publicados entre 21/9/97 e 13/9/98”, refere: 
Na “Fita do tempo” ou “Cronologia” refere com data de 1965.05 (Maio de 1965):
Acção das forças portuguesas na região do Morés, Guiné, com captura de diversos material de guerra, incluindo metralhadoras Borsig, Bren e M52, minas A/C TM-46, granadas-foguete, granadas de mão, etc.

► ► No caderno nº 2 da colecção “As Grandes Operações da Guerra Colonial”, edição de 10 livros publicados entre 8 de Julho e 9 de Setembro de 2010, refere, na página 4, como “abertura de texto”:
“Golpe de Mão no Morés Em 3 de Maio de 1965, uma segunda-feira, duas companhias de Artilharia lançam um ataque a posições da guerrilha numa das mais difíceis zonas de guerra da Guiné – o Mores, por onde as tropas portuguesas nunca se tinham aventurado. A acção militar – com o nome de código de Operação Irã – foi um êxito relativo. Conseguiu-se a captura de cerca de uma tonelada de material de guerra – mas o PAIGC continuou a controlar a zona. Ao longo do conflito, de resto, as tropas portugueses só muito pontualmente penetravam no Morés.”
No desenvolvimento do texto refere que as Companhias de Artilharia são as 566 e 730. [É mencionada a CArt 556, mas não existe na Guiné. Deve ler-se “566”].

► ► Nos cadernos “Os anos da Guerra Colonial” de Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso, composto por 16 cadernos, editado por QuidNovi em 2009, no nº 6, relativo ao ano de 1963, na página 32, refere: 
“Maio, 3 Operação IRÃ – Acção das forças portuguesas na região do Mores, Guiné, com captura de diverso material de guerra. Esta operação foi realizada pelo Batalhão de Artilharia 733 (Companhias de Artilharia 566, 730 e 732) que alcançaram arrecadações de material com metralhadoras Borsig, Bren e M52, minas A/C TM-46, granadas foguete e granadas de mão. Ao descolar com o material capturado um helicóptero foi atingido. O Morés era já uma área controlada pelo PAIGC e, como sucederia ao longo da guerra, as forças portuguesas só pontualmente ai penetravam.”


► ► Do 7º Volume - Fichas das Unidades – da Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974)

► Breve historial do Comando de Agrupamento nº 16
Mobilizado pelo Regimento de Infantaria nº 1, na Amadora, foi comandado pelo Tenente-coronel José Augusto Henriques Monteiro Fortes Pinto Soares, tendo como Chefe do Estado Maior o Major de Infantaria António Coelho da Silva e, posteriormente, o Major de Artilharia Raul Pereira Baptista.
Tinha como divisa: “Juntos Venceremos”
Embarca em 23 de Maio de 1964 e desembarca em Bissau em 30 de Maio de 1964.
O regresso foi em 14 de Maio de 1966.
Em 15 de Junho de 1964, ainda instalado em Bissau, assume a responsabilidade da zona Oeste, que incluiu Bula, Farim e Mansoa.
A partir de 31 de Julho de 1964 instala-se em Mansoa.
Foi rendido pelo Comando de Agrupamento nº 1976 em 13 de Maio de 1966.


Breve historial do Batalhão de Artilharia nº 733

Mobilizado no Regimento de Artilharia Ligeira nº 1, em Lisboa, e comandado pelo Tenente-coronel José da Glória Alves e, posteriormente, pelo Tenente-coronel Orlando Rodrigues da Costa e tinha como divisa “Valorosos, Audazes, Corajosos”.
Tinha como unidades orgânicas além da CCS, as Companhias de Artilharia nºs 730, 731 e 732.
Embarcaram em 8 de Outubro de 1964 e chegaram a Bissau a 14 de Outubro de 1966.
Regressaram em 7 de Agosto de 1966 (A CArt 730 regressou em 14 de Agosto de 1966).



Breve historial da Companhia de Artilharia nº 566

Mobilizada no Regimento de Artilharia Pesada nº 2, em Vila Nova de Gaia, comandada pelo Capitão de Artilharia Adriano de Albuquerque Nogueira, tendo por divisa “Bravos e Sempre Leais”.
Foi mobilizada para Cabo Verde onde esteve até 28 de Julho de 1964, mas foi deslocada para a Guiné, trocando com a Companhia de Caçadores nº 414.
Inicialmente em Bissau foi, em 4 de Setembro de 1964, para Bissorã em reforço da guarnição local, tendo um pelotão no Olossato, no dispositivo de manobra do Batalhão de Artilharia nº 645.
Fez operações no Morés, Iracunda, Cansambo, Maqué, entre outras.
A 9 de Dezembro de 1964 a companhia é deslocada para o Olossato, com a responsabilidade do subsector criado na zona de acção do BArt 645.
A 25 de Setembro de 1965 regressa a Bissorã e em 24 de Outubro de 1965, recolhe a Mansoa e posteriormente a Bissau.


Breve historial da Companhia de Artilharia nº 730

Além do referido no BArt 733, era comandado pelo Capitão de Artilharia Amaro Rodrigues Garcia.
Após o desembarque foi para Bironque, em reforço da Batalhão de Cavalaria nº 705, de 13 de Outubro a 23 de Novembro de 1964, instalou-se em Bissorã.
Para actuar nas região de Morés e Tiligi, esteve na área do BArt 645 e em reforço deste, desde 14 de Dezembro de 1964 até 4 de Junho de 1965.
Em 7 de Junho de 1965 assumiu a responsabilidade do subsector de Jumbembém, destacando um pelotão para Canjambari, até 20 de Julho de 1965 altura em que se desloca para Farim, até 8 de Agosto de 1966, data em que regressa a Bissau para embarque para a metrópole, pelo que não regressou com o Batalhão.


OBS: - Emblemas da colecção do nosso camarada Carlos Coutinho.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10990: Efemérides (116): 50 anos anos da guerra colonial no CTIG ? 23 de janeiro de 1963, o fim do princípio ou o princípio do fim (José Martins / Carlos Silva)

Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10996: Efemérides (117): O início da guerra no CTIG há 50 anos: Nova Lamego, Bissau, Bedanda... O paraíso... perdido (set 62/mai 63): filme de George Freire, ex-cap inf QP, a viver nos EUA há meio século (Virgínio Briote / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P11002: História da CCAÇ 2679 (61): A vingança serve-se fria (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 23 de Janeiro de 2013:

Ora viva Carlos,
Depois da pompa e circunstância de apresentação do Cândido Morais, quiçá a personagem mais importante de Perre desde que integrou o blogue, hoje apresento-te uma página negra da estória daquele furriel miliciano.
Está ali tudo, tim-tim-por-tim-tim. Que o traste seja julgado na praça pública, e se não houver galés, que seja condenado a presentear-me com outro salsichão de que ele herdou a mestria da composição.
E ainda tem que dar o vinho.
Que comigo não há imunidade, nem prescrição.

Se repararem, na fotografia da tela sobre o Morais, não faltam os acepipes, nem o vinho, entre outras coisas. Espero que se divirtam com uma estória verdadeira.

Para ti e para a Tabanca vai aquele abraço
JD


A VINGANÇA SERVE-SE FRIA

Tinha saído com os primeiros alvores para uma patrulha pela fronteira, com emboscada num imaginado trilho de penetração. O dia fora igual a tantos outros: palmilhámos uns quilómetros pela mata, abancámos junto a um trilho à espera de ninguém, prolongámos o passeio ao longo da fronteira por mais algum tempo, comemos meia ração, e bebemos a água do cantil, que naqueles azimutes parecia uma bebida fina. A meio da tarde, quando andava próximo da ZA de Pirada, decidi regressar à base. Tínhamos ainda tempo diurno para o que fosse necessário.

Despedimo-nos à entrada do arame, e cada um tomou o rumo do alojamento. Encostei a arma no lugar do costume, junto à cama onde dormia. Abri o armário do bacalhau, e remexi à procura de uma camisa ou camisola (na época ainda não se usava o termo t'shirt) sem pó, despi-me, enfiei os chinelos, peguei na saboneteira, e dirigi-me para a "sala das orgias". Ali, convenientemente nuzinho, abri a torneira da espécie de duche, e recebi a água morna numa torrente de muito agrado. Lembrei-me do que um gajo qualquer me contou à chegada: que naquele dia o Morais tinha recebido uma encomenda com vários salpicões que o pai lhe mandara. E rematou com uma superlativa apreciação à qualidade dos enchidos. Enquanto passava a toalha pelo corpo, afiava o dente para atacar um bocado da maravilha.

A "sala das orgias" deve a designação a uma inspiração pictórica da minha parte. 
O segundo painel representa uma pintura abstracta, como abstractos seriam a maior parte dos pensamentos dos utilizadores da cagadeira. 
O painel que segue, representa um penico estilizado, indicador da função atribuída ao local. 
O último dos painéis homenageia os aflitos, ali representados pelo cãozinho que só tinha 3 patas, e um dia, muito aflito para chichizar, levantou uma pata e caiu

Saí daquela sala, e ouvi vozes na messe, logo ali à frente. Para lá me dirigi pois tinha distinguido o Morais entre os palrantes.

- Então Morais, hoje houve salpicãozinho de Perre? - Perguntei, mas com uma sonoridade afirmativa.
- Eh pá, o meu pai mandou-me uns salpicões de categoria, - afirmou visivelmente agradado o nosso tropa.
- Porreiro pá, arranja aí um bocadinho, que eu venho com uma fome do diabo.
- Oh pá, já não há nada, estes gajos são uns brutos a comer. Estava a ver que nem chegava para mim, - retorquiu tranquilo.
- O quê? Então não tiveste a lembrança de guardar um bocadinho para mim? - Interroguei-o acusadora e ofendidamente.
- Eh pá, que é que queres? Para já não eram muitos, e depois estes gajos atacaram neles que nem selvagens.

E para acentuar a sua inocência, virou-se para os outros e perguntou-lhes:
- Oh rapazes, eram bons ou não?

Os rapazes, apalermados, responderam quase ensaiadamente que sim, que o pai dele devia mandar mais e mais vezes.

- Foda-se pá!!! - Reagi com indignação. - Quando recebo uma encomenda tenho sempre a preocupação de me lembrar de ti, e agora pregas-me a partida,-  respondi com desagrado.

Virei costas e fui para o quarto, por uma camisa e calções, que a hora do jantar aproximava-se. Dirigi-me ao armário para qualquer coisa, para colocar umas gotas de Old Spice para me preservar do cheiro a catinga, ou por outra razão, e deparei com alguns aerogramas ali amontoados na desorganização arrumativa que me caracteriza. Tan-Tan!!! fez-se-me uma luz.

Tirei um dos aerogramas, peguei na esferográfica, sentei-me na cama, e com um livro a fazer de base escrevinhadora, endossei o correio para o Exmo. Senhor Manuel Luís Morais, Perre, Viana do Castelo, Metrópole.

Depois escrevi-lhe a dar boas notícias do filho, da amizade que todos nutríamos por ele, e expus a razão da minha comunicação. Estava-se mesmo a ver, claro, que os salpicões não tinham chegado para mim, e que o filho cometera a enorme falha de não me guardar um bocadinho para prova. Como sabia que o senhor era inexcedível nas relações familiares, e sendo eu um amigo indefectível do Cândido, imaginava quanta alegria lhe iria proporcionar, por poder enviar-me uma pequenina encomenda com um salpicão.

Não veio um. Vieram quatro ou cinco, numa embalagem destinada ao Fur Mil José Dinis.

Ao jantar ainda gozaram comigo, uns sacanas ordinários, que não só realçavam a qualidade dos aromatizados enchidos, como me tratavam por lorpa, como se tivesse ido voluntariamente para o mato, para mais, calculem, com meia ração de combate. Alinhei naquilo, e a rapaziada divertia-se à minha custa.

Poucos dias depois, antes do almoço, tirei um salpicão, abarbatei-me a uma cervejola e a um naco de pão, e sentei-me à mesa quando o pessoal se dispunha para almoçar.

- Que é isso pá? - Alguém questionou.
- Não tens óculos? Vai buscá-los que logo vês, já que pelo cheirinho não distingues uma salsicha de uma bota da tropa. - E ferrei a naifa na carne apetitosa.
- Eh pá, dá-me um bocadinho, - pediu outro.
- Não posso! - Respondi seco, enquanto mastigava uma fatia do gostoso salpicão.

Não demorou nada para que se iniciasse o burburinho. Eles pediam, tratavam-me de merdoso egoísta, ameaçavam roubar-me o salpicão, e eu respondia que não podia dar, que da última vez também não me deram nada, e que fodia com tiros o primeiro que ousasse roubar-me.

Afastei-me da mesa e apercebi-me de como aceitaram o argumento. Daquela multidão indignada, acerco-se o Morais, muito cuidadosamente, a referir-me que o salpicão era mesmo parecido com os salpicões do pai dele. Respondi-lhe que os salpicões são todos parecidos. Pediu-me para provar, mas lembrei-lhe que não senhor, ele ainda há poucos dias não tivera o misericordioso acto de me guardar uma fatia quando o pai lhe enviara éne salpicões.

De repente o Morais transforma-se em provocador perigoso, e dizia que o salpicão, de certeza, era de casa do pai, e questionava-me onde é fui arranjar aquilo. Desfeiteei-o mais uma vez, e insinuei que fosse ao Vítor pedir um vallium para acalmar. Mas o Morais estava a perder a cabeça, e insistia que sabia muito bem que o salpicão era da sua casa. Onde é que eu arranjara aquilo?

O pessoal, entre o divertido e o indignado, se não fazia apostas, já se mostrava tenso com o desenvolvimento da contenda. O Morais estava mais que desconsolado, estava irritado e ameaçador.

Arrumei o salpicão na folha de papel, e, provocadoramente, prometi oferecer a alguns depois do jantar. Mas só a alguns, sublinhei. Com o serviço da bianda (ou seria esparguete?) o pessoal amainou.
No fim da refeição disse a um para ir ao meu armário buscar a encomenda, que eu estava mais generoso. Quando veio a encomenda o Morais foi logo identificar a letra do pai, e quase perdia a cabeça.

- Eu sabia! Eu sabia que o salpicão era da casa do meu pai.
- Pois sabias, - confirmei eu, - o que tu não sabias, e parece que não queres saber, é que os salpicões são meus, e foram oferecidos pelo teu pai, um gajo porreiro, aliás, que não tem comparação com o merdoso do filho que está na Guiné.

Desatámos a rir, a trinchar e a comer os milagrosos salpicões que, de facto, revelavam grande saber na composição e manifestavam uma tão grande satisfação ao palato
Acabou em festa, e os outros sacanas nunca mais pensaram em ressarcir-me daquele inopinado extra.

JMMD


2. Comentário de CV:

Ainda sobre esta saborosa (literalmente) estória, que só podia ter sido urdida por "um José Manuel Matos Dinis", cabe aqui e agora um aditamento por parte do visado, o nosso recente camarada Morais:

Meus caros
Eu tinha medo que esta história viesse a lume... na verdade, eu lembro-me desse episódio, mas infelizmente só na parte da minha zanga com o Dinis.
Eu recebia realmente várias encomendas de Perre e lembro-me que gozava de boa saúde porque pegava no presunto e no chouriço que sobrava para mim, dirigia-me à padaria e pedia lá um casqueiro dos grandes, que enchia com alho e cebola, que depois cobria com presunto ou chouriço, conforme a circunstância. Eu creio que isso ajudou a preservar, e muito, a minha saúde física e mental.


O motivo da minha zanga, não estava relacionado com o facto dos amigos se alambazarem com o conteúdo das minhas encomendas, pois eu acabava por distribuir por eles quase tudo, mesmo até aqueles frascos de uvas engarrafadas com aguardente, que tantas angústias me suavizaram, ou as latas de conserva que o meu pai esvaziava em casa, para encher com rojões de porco da última matança caseira, envoltos na sua própria banha (uma delícia!).
Eu zanguei-me porque estava persuadido que o Dinis violara uma coisa que para mim era sagrada, que era a encomenda do meu pai, vinda da minha terra, que todos os dias lembrava com saudade. Eu creio que ele até é benevolente comigo quando agora fala na minha zanga, porque eu penso que passei para além do que ele relata (se não sabeis, sou do signo Touro, afeiçoado à terra, parece que meigo e paciente, mas violento...).


Mas, se o Dinis diz que escreveu para o meu pai, também sei que o meu pai não teria hesitado em corresponder a esse apelo, e por isso acredito no que ele diz. Aliás, foi o meu pai que quis ter o prazer e a honra de ser o primeiro dos progenitores a receber os meus amigos (aquela cambada...) na nossa casa depois do regresso da Guiné.

Só desejo que o Dinis me perdoe o ar irado dessa altura, embora eu pense ter, logo a partir do dia seguinte, abrandado a pressão e continuado a cimentar a grande amizade que preservamos.

Um abraço.
Cândido Morais

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10979: História da CCAÇ 2679 (60): Ir ou não ir para a vala... eis a questão (Cândido Morais)

Guiné 63/74 - P11001: Notas de leitura (452): Fernando Baginha e o assassinato de Amílcar Cabral (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Janeiro de 2013:

Queridos amigos,
Os artigos de Fernando Baginha são necessários como peças do incomensurável puzzle das motivações profundas sobre o assassinato de Cabral. 40 anos depois, a penumbra continua densa, apesar da muita especulação gratuita em que sem provas se continua a apontar o dedo para a PIDE em Bissau, Rafael Barbosa, Spínola.
Ninguém acredita que numa conspiração em que estiveram envolvidas centenas de pessoas não se encontrasse um só documento, um conjunto de depoimentos articulados da ligação dos executores de Cabral com Spínola. Há uma carta nos arquivos da PIDE em que Fragoso Allas, diretor da delegação de Bissau, dá uma versão para Lisboa em que é impensável que estivesse a fingir nada saber ou a haver conivência com os altos dirigentes guineenses.
Deve doer muito ter que reconhecer que os guineenses não queriam ser dirigidos por cabo-verdianos.

Um abraço do
Mário


Fernando Baginha e o assassinato de Amílcar Cabral

Beja Santos

Fernando Baginha viveu na Suécia, onde trabalhou, durante alguns anos, com o PAIGC. Em 1972 e 1973, foi professor da Escola-Piloto do Partido, na República da Guiné-Conacri, de que chegou a ser diretor. Foi, também, o autor e responsável pelos programas de propaganda dirigidos aos militares portugueses, através das emissões da Rádio Libertação do PAIGC.

Em 4 e 18 de Dezembro de 1980, Baginha escreve no jornal O Ponto acerca do assassinato de Cabral e as repercussões que este teatro teve na vida do PAIGC, na Guiné-Bissau e em Cabo Verde. Diz ter assistido à morte de Cabral e a todo o processo que lhe seguiu, resolveu então tornar públicos factos que calou durante aqueles anos. Em 19 de Janeiro de 1973, os serviços de segurança checos em Conacri avisaram Cabral de que teriam sido detetados indícios de conspiração dentro do PAIGC. Cabral avisou o então responsável pela sua segurança para que tomasse precauções. Tratava-se de Mamadu N’Djai, herói nacional, comandante da frente Norte, três vezes ferido em combate e naquele momento em Conacri em convalescença do seu último ferimento. N’Djai teria feito saber diretamente aos outros conspiradores que o golpe era conhecido. Assim, tudo foi antecipado e a ação decorreu em plena visita oficial a Conacri de Samora Machel e a Joaquim Chissano.

Nessa noite, decorria na Escola Piloto do PAIGC, em Retoma, arredores de Conacri, uma reunião de informações sobre o desenrolar da guerra em Moçambique, presidia Chissano. Cabral e Machel estavam ausentes. À hora em que terminou a reunião, cerca das 23 horas, Cabral já estava morto. O grupo de viaturas que voltava para Conacri ou para outros campos do PAIGC, foi intercetado pelo grupo de revoltosos, sendo presos todos os elementos cabo-verdianos ou com ele conotados. Pela meia-noite, toda a direção política do PAIGC, de momento em Conacri, estava presa. Segue-se a reviravolta, o exército de Sékou Touré intervém em força e prende todos os elementos do PAIGC, revoltosos e vítimas, o golpe parou.

O que se passara, entretanto? O grupo diretamente encarregue de prender Cabral, comandado por Inocêncio Kani, acaba por abater o líder do PAIGC enquanto outro grupo, comandado por Mamadu N’Djai, prende e rapta Aristides Pereira que é levado para um barco de guerra do PAIGC, fortemente amarrado e com ele é levado Buscardini, um dos carrascos dos comandos africanos e morto em 14 de Novembro de 1980.

O grupo que abatera Cabral apresentou-se no Palácio de Sékou Touré, informando que acabara de matar o secretário-geral do PAIGC. Sékou Touré dá-lhes ordem de prisão. Para Baginha, o envolvimento da Guiné-Conacri na tentativa de afastamento da direção cabo-verdiana era por de mais evidente: toda a conspiração ocorreu em Conacri e foi detetada pela segurança checa que obviamente terá avisado Sékou Touré; os executores de Cabral, cumprida a sua nefanda missão, dirigiram-se ao palácio da Presidência para que houvesse reconhecimento do golpe; os revoltosos atravessaram toda a Conacri e saíram do porto, apesar das rigorosas medidas de segurança que existiam. Numa reunião que teve lugar no palácio da Presidência, Sékou Touré informou todos os quadros do PAIGC dos resultados provisórios do inquérito à morte de Cabral: no momento da morte de Cabral encontravam-se em Conacri 429 elementos do PAIGC e 336 estavam a par da conspiração.

Baginha refere os desentendimentos profundos entre Cabral e Osvaldo Vieira, prendiam-se sobretudo com a condução militar das operações. Cabral permitia-se, por vezes depois de longas ausências no estrangeiro alterar completamente planos já estabelecidos. Para mais, Cabral já não entrava nas zonas libertadas da Guiné havia cerca de 3 anos. No dia do assassinato, Osvaldo Vieira estava em Conacri, a tudo assistiu, todos o viram, ele viu tudo e não teve um gesto para evitar o que se passou (recorde-se o que Bobo Keitá escreve no seu livro, já aqui referenciado: foi visto Osvaldo Vieira durante todo o dia na companhia de Inocêncio Kani). Continua Baginha a referir que tendo ficado preso na companhia de guineenses, estes não disfarçavam a sua preocupação e falavam abertamente: Osvaldo era o nome mais citado. Nos interrogatórios perguntaram a todos os inquiridos se teriam ouvido algo sobre o envolvimento de Osvaldo Vieira e em consequência dos inquéritos ele foi suspenso de todas as funções diretivas no partido. Osvaldo Vieira foi conduzido para a zona de Madina de Boé sob prisão. Depois disse-se que teria morrido de doença do estômago. Mas Baginha não tem dúvidas, ele foi executado. No primeiro dia de execuções, foram executados nas três frentes de guerra 69 homens. Sékou Turé não autorizou fuzilamentos em território da República da Guiné. E Baginha diz sem rebuço que o golpe de 14 de Novembro de 1980 não é mais do que a continuação do golpe de 20 de Janeiro de 1973. Com este golpe não restava qualquer dúvida: pretendia-se levar Nino Vieira ao poder.

No segundo artigo, Baginha volta-se para Rafael Barbosa, uma das figuras mais assombrosas e enigmáticas de todo o processo: peça fundamental da subversão dos anos 50 até 1962, foi preso, foi visto como um herói durante uma boa parte da luta armada, classificado como traidor depois da sua confissão pública ao lado de Spínola, preso com a independência, condenado à morte, pena comutada, libertado, de novo herói e logo desmentido. Cabral sempre o considerou o pilar da primeira fase da luta de libertação, tratou-o, até à sua confissão pública, como o presidente do PAIGC. Para Baginha, é com a libertação de Rafael Barbosa, autorizada por Spínola, que irá começar a clivagem entre guineenses e cabo-verdianos. Segundo Baginha a direção política do PAIGC não insistiu muito na condenação de Barbosa devido a dois factos importantes: primeiro, a adesão de cabo-verdianos ao PAIGC ter estagnado; segundo as adesões cresciam exponencialmente a partir de fugas da Guiné, quem chegava a Conacri não escondia a sua admiração por Rafael Barbosa.

Baginha nunca acreditou nas implicações da PIDE no assassinato de Cabral, diz saber que a PIDE não tinha, diretamente, nada a ver com o assassinato, considera que Spínola terá jogado na agudização da contradição que ele sabia existir: quantos mais guineenses do PAIGC e mais rápida seria a desagregação do partido. Spínola, com a sua “Guiné melhor”, conseguiu insinuar a ideia, ao nível dos quadros de guerra, de que sem a unidade Guiné-Cabo Verde algo seria possível. E inúmera alguns “atrasos de percurso” até à chegada definitiva de Nino ao poder: o falhanço do golpe de 1973; o 25 de Abril, que obrigou todos os intervenientes a estarem de acordo; a confirmação do poder de Luís Cabral, beneficiando do processo de descolonização e do apoio dos outros países saídos das ex-colónias; o apoio que Luís Cabral sempre teve de Francisco Mendes (Chico Té) primeiro-ministro até ao acidente que o vitimou.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10977: Notas de leitura (451): Guiné-Bissau: A Destruição de um País, por Julião Soares da Silva (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11000: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (21): A morte de Amílcar Cabral e a mudança do CAOP1 para Mansoa

1. No seu Diário da Guiné, o António Graça de Abreu (AGA) mostra que eram um homem atento ao que se  passava à sua volta. Dois dias depois  relatava a notícia da morte do Amílcar Cabral. Poucos militares, e nomeadamente os operacionais, tinham acesso às emissões diárias de rádio ... .. Aqui se reproduz três excertos do Diário do AGA, com a devida vénia, referentes aos dias 22, 23 e 25 de janeiro de 1973...

O AGA [, foto à direita, em baixo, Cufar, 1973,] escrevendo a quente, em cima dos acontecimentos, não acertou no nome do homem que veio substituir o líder assassinado; e, por outro lado, safou-se a tempo, por escassos dias, de apanhar com o 25 de abril na Guiné ... ("Têm um novo secretário-geral, Vítor Monteiro de seu nome, formado em Economia por Lisboa. Os caminhos de tudo isto dependem da evolução da própria África, do auxílio que outros países darão ao PAIGC, a resolução final do conflito já não será para os meus dias de Guiné, é um processo longo que passa também por Portugal"). (LG):
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Canchungo, 22 de Janeiro de 1973

Mataram o Amílcar Cabral.

Ontem, às sete da noite, andava a sintonizar diferentes postos na rádio e ouvi, em mau francês, algumas palavras contra o colonialismo português. Vinham do Senegal. Logo de seguida era Leopold Senghor, o presidente do Senegal que fazia o elogio do Amílcar Cabral, morto.

Ouvi depois mais postos, Conacry e os comunicados do PAIGC em português, francês e inglês, ouvi a BBC. Mas ainda não cheguei à conclusão sobre quem matou Amílcar Cabral e como se deu o assassínio. Os homens de Conacry falam de traidores ao serviço do imperialismo português e mundial. Dizem que têm os assassinos já presos e entregues ao PAIGC que fará justiça. A versão do governo português será diferente, com certeza, falar-se-á de lutas intestinas no partido do chefe morto, da imaginação delirante do Sékou Touré, tal como aconteceu quando da operação “Mar Verde”, a invasão portuguesa de Conacry, em Novembro de 1970.[1]

Verdade é que o Amílcar Cabral está morto e se interessa saber quem o matou e porquê, importa mais ainda saber, ou pelo menos prever, o que será o PAIGC sem ele, aqui na guerra em que estou comprometido.

O pessoal vai dizendo que a Guiné aquecerá em grande, tentarão tirar vingança nos portugueses. Muito sinceramente, duvido. Os guerrilheiros têm pouca força militar de conjunto, em dez anos de guerra não conseguiram tomar sequer um aquartelamento português.
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[1] Sobre os meandros sinuosos que levaram à morte de Amílcar Cabral, com interessantes descrições do quotidiano dos guerrilheiros no interior da Guiné-Bissau, ver Oleg Ygnatiev, Três Tiros da PIDE, quem, porquê e como mataram Amílcar Cabral, Lisboa, Prelo Ed., 1975. Mais rigoroso, o notável trabalho de investigação levado a cabo por José Pedro Castanheira, intitulado “Quem mandou matar Amílcar Cabral” no jornal Expresso, Revista, 16.01.1993, depois editado em livro, sob o mesmo título, Lisboa, Ed. Relógio de Água, 1995.
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Canchungo, 23 de Janeiro de 1973

Sete meses de Guiné, cumprido um terço do martírio comprido.

Agora os dias têm de galopar. Dizem-me que até aos catorze meses de comissão é um pulo. Depois, para o fim, é outra vez a angústia, o sofrimento, pensar que a ordália militar está a terminar e nunca mais acaba.


Canchungo, 25 de Janeiro de 1973

A morte do Amílcar Cabral  [, foto à direita,] do Arquivo Amílcar  Cabral / Fundação Mário Soares,] talvez não vá alterar o rumo da guerra, não se têm registado mais ataques e flagelações, existirá uma certa confusão dentro do PAIGC, parece que têm um novo secretário-geral, Vítor Monteiro de seu nome, formado em Economia por Lisboa. Os caminhos de tudo isto dependem da evolução da própria África, do auxílio que outros países darão ao PAIGC, a resolução final do conflito já não será para os meus dias de Guiné, é um processo longo que passa também por Portugal.

Entretanto, já estava prevista antes da morte do Cabral a mudança de lugar do nosso CAOP 1. O coronel chegou ontem de Bissau e trouxe a bomba. Dentro de dez dias vamos mudar de poiso, juntamos os trapinhos com a 38ª. Companhia de Comandos e o nosso destino será Bula ou Bissorã ou Mansoa. Para melhor, para pior? Só Deus sabe.

Estávamos preparados para a possibilidade de mudança. Se o quartel onde nos instalarmos estiver sujeito a frequentes flagelações e ataques, haveremos de arranjar uns buraquinhos onde nos meter.

Terminam as aulas do Ciclo, a experiência rica de conhecer estes rapazes guinéus, acaba-se o dinheiro do meu labor como professor. A única solução é conformar-me com as reviravoltas do acaso. Os alunos hoje ficaram tristes quando souberam que íamos embora, disseram que nunca mais terão tão bons professores. Fiz pouco por eles, só agora os começava a conhecer, necessitava aí de mais um ano, e noutras condições, para verdadeiramente fazer o que tanto gosto, ensinar e ver o resultado do meu labor.

Foi bom ter dado aulas, esforcei-me por falar com clareza, objectividade e simplicidade. Acho que consegui.

Vou ter imenso trabalho com a mudança do CAOP. Conferir o material, cadeiras, secretárias, dossiers, lâmpadas, ventoinhas, frigoríficos, camas, lençóis, as armas, e embalar tudo. Devo fazer uma relação dos materiais que levamos, das vassouras ao copiador. O Peres, o furriel que trabalhava comigo foi-se embora, acabou a comissão. O meu novo subordinado é o furriel H., “periquito”, não conhece os cantos à casa mas já me disse que se estava cagando de alto e de repuxo para a guerra. Tem todo o direito, a questão é que deve trabalhar, as coisas têm de ser feitas, eu sou o responsável por todo o pessoal menor, não quero chatices com os bigs, os majores e o coronel. O furriel não ajuda, para defender a minha pele vou ter de usar o pequeno galão de alferes. Com o tempo tudo se resolverá. (...)

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Nota do editor:

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10999: Ainda as visitas da Cilinha pelas Unidades Militares estacionadas no mato (Manuel Carvalho)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Carvalho (ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf, CCAÇ 2366/BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70), com data de 24 de Janeiro de 2013:

Caros Luís e Vinhal
Ao ver o poste sobre a visita ao Olossato das Senhoras do MNF* lembrei-me que devia ter fotos, e tenho 5, não sei se são todas da mesma visita, porque duas tem indicação de meados de Maio de 1969 e as outras não tem data.

Da comitiva fazem parte o Sr. General Spínola e o então cap. Almeida Bruno que na altura o acompanhava sempre e numa foto na messe julgo que está de camuflado o Maj. Passos Ramos, que cerca de um ano mais tarde viria a ser cruelmente assassinado pelo PAIGC naquela zona.
Está também a esposa do Sr. General Spínola e uma Senhora do MNF que não sei identificar.

Para além desta visita a Jolmete penso que houve uma outra em fins de 68 ou princípio de 69 mas não tenho a certeza. Como sempre foram distribuídos uns maços de cigarros uns isqueiros e umas palavrinhas para atenuar a crise.


O Gen Spínola falando à tropa

Senhora Supico Pinto também a falar ao pessoal no refeitório 

Senhora Supico Pinto também a falar ao pessoal no refeitório

 O Gen Spínola falando à tropa

Na messe. À esquerda julgo que é o falecido Sr. Maj. Passos Ramos, depois, sentada, uma Senhora do MNF que não sei identificar. A seguir, de pé, o nosso cap. Barbeitos a falar com a esposa do General Spínola e depois, sentada, está a Cilinha Supico Pinto, como era conhecida e tratada naqueles tempos.

Se algum camarada com melhor memória que eu se lembrar de alguma coisa que me tenha escapado, faça o favor de corrigir.

Se virem algum interesse neste material podem usar, se não cesto com ele.

Um grande abraço
Manuel Carvalho
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 23 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10993: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (7): Há festa no quartel: visita da Cilinha e do conjunto musical das Forças Armadas, em abril ou maio de 1969

Guiné 63/74 - P10998: Agenda cultural (251): Últimos dias da exposição no Padrão dos Descobrimentos, Álbum de Memórias: Índia Portuguesa 1954.1962: A não perder!!! Encerra a 27, domingo... Já foi visitada por mais de 46 mil pessoas (EGEAC)

1. Mensagem da EGEAC, com data de hoje

Assunto: Padrão dos Descobrimentos apresenta... ÁLBUM DE MEMÓRIAS|ÍNDIA PORTUGUESA 1954.1962 - A Não Perder!!! Útimos Dias!!! A  exposição já foi visitada por mais de 46.000 pessoas



Fausto Brito e Abreu e Jorge Oliveira e Carmo, Comandantes das Lanchas
Fiscalização Antares e Vega, Clube Naval, Caranzalem, Goa, Setembro, 1961


Últimos dias para visitar a exposição

ÁLBUM DE MEMÓRIAS – ÍNDIA PORTUGUESA / A SCRAPBOOK OF MEMORIES – PORTUGUESE INDIA 1954.1962

Padrão dos Descobrimentos
Diariamente, só até dia 27 de Janeiro
das 10h00 às 18h00 - última entrada 17.30

Resultado das memórias de alguns dos militares destacados na Índia, no momento da invasão do Estado Português da Índia, a exposição patente no Padrão dos Descobrimentos - EGEAC, E. E. M., e que já foi vista por mais de 46.000 mil visitantes, é acompanhada de textos de cientistas políticos que a explicam de uma forma objectiva, possibilitando o reavivar da discussão de um tema transversal a toda a sociedade, e ainda muito doloroso – uma vez que a maioria dos portugueses conhece alguém que, de uma forma ou outra, esteve implicado nos eventos políticos e militares desta época.

Álbum de Memórias. Índia Portuguesa 1954-62, foi criada a partir de fotografias, documentação e recordações dos militares portugueses, espólio recolhido por Fernanda Paraíso, com o apoio da Associação Nacional de Prisioneiros de Guerra (ANPG), e retrata a vida dos militares, prisioneiros de guerra na sequência da ocupação dos territórios portugueses na Índia, em Dezembro de 1961, até ao momento do seu repatriamento. A presente exposição assinala os 50 anos do regresso do último contingente militar da Índia Portuguesa.

Graças ao desenho de António Viana, encontra-se exposta uma questão difícil para toda a sociedade portuguesa, suscitando a discussão, ao mesmo tempo que é dada a oportunidade ao público estrangeiro de contactar com um dado novo sobre o país que visitam.
Uma visita a não perder!

Maria Cecília Cameira
Comunicação
Av. Brasília, 1400-038 Lisboa
T 213 031 950

Nota do editor:

Último poste da série > 20 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10973: Agenda cultural (250): Lançamento do livro "Rosa no País das Flores da Luta", de Maria do Céu Mascarenhas, dia 26 de Janeiro de 2013 pelas 16h00 no Auditório da Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro, Lisboa

Guiné 63/74 - 10997: Blogpoesia (319): Sou nada (Ernesto Duarte)

1. Mensagem do nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), com data de 24 de Janeiro de 2013:

Camarada Carlos Vinhal
Os meus fraternais cumprimentos.
Tenho aparecido pouco, os últimos 2 anos e tal foram muito duros para mim. Os ossos, as tenssões, as faltas de vitaminas, os vírus, as bactérias. Mas quase todos dias vou ao blogue.

Eu fiquei, ontem como hoje, amando e odiando aquela terra. Acho maravilhoso fulanos serem amigos 50 anos depois, como se fossem miúdos. E contra factos não há argumentos.
O blogue tem sido o grande aglutinador, o veio de transmissão dessas amizades. Claro o blogue não funcionam sozinho. Só funciona graças a esses corações maiores que o peito, a quem eu ficarei sempre grato.

Carlos, mando-te umas linhas, passam a ser tuas, do blogue. Se acharem que tem algum valor para publicar, reafirmo são vossas.

Um muito Grande Abraço
Ernesto Duarte
Furriel miliciano
CCAÇ 1421/BCAÇ  1857
1965 a 1967
Mansabá, Oio, Mores


Sou nada 

Eles estão ali 
Esfarrapados 
Mutilados 
Aos pedaços 
Cheios de sangue 
Cheios de lama, feita com sangue e de 
Uma terra que não era a sua 
Amada 
Odiada 
Gritando de desespero 
Gritando de dor 
Gritando pela mãe 
Gritando pela mulher 
Gritando pela namorada 
Gritando pelos filhos 
Vão sucumbindo na frente da nossa impotência e raiva 
Agarram-se a nós como se agarrassem a vida 
Para ela não lhes fugir 
Já sem forças 
Ainda murmuram 
Amei- vos Muito e Muito 
Já não se ouvem, só já mexem os lábios 
E nós ficamos vociferando 
Gritando de raiva até hoje 
Com aqueles que passaram 
O resto da sua vida chorando e dizendo 
Amei-te muito meu filho 
Amei-te muito meu homem 
Amei-te muito pai , mesmo sem te conhecer 
A guerra dizem que é para homens 
Amaldiçoada maneira de dizer que sou homem.
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Nota do editor:
Ao nosso camarada Ernesto Duarte uma palavra de agradecimento pelas palavras que nos são dirigidas e de encorajamento para enfrentar o tempo que leva a recuperação das maleitas que nos vão chegando com a idade. Somos já um grande grupo de dinossauros que, como sabemos, foi sempre uma espécie ameaçada.
Caro Ernesto para ti um abraço solidário e a certeza de que vais ultrapassar este momento menos bom.
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Nota  de CV:

Vd. último poste da série de 19 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - 10962: Blogpoesia (318): Dizem-nos que estamos a envelhecer ( Luís Graça)

Guiné 63/74 - P10996: Efemérides (117): O início da guerra no CTIG há 50 anos: Nova Lamego, Bissau, Bedanda... O paraíso... perdido (set 62/mai 63): filme de George Freire, ex-cap inf QP, a viver nos EUA há meio século (Virgínio Briote / Luís Graça)




Vídeo (9' 58'') > Alojados no You Tube / bra6567  © George Freire (2009). Todos os direitos reservados. (Clicar no link, como alternativa, para visionar o filme).

Guiné > Nova Lamego (Gabu) e Bissau, set 62 / nov 62. Vídeo 1/3 (com mais de 1 milhão de visualizações no You Tube, desde junho de 1969). Primeira parte de um vídeo (de cerca de 30') de George Freire, abarcando o o período de set 1962 a mai de 1963, em que  comandou a 4ª CCAÇ, primeiro em Nova Lamego (set a nov 1962) e depois em Bedanda (nov 62 a mai 63), onde teve o seu batismo de fogo (mar 63).


1. Sinopse dos vídeos [ Virgínio Briote / Luís Graça]:

No primeiro vídeo (1/3) vemos  Nova Lamego (Gabu), o aquartelamento, os oficiais subalternos da 4ª CCAÇ, a avenida principal, um domingo à tarde com as famílias  dos oficiais, os esquilos amestrados, a esposa do Jorge Freire, Edite,  com a filha do 1º sargento da companhia, mulheres nativas à pesca de camarão, a operação de lavagem das roupas (ou como bater bem com as peças de roupa nas pedras!), as lindas bajudas do Gabu mais os djubis  a brincar na água, os cães boxer do médico da  companhia, a piscina, a fonte de água, a Edite à pesca, o grande régulo Fula do Gabu, a mulher mais nova e a mais velha (aparentemente amigas uma com a outra) do régulo, os netos, os trajes de cerimónia, o alfaiate da terra, um passeio domingo à tarde (a Edite e o Jorge), o pôr do sol, a o campo de aviação do Gabu e, por fim,  a viagem de avioneta (Dornier ou Austin ?) até Bissau, o leste visto "by air".

Já em Bissau, vê-se  o render da guarda ao Palácio com a população a assistir. Há companhia, de soldados metropolitanos, já com camuflado e G3 (estamos no úlimo trimestre de 1962). AEdite e uma amiga num jardim em Bissau. Depois, de novo,  o regresso ao Gabu, em avioneta  dos TAGP.

No segundo vídeo (2/3), o cap Jorge Freire, ainda no Gabu,  vai visitar, de jipe, acompanhado da esposa Edite, os pelotões destacados. Eram viagens ainda "sem perigo". O macaco-cão, mascote de um dos pelotões. Um alferes,em calções, farda amarela e chapeu colonia. Vemos depois a Edite a caminhar para a fronteira. O marco da fronteira com a Guiné-Conacri, na zona leste, em Buruntuma com os dizeres ainda frescos "República Porguesa, Província da Guiné"). O capitão leva apenas uma pistola Walther. Regresso.  A estrada Buruntuma-Piche-Nova Lamego, "um das melhores da região". Paragem  na ponte  sobre o Rio Caium [, ou ponte Malã Dalassi, e não Mule Balassi, como vem, com erro, na legenda; Malã Dalassi ou Temanco, era a aldeia fula mais próxima].

Entretanto, acabada a missão no Gabu, a 4ª CCAÇ é colocada em Bedanda, em novembro de 1962. O  capitão e a esposa regressam a Bissau. E vão de barco comercial, para o sul. Imagens do barco, do rio  e da viagem (não é claro de é no Rio Geba, até Bissau,  ou já do Rio Cacine). Paragem em Cacine.   Por fim,  Bedanda, o aquartelamento [ainda em construção], as pirogas no Rio Cumbijã, a construção de novas instalações para o pessoal, os alferes da companhia (um dos quais viria a morrer em combate, dias depois), imagens filmadas antes da saída de uma patrulha, um prisioneiro amarrado que terá, durante uma emboscada, morto um dos soldados da companhia (, ao que parece, em 2/3/1963), um mês e picos depois do início "oficial" da guerra... ( A Edite deixa de aparecer:  ainda passou quase um mês em Bednda, mas "nos fins de Dezembro [de 1962] tive que a mandar de volta a Portugal pois as coisas começaram a aquecer demais"...].

E continuando: a fauna local (hiena, crocodilo, gazela), pirogas no Rio Cumbijã, patrulhas no Cumbijã em siny«tex, os tarrafos ao lado, os tarrafos dos nossos descontentamentos, soldados da 4ª CCAÇ ainda com mausers, visita a uma secção destacada em Chugué, a transferência para Bedanda da população Ffula de Imberém, no Cantanhez, para as festas que se seguiram, batque, as bajudas com as belezas à mostra…

No terceiro e útimo vídeo (nº 3/3),  ainda as bajudas fulas (em "imagens não censuradas")... E depois, terminada a comissão em maio de 1963, o capitão  regressa a Bissau....Ouve-se o  “eu vou chamar-te Pátria minha”, na voz do Carlos do Carmo (, música de Zé Niza e letra de Manuel Alegre), enquanto os olhos se espraiam lá do alto pelos rios e ribeiros, as margens, as florestas, as lalas. Imagens que era costume, alguns de nós, registarem, quem sabe com o receio de nunca mais nos lembrarmos… 

Em Bissalanca [, ou não seria antes Brá, o  aeródromo de Brá, antes da construção da BA 12, em Bissalanca ?], um MG branco ou creme rodeado de especialistas da FAP, a torre de controlo, a visita à Guiné de dois adidos norte-americanos, o adido comercial e o adido militar, o coronel Jeffries, e as últimas vistas de Bissau no último fim de semana, antes do regresso à pátria, no T/T Ana Mafalda.

A fortaleza da Amura, o porto de Bissau, o desembarque no cais e o desfile de um pelotão de caçadores nativos, o capitão Simões, tão falado pelo Amadu Bailo Djaló nos seus escritos e, no dia do embarque, no Ana Mafalda, em 26 de Maio de 1963, o movimento em dias de movimento de navios, o cais de embarque nº 2, o navio em manobras, a afastar-se, com a Amura e Bissau a recortarem-se, cada vez mais pequenos.

Depois, o Atlântico, as Canárias no horizonte, até, finalmente, começarem a ver a costa, com Lisboa cada vez maior, no Tejo de tantas entradas e saídas, a volta ao Bugio, o jovem capitão Jorge Matias Freire, à civil, de fato à anos 60 e Lisboa ali tão perto que já se via gente à espera deles, de lenços no ar, a Torre de Belém, o Monumento aos Descobrimentos, e, como um agradecimento, as últimas imagens são do capitão, do imediato e do médico do Ana Mafalda.

A guerra na Guiné ainda estava muito, mesmo muito, no princípio. Mas para os quatro soldados, um sargento e um alferes da companhia do capitão Jorge Freire, em Bedanda, a guerra tinha acabado. É, com a lembrança deles, que o Jorge Freire termina este pequeno filme. Que é um ternura. Uma homenagem às suas gentes, às suas belas mulheres, à sua esposa, à sua filha,. aos seus camaradas. É também a evocação de um... paraíso perdido.

Já em tempos tínhamos chamado a atenção para a grande importância documental deste filme, que é absolutamente uma raridade... E a "nostalgia" que ele nos desperta!... Não a "nostalgia da perda do império"... mas dos nossos verdes anos!... Poucos de nós, militares,  tinham, na época, meios técnicos para reproduzir, em som e/ou imagem, aspectos do seu quotidiano, da vida nos aquartelamentos, das paisagens, das gentes  e até da atividade operacional... Uma câmara de filmar super 8 era um luxo...  (VB /LG) (*)


2. O nosso grã-tabanqueiro (, desde finais de dezembro de 2008) (**),  George Freire, é um dos primeiríssimos combatentes da guerra da Guiné. Mas ainda conheceu o "paraíso perdido", do leste (Gabu) à região de Tombali (Bedanda). Foi tenente (na CCAÇ 153) e depois capitão (na 4ª CCAÇ). Era do curso da Escola do Exército a seguir ao do cap inf José Curto. Era provavelmente do curso do meu capitão, Carlos Brito, o comandante da CCAÇ 2590/CCAÇ 12. Tinha um máquina de filmar de 8 mm, e tem este  belíssimo filme de quase 30' sobre o seu tempo de Guiné (1961/63).

 Esse velho filme de 8 mm foi convertido por ele para digital. Foi publicado no You Tube, na conta do Virgínio Briote, e depois no nosso blogue,  sob a forma de 3 vídeos (*). O George Freire mandou em 14 de junho de 2009 uma mensagem aos seus amigos americanos, com conhecimento aos editores do blogue que voltamos a reproduzir (tradução do inglês para português, pelo nosso camarada Miguel Pessoa):

Assunto - Blogue português "Camaradas da Guiné"

Alguns de vocês sabem que, antes de a Edith e eu termos vindo para os Estados Unidos em Outubro de 1963, eu servi no Exército Português em África, na Guiné Portuguesa, (agora chamada Guiné-Bissau), por um período de dois anos.

Existe um blogue muito interessante, em português, chamado "Luís Graça & Camaradas da Guiné", onde milhares de soldados portugueses que ali combateram, escrevem histórias de guerra, memórias, etc.

No final do ano passado deparei casualmente com este blogue e, como podem adivinhar, interessei-me bastante em ler todo o material que foi e ainda continua a ser publicado neste Blogue, onde, até agora, já foram registadas quase 1.100.000 visitas.

Na época eu tinha escrito um diário cobrindo o período compreendido entre Outubro de 1962 e Maio de 1963, que entretanto lhes enviei... e que já foi publicado.

Tinha também um velho filme de 8 milímetros feito naquele período em que lá estive e decidi fazer uma versão atualizada, com som e legendas, com a ajuda do Windows Movie Maker.

Resolvi enviar-lhes o DVD e... adivinhem!, publicaram-no hoje no Blog, e também no You Tube.

O filme é bastante interessante (a Edith aparece em várias passagens), e peço-vos a todos, se tiverem uma oportunidade e tempo disponível, que visitem o blogue e vejam o filme. Ele foi subdividido em três partes, devido ao tempo limite para cada secção, de acordo com as normas do You Tube.

O link para o blogue é: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/

Se clicarem no endereço acima, entram logo para o Blogue. Porque diariamente são publicados novos Postes (já houve várias entradas depois de o meu filme ter sido publicado), vocês terão que descer duas ou três páginas para ver os filmes. O título do Poste é:

Guiné 63/74 - P4525: Um filme de George Freire (CCAC 153 e 4 ª CCAC, 1962/63): Gabu, Bedanda, Cumbijã, Bissau, Lisboa ... (V. Briote)

George e Edith, quando éramos jovens. A Edith manteve-se por lá por três ou quatro meses, antes de os combates começarem, tendo depois regressado rapidamente a Portugal.
Espero que gostem do filme.

Obrigado,
George Freire

3. Comentário de L.G.:

Voltamos a reproduzir este documento por ocasião da efeméride (***) dos 50 anos do início da guerra na Guiné. É também uma homenagem  a este nosso camarada, e grande português da diáspora,  que vive nos EUA e a quem desejamos muita saúde e longa vida.

Entretanto, para melhor contextualizar o surpreendente filme com que o  George Freire nos presenteiou em junho de 2009 e que o Virgínio Briote pôs no You Tube (*), vamos recuperar alguns dados biográficos do nosso camarada:

(i) "A [CCaç 153] de que originalmente fiz parte quando partimos para a Guiné, no dia 26 de Maio de 1961, foi criada em Vila Real de Trás-os-Montes, onde eu era ainda tenente, segundo comandante, e o capitão [José] Curto, comandante, (do curso um ano mais velho do que o meu), passámos semanas a organizar a companhia";

(ii) "De Vila Real todo o pessoal viajou para Lisboa de comboio e passados talvez uma ou duas semanas, partimos de avião, (dois aviões de transportes da FA), do aeroporto de Lisboa para Bissau, onde chegámos no mesmo dia ao anoitecer";

(iii)  "De Bissau, onde passámos a noite, seguimos logo para Fulacunda, onde permaneci à volta de dois meses, após os quais chegou a minha promoção a capitão";

[A CCAÇ 153 foi mobilizada pelo RI 13 de Vila Real e comandada pelo Capitão de Infantaria José dos Santos Carreto Curto. Embarcou para Bissau em 27Mai61 (via aérea) e regressou em 24Jul63. A 26Jul61 foi colocada em Fulacunda destacando forças para Empada, Cufar, Catió e Bolama, por periodos variáveis. A 7Fev62 foi rendida pela CCAÇ 274 e foi colocada em Bissau. A 11Fev62 rendeu a CCAÇ 74 em Bissau. A 21Jul63 foi substituida pela CCAÇ 510, ficando a aguardar embarque.];

(iv) "De Fulacunda fui transferido para Bissau para comandar uma companhia de nativos [, a 4ª CCAÇ, ] e render o capitão Helder Reis. Passei 4 ou 5 meses em Bissau, daí para o Gabu (outros 6 meses) e daí, [em novembro de 1962,]  para Bedanda onde passei o resto da minha comissão";.

(v) " Durante o Natal de 1961 a minha mulher [, Edite,] veio passar um mês a Bissau onde eu estava na altura a comandar uma companhia de nativos [, a 4ª CCAÇ]";

(vi) "Em Julho de 1962 a minha mulher voltou para a Guiné e passou quase 3 meses no Gabu (Nova Lamego), onde eu comandei uma companhia mista. [Vd. vídeo nº 2, ou parte 2/3]




Vídeo (0' 56'') George Freire > Nov 62 / mar 63 > Vídeo 2/3 > Nova Lamego, Buruntuma, Bissau, Cacine, Bedanda, Chugué... Os primeiros sinais da guerra, no sul da Guiné, em março de 1963: O primeiro morto, o primeiro prisioneiro, as primeiras transferências de população, ...  A farda marela, a mauser...Fauna local: a hiena, o crocodilo... O Rio Cumbijã...

Inserido na conta do Virgínio Briote  no You Tube / bra6567 (,Clicar aqui, como alternativa, para visionar o filme)


(vii) "Do Gabu fui transferido [, em Novembro de 1962,] para Bedanda [, no sul, Região de Tombali,] onde ela [, a esposa Edite,]  ainda passou quase um mês, mas nos fins de Dezembro tive que a mandar de volta a Portugal pois as coisas começaram a aquecer demais[... Em maio de 1963 chegou o fim da comissão e o regresso a Portugal] (Vd. vídeo nº 3, parte 3/3];

(viii) "No dia 18 de Maio, o capitão Nelson (meu colega de curso) veio render-me. Durante os 4 dias seguintes fiz a entrega da 4ª CCaç ao Nelson e no dia 21 de Maio segui de avião para Bissau. Aí estive à espera de transporte e finalmente no dia 27 de Maio parti de volta a Portugal no navio da CUF, ".Ana Mafalda";

(ix)  "Nos fins de Agosto [de 1963] pedi a minha demissão e parti com a minha família - mulher e duas filhas de 3 e 2 anos [ uma delas, a Isabelinha, que aparece no filme, hoje com 49 anos - ] para os EUA onde me encontro faz este ano 45 anos;


(x) "Desde então tirei um curso de engenharia mecânica, trabalhei para outras duas companhias e, em 1989, formei a minha própria companhia de consultaria de projectos relacionados com energia de gás, co-geração, etc."..







Vídeo (9' 59''): George Freire (2009).Vídeo 3/3  Inserido na conta do Virgínio Briote  no You Tube / bra6567 (, Clicar aqui, como alternativa, para visionar o filme).

Início da guerra na Guiné. Fim da comissão, regresso a Bissau, aeródromo de Brá (que antecedeu a BA 12, em Bissalana), o último fim de semana em Bissau, a Amura, o Palácio do Governador, a chegada a companhai de nativos a Bisssau, adidos americanos em Bissau (o do comércio, o militar...), a partida no T/T"Ana Mafalda" e o regresso, com passagem pelas Canárias, chegada a Lisbioa, o Bugio, a Torre de Belém, o Padrão dos Descobrimentos, o cais de Alcântara, a fmília, a Isabelinha ("que hoje tem 49 anos")...Comentário do autor, no final: ainda a guerra estava no final... Balanço das baixas /mortais) da 4ª CCAÇ: 1 alferes, 1 sargento, 4 praças


Notas do  diário de George Freire, ex-cap inf

1/3/63: 

Hoje pela 09:30 e mais tarde pelas 14:30, pessoal do pelotão do Cabedú sofreu emboscadas respectivamente entre Cafal e Cafine e no cruzamento de Cabante. Na segunda emboscada sofremos [ a 4ª CCAÇ] um morto e um ferido. Uma viatura Chaimite  [?] foi destruída na primeira emboscada.

Seguiram dois pelotões reforçados para os locais das emboscadas.Em Impungueda uma patrulha da CCaç 859 travou contacto com os terroristas e feriu alguns e os outros conseguiram fugir.

2/3/63: 

Durante parte do dia de ontem e durante todo o dia de hoje as nossas forças percorreram todo o terreno nas zonas das emboscadas. Encontraram vestígios dos atacantes, fizeram um prisioneiro que tinha tomado parte numa das emboscadas, mas nada mais.

O soldado ferido seguiu de avião para Bissau e o morto foi enterrado no cemitério de Bedanda. O prisioneiro foi interrogado mas poucas informações conseguimos. Foi enviado para o Batalhão [BCAÇ 356] para ser interrogado.

6/3/63:

Fizemos um reconhecimento à zona de Emberem [Iemberém]. O alferes Gonçalves encarregou-se de falar aos chefes Fulas de Emberem [Iemberém] e discutir a possível mudança das suas tabancas para Bedanda. Há toda a vantagem dessas mudanças para incrementar a protecção da população Fula.

Poderemos também formar aqui e em Bedanda um pelotão de uns 40 Fulas, o que nos poderá ajudar substancialmente na segurança da área e aliviar as nossas forças. Os chefes Fulas aceitaram a nossa oferta de braços abertos.

7/3/63:

Começámos o transporte da população Fula de Emberem [Iemberém]. Usámos 10 viaturas neste movimento. Calculamos que serão necessárias 3 mais viagens semelhantes. [Vd. vídeo 2, ou parte 2/3]. (...)

4. Nota do nosso colaborador José Martins:

O George Freire (Cap. Inf. Renato Jorge Cardoso Matias Freire) foi o segundo capitão a comandar a 3ª CCI (do Gabu e antecessora da CCaç 5 - Gatos Pretos), de onde foi transferido para a 4ª CCI em Bedanda, sendo o quarto capitão a comandá-la.

(Nota tirada do 7º Volume CECA)

_______________

Notas do editor:

(*) Vd., poste de 14 de junho de 2009>  Guiné 63/74 - P4525: Um filme de George Freire (CCaç 153 e 4ª CCaç, 1962/63): Gabu, Bedanda, Cumbijã, Bissau, Lisboa... (V. Briote) 

(**) Vd. poste 29 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ª CCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda). Maio 1961/Maio 1963)

Hoje com 80 anos, está reformado, George Freir foi empresário na área da engenharia. Vive em Chapin, South Carolina, Estados Unidos... Vem frequentemente a Portugal. Gosta de conviver e de viajar, do golfe, da pesca e da vela.

Tem um blogue relacionado com a informática e a electrónica: http://whatisyourquestionblog.blogspot.com/
Título do blogue: "COMPUTER AND ELECTRONICS WORLD SHARING AND LOTS OF OTHER GOOD STUFF NOT RELATED TO COMPUTERS"...

É um homem do seu tempo que se descreve-se a si próprio como "a retired engineer deeply interested and involved in the solving of problems and frustrations of the computer and electronics world that surround us all"...

Outros postes:

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3724: História de Vida (13): 2ª Parte do Diário do Cmdt da 4ª CCaç (Fulacunda, N. Lamego, Bedanda): Abril de 1963 (George Freire)

10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3717: História de Vida (12): Completamento de dados (George Freire)

(...) De Bissau, onde passámos a noite, seguimos [,.a CCAÇ 153,] logo para Fulacunda, onde permaneci à volta de dois meses, após os quais chegou a minha promoção a capitão. De Fulacunda fui transferido para Bissau para comandar uma companhia de nativos e render o capitão Helder Reis. Passei 4 ou 5 meses em Bissau, daí para o Gabu (outros 6 meses) e daí para Bedanda onde passei o resto da minha comissão.

Voltei para Portugal e fui novamente colocado na Academia Militar, (nesse tempo ainda chamada Escola do Exército), onde tinha sido instrutor desde 1957 até à minha ida para a Guiné.

Durante os anos de 1958 até 1961, tive a oportunidade de trabalhar (nas horas livres) com um tio direito, que tinha uma firma de serviços de engenharia e caldeiras industriais. Durante as férias de verão todos esses anos viajei aos EUA duas ou três semanas para ajudar o meu tio em assuntos relativos aos seus negócios com duas companhias no estada da Pensilvânia.

Quando voltei da Guiné, uma dessas companhias ofereceu-me uma posição, (com o título de gerente de operações internacionais), e com uma remuneração muito difícil de recusar.

Nos fins de Agosto [de 1963]  pedi a minha demissão e parti com a minha família, (mulher e duas filhas de 3 e 2 anos), para os EUA onde me encontro faz este ano 45 anos. Desde então tirei um curso de engenharia mecânica, trabalhei para outras duas companhias e, em 1989, formei a minha própria companhia de consultaria de projectos relacionados com energia de gás, co-geração, etc.

Em 2001 parei de trabalhar full time, e estou basicamente reformado. Felizmente de boa saúde, vou a Portugal todos os anos onde me encontro com um bom grupo de antigos camaradas de curso e família. Tenho 3 filhas, a mais nova nasceu aqui, embora todas casadas, somente tenho um neto e uma neta da filha mais velha. A filha do meio e a mais nova não têm descendentes.(...).

Guiné 63/74 - P10995: Tabanca Grande (383): José António Gomes de Sousa, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 3404/BCAV 3854 (Cabuca, 1971/73)

Vista aérea de Cabuca
Foto: Autor desconhecido


1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano José António Gomes de Sousa, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 3404/ BCAV 3854, Cabuca, 1971/73, com data de 22 de Janeiro de 2013:

Caros Luís Graça e camaradas da Guiné:
Finalmente decidi registar-me no vosso blog, na verdade já há muito que o visito quase diariamente mas fui-me acomodando à ideia de que um outro camarada da minha unidade poderia aparecer por aí.

Chamo-me JOSÉ ANTÓNIO GOMES DE SOUSA e fui Soldado Condutor na CCav 3404 que integrava o BCav 3854 que esteve sediado em Nova Lamego entre 1971 e 1973.

Pedem para que conte uma história, bom, a minha história é igual ou semelhante à de tantos milhares de camaradas que na flor da sua juventude se viram envolvidos na Guerra do Ultramar.

Tudo começou numa manhã de verão, num Domingo dia 4 de Julho de 1971.
Depois de uma viajem nocturna de autocarro entre Estremoz e Lisboa, acordei e dei de frente com um navio negro (na altura achei-o feio), na sua proa, o nome: ANGRA DO HEROÍSMO.

Navio Angra do Heroísmo > Com a devida vénia a  Dicionário de Navios Portugueses

Sentado no convés pensava cá para comigo se algum dia regressaria para junto dos meus.

A viagem decorria normalmente quando me apercebi que o navio mudava de rumo para oeste, dirigia-se para o Funchal a fim de ser efectuada a evacuação de um camarada que tinha sofrido uma apendicite.

Desembarcamos em Bissau passados sete dias, no cais esperava-nos um sem número de camiões civis que nos transportaram para o Cumeré a fim de efectuarmos o habitual IAO.
Durante essa viagem e apesar do desconforto, achei-a maravilhosa, era o meu primeiro contacto com África que há muito sonhava.

A 13 de Agosto seguimos na LDG Alfange, Rio Geba acima rumo ao Xime onde fomos recebidos com pompa e circunstância pela “velhice” local, até camaras de TV havia, seguimos depois em coluna com passagens por Bambadinca e Bafatá, sempre a praxe a receber-nos e quando chegamos a Nova Lamego já era noite, famintos, cansados e encharcados, pois durante toda a viagem choveu copiosamente, foi-nos distribuída uma sopa de lentilhas que no momento nos pareceu um manjar. Depois do merecido descanso, partimos para o nosso destino; CABUCA, a picada estava em péssimas condições e com a chuva a cair sem parar a viagem foi dolorosa, para percorrer os cerca de 20 quilómetros que separam Nova Lamego e Cabuca demoramos o dia todo.

Cabuca, 1971

À chegada, como não podia deixar de ser, a ”velhice” lá estava para nos receber festivamente, na verdade fomos recebidos com muito respeito pelos nossos camaradas da CCaç 2680 para quem quero aproveitar para enviar um forte abraço.

Caros camaradas, esta é a primeira história que tenho para contar à Tabanca, é uma singela introdução das muitas coisas que aconteceram nos 27 meses que passei na Guiné.

Um abraço
José António Gomes de Sousa


2. Comentário de CV:

Caro camarada Sousa, que sejas bem aparecido nesta caserna virtual de ex-combatentes e amigos da Guiné.

Ainda bem que resolveste juntares-te a nós, pois se estivesses à espera que aparecesse alguém da tua Unidade, poderias chegar a velhinho sem que tal sucedesse. Cabe-te agora a ti trazeres os teus camaradas para a Tabanca.

Quanto ao funcionamento e fins deste Blogue, uma vez que és um assíduo frequentador do mesmo, não vale a pena estarmos para aqui a repetir-nos. Tem só em atenção que deves enviar os teus textos e fotos para dois endereços: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com (sempre) e para um dos dois co-editores: Carlos Vinhal e/ou Eduardo Magalhães. Isto para não haver dúvidas de que as mensagens chegam ao Blogue, como foi o teu caso.

Posto isto, ficamos então à espera de memórias de Cabuca e arredores, pois como condutor, deves ter-te fartado de fazer turismo, transportado camaradas de um lado para o outro e, quem sabe, talvez apanhado algum susto.

Recebe o abraço de boas vindas dos camaradas e amigos deste Blogue.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10959: Tabanca Grande (382): Cândido Luís Carvalho Morais, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679 (Guiné, 1970/71)

Guiné 63/74 - P10994: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (33): A pior turma em cada ano lectivo

1. Em mensagem do dia 18 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, QuinhamelBinta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma memória do seu tempo de estudante.


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (33)

A pior turma em cada ano letivo

O Sr. Almeida afirmava, frequentemente, que, em cada ano letivo, a turma do 4º ano – turma única àquela época – era sempre a pior de todas do ponto de vista disciplinar, e até, também quanto ao aproveitamento. Estes alunos já não eram os “putos” do 2º ano mas também não eram ainda adultos. Por outro lado, era o 2º ano consecutivo sem exame, o que provocaria uma certa inconsciência e também algum uso e/ou abuso das facilidades com que deparavam.

O meu 4º ano de acordo com as palavras do Sr. Almeida, não fugiu à regra. Não recordo se ainda no 1º período ou se logo no início do segundo, ocorreram umas tantas anomalias; cada uma por si não teria grande importância, até poderia passar quase despercebida; todas juntas, porém, estragaram totalmente o ambiente, já de si muito perturbado.

Primeiro caso:
Talvez no início do ano letivo “alguém” colocou uma “punaise” por baixo do assento da cadeira do professor com o bico ligeiramente saliente na face superior; passados uns meses, sem que ninguém se apercebesse da anomalia, “alguém” terá pressionado mais a dita “punaise” e o bico ficou mais saliente.

No dia seguinte o Dr. Pinto, professor de Inglês (o tal que usava o diapasão para nos ensinar a cantar) sentou-se na cadeira para escrever o sumário; sentiu a picada de uma agulha, naquela parte onde as costas mudam de nome; levantou-se velozmente – parecia ter sido impulsionado por uma forte mola – e averiguou o que lhe tinha provocado aquela dor tão aguda; apercebendo-se que havia ali um “prego fininho”, autenticamente, gritou pelo chefe de turma:
- Cândido! Arranja-me já um martelo!

Assim foi descoberta a primeira anomalia.

Alguns professores queixaram-se que as suas calças apareceram estragadas e só poderia ter sido ali; a Dª Maria Adília foi naquele ano, nossa professora de francês, durante umas semanas, apenas, e teria ali esfiapado algumas saias; o próprio senhor Almeida lamentava ter danificado a sua característica samarra espanhola, também naquela maldosa ou maldita cadeira. Os alfaiates agradeciam! Não consta que algum aluno tenha sido subornado pelos artistas do fabrico de vestuário.

Segundo caso:
Um dia, creio que numa aula de Geografia, o professor Santos fez determinada pergunta à Maria Antónia. Esta aluna era natural de Cesar, filha e neta de “endireitas” (curiosos digo eu) de ortopedia, (espero sinceramente que a Antónia não me leve a mal), prima do nosso colega António Cândido (Fajões por ser natural desta terra) e casou mais tarde, com o médico António O.P. Vasconcelos, também de Cesar; à época ele era também aluno do COA, um pouco mais adiantado que nós.

À pergunta do professor Santos a Antónia respondeu: Sr. Dr. Santos, eu não sei essa matéria porque não assisti à última aula!

O Alcides Costa, um cómico do caraças, ouvindo aquele argumento, logo comentou, parafraseando uma tirada “característica” do Sr. Correia, o prefeito:
- Assistira no intervalo!

A Antónia não terá gostado da piada como se de jocosidade se tratasse, que a tomasse como alvo; fez queixa, creio que à Dª Urraca (que por mero acaso era Idalina) que por sua vez a passou à Direção, mas já deturpada; no percurso, como geralmente acontece, a notícia foi aviltada – a cada conto acrescenta-se sempre um ponto. Muitas vezes, como neste caso, a situação tornava-se muito mais gravosa do que seria a intenção do seu “autor”.

Terceiro caso:
Os alunos daquela turma (todos ou quase) com as “pratas” dos maços de tabaco e/ou dos chocolates elaboraram uma série de “taças” de base larga e aberta onde colocavam papel de sebenta “mastigado”, lançando-as contra o teto da sala que pouco depois estava pejado daqueles objetos. Era uma autêntica porcaria (mascar papel de sebenta), mas na verdade, o teto ficou… enfeitado, para o bem ou para o mal.

A estas juntaram-se mais umas ocorrências de pequena monta; seria fastidioso, e sem interesse, enumerá-las e a memória... já não é o que era. Estes casos “fermentaram” durante uns dias sem que os visados (autores) se apercebessem; o segredo foi sempre a alma do negócio.

Certo dia, depois do jantar o Sr. Almeida ordenou que eu comparecesse na sala onde, habitualmente, ele tomava as refeições, no internato masculino. Fiquei apavorado, pois eu não vislumbrava ter praticado qualquer asneira tão grave que merecesse tal atitude; alem disso era a 1ª vez que tal me acontecia, o que me obrigava a fazer... contas de cabeça.

O Sr. Almeida mandou-me sentar; estávamos sós: ele e eu. O silêncio era... ensurdecedor! O ambiente era pesado... de cortar à faca! Breves considerandos introdutórios e…

1ª Pergunta: 
- Quem colocou a “punaise” na cadeira do professor da sala do 4º ano?
- Eu não sei quem fez isso! Só tomei conhecimento do caso (o mesmo aconteceu com os outros alunos) quando o Dr. Pinto, em altos berros, pediu um martelo. Aquilo já estaria ali há muito tempo sem que ninguém se apercebesse. Já falámos bastante sobre o assunto e ninguém mostrou ter conhecimento do caso. Terá sido ali colocada por alguém estranho à nossa turma ou até mesmo no ano anterior.

Houve mais considerandos, mas sem evolução e sem interesse.

2ª Pergunta:
- Quem disse que a Antónia “já era assistida há muito”?

Aí eu fiquei profundamente surpreendido, pois o Alcides não pronunciara tais palavras nem seria capaz de se afoitar a tanto.

- Ninguém disse isso! O que todos nós ouvimos – e isto é absolutamente verdade – foi o seguinte: “Assistira no intervalo”!
O Alcides pretendeu apenas parodiar, imitando o Sr. Correia que, quase a toda a hora, usa o mais-que-perfeito, em expressões como: “fora no intervalo”, “pedira no intervalo”, fizera no intervalo etc.
O Sr. Santos fez uma pergunta à Antónia e ela respondeu que não sabia, porque “não tinha assistido” à última aula; o Alcides apenas disse: “Assistira no intervalo!” O que contaram ao Sr. Almeida é uma profunda deturpação… talvez até intencional, e malévola o que é inadmissível. Haverá quem tenha prazer em deturpar? Pretende-se apenas denegrir uma imagem que não merece tal tratamento.

3ª Pergunta:
Quem colou no teto da sala aquela quantidade de “pratas”? E como conseguiram ir lá “colá-las”?
- Eu sei como se faz! Já fiz e vi fazer! Naquela sala, não fiz, não ajudei nem vi fazer! Aquilo prepara-se enrolando uma “prata” estrangulando-a no meio, enchendo dum lado com uma pasta que se obtém mascando um bocado de papel de sebenta; comprime-se bem aquela pasta, joga-se com força ao teto e ela fica ali colada, dando aquele efeito. De qualquer modo, não vi ninguém fazer. Tenho a certeza que não foi ninguém da nossa turma.

Tratava-se, neste caso, de uma “mentira dita piedosa”; na verdade todos os rapazes daquela turma colaboraram naquele ato absurdo e nada higiénico. É verdade que cada um tentou colocar no teto mais taças (de boca para baixo) do que o outro. No dia seguinte juntámo-nos todos e eu contei pormenorizadamente a minha conversa com o Sr. Almeida. Se ele chamasse outros alunos, todos ficaram a saber até onde podiam ir.

O Sr. Almeida aceitou (creio eu, pelo menos não falou mais no assunto) o meu depoimento como verdadeiro e “enterrou” os casos… no negro vaso da água do esquecimento.

Na verdade, agindo daquela maneira, nós pretendíamos apenas dar razão ao Sr. Almeida – “a pior turma é sempre a do 4º ano” Dixit

Janeiro de 2013
Saudações colegiais
BT
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10797: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (32): Uma cobra na sala de aula