quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11125: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (5): Curtas férias em Cacine, CCAÇ 3520 (2)

1. Em mensagem do dia 24 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), enviou mais uma peripécia para a sua série Um amanuense em terras de Kako Baldé.


Um Amanuense em terras de Kako Baldé

(Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné) 


4.2 – Curtas férias em Cacine – CCAÇ 3520

Decorria o mês de Junho de 1973. Eu ainda era muito "pira", não tinha completado ainda 3 meses de Guiné. Vinha do "ar condicionado" e encontrava-me em Cacine, no meio de grande confusão, tropas pára-quedistas, fuzileiros, Marcelino da Mata, etc.
Felizmente em Cacine não faltava nada. Não faltava cerveja morna, não faltava uma pedra de gelo, por cabeça, às refeições, não faltava o arroz de "rolhas" (arroz com muito colorau e meia dúzia de rodelas de salsicha), etc., etc..
A CCAÇ 3520 era um Companhia farta. Farta de ali estar, farta de comer arroz de "rolhas", farta de esperar pela rendição.
Julgo que não cheguei a completar 4 semanas de "férias" naquela "estância balnear", mas foi o suficiente para imaginar uma estadia de 23 meses!
Tenho ideia de só ter comido arroz de "rolhas" durante aquele período. Posso estar enganado.
Comecei a dar mais valor ao "pessoal do mato".
Antes 527 serviços de Sargento da Guarda!

O Major Leal de Almeida lá continuava a fazer incursões por Gadamael e levava habitualmente consigo o outro Furriel.
O Major, além de me ter pedido, no início, para lhe dar um jeito no "estaminé", pouco mais me pediu para fazer. Apenas um ou outro "mail" para Bissau.
E eu..., andava por ali a ver as "bajudas"...!
Certo dia, ao fim da tarde, regressados os dois, via fluvial, a Cacine, o outro Furriel, visivelmente exausto, sujo e suado, vem ao meu encontro e, completamente alterado, atira-me:
- Porra, anda aqui um "gajo" a esfarrapar-se todo e a arriscar o "coiro" e tu aqui a "coçá-los"!

Eu, que nunca gostei que me falassem "de cima da burra" nem com aqueles modos e que, nestas situações, tinha o hábito de responder com alguma agressividade verbal, contive-me (acreditem que a cerveja morna faz um efeito "bestial") e, calma e sarcasticamente, retorqui-lhe:
- Djubi, eu sou Amanuense e não tenho lá muita queda para herói! Já viste bem este "cabedal"?! Além disso o Major nunca me "convidou para a festa"!

Deu meia volta a resmungar e não me recordo de ter tido mais qualquer conversa com ele.

Entretanto, eu ia jogando a "lerpa", bebendo umas "bejecas" mornas e convivendo com os Sargentos pára-quedistas (ah gente do "catano"!).
Recordo-me bem de um convívio nocturno na "messe" de Sargentos. Houve de tudo! Aguardente, fados, poesia, etc., tudo a roçar o "hard-core", claro! Gente espectacular, camaradagem excelente e com uma disciplina extraordinária, nomeadamente com o armamento.
Guardei na memória alguns versos de um fado cantado pelos "páras" com música do hino académico - "Amores de Estudante" e que, salvo erro, rezavam assim:

Quero, quero ir para Lisboa
Ai, ai, eu quero
Nem que seja de canoa
Eu quero ir
P'ra terra santa querida
Dizer adeus a esta merda
P'ro resto da minha vida

Pára-quedistas, homens nobres
Tanto ricos como pobres
Avançando pela mata
...
(e de mais não me recordo)

Ficou-me também na retina a imagem do 1º Sargento pára-quedista Vicente, evacuado para Cacine vindo de Gadamael, com um tiro numa perna, a aguardar evacuação para Bissau e com quem tinha convivido alegremente naquela noite.

A minha "guerra" lá foi continuando com a "lerpa", "as bejecas" mornas, o convívio com os "páras" e a excelente qualidade das instalações, nomeadamente o "balneário" de arrojado design e equipamento de conceituadas marcas.
O chuveiro apresentava uma característica completamente inovadora - era semi-automático, comandado por voz! Isto é: Em cima havia um bidão de lata que continha água e um furo na base inferior tapado com uma rolha acoplada à ponta de um pau. O "fabiano" que queria tomar banho tinha de "aparelhar" com outro que tivesse a mesma intenção. O primeiro colocava-se debaixo do bidão e o outro encarrapitava-se de modo a chegar ao pau. Quando o de baixo queria água, dizia: - "abre!" e a água caía. Se queria parar, dizia: - "pára", e a água parava! (sistema altamente sofisticado para a época). Findo o duche, era só trocar de posições e a coisa funcionava bem.

Entretanto, chega finalmente a Companhia que vinha substituir a CAÇ 3520. Esta entra em euforia e empenha-se rapidamente nas actividades para recepção dos novos "piras".
Não possuindo máquina fotográfica, vi-me impedido de registar aqueles actos solenes hilariantes.
Os "piras" não acharam muita piada à recepção. Pudera, entraram no avião em Figo Maduro com destino a S. Tomé e, quando aterraram, estavam na Guiné!
Pois é verdade, iam para S. Tomé e, a meio da viagem, o Comandante do avião terá recebido ordens para rumar a Bissalanca.
Pertencia a esta companhia o soldado Lemos, ex-futebolista do Boavista e, depois do F.C.Porto onde ficou célebre por ter marcado 4 golos ao Benfica no Estádio das Antas em jogo a contar para o Campeonato Nacional de Futebol, jogo que, por acaso, assisti ao vivo.

Em Cacine, esta Companhia tratou logo de abrir valas por todo lado, pois tendo Guileje sido abandonada e estando Gadamael a ferro e fogo, Cacine seria, muito provavelmente, o "freguês que se seguia".

Entretanto, saído não sei de onde, aparece-me um camarada e pergunta-me:
- Tu é que és o Magro?

Respondi que sim e ele:
- Deves ter uma cunha do "caraças"!
- Então porquê?
- Venho-te substituir. Estava sossegadinho em Bolama e mandaram-me para aqui para te substituir.

Nunca tive conhecimento de cunha alguma e atribuo o facto a pressões que o Dr. Dias terá feito junto do Chefe - Major Mário Lobão, por se encontrar, provavelmente, atafulhado em papelada. Nunca o soube.
Aproveitei boleia na LDM que transportou a CCAÇ 3520 para Bissau.
Saímos de Cacine ao fim da tarde e chegamos a Bissau na manhã do dia seguinte,

A partir dessa data eu seria, talvez, o Furriel/Sargento que melhor fazia a Guarda de Honra ao Brigadeiro Alberto da Silva Banazol!
Recordo-me de, logo após o meu regresso de Cacine e estando de Sargento da Guarda, ter dado ordem de: "Apresentar armas!" quando ele se colocou em sentido frente à Guarda, e o ter feito com tal vigor que o homem, depois de bater a pala e desandar, ao passar perto de mim, disse:
- "Isso, assim com garra!".

Estavam feitas as pazes!
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 6 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11067: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (4): Curtas férias em Cacine, CCAÇ 3520

Guiné 63/74 - P11124: Álbum fotográfico de Abílio Duarte (fur mil art da CART 2479, mais tarde CART 11/ CCAÇ 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70) (Parte IV): A guerra e a fome que chegam à região de Gabu...


Guiné > Zona leste > Algures, s/d >   "Restaurante Michelin: o furriel Cunha, o alferes Fagundes e outros camaradas"... [e os djubis à espera dos restos do tacho...]


Guiné > Zona leste >  CART 11 (1969/70) > Pirada >  Padaria... [Podia faltar tudo, menos o pão fresco, o "casqueiro"]


Guiné > Zona leste > Algures, s/d >  Soldados da CART 11 assando peixe no mato [... Nunca vi homens tão frugais como os fulas que, sendo desarranchados,  levavam para o mato, para operações, uma mão chão cheia de arroz cozido, embrulhado num lenço...]


Guiné > Zona leste > Algures, s/d >  Uma aldeia atacada e destruída pelo IN (1) [...Decididamente o PAIGC elegeu o chão fula, o leste, como terra de ninguém... Afinal os fulas eram os aliados 'naturais' dos tugas...]


Guiné > Zona leste > Algures, s/d >  Uma aldeia atacada e destruída pelo IN (2) [... A mesma desolução que conheci na outra ponta do leste, no regulado do Corubal...]

Guiné > Zona leste > CART 11 (Nova Lamego, Piche, Paunca, 1969/1970) > Fotos do álbum do Abílio Duarte.

.
Fotos (e legendas): © Abílio Duarte (2013). Todos os direitos reservados. (*) [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Abílio Duarte, ex-fur mil art da CART 2479 (mais tarde CART 11 e finalmente, já depois do regresso à Metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa companhia de “Os Lacraus de Paunca”) (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70) (*).

Ao ver a foto da aldeia fula destruída (em baixo) bem como da foto de cima (com os putos fulas esperando pacientemente os restos da comida dos tugas), possivelmente nas regiões fronteiriças de Pirada ou de Paunca (ou, talvez, Piche,   desguarnecida com a retirada de Madina do Boé, Beli e Cheche, no princípio de de 1969), lembrei-me de outras tabancas, que conheci na mesma altura do Abílio, nos regulados de Joladu, Badora, Corubal... e veio-me à memória um poema que, a propósito, escrevi e que publiquei há um ano atrás, dedicado aos bravos fulas  da minha CCAÇ 12 (, na realidade, uma irmã gémea da CCAÇ 11).

(...) Não reconheces os sinais de guerra,
O feroz combate em noite de luar,
O cavalo de frisa,
Os pássaros de morte,
Os jagudis no alto da árvore descarnada,
A terra desventrada, ensaguentada,
O arame farpado, aqui e acolá cortado,
O colmo das moranças, carbonizado,
O medo que se sente mas não se vê,
As cápsulas de 12.7 da Degtyarev,
Um par de chinelos,
Os caracteres chineses dos invólucros, amarelos,
Das granadas de RPG… (...) (**)



(...) Elegia para uma triste tabanca fula
por Luís Graça

Poema dedicada
aos valorosos soldados fulas
da CCAÇ 12 (1969/71),
de Badora, do Cossé, do Corubal
E de repente
Tudo te é estranho,
O muro que corta, rente,
A brisa da manhã,
A fonte onde ainda ontem
Os jubis tomavam banho,
O poilão aonde ias rezar,
À tua maneira,
Ao teu irã,
A ponta onde colhias a manga e o abacaxi,
O macaco-cão que ora chora ora ri…

De repente
Não sabes donde vens,
Não sabes quem és,
Aqui de camuflado e de G-3,
Nem a verdadeira razão para matar e morrer,
Não sabes o que fazes neste lugar,
Triste tuga entre tristes fulas,
Abaixo do Trópico de Câncer,
A 11 graus e tal de latitude norte.

Não reconheces os sinais de guerra,
O feroz combate em noite de luar,
O cavalo de frisa,
Os pássaros de morte,
Os jagudis no alto da árvore descarnada,
A terra desventrada, ensaguentada,
O arame farpado, aqui e acolá cortado,
O colmo das moranças, carbonizado,
O medo que se sente mas não se vê,
As cápsulas de 12.7 da Degtyarev,
Um par de chinelos,
Os caracteres chineses dos invólucros, amarelos,
Das granadas de RPG…

Um triste cão vadio ladra
Ao cacimbo fumegante
E o seu latido lancinante
Ecoa pela bolanha fora.
A seu lado, a única velha,
Que não se foi embora,
Com a sua máscara impassível
De séculos de dor.

Mais tarde saberás
- Mas nunca o saberão, de cor,
Os jovens pioneiros com os seus lenços multicolores -,
Que por aqui passou
Mamadu Indjai,
Hoje valoroso, amanhã insidioso,
Combatente da liberdade da pátria,
Hoje herói, amanhã traidor.

Diz-me, mãe e pitonisa,
Onde estão as mulheres com os balaios à cabeça
E os seus filhos às costas ?
Onde estão as gentis bajudas,
Cujo sorriso nos climatizava os pesadelos ?
Onde estão o régulo e os suas valentes milícias ?
Para que lado corre o Rio Corubal
E donde vêm aqueles sons de bombolom?

Diz-me, homem grande,
Onde fica o Futa Djalon ?
E de que ponto cardeal
Sopram os ventos da história, afinal ?
Dizes-me para que lado fica Meca, meu irmão ?
E, no seu conciliábulo,
O que sobre nós decidirão,
Os nossos deuses, o teu e o meu ?

Diz-me onde está o velho cego, mandinga,
A quem demos boleia,
Em Bambadinca,
Que tocava kora
E nos contava histórias
De velhos e altivos senhores,
Agora prisioneiros no seu chão ?

Passei, na madrugada de um dia qualquer,
Pela tua tabanca, abandonada,
Do triste regulado do Corubal,
De que já não guardo o nome,
Na memória.
Tabanca onde passámos sede e fome,
Sinchã qualquer coisa,
Agora posta a ferro e fogo,
Que importa, minha irmã,
O topónimo para a história ?!...

Venho apenas em teu socorro,
Irmãozinho,
Quando as cinzas ainda estão quentes
No forno da tua morança,
Da morança que também fora minha…
Raiva, sim, meu camarada,
Como eu te compreendo…
Mas vingança, para quê ?
De guerra em guerra se chega à vertigem do nada!

A um espelho partido me estou vendo,
E a mim mesmo me pergunto-me quem sou eu
Triste tuga entre tristes fulas, ai!,
Para te dar lições de história ?!
Quem somos, ao fim e ao cabo, nós, os dois ?
Saberei apenas, muito anos depois,
Que fuzilaram o Mamadu Indjai!…

Guiné 63/74 - P11123: Convívios (492): Encontro do pessoal da CCAÇ 2464 (Guiné, 1969/70), dia 27 de Abril de 2013 em Rio Maior (António Nobre)

1. Mensagem do nosso camarada António Nobre (ex-Fur Mil da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861, Buba, Nhala e Binar, 1969/70), com data de 19 de Fevereiro de 2013:

Meu caro Carlos Vinhal
Como habitualmente estou a remeter em “attachement” o anuncio do próximo almoço da minha Companhia (C.Caç. 2464) - que em 69/70 cumpriu serviço militar obrigatório na ex-Guiné Portuguesa.
Dentro deste contexto, solicito a publicitação no nosso blog.

Obrigado e SAUDAÇÕES CAMARIGAS
António Nobre


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11106: Convívios (491): VII Encontro dos ex-Combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, dia 2 de Março de 2013 (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P11122: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (6): Amor sofrido

1. Em mensagem do dia 6 de Fevereiro de 2013, o nosso camarada  Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, BissauBissorã e Mansabá, 1965/67), enviou-nos a sexta colaboração para a sua extraordinária série "Carta de Amor e Guerra".


CARTAS DE AMOR E GUERRA

Eu e minha esposa temos sentido alguma emoção ao relermos a correspondência que está na base desta série “Cartas de amor e guerra” e, de vez em quando, damo-nos com uma lágrima ao canto do olho ou com um sorriso, por vezes trocista, perante o seu conteúdo: desejos, carícias, intimidades, zangas, ambições, opiniões de carácter político-social e religioso, vivências onde avulta o sofrimento provocado pela distância e pela guerra.

Recordamos dois jovens revoltados que fomos nós, jovens voluntariosos, solidários, confiantes e bonitos (!). Jovens socialmente intervenientes para quem olhamos com ternura e nostalgia e com aquela satisfação que nos apraz registar, debaixo do peso dos nossos 70 anos: éramos gente porreira!

Segue o sexto capítulo da série:


6. Amor sofrido

Bissau, 24-Agosto-65
 (… … …). Vai-te convencendo, meu amor, de que és capaz de suportar a nossa separação. Tira o melhor da vida que levas e peço-te, minha querida, que te lembres de que a vida (…) não é um ponto definido mas sim uma progressão (…). Peço-te encarecidamente que não estagnes. (…). Procura cultivar-te. (…). Só assim poderás encontrar em ti mais formas de beleza (…) em ti e no meio social e natural em que estamos envolvidos. (…). E há tanta coisa que nos pode levar ao encontro da beleza: (…). 
(… … …) 
 Ah, como gostaria de te ter aqui (…)! Apertar-te muito contra mim, beijar-te, beijar-te, dando livre curso ao nosso entusiasmo, à nossa sede de viver, de amar! 
(… … …).

Uma imagem da carta de Bissau em 24/8/1965: por vezes, as lágrimas deixam marcas.

Lisboa, 30/VIII /965 
 Querido: Avalio por mim o aborrecimento que te causou não teres à tua chegada uma carta para amenizar (…) abstrair-te um pouco dos problemas militares em que estás envolvido. (…). A distância é longa, as circunstâncias que nos obrigam a ela são as mais infames, (…). É preciso compreensão, tolerância de parte a parte para que essas dificuldades que surgem sejam superadas. 
Combinado, meu M.? 
 (… … …)
(…) [Aqui vai] toda a minha saudade, a angústia de viver assim longe de ti, tristeza, solidão, (…). 
A vida é bela? Duvido. Quero encontrar essa beleza. Ajuda-me querido. Eleva meu espírito (…), até à altura do teu. Eu quero acompanhar-te. Essa beleza que tu encontras na vida não se abre a meus olhos, é-me vedado descobri-la? Não. Creio que não, se o meu espírito desanuviar e eu deixar de ser pessimista. Para isso peço a tua ajuda. (…). 
Preocupo-me mais, muitíssimo mais, com as misérias humanas. (…). Não é de admirar que a juventude de hoje ao encarar estes problemas os sinta profundamente, (…) e nasce então o espírito de rebeldia, de revolta. 
(…) [O modo como] os governantes apregoam a defesa do Ultramar, a vitória das nossas tropas, não pode, nunca será compreendido pelos “homens de bem”, (…), enquanto tentarem defender causas injustas e de antemão já perdidas. 
(… … …) 
Sou uma jovem de 22 anos. Começo a viver (…) o flagelo a que nos submetem os (…) que nos regem. É um pouco tardiamente que o reconheço, confesso-o, mas a tempo suficiente para trabalhar, para fazer algo pelos que vierem, pelos que sofrem mais acentuadamente as consequências de um regime que não se cansa de apregoar ser o melhor, (…), que luta apenas pelo que nos pertence, o protector das classes menos abastadas, isto em teoria porque na prática é viva contradição. 
(… … …) 
Fazes 24 anos na próxima quarta-feira. Não me esqueço, meu querido. E, embora muito dificilmente, vou enviar-te uma recordação. Corro o risco de ela não te chegar às mãos mas de qualquer modo envio. Meu amor querido, eu estou contigo (…). Que poderemos nós fazer, em que poderemos melhorar a situação em que nos encontramos e em que tomamos parte obrigatoriamente?
(… … …).

Foto 1: D./ “N.” em 1965 
 © Manuel Joaquim

Bissau, Setembro-7/65 
(… … …) 
Um beijo (…) para achares um pouco de beleza neste gesto. Tu, que andas atarefada, um bocado pessimista à procura dessa beleza, repara neste meu gesto e vive este momento que é belo. 
Cá longe, não me esqueço de ti. Não de ti, figura, mas de ti, totalidade, com todas as tuas forças (…) em progressão. Sinto-te latente, cheia de vontade e esperança no futuro. (…). 
Mais um beijo, muitos beijos para ti, minha N.

Vale de Figueira, 13. Set. 1965 
Tenho de te pedir perdão se com a minha ausência de alguns dias contribuí para aumentar a tua solidão, se te fiz sofrer. (…). 
(… … …) 
A razão do meu silêncio, minha jóia querida? Vou expor-ta com a maior sinceridade. (…). Nestes últimos dias o trabalho na C.P. tem-se aglomerado. Os dias são extenuantes, com trabalho até às 19 horas todos os dias. (…). 
O fim-de-semana passado (…), aproveitei-o a passá-lo com a tua Mãe. (…) estive no teu Casal Novo, (…) um belo recanto, sem dúvida. (…). Ali espero que passemos juntos alguns dos nossos dias felizes. Regressei de lá no comboio da noite chegando a S.ta Apolónia de manhã, bastante fatigada. Não consegui escrever-te nesse dia porque o sono vencia-me. E, como já não apanhava o avião na 4ª feira, ficaste sem notícias oito dias. 
Este fim-de-semana (…). Saí com três colegas no rápido da manhã rumo ao Porto e só regressámos a S.ta Apolónia no comboio-correio da noite. Estou a escrever-te mas, de instante a instante, cai-me a caneta e fico-me a dormitar. 
(… … …) 
Enviei-te como recordação para o dia dos teus anos, (…), um isqueiro em embrulho registado como amostra sem valor já que te não era possível recebê-lo de outro modo. Diz-me se já te chegou às mãos. (…). Se não foi aberto pelo caminho, já tiveste tempo de o receber pois foi pelo serviço civil. 
(… … …)

Bissau, 14-Set.-1965 
Minha querida, (…). Pego no papel e não sei sobre que assunto te hei-de falar. Queria escrever-te muito mas uma certa preguiça intelectual parece estar a inibir-me de o fazer. Tu não te vais aborrecer, pois não meu amor? 
(… … …) 
E hoje é um daqueles dias em que, se estivesse contigo, estaria calado e limitar-me-ia a acariciar-te, a olhar-te, a viver a doce acalmia que muitas vezes respiro junto de ti. Num dia como hoje amar-te-ia silenciosamente (…). Seria simplesmente corpo vibrando ao contacto do teu corpo, (…). 
E aqui estou eu assim. Recebe-me. Possui-me … (…). 
(…). Cá continuo em Bissau. Saio mais ou menos uma vez por semana. Não posso dizer mal da “festa”! Fiquei deveras confundido com a tua lembrança. Não te agradeço. Beijo-te. Beijo-te muito, minha D. Vai aqui uma fotografia. Mas isto é só pose. (…) não há perigo. 
(… … …).

Foto 2. – “É só pose”, e que fraca pose! 
© Manuel Joaquim

Vale de Figueira, 18. Set. 1965 
(…). Num dia maravilhoso como o que hoje se apresenta apetece-me chamar-te até aqui, (…) dares-me a tua mão para seguirmos com rumo incerto através dos campos, respirarmos o ar puro, a beleza da natureza. O sol brilha intensamente, o céu azul dum azul límpido (...). 
Não posso fisicamente trazer-te para junto de mim nem, do mesmo modo, seguir para aí mas em espírito estou todinha junto do meu querido. (…). Estás contente? Então senta-te aqui junto de mim e vamos conversar. 
(… … …) 
A ideia que alimento de que já nada nos pode separar e que me ajuda a suportar esta situação, a encará-la até com optimismo e um pouco de bom humor, (…), essa ideia não pode ser fictícia! 
Mas deixemo-nos disto (…) agora não interessa. (…) interessa acima de tudo é não preguiçarmos, (…).
Inconscientemente, (…), vamos adiando, esperando para melhor oportunidade e melhor disposição para escrevermos uma carta. (…). E depois o celebérrimo “já não vale a pena” porque já não segue hoje ou o “não me apetece” vão preterindo a nossa vontade, aquilo que até há pouco tínhamos tão presente (…) fica esquecido no amontoado das nossas preocupações, (…). E nessa semana não há mesmo correio. Não quero (…) acusar-te, tanto mais que só esta semana é que a tua correspondência falhou. É de supor que seja atraso dos correios também. 
(…) estou preocupada com o que aconteceu. (…) não é um esquecimento (…) pois não meu M.? 
Recordo o dia 31 de Julho [data da partida para a Guiné] com saudade, acredita. Dia simultaneamente belo e triste. Maravilhosamente belo, horrivelmente triste. Li na firmeza do teu olhar, no ardor da tua despedida, toda a magnitude e pureza dos teus sentimentos, dum Amor que tantas vezes pus em dúvida, mesmo durante os últimos encontros. 
(… … …). 
Recebe-me. Acolhe-me nos teus braços (…). 
Nas situações mais críticas, (…), apoiados um no outro saberemos sempre estar unidos, física e ideologicamente. Haverá uma vontade, uma ideia a seguir. 
(… … …). Peço-te que não deixes de escrever. 
Meu amor querido, abraço-te e beijo-te amorosamente. Tua N.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 6 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11066: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (5): Às portas da guerra

Guiné 63/74 - P11121: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (7): Fogo!!!.... O forno do meu vizinho padeiro, o Mumini, completamente em chamas!

1. Notícias da nossa Anabela Pires, com data de 17 do corrente:

[Foto à direita: Anabela Pires, em Catesse, Cantanhez, Região de Tombali, Guiné-Bissau, 20012. Créditos fotográficos: AD - Acção para o Desenvolvimento]


Car@s amig@s, família, ex-vizinhos e ex-colegas

Há 1 mês que estou em Auroville. Para aqueles que não sabem estou há 2 semanas a trabalhar numa quinta que está a fazer a reconversão para agricultura biológica. E já sei andar de lambreta!

Continuo bem e satisfeita por aqui estar. Há 2 dias começou a fazer aquele calor húmido que nos faz ter sempre a sensação de estarmos sujos. Felizmente esta tarde a trovoada chegou e com ela a chuva! Já o ar está mais aliviado!

Esta semana não vou enviar o habitual diário para aqueles que o pediram - não escrevi nada! Não me apeteceu, não tive oportunidade.

Os meus votos para que todos se encontrem o melhor possível. Ficarei feliz de também receber notícias vossas.Um enorme abraço, Anabela Pires.

2. Resposta imediata de L.G.:

Querida, não vistes o blogue, com a triste notícia da morte da Cadi... Esta semana que passou... [, Foto à direita, 2010, crédito fotográfico: Pepito].

 Obrigado pelas tuas notícias com os teus progressos em Auroville. Um beijinho. Luis

PS - Continuo a publicar o teu diário, que já tem fãs...

3. Continuação da publicação do Diário de Iemberém


Diário de Iemberém, por Anabela Pires [, que escreve de acordo com a antiga ortografia] (Parte VII) (*)

10 de Fevereiro de 2012

Ontem à tarde estava combinado que ia fazer com a Satu uma sopa e experimentarmos fritar bananas como a minha mãe fazia em Moçambique e às quais eu não resistia. Não fizemos nada pois apanhámos um susto!

Recebi ontem, finalmente, as encomendas que tinha metido no correio antes de sair de Portugal (já estavam em Bissau há uns 15 dias mas só ontem veio um carro da associação que as trouxe até aqui! Ai meu rico cafezinho que já andava a beber nescafé há quase uma semana!) e as coisas que tinha pedido à Isabel e à Binto para me comprarem em Bissau.


Estava toda contente, como uma criança pequena quando recebe um presente, a tirar as coisas dos caixotes, ouvi uma gritaria no terreiro. Não liguei, é frequente e ouvia a Jóia muito zangada e pensei que o pequeno Mamadu já tinha feito algum disparate. Entretanto sai da cozinha para ir à varanda procurar um saco com um pacote de manteiga e queijo de bola e o que vejo? O forno do meu vizinho padeiro, o Mumini, completamente em chamas! Quer dizer, ardia tudo menos o forno que é de barro. O telheiro é de colmo, como na grande maioria das moranças, os suportes de paus, a caixa de amassar o pão, a mesa, enfim, tudo de material muito bom para arder!

O forno fica a 1 metro de distância da parede lateral da minha casa. À minha porta estava já o jardineiro que me disse para eu tirar a roupa que estava estendida na varanda mas eu não era capaz pois o calor era imenso. Saí, apanhei umas roupas que não eram minhas e que estavam a secar na minha vedação de bambu (que, nem sei como, não ardeu!) e fui ao terreiro das mulheres. Nessa altura já elas vinham com bacias e baldes de água e alguns homens também para apagarem o fogo. Vi-os encostarem o grande escadote em metal à parede da minha casa e começarem a atirar água para o meu telhado que é de zinco. Um dos barrotes exteriores já estava a arder.

Tivemos muita sorte pois o vento puxava as chamas para cima e as árvores são muito altas. Lá andámos todos a transportar água e fiquei a saber que só não podíamos deitar água em cima do forno sob pena de se partir todo. Enfim, além do forno ainda se salvou a pá do padeiro, a mesa e a caixa de amassar o pão, bastante chamuscadas. Tudo o resto foi à vida!

Vi o rosto da Jóia transfigurado e imaginei que tinha sido “habilidade” do Mamadu, que entretanto já tinha levado umas valentes palmadas e tinha fugido para o mato. O Mamadu tem pouco mais de 4 anos e, pelo que, descobrimos mais tarde, foi com um outro menino, o Talibe, experimentar o isqueiro da Cadi [, esposa do padeiro] . Já me tinha apercebido do fascínio do Mamadu pelos isqueiros pois sempre que está ao pé de mim tenta acender o meu mas não consegue pois ainda não tem força suficiente.

Tudo acabou em bem, o Mumini nem se alterou, a Satu vai pagar o prejuízo, hoje começam a reconstrução do telheiro. A Jóia é empregada da Satu há 5 anos, mãe solteira de 2 crianças, mas a Satu já gosta dela como de uma filha. Fui buscar o Mamadu ao mato, trouxe-o aqui para casa de onde, literalmente, não queria sair! Dei-lhe banho, lanche, e pu-lo a desenhar no chão do quarto que está quase vazio. Mas primeiro levei-o a ver os estragos e creio que se a memória dele já funcionar não voltará a brincar com o fogo.

À noite, no terreiro, acabámos todas a rir pois a Satu, passado o susto, reconta a história com imensa graça e com muita mímica. Então a grande aflição foi a minha casa, o facto de eu ter uma botija de gás numa divisão que dá para o lado do forno, o facto de eu estar em casa! Mas em vez de me chamar e me dizer o que se estava a passar, não, diz que desatou a tremer e a gritar em fula (eu não percebo crioulo quanto mais fula!) “ajudem-me, ajudem-me!”! Alguém teve a imediata preocupação de apanhar a minha roupa que estava a secar numa outra corda ao lado do forno mas não me chamaram!

Enfim, nunca tinha presenciado uma cena destas. Certamente por causa do calor no meu telhado esta manhã tinha 2 morcegos a voar na minha cozinha! Devem ter saído pelo respiradouro do telhado que fica na casa de banho e que pedi desde o 1º dia para ser vedado mas ainda não foi! Tudo se vai fazendo ….. lentamente, muito lentamente. Um dos morcegos já saiu para a rua mas o outro não sei onde está! E assim foi a tarde de ontem!

Tentei telefonar à minha Mila duas vezes mas não consegui falar com ela! São horas de me ir despachar para ir trabalhar.

(Continuação)

[Foto acima: Farim do Cantanhez, 10 de dezembro de 2009. Crianças.  Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados]

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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11088: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (6): O mundo das mulheres é sempre muito especial e aqui ainda mais, onde mulheres e homens não se misturam muito no dia-a-dia, por razões da cultura muçulmana

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11120: Do Ninho D'Águia até África (52): A máquina fotográfica (Tony Borié)

1. Quinquagésimo segundo episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, chegado até nós em mensagem do dia 2 de Fevereiro de 2013:


DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA - 52



A Kodak, que era a primeira máquina fotográfica que o Cifra tinha, desapareceu por altura de um desastre de avioneta, no norte, perto da fronteira. Numa das suas fugidas, no carro dos doentes, à capital da província, o Cifra comprou outra, agora uma Konica, já com mais botões, e complicada, tirava fotografias quase como nas revistas.

Nas suas viagens pelas diferentes zonas de guerra, na entrega do tal material classificado, o Cifra fazia dezenas de fotografias, umas do ar, outras em terra, algumas chocantes, outras de paisagens deslumbrantes da selva, de animais, de pássaros exóticos, de cenários de guerra, de colegas, enfim, de tudo o que entendesse que era útil fotografar. Os rolos para a máquina, a preto e branco, vinham da capital, dos serviços cartográficos do exército, onde também eram processadas as fotografias, pois o amigo Braga, ali em serviço, que tinha andado no grupo folclórico da sua terra natal, e já conhecia o Cifra das andanças folclóricas, antes do serviço militar em Portugal, encarregava-se de todo esse processo.

Conseguia, ninguém sabia como, os rolos de películas e papel de fotografia, reproduzia centenas de fotos iguais, daquelas com motivos mais importantes, que depois dispensava aos militares mais novos que iam chegando a Mansoa, e que tinham curiosidade em ver como era a Guiné, ou simplesmente oferecia aos amigos, tudo isto acontecia na normalidade, até que algumas fotografias, das mais ousadas, começaram a correr de mão em mão no aquartelamento. Como o Cifra era popular e conhecido, pois já estava estacionado há bastante tempo neste aquartelamento, chegou ao conhecimento do comandante, porque o sargento da messe, gravura em cima, que era amigo do Cifra, e a quem lhe dava algumas fotografias daquelas mais ousadas, que se regalava a apreciar, enquanto o Cifra lhe fazia as contas, porque ele se via aflito para as referidas contas acabarem em zero, e sem saber se cometia alguma asneira, um dia disse, na sala onde comiam os oficiais:
- Quem tem essas fotografias é o Cifra.

Um certo dia, ao entregar uma mensagem, já decifrada no comando, o comandante, chama-o, lá de dentro, e pergunta-lhe:
- Ouve lá, que história é essa das fotografias? Andas sempre metido em disparates, ninguém tem mão em ti, só endireitas com uma valente “porrada”!

O Cifra ia para dizer algumas palavras, mas o comandante, com voz de comandante, logo lhe diz:
- Cala-te, traz-me cá essas fotografias para eu ver.

O Cifra ficou um pouco apreensivo e pensou:
- Agora, que falta tão pouco tempo para regressar, vou apanhar algum castigo e não saio mais daqui.

Francamente, ao Cifra não lhe importava nada um castigo em papel, pois não gostava do serviço militar e dos seus regulamentos, pois só falavam de guerra, de disciplina, de prisão, de punições. Um dia até ouviu dizer que a pessoa que fez os regulamentos militares se tinha suicidado depois de os fazer, por se ver impossibilitado de cumprir com o que tinha escrito, e o Cifra entendia que já não podia ser mais punido, pois tinha nascido na Europa, embarcaram-no e trouxeram-no para África, já estava privado da sua liberdade, e preso dentro de uma espécie de campo de concentração, rodeado de arame farpado, há quase dois anos. Andava desesperado com o ambiente de guerra que via em seu redor, e pelas notícias de mortes, nas mensagens que todos os dias decifrava, tudo isto acontecia sem nunca ter feito mal a ninguém, e para mais, andava sempre cheio de medo, neste cenário de guerra. Do que ele tinha mais receio é que prolongassem a sua estadia neste mesmo cenário.

De volta ao centro cripto, pensou melhor:
- Isto são fotografias que eu tirei, que mal há nisto, pois se há alguns colegas, mesmo até furriéis e oficiais que fazem o mesmo?

Enchendo-se de coragem, e tomando uma atitude tal como se fosse o Curvas, alto e refilão, levou uma caixa de sapatos com centenas de fotografias ao comandante.

Uns dias depois, que para o Cifra pareciam meses, ao entregar uma mensagem, o comandante diz-lhe:
- Logo, antes do anoitecer, vem ver-me aos meus aposentos.

O Cifra lá apareceu, com uma camisa da farda amarela do Setúbal, vestida e limpa, pois toda a sua roupa da farda amarela já estava coçada e rota, e a da farda camuflada, quem a usava era o Setúbal, o Curvas, alto e refilão, o Marafado ou o Mister Hóstia, e só não a usava o Trinta e Seis, porque não lhe servia. Pediu licença e entrou.

O comandante, com uma garrafa de Vat 69 na mão e dois copos, que era o whisky que se bebia nas forças armadas, manda-o sentar. Começa com um interrogatório simples, mas interessado, com alguns elogios e alguma admiração, pois algumas dessas fotografias, talvez por acaso, eram únicas e autênticas obras de arte.

Ao mesmo tempo também era repreensivo e, em alguns momentos, usava a cara de comandante. Quando a garrafa estava quase vazia, e mais de uma hora de blá, blá, blá, já com um sorriso na cara e as palavras já saíam aos soluços, completa:
- Tens algum talento, mas esta foto aqui não tem luz, foi tirada do ângulo errado, eu tenho diapositivos de fotografias que tirei há mais de trinta anos e continuo a estudá-los. Vou pedir para a capital uma máquina como deve de ser, com flash e tudo, vou dar-te umas explicações com ela e por certo vais melhorar. Ouve lá, em troca, quero a promessa de ti..., que as melhores fotografias..., são para o meu arquivo. E pára com essa coisa de andares a vender, ou lá o que é, fotografias... na guerra! Entendidos?

Esta última palavra, foi dita com cara de comandante..., sobre influência, tal como o Cifra, já estava na altura.

Afinal, o comandante também tinha a cultura da fotografia, e não só....

Tanto essa máquina, que na altura destes acontecimentos, era uma das melhores máquinas fotográficas que havia no mercado, como as centenas de fotos, quando o Cifra emigrou, para outro país, ficaram em Portugal em casa de seus pais, e muitos anos mais tarde, quando foi por elas, tinham desaparecido, algumas estavam em casa de familiares, já em muito fraco estado. Se fossem encontradas em bom estado, eram bons documentos de guerra.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 9 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11080: Do Ninho D'Águia até África (51): Vinte e quatro longos... longos meses! (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P11119: Inquérito online: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (5): "É pela dor que te fazes homem e... bravo guerreiro"... O Ritual da Tucandeira... na Amazónia (Luís Graça)


Página da congressista norte-americana Judy Chou em que se faz campanha por uma política de tolerância zero às praxes militares... Um seu sobrinho, Harry Lew,  de 21 anos, militar da Marinha recém chegado ao Afeganistão,  suicidou-se em Abril de 2011, depois de submetido a praxes violentas...


1. Grosso modo, a praxe pode ser definida como  a prática de rituais e outras atividades de iniciação, ou ritos de passagem,  envolvendo, quase sempre,  formas diversas de violência, física ou psicológica,  tais como intimidação, assédio,  humilhação, tortura....

O objetivo é iniciar e integrar um indivíduo  num grupo particular.  É comum a diferentes grupos etários e sociais:  escolas, colégios, universidade, grupos de combate, navios, forças armadas, locais de trabalho, gangues,  equipas desportivas,  irmandades, sociedades secretas....

Termos equivalentes noutros sítios e  línguas de praxe ou iniciação:  hazing (inglês), novatada [de novato, recém chegado] (espanhol), baptême [batismo]  ou bizutage (francês), trote (português do Brasil)... A recepção aos caloiros, recrutas, mancebos, novatos, aprendizes, irmãos, novos membros, recém chegados (por ex., na guerra colonial na África portugesa, os periquitos, na Guiné, os maçaricos, em Angola, os checas, em Moçambique,  etc.), é feita pelos mais velhos (veteranos, velhinhos, seniores...). As sessões de de inicição e receção dos mais novos tendem a envolver algum tipo de violência (por ex.,  humilhações sexuais, sevícias,  etc.).

Nalguns casos (internatos,escolas militares, forças armadas...) acabam por se confundir com "bullying", "mobbing", ou sejam, com comportamentos reiterados, continuados no tempo, de discriminação, perseguição e intimação dos membros mais fracos  dos novatos... São práticas proibidas pela lei e pelos regulamentos, mas no fundo toleradas pela cultura institucional (académica, militar, etc.).

Por detrás de todas as praxes, há subjacente o princípio - comum a muitas culturas humanas, das sociedades mais simples às complexas - de que é "pela dor que te tornas homem... e bravo guerreiro"... Veja-se, por exemplo, o ritual de iniciação dos maués, grupo indígena da Amazónia brasileira... Há alguma parecença com as nossas praxes militares (nomeadamente na fase de instrução) ?...

O "hazing" militar nos EUA continua  a dar que falar... Encontrei no Google mais de mil referências "military hazing stories"...(LG)

2. Com a devida vénia, reproduz-se aqui excertos de uma reportagem do portal noticioso brasileiro Estadão.com.br [Observações nossas, entre parênteses retos. Todos os links são nossos. Mantém-se a ortografgia original].

Domingo, 25 de novembro de 2007 > Amazônia > Grandes reportagens > Iniciação dolorosa > Os adolescentes sofrem em rituais violentos

por Carlos Marchi

SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA (AM) - Os líderes indígenas não têm dúvida sobre a razão de estranhos e seguidos suicídios de adolescentes tucanos em São Gabriel da Cachoeira, onde, só em 2006, dez jovens se mataram em pouco mais de três meses. Para eles, é o choque cultural – e não cabem mais explicações. A socióloga Marilene Corrêa, reitora da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), tem uma versão bem diversa e polêmica: sempre houve suicídios de jovens entre os tucanos e outras etnias que submetem seus meninos e meninas a rituais de iniciação brutais.

Como é o caso dos sateré-maués [, ou simplemente maués], que vivem perto de Parintins e têm um ritual de iniciação que para os brancos é torturante, mas para eles funciona como o milagre que transforma meninos em homens fortes de corpo e espírito, bons guerreiros, caçadores e pescadores.

Na época, meninos que têm entre 9 e 14 anos são convocados para a prova: devem enfiar a mão numa espécie de luva tramada em palha, que cumpre o papel simbólico da vagina e tem centenas de watyamas (formigas tucandeiras) [, ver aqui imagens do Google,]  habilmente encravadas nos espaços da trama de palha, de forma que os ferrões delas fiquem voltados para dentro.

Tão logo a mão é enfiada, as formigas – irritadas pela imobilização entre as tramas da palha – começam a ferroar. Não é de bom alvitre que os meninos gritem muito e não se espera que chorem. Alguns minutos depois, eles são convidados a trocar de mão. Esse ritual assustador começa nos fins de tarde e se prolonga até o meio da madrugada. É repetido em dias subseqüentes, de forma que cada menino deve enfiar a mão na luva de formigas pelo menos 20 vezes, até ser aprovado pelos pajés [curandeiros]

Neste ano, na aldeia Mocongotuba, no Rio Andirá, o ritual juntou 32 meninos. Enquanto os jovens enfiam as mãos na luva de formigas, os adultos entoam o mypynukuri (que quer dizer tatu-açu), um cântico para homenagear a dor que eles sentem, e tomam çapó (guaraná em bastão ralado na água). Na progressão do ritual, os meninos precisam ser auxiliados em tudo, porque as mãos ficam inchadas e inabilitadas para fazer qualquer coisa, até para comer. Enquanto sofrem, não podem ser consolados pelos pais; terão de suportar sozinhos a dor extrema de milhares de picadas com o veneno potente da watyama.

Ao participarem do ritual, embora tentem mostrar coragem, produzem esgares faciais que sugerem tensão e pavor. Muitos desistem no meio do caminho. E estarão automaticamente convocados a repetir o ritual no ano seguinte, sob pena de ficarem desmoralizados na aldeia. “Nunca aconteceu de um não terminar a prova”, gaba-se Jecinaldo Sateré, o coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coiab), que participou do ritual quando era menino e agora vai incentivar o filho a fazer o mesmo – como sua mulher é ticuna, as duas filhas vão participar do ritual de iniciação ticuna.

Conta Marilene que antigamente o ritual era muito mais doloroso: os meninos eram obrigados a introduzir o pênis no formigueiro. O órgão ficava inchado como uma bexiga de ar, diz ela. As missões católicas proibiram esse formato e os sateré-maués inventaram a luva.

A ciência empírica dos tucanos, um dos povos indígenas mais populosos da Amazônia, lhes permite perceber a aproximação da primeira menstruação das meninas, época em que elas são submetidas a um impressionante ritual de iniciação. Durante dias, têm o cabelo arrancado em tufos. Depois, são induzidas a beber um chá que as esteriliza por um período de dois meses; são, por fim, entregues a uma franca e irrefreada iniciação sexual com os meninos da aldeia. Depois desse “treinamento”, a menina poderá escolher um marido – e, a partir daí, só terá olhos para ele.

Marilene lembra Lévy-Strauss [, Claude Lévi-Strauss, famoso  antropógio francês, 1908-2009], para explicar outro mito do meio indígena – por que eles bebem tanto. Segundo ela, na maioria das nações há um hábito imemorial de tomar drogas alucinógenas e servi-las aos jovens, principalmente durante os rituais de iniciação. “Das drogas para o álcool é um pulo”, afirma a socióloga. A médica e antropóloga Luíza Garnello, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e da Fiocruz, discorda: “Não há correlação entre o uso de substâncias psicoativas e o hábito de beber, até porque aquelas substâncias sempre foram de uso restrito dos xamãs (pajés).”

Luíza prefere acreditar que os suicídios podem ser causados pela mudança violenta de hábitos trazida pela invasão dos brancos.  (...)
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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P11101: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (4):  Fui praxado, em Bissum Naga, e não vi nada de mal nisso... (Manuel Maia, o nosso bardo do Cantanhez)

Guiné 63/74 - P11118: Em busca de... (215): Informações sobre o malogrado Fur Mil Lenine José da Costa Lima e Castro (Pel Rec Fox 693), falecido em campanha em 28 de Novembro de 1964 (Carlos Matos Gomes)

1. Mensagem de Carlos Matos Gomes, Coronel Cavalaria Reformado (escritor e historiógrafo da guerra colonial), com data de14 de Fevereiro de 2013: 

Meu caro Carlos Vinhal,
Como acontece tantas vezes, fui abordado por um amigo em busca de "pistas" sobre um antigo militar que faleceu na Guiné.
Seria possível procurar saber através dos camaradas do Blogue se alguém tem informação do Furriel miliciano de cavalaria Lenine José de Costa Lima e Castro, falecido na Guiné a 28 de Novembro de 1964, que fazia parte do Pelotão Fox 963, mobilizado pelo Regimento de Cavalaria 8 (Porto) e que estava no Mejo? 

Se conseguir que alguém tenha uma informação, ficava muito agradecido.

Receba um abraço de muita estima e consideração do
Carlos Matos Gomes


Nota de CV:

Na página 86 do 8.º Volume - Mortos em Campanha - Tomo II - Guiné - Livro 1, da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), acerca do malogrado camarada Lenine pode-se ler:

Nome: Lenine José da Costa Lima de Castro
Posto: Furriel Miliciano
Unidade: Pelotão de Reconhecimento Fox N.º 963(?) - Esq Rec Fox 693
Unidade Mobilizadora: Regimento de Cavalaria N.º 8 - Castelo Branco
Estado civil: Casado
Freguesia: Vila Rela (São Diniz)
Concelho: Vila Real
Local de operações: Gadamael
Local da sepultura: Cemitério de Agramonte - Porto
Data do falecimento: 28 de Novembro de 1964, no HMP - Bissau
Causas da morte: Ferimentos em combate (queimaduras)

Conforme solicita o Coronel Carlos Matos Gomes, se alguém tiver outras informações por favor contacte-nos para que lhas façamos chegar.

Em Tempo:

Alertado pelo nosso camarada António Bastos, ambos verificamos que há erro na identificação do Esq Rec Fox que não será 963, mas sim 693.
Consultando o 7.º Volume - Fichas das Unidades - Tomo II - Guiné, da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), verifica-se que prestaram serviço na Guiné os seguintes Esq Rec Fox: 54; 385; 693; 1578; 2350; 2454; 2640; 2641; 3431; 3432; 8740/72 e 8840/72.

Pelo lapso involuntário, baseado no erro da ficha da morte do nosso camarada Lenine, apresentamos as nossas desculpas.

Carlos Vinhal
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 7 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11071: Em busca de... (214): Carlos Botto, ex-Condutor Auto da CCAV 3404/BCAV 3854, Cabuca, 1971/73 (José António Sousa)

Guiné 63/74 - P11117: Ser solidário (142): Movimento Lionístico em favor da solidariedade para com o povo da Guiné-Bissau (Jaime Machado / José Rodrigues)

1. Mensagem dos nossos camaradas, Jaime Machado (ex-Alf Mil Cav, Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) [foto à esquerda] e José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72) [foto à direita] com data de 15 de Fevereiro de 2013:

Caros Camaradas Tabanqueiros:

Porta Aberta à Solidariedade

Os caminhos da vida que alguns de nós percorreram depois de cumprida a nossa missão na Guiné levou-nos, por razões que não se explicam somente pelos afetos, a regressar a esse País Irmão.

Dos muitos que o fizeram, poucos ficaram insensíveis às imensas dificuldades porque passam os Guineenses, muito em particular as suas crianças.
Para os que sentiram esse chamamento, a Guiné-Bissau voltou a cruzar-se com as suas vidas. E assim nasceram variadas formas de apoio solidário concretizado pelas diversas ONGs (Tabancas) e outras dinâmicas, particularmente da iniciativa de ex-combatentes.

Dois ex-combatentes integrados no Lions Clube da Senhora da Hora, propuseram-se comprometer o Movimento Lionístico nesta cadeia de apoio solidário com as crianças da Guiné-Bissau.
Unindo vontades e capacidades demonstradas por vários Guineenses trabalharam para a fundação do Lions Clube de Bissau como veículo de canalização desse apoio, o que veio a concretizar-se oficialmente no dia 9 de abril de 2011.

Esteve prevista a deslocação a Bissau em Maio de 2012 de uma importante delegação Lions, que integrava responsáveis ao mais alto nível do Movimento Lions Nacional e Internacional, para a realização da Cerimónia da Entrega da Carta Constitutiva ao Lions Clube de Bissau. Devido ao conflito politico-militar que entretanto aconteceu em Abril desse ano, tal deslocação foi cancelada. Estamos a reprogramar a deslocação de uma Delegação Lions a Bissau para que a Cerimónia, anteriormente prevista para 2012, se possa realizar no próximo dia 9 de Abril.

Dessa delegação farão parte um Diretor Internacional, a Governadora do Distrito 115 Centro/Norte, o Tesoureiro da Governadoria do mesmo Distrito, representantes do Lions Clube da Senhora da Hora e outros Companheiros Lions.

 O Lions Clube de Bissau, para além dos seus iniciais 29 associados, incluiu agora os dois ex-combatentes que contribuíram para que o sonho de ontem seja hoje uma realidade.

Ao levarmos até vós o conhecimento deste nosso envolvimento pretendemos, como cidadãos empenhados nas causas solidárias, afirmar a nossa abertura a todos os contributos que outros ex-combatentes queiram canalizar para esta causa, dentro do espírito voluntário de servir.




Dos Camaradas Jaime Machado (Bambadinca, 1968/1970)
José Rodrigues (Xitole, 1968/1970)
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 28 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11019: Ser solidário (141): Primeiro almoço solidário na nova Tabanca Ajuda Amiga, dia 31 de Janeiro de 2013 na cantina da Associação de Comandos, em Oeiras

Guiné 63/74 - P11116: In Memoriam (140): Major General Jaime Neves, falecido no Hospital Militar Principal de Lisboa em 27 de Janeiro de 2013 (José Martins)

1. Apesar de o Major General Jaime Neves nunca ter passado pela Guiné, era justa uma pequena homenagem do nosso Blogue a este valoroso militar que se distinguiu nas suas campanhas na Índia, Angola e Moçambique, sendo posteriormente um dos "Homens de Abril".

Este é mais um trabalho de pesquisa do nosso camarada José Martins [foto à direita] a quem ficamos gratos por mais esta incumbência.

O editor



Foto e referência retirada da página da Associação de Comandos


Major General Jaime Neves

Na realidade, infeliz realidade, completa-se no próximo dia 27 de Fevereiro de 2013, o trigésimo dia da morte do nosso camarada de armas, Jaime Neves, que foi um distinto militar do nosso exército, partilhando com muitos combatentes as agruras duma guerra que não escolheram fazer.

Para conseguir alinhar algumas palavras sobre este Oficial General, optei por procurar algo, sobre o mesmo, nas diversas páginas disponíveis na internete.

Curiosamente poucos dados biográficos encontrei sobre a pessoa que, não tendo palmilhado as mesmas matas e bolanhas, não deixou de ser uma figura que, em conjunto com outras, fez parte do Movimento das Forças Armadas, em Abril de 1974.

De seu nome completo, Jaime Alberto Gonçalves das Neves, nasceu em São Martinho da Anta, Vila Real, a 28 de Maio de 1936, não mencionando a sua filiação. Fala que seu pai era polícia e a sua mão doméstica, sendo filho único.

O Capitão Jaime Neves após ter sido condecorado com a Medalha da Cruz de Guerra de 1ª Classe, que lhe foi conferida em Ordem do Exército nº 4 – II Série – 1968. 
Foto: Correio da Manhã, com a devida vénia.

Completado o Curso Liceal em Vila Real, em 1953, entra para a Escola do Exército, actual Academia Militar. Terminado o curso em 1957, e com a patente de Alferes, parte para Moçambique para a cidade de Tete.

Em Março de 1958 vai para a Índia que, desde 1954 com a ocupação dos enclaves de Dadrá e Nagar Haveli, um enclave de Damão, era o destino de muitos militares. É a sua experiência asiática.

Regressa a Moçambique em 1960, já com o posto de Tenente ao qual tinha sido promovido no ano anterior, tendo ficado na Beira até Dezembro de 1961.

Regressa à metrópole e é colocado no Batalhão de Caçadores nº 10, em Chaves, onde vai dar instrução aos elementos da futura Companhia de Caçadores nº 365. Foi, no entanto, mobilizado para o Batalhão de Caçadores nº 381, formado em Chaves, para ir para Angola, onde chega a 03 de Dezembro de 1962, que se vai instalar em Úcua, Norte de Angola, ficando a ocupar o cargo de oficial de reabastecimentos.

Algum tempo depois é-lhe confiado o comando da Companhia de Caçadores nº 365, também mobilizada em Chaves, chegada a Angola em 13 de Julho de 1962 e cuja unidade já conhecia, por lhe ter dado instrução no BC 10 de Chaves. É aí que inicia a sua prova de fogo, comandando os seus homens com disciplina, coragem e abnegação.

Regressado em Janeiro de 1965, decide ingressar no Regimento de Artilharia de Queluz, onde inicia uma das maiores provas: o curso de comando.

Em 1966 regressa a Angola onde comanda a 2ª Companhia de Comandos, cujos resultados impressionam e as operações sucedem-se, combatendo a guerrilha.

A Companhia de Comandos é enviada para Moçambique, para a região de Tete, em Maio de 1966, dado o agravamento da situação militar. É no Norte da província que o Capitão Jaime Neves e os seus homens travam duros combates com a Frelimo.

Dado que nos baseamos em documentos dispersos e não no processo pessoal de Jaime Neves, há alguns factos de que nos apercebemos, mas que a documentação consultada, não refere em pormenor.

Sabe-se que, além de ter estado na Índia, fez duas comissões em Angola e mais duas em Moçambique, onde, já Major, se encontra em 1973.

Presente nos anos de 1974 e 1975 no Movimento das Forças Armadas, comanda como Tenente-Coronel graduado em Coronel o Regimento de Comandos.

Major General Jaime Neves, data desconhecida. 
Foto: UTW, com a devida vénia

Pela observação das poucas fotografias encontradas, supomos que conseguimos identificar as seguintes condecorações:

• Medalha de Valor Militar;
• Medalha Cruz de Guerra, 1ª Classe;
• Medalhas de Serviços Distintos;
• Medalha de Mérito Militar (?)
• Medalha de Comportamento Exemplar;
• 2 Medalhas Comemorativas das Campanhas (Angola e Moçambique);
• Medalhas das Campanhas de Serviços Especiais (Índia)

Em 1995, no dia 13 de Julho, foi agraciado pelo então Presidente da Republica com o grau de Grande Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, tinha o posto de Coronel

Já na situação de reforma, “As chefias militares consideraram que o seu "mérito e os serviços prestados à Pátria" justificam a "promoção por distinção".[6] A promoção a Major-General foi confirmada pelo Presidente da República Portuguesa, Prof. Aníbal Cavaco Silva, a 14 de Abril de 2009”.

Veio a falecer no Hospital Militar Principal, em Lisboa no dia 27 de Janeiro de 2013, tendo as exéquias sido celebradas na capela da Academia Militar, nos Paços da Rainha e no Cemitério do Alto de São João, a que estiveram presentes muitos “Antigos e Actuais Comandos”.

José Marcelino Martins
18 de Fevereiro de 2013
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 18 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11110: In Memoriam (139): Cor inf Carlos Alberto da Costa Campos (1927-2006), antigo comandante da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/67) e depois do COP 3 (Bigene, 1973): Trasladação dos seus restos mortais, no próximo dia 26, 3ª feira, às 11h00, no Cemitério de Sesimbra, para o talhão da Liga dos Combatentes (Carlos Jorge Pereira)

Guiné 63/74 - P11115: Notas de leitura (458): Consequências Jurídico-Constitucionais do Conflito Político-Militar da Guiné-Bissau (Francisco Henriques da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, com data de 5 de Janeiro de 2013:

Meus caros amigos e ex-camaradas de armas,
Para vossa leitura e apreciação, junto vos envio uma recensão da obra "As Consequências Jurídico-constitucionais do Conflito Político-militar da Guiné-Bissau" de Joãozinho Vieira Có que, entre outras coisas, foi Director das Alfândegas em Bissau e posteriormente embaixador em Lisboa.
O pequeno livro - mais um opúsculo que um livro - é prefaciado pelo conhecido catedrático Professor Marcelo Rebelo de Sousa, mas, a meu ver, fica muito aquém do que os leitores interessados estão à espera e do que seria expectável de um bissau-guineense bem conhecedor do terreno e com altas qualificações como jurista.
Não consegui encontrar na Internet uma fotografia, claramente identificável do autor.

Com cumprimentos cordiais e amigos do
Francisco Henriques da Silva
(ex- Alf- Mili. de Infantaria da CCaç 2402 e ex-embaixador em Bissau, 97-99)


Consequências Jurídico-Constitucionais do Conflito Político-Militar da Guiné-Bissau

Alguma coisa, não muita, se tem escrito sobre o conflito político-militar da Guiné-Bissau, um eufemismo comummente utilizado para a guerra civil dita de baixa intensidade, mas com efeitos desastrosos, infelizmente duradouros para aquele país, nos anos idos de 98-99. Na generalidade dos casos, os autores ficam-se por umas lambuzadelas sobre as causas, que são múltiplas, complexas e amiúde pouco claras e afloram, com alguma ligeireza, as consequências, em que, via de regra, relevam o que é óbvio, concorrem no que parece ser uma via de relativas concórdia e normalização da vida política e constitucional local (mais aparente do que real, diga-se de passagem) e repisam os habituais lugares comuns, com ampla citação de documentos de apoio. Depois, o tema é sempre abordado com calor, designadamente por parte dos intervenientes, dos que viveram a história vivida, passe o pleonasmo.

É este o caso de “As Consequências Jurídico-Constitucionais do Conflito Político-militar da Guiné-Bissau”, de Joãozinho Vieira Có, editado pela Associação “Rete Guinea-Bissau” onlus, Bissau, 2001. Trata-se de uma obra curta (90 páginas) com um conteúdo ainda mais sucinto, que mereceria, seguramente, um tratamento mais aprofundado e elucidativo. A obra, ou mais propriamente dito o relatório, como assim o classifica Professor Marcelo Rebelo de Sousa no prefácio que não só beneficia o escrito, mas que, inclusive, lhe confere uma dimensão inusitada, que, a nosso ver, peca, talvez, por excessiva, é marcada “pela emoção, pelo subjectivismo”, daí, como refere aquele catedrático, “sofrer nos clássicos cânones científicos e académicos...por conta ...do arrebatamento e da vontade de intervir civicamente no presente e no futuro” (na Guiné-Bissau, entenda-se). A serenidade e rigor, como o reconhece Marcelo Rebelo de Sousa, perdem-se de algum modo neste escrito. E remata “O Dr. Joãozinho Vieira Có fez questão em lançar em livro as apaixonadas reflexões de alguns anos atrás. Quem sou eu para lhe dizer que tolha esse empenho cívico?”

Por estas palavras, mesmo sem ter lido o “relatório”, o leitor já deve ter feito a respectiva radiografia e ter chegado a determinadas conclusões em termos de diagnóstico. Com efeito, dado o que precede, não é preciso ir muito longe.

O autor descreve de forma muito sucinta os principais acontecimentos políticos e as mudanças jurídico-constitucionais da Guiné-Bissau, desde a independência à eclosão da guerra civil de 98-99. Passa em seguida à análise das causas do conflito político-militar, começando por citar o processo de adesão da Guiné-Bissau à UMOA (União Monetária Oeste-africana) e a consequente adopção do franco CFA, o que terá constituído, sem sombra de dúvida, uma das causas – o processo foi atabalhoado, mal gerido e desprovido das necessárias medidas de acompanhamento, ajuste e reestruturação – mas não a principal. As reacções internas não foram, como refere Vieira Có, “pacíficas” (p. 23), o que é um facto, mas não levariam, seguramente a um levantamento popular ou a um golpe de Estado. Cita em seguida as alterações constitucionais tornadas indispensáveis por via do ingresso na UMOA, mas aquelas decorriam naturalmente da situação que a adesão ia criar, o que é uma questão incontroversa. Menciona em seguida um problema político interno que teve, bem entendido, um impacto certo na governação da Guiné-Bissau e, sobretudo, a nível do PAIGC , ou seja, a demissão do governo de Manuel Saturnino Costa e a sua substituição pelo Executivo de Carlos Correia, não se tendo respeitado neste processo alguns requisitos formais preceituados na Constituição, gerando-se, é certo, uma situação de inconstitucionalidade. Todavia, esta questão tem porventura maiores incidências na luta pelo Poder a nível de facções internas do partido e, em nosso entender, não está na razão directa do levantamento militar de 7 de Junho. Quanto às causas próximas deste, o autor menciona a Carta dos Combatentes de Liberdade da Pátria, muito embora pouco se detenha sobre as questões substantivas que o documento suscita e que estão na razão do descontentamento da sociedade castrense e dos antigos guerrilheiros (o tráfico de armas para Casamansa e o envolvimento de figuras do regime nesse comércio ilegal, a instabilidade e as clivagens nas Forças Armadas, etc), o sempre adiado e conturbado VI Congresso do PAIGC, meramente aflorado de passagem, preocupando-se o autor com uma questão relativamente menor, isto é com a circunstância de ter tido lugar numa base militar (!). Por outro lado, pouco nos diz sobre um problema crucial: i.e., o futuro processo eleitoral. O agravamento dos problemas financeiros, a degradação da situação sócio-económica, quase não são abordados, com excepção da má gestão e dos problemas inerentes à adopção do franco CFA, já aludidos. A problemática social de uma grande amplitude, quer no seio das FA’s, quer na sociedade em geral, merecem-lhe escassa atenção, para já não falar na questão étnica que, à semelhança, aliás, de outros autores, nem sequer lhe ocorre mencionar. Para além do que se refere, comete duas faltas imperdoáveis: ignora as causas externas do conflito, que são da maior relevância, e “last but not least” não menciona o diferendo pessoal Nino-Mané, o verdadeiro despoletador da crise.

Quanto às características da guerra, qualifica a intervenção militar do Senegal e da Guiné-Conakry de “um acto de invasão que deu lugar à ocupação desse país [a Guiné-Bissau] durante alguns meses, em flagrante violação da carta das Nações Unidas, da Constituição da República da Guiné-Bissau e, paradoxalmente, também das disposições legais internas dos próprios países invasores” (p. 33). Os exageros exaltados do autor embaraçam e obnubilam a respectiva argumentação. Ora bem, não se trata de “invasão”, na medida em que as tropas estrangeiras entraram no território guineense e foram chamadas a intervir a solicitação expressa do governo legítimo da Guiné-Bissau, ao abrigo de acordos existentes. Haveria que demonstrar-se (a) que se tratou, de facto, de uma “invasão”, o que é manifestamente falso; (b) o país não foi ocupado, uma vez que as tropas estrangeiras ficaram estacionadas em pequenas parcelas do território, designadamente no centro da cidade de Bissau; (c) se se tratou de uma “invasão” não autorizada pelas autoridades legítimas, então estamos perante uma violação da Carta da ONU, caso contrário o argumento não colhe; (d) o autor teria que demonstrar que o pedido de intervenção estrangeira constitui uma violação das normas constitucionais da Guiné-Bissau (no caso em apreço, afigura-se-nos que sim, mas Vieira Có não o evidencia, de forma inequívoca, com base no texto da Constituição); (e) não demonstra, igualmente, que essa “entrada violenta” foi feita à revelia da legislação interna dos “países invasores”, limitando-se, pois, a uma afirmação meramente gratuita. O autor não nos esclarece, como deveria, se nos termos do acordo bilateral subscrito entre a Guiné-Bissau e o Senegal, “Nino” Vieira podia requerer como requereu essa intervenção estrangeira. No caso em apreço, subsistem dificuldades de interpretação.

Quanto ao(s) acordo(s) com a Guiné-Conakry, o(s) texto(s) é(são) totalmente desconhecido(s) e o autor nem sequer o(s) referencia. Como a este respeito, afirma M. Lobo Antunes, “no plano estritamente jurídico era discutível se os acordos sancionavam a intervenção solicitada, e aceite, na ausência de agressão externa, como era o caso, para além de outras interrogações sobre a validade mesma, do ponto de vista constitucional, de tais acordos, que porventura não estariam em vigor por falta de ratificação parlamentar ou de o Presidente fazer apelo a tropas estrangeiras sem o consentimento da Assembleia” (v. M. Lobo Antunes in “Negócios Estrangeiros”, nº 1, Março de 2001). Por conseguinte, estes pontos, verdadeiramente nevrálgicos, necessitavam de um tratamento menos emotivo e muito mais rigoroso.

Mais adiante ao revelar que “a sociedade civil guineense ficou de certa maneira surpreendida com o eclodir de uma nova guerra”, o que não é inteiramente verdadeiro pois o conflito há muito que germinava e ninguém desconhecia que o processo estava em marcha, conclui que “a esperança numa solução dos problemas do país através das urnas era evidente na população guineense” – o que carece de demonstração - “fez precipitar o estado crítico interno e impulsionar os mais descontentes e críticos a aglutinarem-se à volta da Junta Militar para combaterem com a força das armas o poder eleito democraticamente” (pág. 36). Trata-se, em suma, de conclusões meramente especulativas do autor e que não assentam em matéria de facto

Ao referir-se aos acordos de Abuja (1 de Novembro de 1998), Joãozinho Vieira Có considera-os desprovidos de valor jurídico e cuja violação, por qualquer das partes beligerantes, seria apenas objecto de uma admoestação. Mister é admitir que, com a guerra civil, a Guiné-Bissau entrou numa situação de extra-constitucionalidade. Antes do mais, há que reconhecer-se que Abuja é um acordo transitório que visa o retorno à normalidade constitucional, logo que possível - sublinho os termos. Muito embora admitindo o status quo, pretendia, a meu ver, de uma forma tosca e imperfeita, que a situação fosse revertida para os parâmetros da constitucionalidade factível, com o aval da Comunidade Internacional e ao mais alto nível, ou seja através da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), da ONU e da OUA – entidades que subscreveram o acordo. Se, mesmo assim, Vieira Có considera que tal documento é desprovido de valor jurídico, porque não respeita em rigor as normas da constituição guineense e porque não prevê sanções em caso de inadimplência, parece-nos que está a ir longe de mais e a ser mais papista que o Papa.

O autor, em mais uma tirada emotiva, considera que “os desequilíbrios entre os políticos e os militares aliados aos aproveitamentos pessoais e/ou instrumentalizações de carácter tribal, manifestados em conflitos político-militares, provocam, particularmente, no continente africano, consequências dramáticas, análogas às dos terramotos de outras partes do globo, pois ambos são fenómenos de destruições rápidas, violentas e irremediáveis...” (pág. 50). Dispenso-me por despiciendos de comentários adicionais.

Na conclusão, Joãozinho Vieira Có refere-se entusiasticamente à realização das segundas “eleições legislativas e presidenciais e a entrada em funções de novos órgãos soberanos”, o que, a seu ver, “representam uma etapa importantíssima para a Guiné-Bissau: o termo do período transitório definido em Abuja, a extinção “ipso facto” da Junta Militar e o emergir de novos órgãos soberanos legitimados pelas urnas”. Para mais adiante, rematar: “assim , torna-se urgente sepultar definitivamente todas as lógicas de acesso ao poder politico por via dos mecanismos ou instrumentos finalizados a provocar rupturas constitucionais ou golpes de estado militares” (pág. 55). A história subsequente da Guiné-Bissau, com a sua ininterrupta sucessão de golpes de Estado, de levantamentos militares, de assassinatos selectivos, de prisões arbitrárias, de violações grosseiras dos direitos humanos e de desrespeito da Constituição e da lei, viria a desmentir liminar e enfaticamente as conclusões do autor.

A segunda parte deste trabalho, resume-se à transcrição de documentos, aliás bem conhecidos por todos os que se interessam pela história recente da Guiné-Bissau.

Pena é que o autor não se tenha concentrado mais e de forma mais objectiva e rigorosa sobre o título – e por conseguinte, o objecto da sua própria obra -, pois muito faltou por dizer.

Para concluir, faltam-nos alguns dados biográficos indispensáveis sobre Joãozinho Vieira Có. Este teve um percurso ziguezagueante, quando da abertura política ao multipartidarismo. Transitou da RGB-MB (Resistência da Guiné-Bissau – Movimento Ba-Fá-Tá) para o governamental PAIGC, tendo, por isso, sido compensado pelo próprio “Nino” Vieira com o cargo de Director-Geral das Alfândegas (de 1994 a 1997), lugar de grande confiança política. Foi nessa qualidade que, sem qualquer razão aparente, ao arrepio da Convenção de Viena e do direito consuetudinário diplomático, embargou durante largas semanas a mala diplomática portuguesa no aeroporto de Bissalanca. Tudo isto foi feito com grande projecção mediática local, utilizando a televisão, a rádio e os jornais, com o propósito de achincalhar Portugal, a despropósito, diga-se de passagem. Depois foi Director da Faculdade de Direito de Bissau, já com Kumba Ialá no Poder (2000) e por este nomeado embaixador em Lisboa, em 2002 – ou seja, mais um golpe de rins. Suponho que ninguém objectou, na altura, às travessuras dos anos 90 enquanto responsável pelas alfandegas (o Governo português não levantou então quaisquer ondas, nem iria depois suscitá-las quando do pedido de agrément). A diplomacia lusitana tem a memória curta, não reage quando deve reagir, tudo perdoa, é assim e não muda. Joãzinho Vieira Có advoga, hoje, em Bissau e conta, entre os seus clientes, com o ex-CEMA, José Bubo Na Tchuto, como se sabe, alegadamente envolvido no lucrativo negócio do narco-tráfico.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de Guiné 63/74 - P11111: Notas de leitura (457): "Olhares Sobre Guiné e Cabo Verde", organização de Manuel Barão da Cunha e José Castanho (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11114: Tabanca Grande (387): Carlos Afeitos, professor, ex-cooperante na Guiné-Bissau, agora a viver em Inglaterra, novo grã-tabanqueiro nº 606


1. Mensagem de ontem, do Carlos Afeitos, professor de matemática, cooperante na Guiné-Bissau, durante 4 anos (2008-2012), e nosso novo grã-tabanqueiro, com o nº 606 [, foto à esquerda]
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Luis:

Bom dia mais uma vez,

Aceito o seu convite para fazer parte da Tabanca Grande. Como lhe disse anteriormente o meu tempo não é muito, mas posso contribuir com o que tenho e com algumas das minhas passagens. Tenho boas e más recordações, mas como costumo dizer VIVI. 

Em anexo encontra a minha foto digitalizada. Se precisar de mais alguma coisa é só avisar.Obrigado,  Carlso Afeitos.


2. Mensagem anterior de L.G,, agradecendo o envio de mais fotos de antigos aquartelamentos das NT, neste caso o K3, depois de já termos publicado aqui uma primeira coleção sobre Gadamael Porto (, fotos tiradasa em 2011):

Carlos... Estas fotos são testemunhos, preciosos, para todos nós, antigos combatentes. Sei que agora estás com pouco tempo para te preocupares connosco, mas gostaria de convidar-te para integrar a nossa Tabanca Grande. Por certo que te identificas com os nossos objetivos de partilhar memórias (e afetos), bem como com as nossas "regras editoriais"... 

Se aceitares o nosso convite, passarás a ser o grã-tabanqueiro nº 606. Gostaríamos de poder ter uma foto tua (, tipo passe, digitalizada). Por certo que a lusofonia e a Guiné são um aponte de união entre nós. Desejo-te os melhores sucessos académicos e pessoais. Boa estadia em Inglaterra

Um Alfa Bravo (ABraço). Luís Graça

3. Comentário final de L.G.:

Carlos:  Nós aqui, somos, mais que uma comunidade virtual, somos uma "grande família", a dos amigos e camaradas da Guiné. A nossa tabanqueira mais velha tem... 98 anos. E é a única que não tratamos por tu. É a nossa decana. Foi cofundadora (e professora) do Liceu Honório Barreto, em Bissau, no final dos anos 40... Amiga de mulher do Amílcar Cabral e próprio Cabral, mãe do nosso amigo Pepito, da AD (que deves ter conhecido, tem duas filhas, em Bissau)... Tu és de matemática, é isso ? Não tenho um CV abreviado teu, mas vi qualquer coisa na Net... Vou te apresentar à Tabanca Grande. Quatro anos de Guiné como cooperante é obra, nos tempos que concorrem e nas difíceis circunstâncias daquele país irmão, de gente sofrida mas corajosa. Gostei do que escreveste: "Tive coisas boas e más, mas confesso que vivi!"... Sê bem vindo, amigo, à Tabanca Grande.  Um abração, Luis.

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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11090: Tabanca Grande (386): João Ruivo Fernandes, ex-fur mil, de rendição individual, CART 3494 (Xime, dez 1972 / jan 1973), onde foi praxado... É agora o grã-tabanqueiro nº 605, apadrinhado pelo Sousa de Castro, grã-tabanqueiro nº 2

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11113: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (37): A "ida ao toco"

1. Em mensagem do dia 28 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, QuinhamelBinta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma memória do seu tempo de estudante.

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES

37 - A “ida ao toco”

No COA, tal como noutras boas escolas, também havia algumas tradições, ainda não profundamente enraizadas, visto tratar-se, àquela data, de uma escola jovem. Falamos da “ida ao toco”.

Creio que inicialmente, se praticava apenas entre alunos internos; com o tempo ter-se-á estendido a todos os alunos e, de vez em quando, aquela prática lá se ia renovando, mas… a tradição a certa altura... deixou de ser o que era!

Creio que não havia data pré-determinada para esta operação; bastava que um pequeno grupo tomasse tal decisão e … um de cada vez, todos eram levados ao “toco”. Quando tal acontecia, normalmente não escapava ninguém – nem os mais velhos!

A tal operação praticava-se do seguinte modo: quatro ou mais alunos (de acordo com o peso e a força de cada um dos visados) principalmente os mais velhos, pegavam uns nos braços e outros nas pernas da “vítima”, conduziam-na até junto do local próprio, e batiam três vezes com o traseiro do aluno no poste de madeira, já carcomida que suportava uma obsoleta e única tabela de basquetebol existente no recreio dos rapazes junto à parede do edifício principal. Esta tabela desapareceu aquando da construção do ginásio.

Significa que, em tempo idos, se praticou basquetebol no COA. Recordo um rapaz de nome Palmares ou Palmaz que visitou o COA algumas vezes no meu tempo. Dizia-se que fora um exímio praticante de basquetebol. Vi-o pegar numa bola de volei e lançá-la à tabela introduzindo-a no aro metálico, pois a rede já não existia. Naquela época o Palmares(?) estava na Base de S. Jacinto.

Poderia dizer-se que “morto o bicho, morta a peçonha” mas tal não aconteceu, pelo menos de imediato; teve de se arranjar substituto para a já desgastada tabela.

Passou, então a utilizar-se para tal fim, os pilares de ferro que suportavam o telhado do alpendre à frente, da garagem onde o Sr. Almeida guardava o(s) seu(s) carro(s) e que cobria também o bebedouro na outra extremidade. Creio que nesta altura, o costume se estendeu a todos os alunos e, de vez em quando, lá se ia renovando a tradição, embora não fosse tão generalizada como quando se tratava só de alunos internos. Questões de números

Quando entrei no Colégio havia pouco mais de trinta alunos internos e todos eram levados ao toco quando tal era decidido; nem os mais velhos escapavam! Os dois casos mais complicados de que me lembro:

a) Um tal Cipriano, natural de Cepelos, fez o 7º ano quando eu fiz o 1º; foi o último da série; exerceu toda a sua força descomunal (em relação à dos miúdos) e agilidade para evitar ir ao “castigo” ; a luta foi dura mas, com a indispensável ajuda prestimosa dos mais velhos, cumpriu-se a “lei”;

) Um jovem, nascido lá para as bandas de Oliveira de Frades, distrito de Viseu, tinha acabado de chegar, como interno; frequentou ali apenas o 5º, 6º e 7º anos. Não recordo se ele ajudou a levar alguns jovens a “ao toco”, mas quando chegou a sua vez, esforçou-se ao máximo para que o mesmo não lhe acontecesse. Muito contrariado, democraticamente, foi obrigado a bater três vezes com o dito no poste. Quando se sentiu livre, sacou do bolso um quase inofensivo canivete (próprio, pela dimensão, para castrar grilos) e ameaçou esfaquear tudo e todos – era só fumaça!

Felizmente não passou à prática! O bom senso imperou! E a vida não acabou ali.

Creio que nos fins dos anos cinquenta do século passado tal uso… terá caído em desuso!

Tradição… já era!

Saudações colegiais
Janeiro 2013
BT
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 7 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11069: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (36): Juramento de Honra