domingo, 10 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12274: Fragmentos de Memórias (Veríssimo Ferreira) (1): Chegada a Bissau e deslocação para o Óio

1. Em mensagem do dia 8 de Novembro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos o primeiro episódio da sua nova série Fragmentos de Memórias:


FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS

1 - Chegada a Bissau e deslocação para o Óio

24 de Agosto de 1965

Chegado a Bissau, levado pelo Niassa, despejaram-me na Amura.
A viagem foi pior que má, fui sempre deitado, enjoado e só m'alevantava nas horas das refeições, qu'eram cinco diárias. Gostei particularmente dos almoços e jantares, porque aí davam "buída tinta", para o mal estar... e "pescada au meuniére".

Abandonado em terra... amanha-te... e isso fiz embora antes e da Metrópole tenham partido de avião, os oficiais, milicianos e tudo, bem como os sargentos do Quadro (Secção de Quartéis lhes chamaram) com a incumbência também de me prepararem a recepção e instalações tão condignas qb, próprias de quem como eu, se julgou com direito a pelo menos uma cama para dormir, à semelhança de todos os outros que a tal privilégio tiveram acesso.

Depois... um ou outro pelotão lá ia sendo destacado para aqui e para ali e o meu (o 1.º) foi-se passeando e com a prestimosa ajuda dos guias turísticos (CART "ÁGUIAS NEGRAS") por Mansabá, Bissorã, Manhau, Pelundo (apenas a minha Secção), Jolmete e por fim reunimo-nos de novo (a CCAÇ 1422) em data que não posso precisar, mas julgo que nos finais de 1965.

Mas em Bissau e porque ali permaneci oito dias, acabei por e em companhia doutro amigo furriel miliciano acabei por, repito, conhecer a cidade e todas as malandrices que escondia. Nada me parecia ser perigoso e inquiria-me mesmo se haveria guerra, apesar do tiroteio que lá longe se ouvia.

No aeroporto vi os T6, que partiam com bombas agarradas e chegavam sem elas... vi a chegada dos aviões a hélice com o regresso de férias dos militares, conheci um ou outro civil residente, notei que mulheres brancas Portuguesas haviam poucas e miradas como se duma espécie rara fossem.

Impressionava-me ter de dormir com mosquiteiro, inútil que a bicharada entrava mesmo, embora em mim picassem só que morriam de seguida ao absorverem o meu venenoso sangue azul de "Marquês da Pedreira", que fora e que um dia conto como lá cheguei, à nobreza entenda-se.

Pedreira, no rio Sôr, aonde ia pescar barbos de meio quilo... e menos.

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Setembro de 1965

Dizia-se que o baptismo de fogo era sempre e também, uma das situações que nos tornaria finalmente combatentes a sério.

Comigo aconteceu logo no início de Setembro de 1965, quando convidado, que fui, para ir tomar conta dos pertences militares usados por uma Companhia, que iria regressar a casa.

Foi ali um pouco antes de Mansabá, junto a umas ruínas ainda fumegantes do que tinha sido uma serração, que nos receberam com uma fogaracha de todo o tamanho. Tinham antes destruído também a ponte que atravessava um riacho não muito caudaloso, mas que nos obrigou depois a colocar cibes e tábuas, para que a coluna de veículos pudesse atravessar.

Localização da Serração. Vd. carta de Farim 1:50.000

Um dos vários pontões existentes ao longo da estrada Cutia-Mansabá.
Foto © José Barros (2011). Direitos reservados

Tudo ajudado por aqueles valentes que nos vieram socorrer em menos tempo do que leva a contar e após terem ouvido os primeiros tiros com que nos emboscaram.

Nada de grave aconteceu... do cagaço não nos livrámos, mas medo que logo passou quando começámos a corrê-los à pedrada. Daí que eles (os turras) se tenham escafedido com o rabinho entre as pernas e de tal forma que nesse dia, nunca mais os vimos. E foi assim que fui baptizado e tal como quando mo fizeram na igreja, nunca vim a conhecer quem foram os padrinhos. Chegados ao aquartelamento fomos recebidos que nem heróis, pelos restantes que ali haviam ficado contrariados e diziam estes "velhinhos" últimos de farda amarela (e eles sim com feitos dignos de registo), que nos houvéramos portado muito bem. Sem que eu imaginasse, apareceu-me um camarada d'armas, amigo já antes e lá da minha terra, o "Manel de Mora" e nem sei se vos diga se vos conte, a tamanha alegria com que nos abraçámos. Depois vieram as suas recomendações, os avisos, as indicações úteis sobre o IN e os locais onde mais costumavam actuar, tudo isto enquanto jantávamos que até nisso, nos recepcionaram melhor que bem.

No dia seguinte dei início à tarefa de que fora incumbido e lá vieram as contagens de viaturas, a observação dos edifícios, a comida que ficava e também a bebida claro, mas o que me deu mais gozo ver em pormenor, foram os dois obuses enormes com grandes rodas e que ao que me foi dito estavam apontados para Morés, onde já tinham feito enormes estragos nos poilões que circundavam aquela base, pois que, ao que se sabia, as bojardas eram de muito difícil penetração onde se pretendia que fossem.

Era fácil mudá-los para outras posições e na verdade recordo que depois um dia até nos ajudaram no K3, quando as bestas quadradas nos visitaram com alguma pretensa agressividade. Quis saber se na verdade trabalhavam e prometeram-me mostrar que sim.
A demonstração chegou logo quase de imediato, quando nesse mesmo dia atacaram a própria Mansabá.
Repelidos foram e a seguir fomos desopilar para o bar e... que bem aprovisionado estava !!!

Ele havia de tudo desde Vat 69, vinhos tintos e brancos, águas Perrier e Tónica, Gin's.... enfim uma parafernália capaz de engrossar a sério e até aliviar aquelas tantas gargantas secas. E foi nessa noite que comecei a tomar aquele especial remédio feito à base de lúpulo, cevada, milho e centeio.

Comecei e hoje passados 48 anos ainda não acabei.

Ao fim de 3 ou 4 dias e já com os bens mudados para o nome dos novos donos e tivéssemos tomado também posse das suites e instalações militares, veio a ordem de que afinal não íríamos ficar por ali, mas sim trocar com a CCAÇ 1421, que tanto estava empenhada em construir e de raiz, um hotel subterrâneo de cinco ou mais estrelas, em Saliquinhedim.

Para lá fomos passados que foram mais dois ou três meses, se me não engano que esse tempo é dos que não me veio ainda há memória.

Tal como me acontecera com o remédio de que atrás falo, sim aquele de grãos de cereais, foi também aqui na zona, mais propriamente em Manhau, que conheci aquele coisa horrível que se chama ódio. Os motivos para o passar a trazer comigo, foram óbvios e ainda hoje quando leio os que lançam lérias elogiosas ao terrorista Amílcar, fico pi-urso e decerto que não se lembram que ele foi o causador de tantas desgraças que aconteceram.

É que combater frente a frente e dando tiros de cá para lá... ainda vá que não vá, mas mandar implantar minas no terreno que ele sabia ir ser pisado porque quem para a Guiné tinha ido, não para atacar, mas mais para defender... era selvajaria... e foi dramático.

Julgo que (aqueles que leio, repito... aqueles que lançam lérias etc, etc.) não pensariam da mesma forma se tivessem estado presentes quando os infortúnios aconteceram... se tivessem que andar a limpar sangue... a juntar pedaços.

MAS CADA UM É COMO CADA QUAL

E mai'nada.

(continuará)

Guiné 63/74 - P12273: Memória dos lugares (251): Bafatá, fotos do álbum do 1º cabo bate chapas Otacílio Luz Henriques, Pelotão de Manutenção, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70)

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Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Álbum do 1º cabo bate chapa Otacílio Luz Henriques, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) > Foto nº 326 > 3 militares numa carrinha de caixa aberta, típica da época (, pela marca e pelo desing parece ser uma Toyota Sout, japonesa, dos anos 60)... Não sei se era de um algum civil, ou se estava ao serviço das NT. Ampliando a foto, o condutor não me parece um militar, mas sim um funcionário da administração... se não mesmo o próprio administrador, o Guerra Ribeiro, não ?


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Álbum do 1º cabo bate chapa Otacílio Luz Henriques, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) > Foto nº 351 > Uma das entradas e saídas de Bafatá, com a avenida principal,   tendo ao fundo o Rio Geba e à direita a catedral.


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Álbum do 1º cabo bate chapa Otacílio Luz Henriques, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) >Foto nº 361 >  Rua conhecida como a rua da  sede de batalhão (à direita, porta de armas); à esquerda, se não me engano, o restaurante das Libanesas... que não ficava na avenida principal, como já aqui se tem lido...

[Legenda do Fernando Gouveia. Quanto às fotos nº 361, está ao contrário: a casa das libanesas era do lado direito de quem desce a rua]


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Álbum do 1º cabo bate chapa Otacílio Luz Henriques, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) > Foto nº 328 > Rio Geba, porto fluvial de Bafatá. Esta foto parece estar invertida. O porto fluvial ficava na margem direita do rio, à esquerda do parque e da piscina... Terá sido tirada do cais acostável junto ao parque... Vd. fotos aéreas do Humberto Reis.


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Álbum do 1º cabo bate chapa Otacílio Luz Henriques, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) > Foto nº 331 > Mercado de Bafatá: sempre animado e colorido.



Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Álbum do 1º cabo bate chapa Otacílio Luz Henriques, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) > Foto nº 364 > Mercado de Bafatá.




Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Álbum do 1º cabo bate chapa Otacílio Luz Henriques, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) > Foto nº 330 > Campo de futebol (creio que era do Sporting Clube de Bafatá; em frente, na parede ao fundo, publicidade à Casa Gouveia)


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Álbum do 1º cabo bate chapa Otacílio Luz Henriques, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) >Foto nº 378 > Aeródromo de Bafatá: chegada de um Dakota.



Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Álbum do 1º cabo bate chapa Otacílio Luz Henriques, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) >Foto nº 332 > Aeródromo de Bafatá: chegada de um Dakota; desembarque de homens e material.



Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Álbum do 1º cabo bate chapa Otacílio Luz Henriques, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) >  Foto nº 329 > Aeródromo de Bafatá: chegada de um Dakota. Personalidades militares não identificadas.

[O Fernando Gouveia mandou-nos a seguinte legenda: Na foto nº 329, da esquerda para a direita reconheço o Ten Cor. Teixeira da Silva do Comando de Agrupamento, um desconhecido e a seguir o Administrador de Bafatá].



Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Álbum do 1º cabo bate chapa Otacílio Luz Henriques, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) > Foto nº 362 > Aeródromo de Bafatá: Chegada ou partida de um heli




Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Álbum do 1º cabo bate chapa Otacílio Luz Henriques, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) > Foto nº 377 > Instalações do Esquadrão de Cavalaria.



Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Álbum do 1º cabo bate chapa Otacílio Luz Henriques, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) >Foto nº 493 > Vista aérea da então vila (ou já cidade) de Bafatá. Ao canto inferior direito, aparece a igreja  e o edifício da administração... mas parece-me que a imagem está invertida (trata-se de um "diapositivo" digitalizado): a igreja devia estar à direita de quem desce em relação ao rio...

[Legenda do Fernando Gouveia: Quanto à foto nº 493 está ao contrário:  a igreja (catedral será demais) fica do lado direito da avenida, do lado de quem desce.]

 Fotos do álbum do 1º cabo bate chapas Otacílio Luz Henriques, do Pelotão de Manutenção  (que era comandado pelo alf mil Ismael Augusto), CCS/ BCAÇ 2852 (Bambadinca, 19587/0).

Pede-se aos camaradas desse tempo para as conferir as legendas, comparando-as com as fotos do Fernando Gouveia, que foi Alf Mil Rec Inf, Comando de Agrupamento nº 2957, Bafatá, 1968/70, e que é seguramente o melhor cicerone de Bafatá desse tempo...  Ver também as belíssimas fotos aéras tiradas pelo Humberto Reis da nossa doce e tranquila Bafatá, princesa do Geba. E, já agora, revisitar também os postes da I Série, do Manuel Mata, ex-1º cabo apontador de Carros de Combate M 47, que pertenceu ao Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71).

Vou, entretanto, propor a entrada para a Tabanca Grande do nosso amigo e camarada Otacílio... Preciso apenas de o contactar. Ele já deu um importante contributo para o nosso blogue, e para o enriquecimento das nossas memórias... Já não o vejo há um anos, desde o encontro do pessoal de Bambadinca (1968/70), em Coimbra.  Tenho o seu contacto telefónico. (LG).


Fotos: © Otacílio Luz Henriques (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.).


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Vista aérea de Bafatá ao tempo do Fernando Gouveia: a linha vermelho assinala a "avenida pincipal", que descia desde o hospital até ao parque, ao rio e ao mercado; a amarelo assinala-se o quarteirão ocupado pelo batalhão sedidado em Bafatá... Esta é a malha urbana da Bafatá colonial... O esquadrão de cavalaraia (bem como o comando de agrupamento) ficava na periferia, no bairro (ou tabanca) da Rocha... O Fernando, que é aqruiteto, é que um dia nos pode fazer o mapa e o roteiro da cidade, para acabar com as nossas memórias confusas... Ninguém conheceu (e amou) a cidade como ele...(LG)



Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Vista aérea de Bafatá ao tempo do Fernando Gouveia: a linha vermelho assinala a "avenida pincipal", que descia desde a rotunda até ao Rio Geba, ao mercado e ao parque, passando pela catedral (, visível na foto, à direita, sendo as duas torres ainda percetíveis)... Do lado direito, o depósito de água que abastecia a cidade; do lado esquerdo, em primeiro plano, parte da Tabanca da Rocha (onde se situava a mesquita). Ao fundo, no canto superior esquerdo, vê-se uma nesga do Rio Geba. Nas imediações da rotunda, situava-se o café do sr. Teófilo, a coluna de Bambadinca parava para beber o "último copo", antes de regressar á estrada (alcatroada) Bafatá-Bambadinca...


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Vista aérea de Bafatá ao tempo do Fernando Gouveia: a linha vermelho assinala a "avenida pincipal", que descia desde a rotunda (visível na foto) até ao Rio Geba... Ao fundo, assinaladas a amarelos as instalaçõees do Comando de Agrupamento e do Esquadrão de Cavalaria.


Fotos: © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados. (Edição: L.G.).

Guiné 63/74 - P12272: Parabéns a você (649): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2790 (Guiné, 1970/72) e Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Esp da CART 3494 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12268: Parabéns a você (648): António da Costa Maria, ex-Fur Mil Cav do Esq Rec Fox 2640 (Guiné, 1969/71) e Ernesto Ribeiro, ex-1.º Cabo At Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)

sábado, 9 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12271: Memória dos lugares (250): Cacheu, terra de história e de cultura... e hoje também última fronteira com o Sará...



Vídeo (9´ 19´´) alojado em You Tube > ADBissau. Reproduzido com a devida vénia...


Realização e produção.© Televisão Comunitária de Klelé (2012). Reportagem e edição: Demba Sanhá. Imagem: Xilay Bacar Mané. Fotografia: Abimaira M. B. Danfá. Música: Cânticos Felupes e Manecas Costa. Apoio: NOVIB e ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento.

Sinopse: "A AD iniciou, com o primeiro Festival Internacional Quilombola de Cacheu, em 2010, um programa de pesquisa e documentação histórica e cultural para a criação do Memorial de Escravatura de Cacheu. Este pequeno filme, o primeiro, procura começar a registar a informação oral existente."



Página do portal Cacheu, Caminho de Escravos, projeto que está a executado pela AD - Acção para o Desenvolvimento e pelos italianos da AIN, com apoio de diversos parceiros (União Europeia, UNESCO, Fundação Mário Soares, Instituto Politécnico de Leiria, etc.)

(...) "A criação do Memorial da Escravatura em Cacheu visa resgatar a memória histórica da escravatura naquela região da Guiné-Bissau e das suas relações com os circuitos e os destinos do tráfico negreiro e assenta sobre a apropriação comunitária do Memorial e de todas as demais iniciativas previstas.

"O projecto do Memorial da Escravatura apresenta 3 vertentes principais: (i) Histórica – promovendo a investigação histórica e a difusão da temática da escravatura; (ii) Cultural – promovendo a cultura e a identidade da cidade de Cacheu e da sua região e pondo em evidência as contribuições das diferentes etnias e a importância da língua crioula, que ali surgiu e se afirmou; (iii) Económica – potenciando as actividades produtivas e de serviços como meio de redução da pobreza e desenvolvimento de novas atividades económicas". (...)


Comentário de L.G.:  

A região do Cacheu é hoje a última (e frágil) barreira contra a invasão do Sará... A Guiné-Bissau está já em 2º lugar da lista dos 10 países do mundo mais ameaçados pelas mudanças climáticas.  Os nossos amigos guineenses e os seus amigos em Portugal e no resto do mundo não têm todo o tempo do mundo para preservar, recolher, tratar e divulgar a sua memória e pô-la ao serviço do desenvolvimento integrado e sustentado, que passa também pela preservação e protecção da "mancha verde" que ainda é o território da Guiné-Bissau, do Cacheu a Tombali.


Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Cacheu > Outuro de  2013 > Vista áerea da cidade. Foto de Filipe Santos (IPL - Instituto Politécnico de Leiria)... Reproduzido com a devida vénia.
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12270: Efemérides (145): Cerimónia do Dia da Unidade do Regimento de Engenharia N.º 1 com imposição de medalhas a militares no activo e ex-combatentes da Guerra do Ultramar (José Martins)



1. Em mensagem do dia 8 de Novembro de 2013, o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), mandou-nos esta reportagem referente ao Dia da Unidade do Regimento de Engenharia N.º 1, cerimónia aproveitada para se proceder à imposição de Medalhas a militares do activo e ex-combatentes da Guerra do Ultramar.





Cerimónia do Dia da Unidade
do
Regimento de Engenharia nº 1

Como já “ostentava” a miniatura ou a fita da Medalha Comemorativa de Campanha, apesar de não me ter sido atribuída, assim como a muitos camaradas de armas, no inicio do ano resolvi “oficializar” a situação, pelo que requeri ao Chefe do Estado-Maior do Exército a atribuição da mesma.

Programei a ida a Chelas, ao Arquivo Geral, e apresentei o requerimento a 24 de Janeiro do ano corrente. A resposta chegou com data de 1 de Março, informando que a Medalha me seria entregue pelo RE 1, pelo que deveria entrar em contacto com o Regimento, para coordenar a entrega. Entrei em contacto com o, por acaso, oficial que tratava do assunto. Disse-me que iria levar “algum tempo” mas, aguardei.

Informaram-me telefonicamente da data e enviaram a confirmação por carta, em 30 de Outubro.

Assim, à hora previamente combinada, 10H30 horas, apresentei-me na Unidade onde fui recebido pelos responsáveis pelo protocolo, que nos convidaram, sim a Manuela ia comigo, a aguardar na Messe de Sargentos, transformada em sala de recepção e onde ofereciam aos presentes uma “bebida para ambientar”.

Foi aí que tive o grato prazer de rever o Coronel Capelão Frei Teixeira [na foto à direita], que conheci na EPI, em 1999, e com quem contactei noutras cerimónias militares, já como Capelão do Governo Militar de Lisboa.

À chegada da Alta Entidade, creio que o 2.º Comandante da Brigada de Reacção Rápida, um Tenente General, foram-lhe prestadas as honras militares.

Na Parada dos Sapadores Mineiros, estavam formadas três Companhias, sob o comando do Tenente-Coronel, 2.º Comandante da Unidade, com a Banda de Música do Exército, aguardando a integração do Estandarte Nacional.


Saudação ao Estandarte Nacional, pelas forças em parada. 
© Foto: José Martins

Após o toque de “sentido à Unidade”, foi colocada uma coroa de flores junto do ao Monumento ao Esforço da Engenharia Militar, situado no Largo do Batalhão Artífices Engenheiros, dentro do perímetro das instalações, que identifica as Unidades que aprontou para o Ultramar, assim como dos militares tombados.

Monumento aos Esforço da Engenharia Militar 
© Foto: José Martins

Foram executados o Toque de Silêncio, Toque de Mortos em Combate, seguido de um Minuto de Silêncio, completando-se a cerimónia com o Toque de Alvorada.

Placa que identifica a única unidade mobilizada para a Guiné, a Companhia Mista de Engenharia nº 447, que deu lugar a Unidade de Engenharia na Guiné. 
© Foto: José Martins

Depois da alocução do Comandante da Unidade e do Pólo Permanente de Tancos, Coronel Monteiro Fernandes, procedeu-se a imposição de condecorações a militares e antigos combatentes.

Imposição da Medalha Militar - 3.ª Classe 
© Foto: José Martins

Imposição da Medalha D. Afonso Henriques – Mérito do Exército, 3.ª e 4.ª Classes a Oficiais e Sargentos 
 © Foto: José Martins



Imposição da Medalha Comemorativa de Campanhas a antigos combatentes, colocados na parada por antiguidade, a partir do mais próximo que esteve em Moçambique e os restantes na Guiné. 
© Fotos: Maria Manuela Martins

Desfile “em continência” das forças em parada. Estandarte Nacional 
© Foto: José Martins

Depois da cerimónia militar, foi apresentado, na Biblioteca Regimental, um diaporama com as actividades e preparação das forças de Engenharia, para cumprimento da sua missão, assim como uma exposição de material NBQ – Nuclear, Bacteriológico e Químico, assim como equipamento mecanizado de construção civil.

Almoço volante, servido para Oficiais, Sargentos, Praças, Empregados Civis e Convidados, no refeitório das praças. Na foto Maria Manuela Martins, esposa do nosso camarada José Martins
© Foto: José Martins

O bolo de aniversário, com o Brasão de Armas e Divisa do RE 1 
© Foto: José Martins

Corte do bolo com a Espada. 
© Foto: José Martins


Pessoalmente tenho a agradecer aos Oficiais, Sargentos e Praças, toda a atenção dispensada, não havendo destaque a fazer. Desde o Comandante, com quem estive a falar e quis saber pormenores da minha/nossa passagem por África, até a um soldado mecânico que me veio cumprimentar, dizendo que a cerimónia tinha “valido a pena”, com o momento da entrega das condecorações àqueles que, de armas na mão, defenderam a Pátria em condições difíceis,

Estas cerimónias não podem fazer esquecer a descriminação a que muitos combatentes são sujeitos, mas dá-nos a certeza de que os “nossos pares” sabem apreciar o nosso esforço e bom desempenho da missão na que fomos sujeitos.


José Marcelino Martins
8 de Novembro de 2013
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12227: Efemérides (144): A minha chegada à Guiné - 28 de Outubro de 1968, já lá vão 45 anos (Carlos Pinheiro)

Guiné 63/74 - P12269: Bom ou mau tempo na bolanha (34): ...quase 50 anos (Tony Borié)

Trigésimo quarto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.



Província da Guiné Portuguesa, anos de Cristo, 1964, 1965, 1966, já lá vai muito perto de meia centena de anos.
O que se passou neste mundo, onde felizmente ainda vivemos, durante todos estes anos? Milhões e milhões de modificações.
Os laboratórios descobriram novos remédios, portanto, se não nos envolvermos em guerras, vamos viver mais anos, a tecnologia avançou, entre os laboratórios e a tecnologia, existe assim uma comparação como a “paz e a guerra”, pois se os laboratórios tentam descobrir meios de combater a morte, a tecnologia ao ser aplicada, tenta a maneira de matar o ser humano, mais rápido e em maior quantidade, pelo menos em caso de conflito.

Na opinião do Cifra, se há quase meio século atrás dissessem ao Curvas, alto e refilão, que era o tal soldado, amigo e companheiro do Cifra, que tinha algum desprezo pela sua vida, pois a sua mãe abandonou-o ainda criança, e diziam que “andava na vida” e nunca teve o carinho, ou a companhia de ninguém que lhe perguntasse se tinha fome ou frio, que no futuro poderia viajar pelo mundo, com imagens e tudo, através de um computador, talvez se não lhe dissessem que estavam sobre a influência de um cigarro feito à mão, era capaz de ir buscar uma granada e dizer logo que lhe partia o focinho com essa mesma granada!

Sim avançámos, mas alguns antigos combatentes, felizmente ainda vivos, continuam neste mundo, e as memórias horríveis do que passaram em cenário de guerra, continuam a acompanhá-los, até dizem que é stress de guerra, talvez seja, mas se passaram sacrifícios e fome, entre outras coisas, naquele tempo, continuam a passar, alguns estão sózinhos, muitos não querem convivência, tentam sobreviver, e se lhes falam, respondem com uma voz alterada, tal como faziam debaixo de uma emboscada, gritando, para ver se com essa atitude, faziam ir para longe, o medo que naquela altura sentiam.


A nova geração deve ter algum orgulho em dizer que o avô, ou a avó, foram combatentes, pois normalmente, os antigos combatentes, tanto o homem como a mulher, eram sofredores e com bons princípios, que quase sempre constituíam família e tinham coragem para a fazer crescer, também com bons princípios, por isso a nova geração, hoje, normalmente tem escola superior, vestem roupas modernas, usam telemóveis e computadores, e têm que se lembrar, nem que seja por um bocadinho, que estão aqui neste mundo com a ajuda desses homens e mulheres combatentes, que tinham bons princípios e tinham coragem para constituírem família e educá-la, e que são hoje seus avós.


O Cifra já está cansado de moral, mas ajeitou aqui umas fotos “cinco estrelas”, tal como esses jovens hoje, no ano de Cristo de 2013, dizem, e pode ser, que ao abrirem o seu computador, mesmo sem querer, ao verem figuras de jovens, leiam o texto!


Tony Borie, 2013
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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12205: Bom ou mau tempo na bolanha (33): A sua boina (Toni Borié)

Guiné 63/74 - P12268: Parabéns a você (648): António da Costa Maria, ex-Fur Mil Cav do Esq Rec Fox 2640 (Guiné, 1969/71) e Ernesto Ribeiro, ex-1.º Cabo At Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)

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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12256: Parabéns a você (648); Jorge Cabral (ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71)

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12267: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (7): Cartas de Marga ['Nino' Vieira] e de Luís Cabral, onde se fala dos 3 desertores de Fulacunda, presumivelmente da CART 565, elevando para 9, até ao dia 3/4/1965, o número de militares portugueses que, no TO da Guiné, tinham até então desertado...


1. Continuação da exploração do Arquivo Amílcar Cabral, na sequência da necessidade de "triangular" fontes de informação e versões de acontecimentos em que fomos, as NT,  parte interessada e parte inteira...É um exercício que nada tem de "voyeurismo", muito menos de masoquismo, é apenas a natural curiosidade em saber (ou confirmar o que sabíamos) que o IN de ontem dizia de nós... e dele próprio.

Dizemos  de ontem, porque a guerra já acabou (, para a maior parte de nós, pelo menos)  e agora estamos de pantufas, à lareira, a comer castanhas assadas e a beber jeropiga... Nem sequer temos o o pobre do Chichas, o nosso cão de estimação, a nossa mascote de Bambadinca,  para nos lamber as feridas... Que nada nem ninguém se sinta humilhado e ofendido por esta descontraída, descomplexada e bem humorada (se possível) viagem ao passado... Explorando, para o efeito,  o interessante e valioso portal Casa Comum, um projeto de constituição gardual de "uma comunidade de arquivos de língua portuguesa", desenvolvido pela Fundação Mário Soares. (*)

Por acaso, andávamos pelos mapas e pelos trilhos do nosso blogue e demais sítios da Net,  à procura de Fulacanda, topónimo já há muito esquecido ou pouco falado pela velhada que se senta sob o poilão da Tabanca Grande...O bom do irã, traquinas, reguila, provocador,  bem humorado, mas mais cacimbado do que o cacimbo,  lá nos prega de vez em quando a sua partida...  Não o levamos a mal...

Eis o resultado da transcrição de mais um documento assinado pelo nosso outrora  inimigo de estimação o Marga, que Deus, o Diabo e os Irãs já lá o tenham, longe e bem alto, e que também era conhecido por Caby ou Kabi, ou Kabi Nafantchamna ou ainda 'Nino', João Benardo 'Nino' Vieira, comandante da Frente Sul, por quem houve muita gente, de ambos os lados da barricada de outrora, que nutriu (ou se calhar ainda nutre)  uma relação de amor-ódio... Mas tudo isto, já foi há muitas chuvas, no passado século XX.

De qualquer modo, refira-se que 'Nino Vieira tem mais de 60 referências no nosso blogue, incluindo uma pequena nota biográfica.

Nesta carta (disponível para consulta pública no Arquivo Amílcar Cabral do Portal Casa Comum), de três páginas, manuscrita, sem data (como de costume), dirigida por Marga ao seu chefe hieráquico, mais velho 15 anos, Aristides Pereira, secretário-geral adjunto do Partido (leia-se: PAIGC), ficamos a saber que:

(i) o Marga era crente, evocando frequentemente a graça divina;

 (ii) as coisas, lá no sul (regiões de Tombali e de Quínara), andavam calminhas em finais de março de 1965;

(iii) havia falta de "manga de munições", incluindo detonadores para as granadas-foguete para os RPG, recém chegados;

(iv) em Fulacunda, três "tugas" (palavra depreciativa que ele nunca utiliza, falava em portugueses ou colonialistas ou inimigos...) foram dar um passeio, ao ar livre, e acabaram por se entregar ao camarada que estava de serviço ali pelas redondezas [, a deserção terá ocorrido em 25/3/1965, 5ª feira];

(v) um deles, era um 1º cabo miliciano (!), de apelido Barricosa (leia-se: Barracosa);

(vi) em troca da hospitalidade, os "três tristes tugas" deram à língua, revelaram importantes segredos militares e confessaram a sua vontade de lutar, se necessário,  ao lado do partido de Amílcar Cabral contra o regime colonial fascista de Salazar;

(viii) como os bungalós estavam cheios, lá pelo Cantanhez, o Marga manda a encomenda para Conacri, com guia de marcha;

(ix) ah!,  "e não se esqueça, camarada, de me mandar munições de flober que eu gosto muito de passarinhos fritos!"; [a flober seria mesmo a espingarda de pressão para matar passarinhos ?. pergunta, ingénuo,  o revisor de texto];

e, por fim, (x) "não se esqueça também, camarada mais velho, de que estamos mal abonados de fardas e de plásticos, agora que se aproxima a estação das chuvas"...

Estima-se que a carta seja de finais de março de 1965, cotejando-a com a outra,  que publicamos a seguir, de Luís Cabral, datada de Conacri, 3 de abril de 1965.

Sobre o tema, delicado e fraturante, dos desertores temos cerca de 40 referências no nosso blogue; por outro lado, convir dizer que nunca tiínhamos ouvido falar deste caso...

Não sabemos sequer a que a  unidade pertenciam estes 3 desertores: muito possivemnete à CART 565 que estaria em Fulacunda por esta altura (março de 1965) tendo sido rendida pela CCAÇ 1420 (em agosto de 1965). Talvez o Henrique Cabral (autor do sítio Rumo a Fulacunda),   o Rui Ferreira e o Carlos Rios, que estiveram na CCAÇ 1420 (fulacujnda, 1965/67), se lembrem desta história, conrtada pelos "velhinhos" da CCAÇ 565 de quem, infelizmente, não temos nenhum representante na nossa Tabanca Grande. Estou-me a lembrar ainda do nosso camarada Santos Oliveira (2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66). Ele estve em Tite ao tempo do BCAÇ 1860 (1965/67).(**)

A CCAÇ 565 foi mobilizada pelo RAP 2. Partiu para o TO da Guiné em 12/10/1963 e regressou a 27/10/1965. Esteve em Bissau, Fulacunda e Nhacra. Comandante: cap art Luís Manuel Soares dos Reis Gonçalves.

Transcrição / fixação de texto:  L.G.

2. Carta de Marga ['Nino' Vieira, comdante da Frente Sul] a Aristides Pereira [, secretário gertal adjunto do PAIGC,em Conacri], s/d [c. março de 1965]

Camarada Aristides: 

Espero para que esta lhe encontre continuando uma boa saúde em companhia dos camaradas. Nós vamos indo bons graças a Deus.

Junto comunico-vos que durante estes dias não [h]ouve nada em todo o sul do país.

O que precisamos neste momento é de uma grande quantidade de munições de carabinas e as de Patchanga [PPSH ou costureirinha]. Estão também em falta detonadores de obuzes de bazookas que vieram recentemente.

Faço-vos saber que seguem, em companhia do Artur,  3 soldados portugueses que desertaram do quartel de Fulacunda. Entre eles um é o 1º cabo miliciano de nome António Manuel Marques Barricosa [sic, o apelido é Barracosa]
, Rui Jorge Pires e José Fernando Amorim. 

Tivemos algumas trocas de impressões com eles, donde nos puseram a par de certas coisas.

Agradeço mandar-nos geradores electricos, se possível. Agradeço ainda de enviar-nos munições de flober.

Espero que enviam mais fardas e plásticos para a região sul do país.

Termino por hoje esperando que nos envie todos os pedidos com urgência.

Do seu camarada Marga,

PS – Junto envio em Boké o camarada Ansumane Mané afim de trazer aquelas espingardas semi-automáticas que lá estão. Espero mandar-me envelopes e esferográficas. Agradeço ainda enviar-me velas para a mota, óleo 30 [?} e ácido.


Se [h}ouver também pineus [pneus], é favor de enviar-me também alguns. Não esqueçam de enviar-nos uma grande quantidade de muniçõe

Citação:
(s.d.), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34402 (2013-11-6)


Comentário de L.G.: 

Este homem, se não me engano, de seu nome completo António Manuel Marques Barracosa,  de 23 anos (em 1965, quando desertou de Fulacunda), será mais tarde, dois anos depois, em Maio de 1967,  um dos 4  implicados na assalto à agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, liderado por Hermínio da Palma Inácio, 46 anos, fundador e dirigente da LUAR, com a colaboração de Camilo Tavares Mortágua, 34 anos, e  Luís Benvindo, 25 anos. O assalto, no valor de mais de 29 mil contos na época (c. 146 mil  euros, na moeda de hoje), teria sido até então o maior roubo de sempre em Portugal.


Clicar aqui para ampliar a imagem: Casa Comum.

Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 04613.065.073
Assunto: Comunica a situação no Sul.  Solicita o envio de munições e detonadores de obuses. Informa que seguem com Artur três soldados portugueses que desertaram do quartel de Fulacunda: António Manuel Marques Barracosa, Rui Jorge Pires e José Fernando Amorim. Solicita ainda o envio de geradores eléctricos, munições, fardas e sandálias de plástico. 
Remetente: Marga [Nino Vieira] 
Destinatário: Aristides [Pereira]
Data: s.d.
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1963-1964 (dos Responsáveis da Zona Sul e Leste).
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Correspondencia
Direitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

3. Carta datilografada, datada de Conacri, de 3 de abril de 1965, sábado, dirigida ao Ministro  da Defesa Nacional da República da Guiné, e assinada por Luís Cabral , membro do Bureau Político do PAIGC (vd. aqui nota biográfica da autoria de Virgínio Briote).

Tradução, e transcrição com revisão e fixação de texto, meramente para efeitos desta edição bloguística: L.G.

Conacri, 3 de abril de 1965

Senhor Ministro da Defesa Nacional da Repúblcia da Guiné

Senhor Mimnistro,

No dia 29 de março [de 1965] os nossos camaradas levaram para a República da Guiné, através da fornteira de Boké, três desertores do exército colonial português, de seus nomes António Manuel MARQUES BARRACOSA, José Fernandes AMORIM e Rui Jorge Pires.

Estes desertores, apresentados à polícia de Segurança Nacional da República da Guiné vieram do aquartelamento português [no original, base] de Fulacunda, no centro sul do nosso país. Eles apresentaram-se ao responsável do grupo de guerrilha que operava na zona [, em 25 de março de 1965], tendo de seguida sido conduzidos ao responsável na região, que os interrogou.

Os desertores manifestaram, diante dos nossos camaradas, o seu ódio ao regime colonial fascista de Salazar e o seu desejo de participar, ao lado dos democratas portugueses, na luta contra este regime. Manifestaram igualmente a sua simpatia pela justa luta que nós travamos, tendo-se prontificado a dar a sua contribuição onde ela se afigurar necessária.

A chegada destes desertores eleva para  9 o número de militares portugueses que deixaram as fileiras do exército colonial, para pedir asilo no nosso Partido, nas regiões libertadas e este facto é altamente favorável à nossa ação de propaganda tanto no plano internacional como no seio do inimigo.

Por esta razão, temos a honra de vos pedir a competente autorização para tomarmos conta dos desertores em questão, afim de organizarmos a sua apresentação à imprensa internacional. Entretanto, encarregar-nos-emos de contactar as organizações democráticas portuguesas no estrangeiro, a fim de preparar a sua saída da República da Guiné imediatamente a seguir à conferência de imprensa.

Seguros da sua compreensão habitual, queira aaceitar, senhor Ministro, a expressão dos nossos senrtimentos da mais alta consideração.

P’lo Bureau Político do PAIGC,


Luíz [sic]Cabral

Membro do Bureau Político

Fonte: (1965), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35357 (2013-11-7)


Clicar aqui para ampliar o documento [em francês]: Casa Comum

Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 04606.049.061
Assunto: Comunicado que os camaradas conduziram para Conakry,  através da fronteira de região de Boké, três desertores [do exército colonial português]: António Manuel Marques Baracosa, José Fernandes Amorim e Rui Jorge Pires.Remetente: Luís Cabral, Membro do Bureau Político e pelo Bureau Político do PAIGC.
Destinatário: Ministro da Defesa e da Segurança da República da Guiné
Data: Sábado, 3 de Abril de 1965.
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência com o governo da Guiné-Conakry 1960-1966.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.
Tipo Documental: Correspondencia.
Direitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

[Ver aqui o acordo a que chegámos com o administrador, dr. Alfredo Caldeira, do Arquivo e Biblioteca da Fundação Mário Soares, para efeitos de utilização de fotos e outros documentos]

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 4 de novembro de 2013 > 4 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12250: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (6): Carta de Marga ('Nino' Vieira) a Aristides Pereira, presumivelmente de meados de 1964, em que refere um desembarque das NT em Gampará, que terá provocado a morte de "22 pessoas do povo e umas vintenas de vacas" (sic)

(**) Lista, organizada pelo nosso camarada Santos Oliveira, das subunidades do BCAÇ 1860 (Tite, Abril de 1965/Abril de 1967)> Subunidade, subsetor, período, comandante 

(i) CArt 565, Fulacunda, antec /10Ago65, Cap Reis Gonçalves;

(ii) CCav 677, S. João, antec. 20Abr66, Cap Pato Anselmo, Alf Ranito, Cap Fonseca;

(iii) CCaç 797, Interv, 29Abr65/16Mai66, Cap Soares Fabião;

(iv) CCaç 1420, Fulacunda, 11Ago65/08Jan66, Cap Caria, Alf Serigado, Cap Moura; [Recorde-se que a esta infortunada companhia pertenceu, como alferes, o nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira];

(v) CCaç 1424, S. João, 11Set65/25Nov65, Cap Pinto; [Companhia que também foi comandada pelo querido amigo e camarada Nuno Rubim, de Junho a Dezezembro de 1966];

(vi) CCaç 1423, Fulacunda e Empada, 30Out66/23Dez66, Cap Pita Alves;

(vii) CCaç 1487, Fulacunda, 08Jan66/15Jan67, Cap Osório;

(viii) CCaç 1549, Interv, 26Abr66, Cap Brito;

(ix) CCaç 1566, S. João e Jabadá, 19Mai66, Cap Pala e Alf Brandão;

(x) CCaç 1567, Fulacunda, 01Fev67, Cap Colmonero;

(xi) CCaç 1587, Empada, 27Nov66, Cap Borges;

(xii) CCaç 1591, Fulacunda (treino operacional), 18Ago66/01Out66, Ten Cadete;

(xii) CArt 1613, S. João (treino op), 03Dez66/15Jan67, Cap Ferraz e Cap Corvacho; [ A esta companhia pertenceu, entre outros, o nosso saudoso Zé Neto (1929-2007), o primeiro membro da Tabanca Grande a quem a morte levou];

(xiii) CCaç 1624, Fulacunda, 05Dez66, Cap Pereira;

(xiv) Pel Mort 912, Jabadá, antec /26Out65, Alf Rodrigues;

(xv) Pel Caç 955, Jabadá, antec/13Mai66, Alfs Lopes, Viana Carreira, Sales, Mira;

(xvi) Pel AM Daimler 807, Tite, antec/13Mai66, Alf Guimarães;

(xvii) Pel Art 8, Fulacunda, 10Fev66/03Mar66, Alf Machado;

(xviii) Pel Caç 56, Fulacunda e S. João, 31Out66, Alf Dias Batista;

(xix) Pel Mort 1039, Jabadá e Tite, 26Out65, Alf Carvalho;

(xx) Pel AM Daimler 1131, Tite, 12Ago66, Alf Antunes;

(xxi) Companhia de Milícia 6, Empada, antec, Alf 2ª Mamadi Sambu e Dava Cassamá;

(xxii) Companhia de Milícia 7, Tite, 05Ago65, Alf 2ª Djaló;

Estas sub-unidades foram atribuídas ao BCaç 1860 durante a permanência em Sector (desde Abr65).

[Imediatamente após a sua chegada à Guiné, o BACÇ 1860 entrou em Sector. Foi-he atribuído o Sector S1, integrado no Agrupamento Sul. Principais localidades: Tite, Fulacunda, S. João e Jabadá. Em Outubro de 1966 é atribuído ao Batalhão o Sub-Sector de Empada, enquadrando as penínsulas de Darsalame e Pobreza. Concomitantemente, passa a pertencer ao BCAÇ 1860 a CCAÇ 1423, aquartelada em Empada.]

Guiné 63/74 - P12266: Filhos do vento (23): ...ou da ventania (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 7 de Novembro de 2013: 


Filhos do Vento ou da Ventania

Os jornais todos os dias mostram situações de pais que abandonam os filhos ou os matam. Há mesmo uns jornais especializados nessas noticias e que as desencantam em todo o lado. Chamasse a isso jornalismo do terror, desgraças e dos maus costumes.

Estamos num país dito civilizado com obrigatoriedade escolar bem longe da média escolar de há 40/50 anos atrás.

No entanto estes casos continuam.

Naquele tempo, fizeram o que era mais fácil que foi abandonar à sua sorte filhos, que seriam mal olhados numa sociedade onde preconceito social condenava os responsáveis por estas situações a algum estigma, especialmente no Portugal profundo das pequenas vilas e aldeias, dominadas por conceitos morais, raciais e éticos a roçar em muitos casos tempos bem anteriores ao Século XX. E lá diz o ditado que pena que não se vê, não se sente!

O que era perfeitamente aceitável lá, mergulhados que estávamos numa guerra em que se vivia grande parte da comissão, numa lógica de um dia de cada vez, tornava-se intolerável junto das namoradas ou esposas após o regresso e na moral de então.

As preocupações começavam a partir do momento em que pensávamos que íamos finalmente regressar. Esses e outros medos passavam assim a ser uma constante no nosso dia-a-dia. Como não correr riscos e como fugir dos resultados de uma convivência amorosa, que agora resultava numa trágica fotografia e na indecisão quanto ao caminho a seguir? Aparecer à namorada quando não esposa, com um filho mestiço até fazia ganhar suores frios, porque aventura é aventura, champanhe é champanhe, mas um filho assim caído de repente era o diacho.

Conheci um caso de um militar que mentiu quanto ao à data do seu regresso à Metrópole e quando a pobre foi à procura dele com trouxa e tudo, já ele estava em casa. Felizmente desse caso não tinham resultado filhos, mas também conheci outra situação em que o militar avisou a família bem como namorada, que ia ser pai e que era sua intenção levar o bebé para casa quando regressasse. Na altura disse-me que a situação tinha sido aceite senão com alegria, com conformismo e que estariam à espera do filho dele. Infelizmente o bebé uma menina por sinal, acabou por falecer no parto, dado que sendo a mãe de Bangacia, só recorreu aos serviços médicos já tarde para salvar a filha. Vi então o militar com lágrimas nos olhos, que se compreendiam perfeitamente em função ao seu envolvimento emocional.

Sabemos que nem todos militares ou ex-militares que ficaram no território agiram como o meu camarada. Está à vista que a grande maioria não lhe seguiu o exemplo e com a independência, resolveram vir embora e deixar filhos para trás.

Talvez até nem tivessem consciência do muito sofrimento que acarretava a sua resolução.
Essas crianças deixaram ser guineenses e muito menos portuguesas.
Ficaram sem estatuto por isso apátridas.
Ninguém os queria.

Aos mestiços trataram de os mandar ter com os pais à Metrópole, pois já não eram puros para serem naturais da sociedade que os viu nascer.
Vai para a terra do teu pai “cutima” filho di puta. (Também me mandaram a mim para esses sítios muitas vezes)

Em Angola por exemplo, fizeram-se cartoons com os aviões carregados de retornados e os mestiços pendurados nas asas do avião do lado fora.

As ameaças eram muitas. A razão era abafada pela violência latente, nós sabemos que nas sociedades em ebulição os novos aderentes ou de fresca data às causas, são muitas vezes mais perigosos e menos racionais.

Filhos diferentes abandonados pelos pais, sujeitos a uma sociedade que se radicalizou, foram rejeitados e excluídos como um tumor que denunciava as mães e as famílias de colaboracionismo com as tropas colonialistas, que se tinham tornado peçonha.

Nas campanhas de reeducação que se seguiram, quem é que aceitava de bom modo o ser apontado por ter privado tão de perto as tropas tugas, que se tinham ido com malas e bagagens embora ao fim de 11 ou 13 anos de guerra?

Hoje quantos se esqueceram do que deixaram para trás?
Dificilmente temos os resultados imediatamente dos nossos actos, porque se tivéssemos, muito das decisões que tomamos ficariam por tomar.

Quem corta uma linha de água com uma construção, pensa que se viu livre do inconveniente, mas mais tarde ou mais cedo a água forçará a passagem com resultados funestos. Nessa altura desejamos não ter feito a parede ou lá o que seja e é tarde. Ficamos felizes quando os resultados não são irremediáveis.

Por vezes ainda vale a pena tentar remediar, fazer as pazes com a sua consciência e o passado, certo que a juventude de então, não justifica a omissão de hoje.

Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12257: Filhos do vento (22): Criada a Associação de Solidariedade dos Filhos e Amigos dos Ex-Combatentes Portugueses na Guiné