quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12437: Agenda cultural (298): Apresentação do livro "Olhos de Caçador", de António Brito, integrada na Tertúlia Fim do Império, dia 17 de Dezembro na Livraria-Galeria Municipal Verney/Colecção Neves de Sousa. Apresentação da edição especial da obra "Portugal e a Grande Guerra", coordenação de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, dia 18 de Dezembro nas instalações da Liga dos Combatentes (Manuel Barão da Cunha)

1. Mensagem do Coronel Ref Manuel Júlio Matias Barão da Cunha que foi CMDT da CCAV 704/BCAV 705, Guiné, 1964/66:

Caríssimos,
Recordo a próxima tertúlia em Oeiras, dia 17, com «páras», incluindo o ex-soldado e actual dr. António Brito e o coronel Nuno Mira Vaz (ver anexo); quem puder ir será bem-vindo e também agradecemos divulgação.

Votos de Natal e Ano Novo com paz e saúde, de
M. Barão da Cunha.



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2. Mensagem de Carlos Matos Gomes, Coronel Cavalaria Reformado (ex-2.º CMDT Batalhão de Comandos da Guiné, 1972/74), escritor e historiógrafo da guerra colonial:

Meus caros amigos e amigas, 
A nossa editora, Verso da História, preparou uma edição especial do livro «Portugal na Grande Guerra» que eu e o Aniceto Afonso tivemos o privilégio de coordenar e que contém os trabalhos originais de alguns dos melhores especialistas deste acontecimento marcante da nossa história. 
Essa edição especial, reeditada no âmbito do centenário do início do grande conflito, será apresentada no próximo dia 18, quarta-feira, no Forte do Bom Sucesso, por gentileza da Liga dos Combatentes. 
Eu e o Aniceto Afonso, os autores e os editores teríamos o maior prazer em contar com a vossa presença e com o vosso bom acolhimento a esta obra. 

Antecipadamente gratos, com os nossos melhores cumprimentos e os votos de Umas Festas Felizes. 
Junto segue o convite

C O N V I T E

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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12374: Agenda cultural (297): Comemorações do 1º de Dezembro, em Lisboa, na Av Liberdade, 14h30: 18 bandas filarmónicas e mais de mil músicos em desfile, culminando na interpretação conjunta de 3 hinos patrióticos, Maria da Fonte, Restauração e Nacional

Guiné 63/74 - P12436: Boas Festas (2013/14) (3): Sublime ternura de avô ( Manuel Luís R. Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com data de 7 de Dezembro de 2013:

Camarada e amigo Carlos Vinhal:
Há quarenta anos atrás, nós, os ex-combatentes, na altura com cerca de vinte e dois anos de idade, em campanha na guerra colonial, éramos a preocupação dos nossos familiares. Entre eles, de uma maneira especial, na maior parte dos casos, destaco os nossos avós, cujas orações dirigiam aos céus para que voltássemos sãos e salvos daquele cativeiro de guerra.
Os anos passaram-se num ápice, os nossos avós, entretanto, já partiram, e hoje, quase todos nós, os ex-combatentes, com a idade que temos, já assumimos esse estatuto especial de avós.
Assim, para o publicares no nosso blogue, se o entenderes, envio-te em anexo um texto da minha autoria, como mensagem de Natal, em homenagem a todos os avós e em especial àqueles que, como nós, foram combatentes na guerra colonial que gozam já desse mesmo estatuto.

Festas felizes para todos, e para os vossos netinhos, são os votos desse vosso amigo e companheiro
Manuel Sousa


Sublime ternura de avô

Um “shopping” a abarrotar de gente, num corrupio frenético das últimas compras de Natal.

Um homem idoso, quase a ser “atropelado” pela multidão em movimento, permanecia ali estático, curvado pelo peso dos anos, com um CD na mão.
Perante a indiferença de todos, dispersava o seu olhar em redor, deixando transparecer que se sentia ali perdido, deslocado, naquele turbilhão de gente anónima e que procurava algo, eventualmente relacionado com o objecto que tinha na mão, para o qual também olhava com ar de quem não percebia muito daquilo.

Quando eu passava por ele, timidamente, com o CD nas suas mãos trémulas, com marcas da vida, dos muitos anos que já tinha vivido, interpelou-me de uma forma tão peculiar como simples:
- Por favor, diga-me se esta música é das que faz “bum..., bum..., bum.”

E prosseguiu, com a mesma simplicidade, ao mesmo tempo que afagava aquele CD, qual tesouro que detinha nas suas mãos:
- Sabe, agora no Natal, quero oferecer uma música ao meu neto, mas tem de ser uma dessas que faz “bum... bum... bum” que é das que ele mais gosta.

Resistindo um pouco à tentação de me rir, pela graça que achei à forma original como o ancião identificou a música que desejava, dei-lhe a minha opinião, ao que ele agradeceu, e prossegui nas minhas compras embrenhado na corrente da multidão.

Pouco depois dou comigo a pensar naquele quadro de afectividade e ternura que o velhinho me suscitou e, sobretudo, na forma como ele me abordou, a braços com a difícil escolha do tipo de música que pretendia, tão diferente das modinhas da “tirana” e do “malhão” do seu tempo de juventude, que, seguramente, nessa época, não vinham empacotadas em CDs.

Que privilégio o meu, pensava eu, ter sido abordado por este homem simples, que, pelo que vi, com o coração a palpitar, quiçá com mais vigor do que a batida da música que procurava, me revelou o quanto idolatrava o netinho!

Porém, entregue a esta meditação, uma forte nostalgia me assaltou a alma ao projectar nele a imagem dos meus avós, já falecidos, que, também, tanto me protegeram e mimaram com a generosidade dos seus desvelos.

Nesta quadra festiva que se aproxima, não quis deixar de partilhar convosco esta singela mensagem de Natal, com base numa história verídica em que fui interveniente, por forma a contagiar-vos pelo simples mas sublime gesto deste, também, anónimo avô.

Provavelmente despertará em vós, os que ainda têm o conforto da sua companhia, a consciência de que, um dia, eles irão partir, e, mais tarde, tal como eu, e tantos outros que já os perderam, em qualquer “shopping” ou ao virar de qualquer esquina, algo encontrareis que vos trará à mente a memória desses vossos entes queridos.
Nessa altura, só já restará essa mesma memória e, consequentemente, a saudade.
Assim, enquanto é tempo, desfrutai ao máximo da sua companhia.
Enquanto tiverdes a ventura da sua presença nas vossas vidas, escutai com enlevo a brandura das suas palavras, tantas vezes de alento e de conforto, acompanhadas de um afago, de uma carícia.

É consensual que eles são uns “corações de manteiga” que se derretem pelos netos, em que estes, por sua vez, se “lambuzam”.
É flagrante, também, que entre as duas gerações se estabelece uma relação de cumplicidade, como que um insondável pacto secreto ou “cambalacho” que os liga numa simbiose perfeita.
Se dúvidas houvessem sobre isso, com a ternura do nobre gesto daquele desconhecido avô no “shopping”, a que não resisti descrever, elas seriam dissipadas.
Só eles, de facto, os avós, têm o condão especial de, desta forma, afectuosamente se darem.

Manuel Sousa
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Notas do editor

Imagem das mãos retirada da página Sexo Forte.net, com a devida vénia

Último poste da série de 10 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12427: Boas Festas (2013/14) (2): Álvaro Vasconcelos, Amaral Bernardo, Eduardo Estrela, J. C. Lucas, J. Mexia Alves, João Lourenço, José Colaço, Tony Levezinho

Guiné 63/74 - P12435: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (11): Passagem de ano na Associação Comercial

1. Continuação das "Memórias da Guiné" do nosso camarada Fernando Valente (Magro) (ex-Cap Mil Art.ª do BENG 447, Bissau, 1970/72), que foram publicadas em livro de sua autoria com o mesmo título, Edições Polvo, 2005:


MEMÓRIAS DA GUINÉ

Fernando de Pinho Valente (Magro)
ex-Cap. Mil de Artilharia 

11 - PASSAGEM DE ANO NA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL

Nos dois anos que passei na Guiné (de Abril de 1970 a Junho de 1972) constatei que a população europeia, embora muito minoritária, tinha muito peso na sociedade guineense.
Na verdade, os militares foram deslocados de Portugal para Bissau e outras partes da Guiné em grande número e alguns deles conseguiram que se lhes juntasse a família.
Em Bissau era dificílimo conseguir-se o arrendamento de uma habitação. A cidade, no tempo em que lá permaneci, regurgitava de movimento nas ruas, onde era claramente notada a população branca.

Dado o clima de guerra existente, todos os dias recordado pelas evacuações de feridos e mortos vindos do interior do território e porque, algumas vezes, era perfeitamente audível em Bissau o bombardeamento das artilharias que, com o rebentamento das suas granadas, provocavam o retinir dos vidros das janelas, as pessoas viviam com um sentimento de insegurança. Sentimento que se tornou ainda maior quando houve uma tentativa por parte das forças do PAIGC de alvejar com mísseis os depósitos da Sacor, em Bissau.
Não acertaram no alvo, mas o sibilar dos mísseis foi por todos ouvido ao passarem pelos céus da cidade.
Pela insegurança e pelo isolamento em que se vivia, relativamente a familiares e amigos, os portugueses sentiam uma grande necessidade de convívio, de estabelecer laços humanos entre eles.

No meu caso pessoal frequentava com a minha família, nas noites de quarta-feira, o Batalhão de Engenharia onde se realizava, semanalmente, um jantar de convívio.

Aos sábados, geralmente, deslocávamo-nos até à piscina do Clube de Oficiais e em outros dias da semana, por vezes, havia festas de aniversário ou simples recepções em casas de famílias das nossas relações. Esses convívios eram praticamente com metropolitanos, embora algumas vezes estivessem presentes cabo-verdianos e até pretos da Guiné.

Uma das casas que frequentávamos muito era a do Engenheiro Lourenço Pinto, chefe dos Serviços de Obras Públicas, como já referi, casado com a Etelvina Moritz, ambos de Torre de Moncorvo, Trás-os-Montes, muito amigos da minha mulher.
Também visitávamos com frequência a casa do Tenente-Coronel Lopes da Conceição, na altura Comandante do Batalhão de Engenharia 447, do Major Leal de Almeida dos Comandos Africanos, casado com uma amiga da Lena [esposa do autor] de nome Maria da Graça Areosa, do Alferes Santos, etc..


Em nossa casa organizamos algumas pequenas festas, sobretudo em ocasião de aniversários.


Em regra, por dificuldades várias, geralmente convidávamos para almoçar ou jantar no Grande Hotel de Bissau as pessoas com quem nos relacionávamos e cujas casas frequentávamos, retribuindo os seus convites.

Essas reuniões eram muito agradáveis e davam-nos a todos uma certa força interior, dado os elos que se criavam entre nós, para arrostar com o isolamento e a intranquilidade que vivíamos, naquele tempo, em Bissau.
A casa do Engenheiro Lourenço Pinto era frequentada praticamente por todas as pessoas com responsabilidades na vida administrativa da Guiné.
Lá encontrávamos o Secretário-Geral (segunda figura do governo do território) e diversos chefes de serviço (o mais alto posto da hierarquia do funcionalismo público).
Mas também lá encontrávamos pessoal do Serviço de Obras Públicas de várias categorias, incluindo a de capataz, bem como comerciantes e outros elementos da população civil.
Com a família do Engenheiro Lourenço Pinto também passávamos as festas do Natal e do Ano Novo.

O Salão de Festas da Associação Comercial de Bissau foi o palco da nossa passagem de ano de 1970 para 1971.
Fomos convidados para essa passagem de ano por um comerciante de Bissau que fazia parte da Direcção da referida Associação.
A festa, conforme o referido comerciante teve a amabilidade de me explicar, seria abrilhantada toda a noite por um conjunto cabo-verdiano conhecido, mas havia um problema: não existia serviço de "buffet".
Os participantes teriam de levar de suas próprias casas algumas bebidas e alimentos que depois se exporiam e de onde cada qual se serviria.
Aceitei o amável convite e, com a minha mulher, começamos a pensar na nossa contribuição para a ceia da passagem de ano.
Conversei sobre o assunto com o Alferes Santos que comigo colaborava nos Reordenamentos Populacionais.
Devido à sua formação em Agronomia, além dessa incumbência ele era também o responsável pela Agro-Pecuária do Batalhão de Engenharia.
Quando lhe falei do problema, despachado como era, disse-me logo:
- Não se preocupe, Capitão. Eu resolvo-lhe isso.

Nem eu nem minha mulher nos preocupamos mais com o assunto.
No dia 30 de Dezembro lembrei-lhe do que me tinha garantido.
Respondeu-me que não estava esquecido. Que às 8 horas da noite do dia seguinte mandaria entregar, da minha parte, na Associação Comercial dois patos assados com arroz.
Não falhou. De resto era próprio da sua maneira de ser respeitar escrupulosamente o que se combinava com ele.

Nós levamos algumas garrafas de vinho, uma garrafa de Whisky e sobremesas.
Os patos do Alferes Santos estavam com muito bom aspecto e óptimo paladar.
Comeu-se toda a noite, bebeu-se, dançou-se.
Eu sou um fraco dançarino, mas o Salão de Festas estava superlotado. Os pares mal se podiam mexer, o que me favoreceu muito.
O Engenheiro Lourenço Pinto, enlaçado à sua mulher, sempre que passava por mim incentivava-me.
Foi uma linda festa, embora não me recorde de, alguma vez, me ter acontecido uma passagem de ano em que tivesse de contribuir com produção alimentar própria.

Alguns dias depois agradeci ao Alferes Santos a sua colaboração e pretendi reembolsá-lo das despesas.
Explicou-me, nessa altura, que por erro da sua escrita na relação das existências na Agro-pecuária do Batalhão de Engenharia tinha dois patos a menos do que aqueles que na verdade existiam na capoeira.
Com a morte daqueles dois patos foi a maneira de acertar as minhas contas.
Era um bom amigo o Alferes Santos.
Sendo natural do Cartaxo, no Ribatejo, dançava muito bem o fandango...

(Continua)
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 Nota do editor

Último poste da série de 25 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12085: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (10): Actividades não oficiais

Guiné 63/74 - P12434: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (10): A Mãe d'Água ou a 'Sintra de Bafatá', local aprazível e romântico onde se realizavam almoços dançantes para os quais se convidavam os senhores alferes, alguns furriéis e as moças casadoiras



Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 16


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 16A


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 16 B


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 16 C

FOTO 16 > Zona da Mãe d’Água, também chamada “Sintra de Bafatá”, onde havia umas mesas para piqueniques e que, de vez em quando, a esposa do comandante  Esquadrão  organizava uns almoços dançantes (16 C) em que eram convidados além dos alferes, e penso que alguns furriéis (16 B) , todas as meninas casadoiras de Bafatá, libanesas e não só (16 A).

 [ O Fernando Gouveia não quis identificar o Esquadrão, mas o último do seu tempo, foi o Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71, cujo comandante era o cap cav Fernando da Costa Monteiro Vouga; reformou-se como coronel, e é autor de diversos livros sob o nome de Costa Monteiro].



Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 17


Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 17 A

 FOTO 17 > “Sintra de Bafatá”. Caminho que ia de junto do Mercado até à Mãe d’Água e casa do comandante do Esquadrão. Todo o percurso era ensombrado, como os caminhos da mata de Sintra. Na foto, o Fernando Gouveia, à civil.


Fotos (e legendas): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]



1. Continuação da publicação do "roteiro de Bafatá", organizado pelo  Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70; autor do romance Na Kontra Ka Kontra, Porto, edição de autor, 2011; arquiteto, residente no Porto; foto atual à esquerda]

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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de dezembro de  2013 >  Guiné 63/74 - P12401: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (9): Fotos 6, 7, 10 e 12: rua do cinema, parque infantil, rua das libanesas, porto fluvial, Rio Geba

Guiné 63/74 - P12433: Parabéns a você (663) Francisco Palma, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 2748 (Canquelifá, 1970/72) e Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491 (Dulombi, 1971/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12421: Parabéns a você (662) Fernando Barata, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2700

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12432: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (8): Aerogramas para a Lili (1)

ÚLTIMAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 8

Por Armor Pires Mota (ex-Alf Mil da CCAV 488/BCAV 490, Bissau e Jumbembem, 1963/65)

Aerogramas para a Lili (1)

Se me sobraram da amarga experiência alguns livros, todos vertendo lágrimas salgadas e jorros de sangue jovem e inocente, páginas marcadas por cicatrizes ou, no mínimo, por um sol violento, de rachar bolanhas e fazer ferver os miolos, ainda me sobraram largas dezenas de aerogramas, endereçados à minha madrinha de guerra e, mais tarde, namorada e esposa, de um belo e constante sorriso matizado de arco-íris, onde dizia pequenas coisas, coisas que se podiam dizer (a PIDE lia muito, mas muitas notícias de guerra passaram, vejo agora, relendo os aerogramas).

Se a minha madrinha de guerra verdadeira era a Lili, tenho de confessar que tinha outra suplementar em Luz de Tavira. Um dia troquei os aerogramas. A Lili que, embora muito jovem, tinha decisões de mulher feita, devolveu-me o que pertencia à madrinha, natural da Luz. Com uma anotação simples que dizia tudo:
- “Devolvo. Isto não é para mim”.

Uma bela bofetada com luva branca. Tive que me explicar, pedir mil desculpas e cortar. A coisa acabou por compor-se. Nunca mais soubera nada da algarvia. Eis se não quando, em 2010, recebo uma carta de Tavira, em que a outra madrinha de guerra falava um pouco da sua vida atribulada no matrimónio. O namorado, já na altura da nossa troca de correspondência, era muito ciumento.

Respondi-lhe: gostava de sabê-la entre os vivos, indagava como se lembrara de mim. Ela estava viva e muito queixosa do marido que continuava ciumento, e eu contei-lhe o meu grande infortúnio e os dias de áspera solidão, mas não obtive mais reposta. Foi espécie de um adeus. Foi um gesto bonito, passados cinquenta anos, eu que nunca a cheguei a conhecer pessoalmente. A prevista visita fora gorada numa viagem com os meus amigos do Porto a Tavira. Causa: nunca a cheguei a saber. Também nunca foi coisa que me preocupasse.

Lidos hoje os aerogramas, eles me avivam lugares, memórias, situações e datas. Evidentemente, também escrevia saudades e sonhos, estados de alma enamorada. As palavras amor e paz, sonho e futuro eram uma constante. A colecção, guardada com ternura azul e sonhadora pela Lili, está bastante incompleta. São escritos muito simples, sem redondas palavras, sem qualquer pretensão literária, ao correr do tempo e dos acontecimentos, que, obviamente, a maioria das vezes, não amiudava. Longe disso. Esse aspecto ficava para o meu Diário.

O que abaixo fica registado é um pouco do muito que fixei nos aerogramas e que não vem no "TARRAFO". Ao contrário, eu não guardei ou perdi no tempo os que a Lili me endereçou. Ou perdi-lhe o pouso. Nos meus há de tudo um pouco:

Foto: Belarmino Sardinha - Editado por CV


“Bissorã, 9 de Dezembro de 1963
 Minha cara madrinha:
 (…)
 Aqui, como aí, ontem, foi o dia da mãe. Houve missa e terço e não me lembrei só da minha, mas da tua também, das mães de todos soldados. Realizou-se uma festa na escola, promovida pela tropa e dedicada às mães de Bissorã que têm sido muito carinhosas para com a tropa, sobretudo para os oficiais. A festa esteve formidável. Gostei imenso de ver bailados indígenas. Aqui qualquer catraia ou mesmo catraio tem o corpo cheio de ritmos. E se visses os miúdos a cantar! Aprendem facilmente a letra e a música e têm vozes fantásticas.
Aqui há dias, eu e um colega meu, estivemos a distribuir bolos e bolachas a prisioneiros. Está perto o Natal. Com este gesto, conseguimos que um cabo-verdiano acabasse por confessar algumas coisas e oferecer-se para nos levar ao acampamento dos terroristas, e levou. Capturámos manga de munições e minas, importantes armas, vários documentos, etc. Foi pena não os termos apanhado, mas não foi nada mau. Sem um tiro. Nunca vi os soldados a chegar tão delirantes ao quartel. Vê lá: o mato é tão cerrado que só demos com o acampamento (oito barracas) a três metros de distância. Os gajos ficaram tão estupefactos, mas ah pernas para que vos quero. Enfim, uma boa caçada, das maiores que se têm feito. Não há pai para a cavalaria! Com estas, já são 24 barracas de mato que o Batalhão destrói”.



“Jumbembem, 9 Setembro de 1964 
Minha querida Lili 
(…) 
Ontem, à meia-noite, tivemos uma pequena festa com os terroristas que vieram atacar o aquartelamento. Chovia a cântaros e relampejava continuamente, o que nos deixava cegos, sem nada ver. Quando soaram os primeiros tiros, sei que me deixei escorregar da cama, vesti os calções, enfiei o capacete na cabeça, peguei na arma e lá fui para o parapeito orientar e disparar. Foi coisa de quarenta minutos. A reacção da tropa foi de tal modo violenta que eles tiveram de cavar, deixando abandonado vário material de guerra, roupas e amuletos de cornos de cabrito ou de cabra. Não sei. É possível que não tenham levado a saúde que trouxeram.
O certo é que os bandidos estão a aparecer mais vezes”.


Resposta da CCAV 488 a pequena emboscada
Foto: © Armor Pires Mota (2013). Todos os direitos reservados

“Jumbembem, 4 de Novembro de 1964 
Querida madrinha Lili: 
(…) 
Eu hoje saí às três da manhã. Estava uma aragem fria, devido à formação de cacimbo. Tive de levar uma camisa por debaixo da farda. Montei uma emboscada. Mas ainda bem que não apareceu nenhum desgraçado. Foi o melhor. A mim aborrece-me matar seja quem for, mas muito mais gosto que os bandidos também não me aleijem.
Morreu um moço do meu batalhão no hospital. Foi evacuado à pressa, de avião, mas durou poucos dias. Dizem que lhe rebentou a úlcera que tinha no estômago, é uma versão; a outra diz que foi por causa de uma cirrose no fígado. Para nosso mal e mal dele, é menos um”. 



“Jumbembem, 13 de Novembro de 1964 
Querida madrinha Lili: 
(…) 
Mais um domingo. Passei-o normalmente. De tarde, andei a passear de jeep, cheio de crianças, em constante alarido, como pássaros, para me distrair. Não tinha nada de especial para fazer. Porém, quando cheguei à noite e vi que a avioneta já não vinha lançar os sacos do correio, não imaginas como fiquei aborrecido. Dá a impressão que não há quem ligue, quando o correio é o melhor que podemos ter neste degredo, porque, na verdade, não é outra coisa. Ainda há dias, o piloto do helicóptero disse que não havia tropa com piores instalações (aquartelamento) do que nós. A gente sabe isso. Até porque mandam para aqui de outras companhias passar um mês os moços que se comportam mal. É caso para perguntar: se um soldado mal comportado passa aqui um mês, que crime cometemos nós para estarmos aqui há já sete meses? Mas, enfim... E já que o correio não veio, só amanhã, devo ler a tua correspondência.
(….)
Sabes, têm estado uns dias frios, sobretudo as noites. De manhã, é preciso andar de camisa. E, de noite, é preciso um lençol para nos cobrirmos”
.


“Jumbembem, 18 de Novembro de 1964 
Querida madrinha Lili: 
(…) 
Isto por aqui não está mau, está péssimo. Veio um colega meu de Bissau que disse que, durante os dez primeiros dias em que esteve no hospital, houve onze enterros de soldados brancos. Fora os mortos nativos e os feridos. O hospital está a abarrotar, e, por exemplo, quando ali chegam muitos feridos, os médicos dão alta a soldados que ainda não estão completamente curados. O hospital é muito pequeno. Está a morrer, à média, de um homem por dia. E o que mete raiva é que os jornais da Metrópole digam que o terrorismo está a diminuir e que os terroristas estão a ser acossados pelas nossas forças terrestres por todos os lados.
O terroristas sabem tirar partido da inexperiência dos “maçaricos” [tropa nova] e aproveitam. Como agora veio muita malta nova, eles acham que têm muita carne para bala. E realmente têm conseguido fazer bastantes baixas”.



“Sábado, Jumbembem, 12 de Dezembro de 1964
Querida Lili:
(…)
Ontem tinha intenção de escrever-te, mas, quando cheguei, à noite, sentia-me cansado, com pouca disposição para fazê-lo, embora tivesse dormido até às cinco da tarde.
Esta semana, com o intervalo de dois dias, tivemos duas operações. A que fizemos na noite e manhã do Dia da Mãe (8 de Dezembro) correu bem, normal. Mas, ontem já assim não aconteceu. Houve tiros, emboscadas, feridos: um furriel enfermeiro, que, é curioso e admirável, estando gravemente ferido, tratou primeiro dos outros. Um soldado deve ficar cego. Ontem, tive ocasião de ver (antes, não tivesse) dois terroristas, vestidos de azul que ficaram apalermados quando nos viram, se calhar quanto nós. Não nos esperavam ali. No regresso, uma nova emboscada, onde não esperávamos, obrigou-nos a saltar para a lama e a água da bolanha. Vê lá a ousadia deles: até atacaram a tropa, quando era protegida do alto por um bombardeiro. E já que falo de aviões, há dias, no sul, os terroristas abateram uma avioneta. Morreram um tenente, um furriel e um cabo.
O piloto do helicóptero que esteve cá ontem, disse que os seis helicópteros não têm mãos a medir na evacuação de mortes e feridos. É uma coisa pavorosa. E dizia o governador da Guiné que, neste Dezembro, já passearia pelas estradas, de norte a sul. Ainda sonha muito. Isto nunca esteve tão péssimo. Repara tu que, há dias, no sul os terrostistas destruíram completamente um quartel, incendiaram as viaturas, etc. A tropa, para se defender, teve que fugir para o mato, senão morreria ali toda. Segundo consta, quem fez o fogo, de bazuca, contra o quartel, foi um fuzileiro que fugiu para o lado dos terroristas, há uns quatro meses.
Há dias, chegou-me um soldado novo da Metrópole para substituir o soldado que me morreu em Junho.
Peço desculpa de hoje te massacrar com guerras e horrores, mas prometo que, amanhã, se Deus quiser,  já não tocarei neste assunto”.
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12419: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (7): Os macacos vermelhos

Guiné 63/74 - P12431: Álbum fotográfico do ex-fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (10): O rebenta-minas, de rodado duplo à frente



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 89 > O rebenta-minas com rodado duplo à frente...

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Um viatura oesada (Mercedes ?) "capotada"... No setor L1 havia uma intensa atividade de colunas logísticas: era a partir de Bambadinca que se abasteciam as companhias aquarteladas em Mansambo, Xitole e Saltinho (que pertencia já ao Setor L5 - Galomaro). Foto do ex-1º cabo bate chapas Otacílio Luz Henriques, do Pelotãod e Manutenção (, que era comandado pelo alf mil Ismael Augusto, membro da nossa Tabanca Grande). 


Foto: ©  Otacílio Luz Henriques (2013) (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)


1. Continuação da publicação do excelente álbum fotográfico (*) do José Carlos Lopes, meu contemporâneo em Bambadinca, pelo menos na época de julho de 1969 a maio de 1970 (quando o batalhão regressou à metrópole). Embora a sua especialidade fosse "contablidade e pagadoria" (sic), ele exerceu funções como fur mil de  reabastecimentos da CCS/BCAÇ 2852. É nosso grã-tabanqueiro, nº 604, desde 10 de fevereiro de 2013. Bancário reformado do BNU, vive em Linda a Velha, Oeiras. As fotos são provenientes  de "slides" digitalizados, e não têm legendas.  

Apresentamos hoje uma espetacular: o "rebenta-minas" de Bambadinca. Era uma obra-prima dos nossos mecânicos, com um rodado duplo à frente. Presumimos que tivessem arranjado um semi-eixo mais comprido, "canibalizado" de outra viatura (, talvez uma Mercedes). Não tinha capô e os assentos da frente eram "forrados" com sacos de areia.  Como diziam os condutores, era preciso comer um boi para conduzir um besta destas... 

Na perigosa estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho não sei se este rebenta-minas chegou a saltar por cima de alguma... De qualquer modo, para além dos picadores, o rebenta-minas dava-nos alguma tranquilidade de espírito quando fazíamos (a CCAÇ 12 e outras subunidades) às colunas logísticas para o sul do setor L1...

Enfim, noutros sítios também havia rebenta-minas. Compare-se, por exemplo, com o famoso  granadero que existia no tempo do nosso camarada Henrique Matos e do João Crisóstomo. Pertencia à CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67) (Vd. foto a seguir) (**). 

O rebenta-minas de Bambadinca tinha a "originalidade" do rodado duplo à frente... O que se pode dizer é que, naquela guerra, a necessidade aguçava o engenho dos tugas... Ontem como hoje... Aqui fica o "retrato" desta "peça de museu" (foto acima), para memória futura... LG



Guiné > Enxalé > O famoso granadero, uma GMC transformada, que pertencia à CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)...

"A transformação constou do reforço dos taipais com chapas de bidon, separadas de ± 20 cm com areia no meio. Ficou à prova de bala de Mauser. Tinha também uma camada de areia no fundo da caixa e na frente também vários sacos de areia. Tinha instalada como se pode ver uma Breda. Não sei porque é que lhe chamavam granadero.

"Com ela fiz vários reabastecimentos a Missirá e Porto Gole. Segundo a descrição do Abel Rei no seu depoimento Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá-Memórias da Guiné e que na altura estava em Bissá, no dia 5 de Outubro de 1967 esta viatura quando regressava a Porto Gole accionou uma mina incendiária a que se seguiu uma emboscada de que só se safaram com apoio aéreo. Fazia parte duma coluna que saiu de Porto Gole ao encontro doutra coluna saída de Bissá a pé para entregar uns militares destinados àquele destacamento."


Foto (e legenda):  © Henrique Matos (2007). Todos os direitos reservados.


(**) Vd. poste de 6 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2158: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (3): O famigerado granadero do Enxalé, da CCAÇ 1439 (1965/67)

Guiné 63/74 - P12430: O que é que a malta lia, nas horas vagas (15): Livros oferecidos pelo Movimento Nacional Feminino e os meus livros pessoais, tais como: Seleta Literária, História Universal, Inglês e os Lusíadas (Joaquim Cardoso)



1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Cardoso (ex-Soldado de TRMS do Pel Mort 4574, Nova Lamego, 1972/74), com data de 8 de Dezembro de 2013:

Caríssimo amigo Luís Graça:
Respondendo à tua chamada, direi que, no que concerne à temática em título, sendo militar de transmissões e, fazendo somente turnos rotativos de serviço de 8 horas por dia no centro de mensagens do Quartel novo em Nova Lamego, tempo não me faltava para ler, porém, não tendo sido assinante de quaisquer jornais ou revistas, pouco ou nada lia da Imprensa diária.
As horas fora de serviço, a maior partes das vezes, eram ocupadas com os jogos da bola e das cartas, conforme a ocasião, sendo este último, como toda a malta sabe, por vezes "doloroso".
Apesar de tudo, sempre lia alguma coisa. Li por exemplo, alguns livros que me foram oferecidos pelo Movimento Nacional Feminino. Além destes, tinha também os meus livros pessoais, tais como:
Seleta Literária, História Universal, Inglês e os Lusíadas!

Leitura tão estranha merece uma explicação.
Como se sabe, estes livros faziam parte da secção de letras do antigo quinto ano liceal e, como antes de ingressar na vida militar era estudante pós "laboro" no Externato Rodrigues de Freitas no Porto, achei por bem fazer-me acompanhar deles para a Guiné, por forma a não perder "o fio à meada", pensando, caso algum momento se proporcionasse, submeter-me a exame algures, mas tal não aconteceu.

Posto isto, junto duas fotos que presumo, servirão para fazer prova do que foi dito. 

Uma nota final.
Acabado de escrever este episódio, dei por mim a pensar: pelas "armas" vê-se o espírito do guerreiro!

Para ti Luís e para o Carlos, um grande Abração extensivo a toda a tertúlia.

Castelões-Penafiel, 8/12/2013
J. Cardoso

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12422: O que é que a malta lia, nas horas vagas (14): a 2ª CART/BART 6523, atirada para Cabuca, nas profundezas da mata do Leste, teve de facto uma Bibliioteca (com 400 livros), um jornal (O Abutre) e uma Rádio!... (Ricardo Figuiredo)

Guiné 63/74 - P12429: Memória dos lugares (259): Ainda a Ilha das Galinhas e a sua "colónia penal e agrícola", criada em 1934 (José António Viegas, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, 1966/68)



Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha das Galinhas > Colónia Penal e Agrícola > c.julho/setembro de 1968 > Da esquerda para a direita, o chefe Joaquim e o fur mil Viegas, posando com um tubarão capturado.


Foto: © José António Viegas (2013). Todos os direitos reservados


1. Resposta do José António Viegas (ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 54, Guiné, 1966/68) a algumas perguntas nossas sobre a "colónia penal e agrícola da Ilha das Galinhas" (*):

 (i) Mensagem de L.G., de 4 do corrente:

Zé: Tens mais fotos deste tempo e deste lugar ? O que sabes mais do funcionamento da colónia ? Eram presos comuns ou "turras" ? Não fugiam ? A população não tinha medo deles ? Onde dormiam ? Onde comiam e o que comiam ? O Chefe Joaquim era branco ? Era militar ou civil ? ... E vocês, militares (1 fur, 1 cabo, 3 praças...), o que faziam ? Apenas segurança ? Com tão escassos meios ? ... 

Enfim, entende a minha/nossa curiosidade: pouca malta, no nosso tempo de Guiné, ouviu falar da "colónia penal e agrícola da Ilha das Galinhas"... Saúde. Luís Graça

(ii) Resposta do José António Viegas:

Na parte central na ilha, chamado o campo, havia uma casa colonial e uma parada grande com dois barracões que era onde viviam os presos. Na altura estavam lá perto de cento e tal prisioneiros entre os de delito comum e os presos  politico. Pessoalmente, não não sabia quais deles eram, n~
aop sabia distuingui-los,  pois o chefe [Joaquim] não falava comigo nesse aspecto.

O chefe Joaquim que está comigo na foto com o tubarão, esteve na GNR com o Spínola e depois foi  chefiar o campo. Penso que estivesse ligado à Pide.

Os presos circulavam à vontade. Alguns mais antigos viviam em palhotas junto ao campo,  faziam trabalho agricola, não havia problema com a população e poucas hipóteses tinham de fugir.

A vida da guarnição era fazer umas rondas pela ilha no Uunimog pequeno (Pincha) [, o 411] e pesca. Nada mais.

A comida dos prisioneiros era na base do arroz,  algum peixe e carne.

Naquele tempo eu não estava bem dentro dos assuntos,  não fazia muitas perguntas ao chefe que ele,  sempre de má cara com a sua úrsula [,úlcera], pouco respondia.

Só falei com um preso politico, que eu saiba, quando fui mordido por uma cobra verde, não sei se era médico ou enfermeiro , sei que tinha estado na  Repúbklica Checa [, na altura Checoslováqui,] e que veio tratar de mim.

Se encontrar mais fotos no baú,  logo envio
Um abraço
Viegas


2. Comentário de L.G. ao poste P12383 (*)

 Estou grato ao Zé António Viegas por nos mandar estas curtas memórias da Ilha das Galinhas (**)... Não imaginava que lá houvesse tropa... Um ano depois, em finais de 1969, haveria lá uma guarnição a nível de pelotão, conforme se pode ler no seguinte documento, consultado no Arquivo Amílcar Cabral, portal Casa Comum:

(...) "9) Ilhéu das Galinhas – Tem um Quartel. Tem 25 soldados armados de G3, granadas, tem bipé [sic]. Tem Polícia de Segurança. Tem Pide tuga e africana. Há 1 Pide tuga. O Chefe de Tabanca da Ilha das Galinahs, de nome Ansumane Bêcó [sic], é um Pide. Está junto com a sua família.

No quartel há um só carro: um Enimog [sic] [Unimog]. Há algumas pessoas favoráveis ao Partido  PAIGC]. Por exemplo, a tabanca de Amitite. Há uma pessoa favorável ao Partido, de nome Curancô, chefe de Amitite. Tem campo de aviação grande. Pousam lá os aviões que vêm de Bissau" (...)


Citação:

(1969), "Informações sobre o Arquipélago dos Bijagós. Organização, formação política e ideológica dos Bijagós", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41391 (2013-12-3).

Ver documento completo em Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07073.128.006
Título: Informações sobre o Arquipélago dos Bijagós. Organização, formação política e ideológica dos Bijagós.
Assunto: Informações de carácter militar, extraídas da audição com os "camaradas" vindos dos Bijagós, sobre Soga, Bubaque, Formosa, Uno, Caravela, Orango, Orangozinho, Canhabaque, Galinhas e Uracane. Organização e formação política e ideológica dos Bijagós, manuscritos por Vasco Cabral.
Data: Terça, 2 de Dezembro de 1969.
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios 1965-1969.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: Documentos
Direitos: A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.


3. Ainda sobre a "colónia penal e agrícola" da Ilha das Galinhas:


Sabemos que foi criada em 1934 (ou pelo menos já existia nesta data). Cite-se o preâmbulo do Diploma Legislativo nº 884 (Boletim Oficial nº 44, de 29/10/934).

"O Governo da Colónia da Guiné, integrado na Política Nacionalista do País, empenhou-se na realização de uma obra profícua de assistência geral, pela protecção  social e revigoramento moral  de que tanto carecem as  populações admninistradas no momento que passa.

"Neste campo foi já promulgado um conjunto de medidas conducentes a tal desiderato: ontem a instituição do Reformatório de Menores e Asilo da Infância Desvalida de Bor, depois a criação da Colónia Penal Agrícola da Ilha das Galinhas; recentemente o diploma de protecção aos nacionais contra a crise do emprego e, hoje, a assistência geral sob os aspectos de trabalho, médico e social”  (…).

Era então governador da colónia (1932-1940), como então se dizia, sem complexos, Luís António de Carvalho Viegas, um militar de carreira, mais tarde general. Enquanto major de cavalaria, foi o herói da batalha de Canhabaque. Tem vários publicações sobre a Guiné dos anos 30: vd. por ex, Ilha de Canhabaque : relatório das operações militares em 1935-1936 (Bolama: Imprensa Nacional, 210 pp.)  [Vd. o sítio da Universidade de Aveiro > Memórias de África e do Oriente]. 


Fonte: (1934), "Promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_42954 (2013-12-4)

Ver e ampliar documento aqui > Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07063.036.028
Título: Promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné
Assunto: Cópia do Diploma Legislativo n.º 884 (Boletim Oficial n.º 44, de 29 de Outubro de 1934) sobre a promulgação de medidas de assistência geral pelo Governo da Colónia da Guiné. Instituição do reformatório de Menores e Asilo da Infância Desvalida de Bor; criação da Colónia Penal Agrícola da Ilha das Galinhas.
Data: Segunda, 29 de Outubro de 1934
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Operação de Cadigue / com. em 1-3-1963 / Notas gerência mercearias.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Direitos: A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12383: Memória dos lugares (257): Ilha das Galinhas em 1968 (José António Viegas)

(**) Último poste da série >10 de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12423: Memória dos lugares (258): Bissau, 1968, aquando da visita do Presidente da República à Guiné (José António Viegas)

Guiné 63/74 - P12428: Manuscrito(s) (Luís Graça) (14): Não há vitórias na guerra... "Uma vitória é um imenso funeral", diz Lao Zi, no "Tao Te Ching", traduzido pelo António Graça de Abreu de quem a nossa Tabanca Grande tem muito orgulho...

1. Já aqui foi noticiada, em tempo oportuno, em maio passado, a sessão de lançamento, do grande clássico da cultura chinesa, o livro máximo do taoísmo filosófico, Tao Te Ching - Livro da Via e da Virtude, da autoria de Lao Zi (Lao Tsé), em  edição bilingue,  com tradução direta do chinês, prefácio e notas de António Graça de Abreu, prestigiado sinólogo e nosso estimado amigo e camarada. A edição é da Nova Vega, e contou com o apoio da Fundação Jorge Álvares.


Sobre o autor (i) e o tradutor (ii), diz a editora Nova Vega:

(i) Lao Zi terá nascido nos começos do século VI a.C. na China. Filho de pais pobres, foi-lhe posto o nome de Li-Peh-Yang. Contemporâneo de Confúcio, ter-se-á encontrado com este no ano 518 a.C. Pouco se sabe acerca dos seus primeiros anos salvo que foi zelador do Arquivo Real da cidade de Lo-Yang, cargo que exerceu durante muitos anos. Graças ao trabalho na Biblioteca Imperial pôde estudar muito e adquirir grandes conhecimentos. Logo que começou a emitir opiniões sobre filosofia e religião, conquistou o respeito e admiração de muita gente que começou a chamar-lhe Lao Tsé (Mestre Lao).


(ii) António Graça de Abreu, historiador, tradutor e poeta português, viveu vários anos em Pequim e Xangai. Da China trouxe o gosto pela descoberta, a procura de entendimentos da civilização e cultura clássica do velho Império do Meio. Tradutor para português dos maiores poetas dos trinta séculos de poesia chinesa, homens como Li Bai (ou Li Po), Wang Wei, Bai Juyi e Han Shan, António Graça de Abreu traz-nos agora a sua tradução do Tao Te Ching, de Lao Zi, obra máxima do taoismo filosófico, avidamente lida, comentada e analisada ao longo de mais de vinte séculos.

2. No essencial, o Tao Te Ching é constituído por um total de 81 poemas ou "capítulos", que formam um todo coerente e interligado.  A sua leitura e interpretação constituem um exercício intelectual fascinante. É um dos livros que recomendamos para oferta nesta quadra festiva, e que melhor se coaduna com o espírito de Natal deste ano de 2013, mais  um annus horribilis a que sobrevivemos, individual e coletivamente...

Nas livrarias (por ex., FNAC) o livro deve estar á venda por volta dos 19 €.  Tem um tradução esmerada do nosso António Graça de Abreu, além de utilíssimas e eruditas notas e uma magnífico prefácio. Pelo génio do Lao Zi e pelo incansável labor e saber do António Graça de Abreu, vale a pena desembolsar os 19 euros do nosso descontentamento... É um livro que seguramente nos irá dar força anímica e espiritual para enfrentar mais um duro ano, que aí vem,  de luta(s) contra a adversidade, a incerteza e o desânimo...

Para aguçar o apetite dos nossos leitores, aqui reproduzimos, a seguir, e com a devida vénia, dois dos capítlos, o 30 e o 31, os quais têm muito a ver connosco, veteranos de uma guerra, cruel, penosa e inútil, como foi a guerra colonial  na Guiné enter 1961 e 1974. Passados quatro décadas do seu fim, em 1974, poderíamos perguntar aos dois lados da contenda, guineenses e portugueses, ao Amílcar Cabral, ao 'Nino' Vieira, ao Spínola e ao Marcelo Caetano, se hoje fossem vivos, e aos milhares de guerrilheiros do PAIGC, e seus apoiantes, bem como aos "tugas", sobreviventes: 
- Meus senhores, valeu a pena ? 

Não penso que a resposta hoje fosse sim... Para os guineenses, a guerra (de "libertação"...) afinal não acabou em 1974... Como diz o Tao, "Quem se alegra em vitórias, / tem prazer em matar, / quem tem prazer em matar nunca está satisfeito"... Na guerra, em todas as guerras,  todos perdem. Não há guerras win-win, não há guerras em que todos saiam vencedores... E mesmo a alegada vitória, reivindicada por uma das partes, é "sempre um imenso funeral"... 

O Tao é sinónimo de sabedoria, que é muito mais do que o simples repositório do conhecimento e da ciência... A grande desgraça deste país e desta Europa é a falta de sabedoria da sua elite (mal pensante e pior) dirigente... Nas nossas escolas e universidades estamos a formar superespecialistas com muito high tech e pouco ou nenhum human touch... Já nem são verdadeiros cientistas... Muitos menos sábios, habitantes da cité savante... Um dia serão suplantados e devorados pelos robôs, as máquinas inteligentes, que estão a criar...  LG












Dedicatória do tradutor, no exemplar do livro que ofereceu ao nosso grã-tabanqueiro João Graça:

"Para o João Graça, filhos dos meus amigos, meus bons amigos são, com um forte abraço de admiração e toda a estima do António Graça de Abreu. Estoril, dez 2013".


3. Preço especial para a malta do blogue:

Gentileza do tradutor e prefaciador da obra, e nosso grã-tabanqueiro, António Graça de Abreu:

(...) Se algum dos nossos camaradas quiser o livro, até para oferecer a alguém, mande-me um mail. São 15 euros, portes incluídos e seguirá com uma bonita dedicatória de tempo de Natal.
Sou : abreuchina@netcabo.pt (...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12319: Manuscrito(s) (Luís Graça) (13): Três histórias ganguelas, três pérolas da sabedoria angolana... E onde se fala da atualidade dos Baratas, dos Cavetos e dos Heróis

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12427: Boas Festas (2013/14) (2): Álvaro Vasconcelos, Amaral Bernardo, Eduardo Estrela, J. C. Lucas, J. Mexia Alves, João Lourenço, José Colaço, Tony Levezinho



Lisboa > Praça do Comércio > 1 de dezembro de 2013 > A "árvore de Natal" de 2013

Foto: © Luis Graça (2013). Todos os direitos reservados

1. Mensagens de boas festas (*), recebidas hoje até ao fim da tarde,  dos nossos bons amigos e camaradas  a seguir listados, por ordem alfabética



[ex-1.º Cabo Transmissões do STM, Aldeia Formosa e Bissau, 1970/72]

Obrigado, Luís. Retribuo com todo o carinho e adiciono saudações fraternas para todo o universo da família para as famílias!

Um abraço

 do Vasconcelos

(ii) Amaral Bernardo [ex-alf mil médico, CCS/BCAÇ 2930, e CCAÇ 5, Catió, Guileje, Bedanda, 1970/72]

Comungo o teu singelo e profundo sentimento em mais esta efeméride circadiana, como dizes.

Na verdade já estamos todos na fase das perguntas menos cómodas e com respostas... conhecidas, quer queiramos quer não! Mas nós ,apesar de tudo, já tivemos o privilégio de chegar até aqui! Pensemos nisto nos momentos menos bons.

Que no "outono" de uns e no "inverno" de outros esteja sempre a esperança e o apoio deste sentimento fraterno que nos une a todos (nesta Tabanca Grande que tu ergueste e governas) os que partilhamos as vivências de uma fase traumática e desestruturante das nossas vidas.

Que os teus votos e desejos formulados se concretizem TODOS!

Um quebra ossos forte, Amaral Bernardo
(iii) Eduardo Estrela
[ ex-Fur Mil da CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71]

Luís!

Li atentamente a tua mensagem. Projecto em ti os meus votos de Boas Festas a todos os Tabanqueiros e suas familias. Acima de tudo e como referes no final do texto, torna-se necessário ter esperança.

È PRECISO ACREDITAR NO HOMEM!

Um grande e fraterno abraço, 

Eduardo Estrela




[ex alferes miliciano,  op esp, CCAÇ 2617, 
Magriços de Guileje, 
Pirada, Paunca, Guileje, 
1969/71]

Agradeço e retribuo os votos natalícios

J.C.Lucas 
Magriços de Guileje

(v) João Lourenço [, ex-alf mil, PINT 9288, Cufar, 1973/74]

Meu caro Luís, sem jeito para a prosa resta-me desejar-te, a ti,  e a todos os nossos “associados”… umas Boas Festas e que 2014 nos traga alguma esperança, que começa a faltar a quem está na reta final, muito longa,  esperamos, sem trabalho, somos demasiados...  

E, já agora,  que só conseguiu sair da guiné em Outubro de 74 e teve de pagar o bilhete na TAP…. Que 5 contos tão bem gastos, para não esperar ainda mais!...
Um alfabravo natalício, com alguma esperança,  João Lourenço


[ex-alf mil op esp,  CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73] 

Meus amigos

Agradeço os votos e devolvo-os com o coração.

Um Feliz Natal e um Óptimo Ano Novo é o que vos desejo.

Abraços amigos do 

Joaquim Mexia Alves


(vii) José Colaço  [ex-Soldado Trms, CCAÇ 557, 
Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65]

Luís, só tu podias escrever esta bela, linda mensagem de Natal sobre o nosso blogue... 

Quanto ao resto, prognósticos só podem ser como no futebol; aqui não há resultados encomendados ou comprados. As nossas vidas não há dinheiro que as pague.

Um braço amigo.
José Botelho Colaço

(viii) Tony  Levezinho 

[ex-fur mil at inf, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71]
JÁ NÃO TEMOS VINTE ANOS…

Correspondendo ao desafio que o texto, vertido pelo coração do meu velho camarada e, acima de tudo, amigo Luis Graça, titulo estas despretensiosas linhas com uma frase que retive do mesmo.

Na verdade, esta teve o condão de me fazer recuar aos já longínquos anos de 60-74, numa altura em que a vida da maior parte dos jovens portugueses foi abruptamente desviada e encaminhada para um rumo incerto, pleno de medos e sem a menor garantia de um seguro retorno ao ponto de partida.

Se com vinte e tais anos somos de tudo capazes, muitas vezes até, sem sabermos bem porquê, a verdade é mesmo essa: Já não temos vinte anos!

E dentro desta, tão inegável como irrecusável, realidade, aqui fica a expressão do meu profundo desapontamento pelo facto de, uma vez mais, estarmos a ser vítimas de um abrupto e violento desvio das nossas vidas, igualmente para um rumo incerto e, tal como então, sem a menor garantia de retorno, agora, não ao ponto de partida, porque a nossa caminhada já vai longa, mas ao natural trilho a que nossa respeitável idade vai, inexoravelmente, conduzindo o resto das nossas vidas.

Afinal, como podemos ser bons alunos se somos REPETENTES ?

Nesta quadra de tão forte simbolismo para a maioria de nós, os meus sinceros e amigos votos de Boas Festas. Tony Levezinho

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Nota do editor: