segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12580: Notas de leitura (552): "Mudança Sócio-Cultural na Guiné Portuguesa", dissertação de licenciatura de José Manuel Braga Dias (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Agosto de 2013:

Queridos amigos,
Lê-se e fica-se de boca à banda. O ISCPU publicou em 1974 esta dissertação que esmiuça, sem rodeios nem encómios, a análise e comportamento da população guineense face à subversão.
O autor, Braga Dias, fizera a sua comissão na Guiné onde lhe foram dados meios para estudar as razões subjacentes à mudança sociocultural. Se na an
álise da estrutura sociocultural da Guiné anterior à eclosão do terrorismo traça um quadro perfeitamente convencional, no trabalho que desenvolve sobre as atitudes da população face à guerrilha apresenta elementos completamente novos à luz do discurso oficial, não deixando ilusões que a subversão convulsionava a sociedade, de cima a baixo.
Foi graças a uma chamada de atenção do investigador António Duarte Silva que cheguei a esta leitura. No mínimo, é de leitura indispensável para todos os investigadores portugueses e guineenses que pretendam estudar este período. Afinal, num determinado meio académico, e mesmo para consumo do governo da Guiné, Braga Dias desfazia a ilusão de que a luta armada era um “pequeno problema”, resolúvel a prazo.
Tenho muito gosto de emprestar estes 5 kg de papel a qualquer interessado.

Um abraço do
Mário


Mudança sociocultural na Guiné Portuguesa (1)

Beja Santos

José Manuel Braga Dias apresentou como dissertação de licenciatura ao ISCPU um trabalho intitulado “Mudança Sociocultural na Guiné Portuguesa”, que veio a ser publicado pela instituição académica em 1974. Este trabalho de investigação pode ser consultado no ISCP ou na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa. Braga Dias procura questionar as mudanças sociais registadas na Guiné e resultantes de uma situação de contacto, isto é, de aculturação condicionada por progresso técnico, económico, educacional, moral, político e social, fazendo avultar a natureza das transformações daí resultantes. Braga Dias fora mobilizado e esteve na Guiné dois anos a estudar os problemas da mudança social para compreender e explicar as reações dos indivíduos num contexto de contacto com as autoridades civis e militares.

A situação de contacto torna-se uma realidade não imediatamente após as chamadas guerras de pacificação, concluídas em 1936, mas mais propriamente no consulado de Sarmento Rodrigues, o governador que gizou e pôs no terreno o ideário da Guiné como “colónia modelo” introduzindo uma administração que em tudo mudou a vida da colónia, assegurando o lado moderno na justiça, no quadro administrativo, nas obras públicas, na saúde, na educação, na agricultura e nos negócios.

Braga Dias lançou mão de um amplo leque de entrevistas, fez os seus questionários e apresentou um primeiro trabalho de carácter etnossociológico que apresentou ao Comando-Chefe. Preocupou-se com entrevistas direcionadas em indivíduos integrados nas culturas tradicionais, aculturados ocidentalmente, de origem metropolitana e cabo-verdiana. Como escreveu na introdução do seu trabalho, “O critério de seleção baseou-se na função e estatuto que desempenhavam os entrevistados na sociedade guineense. Deste modo, se queríamos saber a organização tradicional Nalu procurávamos entrevistar um Nalu que desempenhasse funções na hierarquia tradicional e reconhecido pelas pessoas com quem contactávamos e por nós observado. Paralelamente, procurávamos entrevistar alguém ou um grupo de Nalus que nos confirmavam ou não as informações anteriormente recolhidas”. Foram difíceis, adverte, as entrevistas com elementos integrados nas culturas tradicionais, houve que recorrer a um intérprete da mesma etnia e quando as respostas pareciam evasivas havia que complementarmente recorrer à pesquisa documental. A tese de licenciatura de Braga Dias aparece dividida em quatro capítulos: características que definem a sociedade dualista da Guiné (tradicional e moderna); análise da atitude e comportamento da população face ao movimento subversivo; análise às três novas respostas dadas pelo governo da província à subversão e terrorismo (a saber, reordenamentos, congressos do povo da Guiné e o dispositivo militar africano); caraterização da situação de mudança da sociedade global guineense emergente do fenómeno da subversão.

A análise da estrutura sociocultural da Guiné anterior à inclusão do terrorismo procede a um levantamento dos comportamentos da sociedade tradicional, regista os contactos interétnicos, toma em consideração os grupos sociais integradores, caso da família, do clã, da etnia, toma em conta o animismo e as suas manifestações, o islamismo e as suas confrarias, a estratificação social em que se organizam as sociedades tradicionais islâmicas, segundo conceitos que divergem da estratificação social apresentada na documentação do PAIGC (por exemplo, para o PAIGC, na sociedade Mandinga havia que ter em conta as classes dominantes e as classes dominadas), mas também a estrutura linguística, a natureza da economia agrícola, a multiplicidade linguística, a especificidade do crioulo guineense. Quanto à sociedade moderna, Braga Dias faz avultar os “cristãos” e “grumetes”, os “ponteiros”, a variedade de contactos com a sociedade branca e a cabo-verdiana (registando que sírios e libaneses estavam organizados como uma sociedade fechada). Esta sociedade moderna seria constituída por quadros das empresas, alta administração, funcionários públicos médios, profissões liberais, pequenos comerciantes do mato, empregados de comércio, operários mais ou menos classificados e todos aqueles estratos que procuravam integrar-se na sociedade moderna. O local onde esta sociedade conhecia a sua maior vibração pode considerar-se os centros urbanos, hoje, como no passado, condicionados por fatores económicos. No passado, havia as “praças” como Cacheu, Buba e Bolama, que entraram em decadência quando as condições económicas se alteraram, obrigando ao deslocamento dos serviços públicos, eram centros urbanos que se manifestavam por duas povoações próximas, em permanente rivalidade: Canchungo desagregou a velha e nobre Cacheu; Bafatá eliminou a católica Geba, Bolama fez ruir para sempre o grande centro comercial que fora Buba, Cacine não pôde sobreviver à ascensão de Catió e Bissau feriu de morte a vila de grande e incontáveis sacrifícios, a antiga cidade de governadores, Bolama, Fausto Duarte dixit. Ora no limitar da luta armada esta tensão era igualmente evidente. No Gabu, Sonaco decaia a favor de Paunca e no Sul a exploração do arroz alagado provocara a emergência de centros urbanos como Cacine e Catió. Em jeito de síntese, a existência de dois grandes ciclos, o do arroz, que abrange todo o litoral até ao limite das marés, e a mancarra, em toda a Alta Guiné, foram determinantes, cada um em sua área, pelo nascimento ou decadência dos centros comerciais ou urbanos.

Braga Dias refere outros fatores como igualmente importantes para caraterizar a sociedade moderna: a tónica da cultura ocidental ou portuguesa em determinados meios serve de bom exemplo.

Apresentada a estrutura sociocultural da Guiné antes da luta armada, o investigador dirige a sua atenção para a atitude e comportamentos das populações face ao movimento subversivo. Lê-se a exposição e a estupefação é total: numa tese de licenciatura, sem subterfúgios, regista-se a dimensão que atingira a subversão em toda a Guiné, em todas as etnias, ou quase. E questiona-se como é que este trabalho permaneceu no pó das bibliotecas, indiferente à curiosidade dos investigadores, depois do 25 de Abril. Começando pelos Fulas, refere três tipos de comportamentos perante a subversão: franca colaboração com as autoridades e repúdio total ao movimento da luta armada; colaboração com as autoridades nos casos particulares de consumar vinganças e apatia absoluta pelo desenrolar da guerra. A atitude geral de repúdio foi a manifestação principal, os Fulas consideravam-se protegidos pelas autoridades que, sobretudo a partir de 1927, tinham talhado a repartição de poderes no denominado chão fula elegendo ou caucionando régulos de origem fula. Não foi por acaso que o 1º Congresso das Etnias da Guiné teve a finalidade de quebrar as graves tensões entre Fulas e Mandingas. Caraterizando o comportamento dos Mandingas, nota que houve aderentes desta etnia que apoiaram o PAIGC por razões muito claras: tinham aderido porque as terras em que viviam foram envolvidas pela subversão (caso do Oio e Fulacunda) ou acusados injustamente de praticar terrorismo por elementos de outras etnias que lhe invejavam os bens, tendo-se refugiado no Senegal e Gâmbia. O governo da Guiné invertera esta marcha nomeando régulos Mandingas em regulados de tradição ou considerados “chão mandinga”. Para o autor, esta atitude política estaria a reduzir hipóteses do PAIGC em expandir-se no Gabu, em Bafatá, em Farim, em Bissorã e Fulacunda.

(Continua)

O Dr. Eduardo da Costa Dias, do ISCTE, ofereceu-me esta primorosa perspetiva do monumento Ao Esforço da Raça, estou muito contente de a partilhar com a malta do blogue
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12567: Notas de leitura (551): "Antologia da Terra Portuguesa - Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe, Macau e Timor", por Luís Forjaz Trigueiros (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12579: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (7): Adenda á minha história de "morto-vivo"


Fotocópia da página 5 da caderneta militar  do Mário Gaspar onde se pode ler no final: "Baixa de serviço em 12/10/1967  por Falecimento  b)" [ que é a chamada para outra página e onde está escrito "Sem efeito"].




1. Mensagem do Mário Gaspar, com data de ontem


Data: 12 de Janeiro de 2014 às 21:11
Assunto: Dado como Morto


Camaradas da Tabanca Grande

Como me foi solicitado, envio um texto em Anexo, em que desenvolvo mais o sucedido com a minha morte anunciada  – e tornada pública para a Família e Amigos  – no dia do meu casamento. Tudo isto é anedótico, mas dói e magoa. Não se faz isto a ninguém.

O camarada, também da Tabanca Grande, ex Furriel Miliciano de Atirador de Artilharia, e Especialista de Explosivos de Minas e Armadilhas, Mário Vitorino Gaspar n.º 03163264, que fez a sua Comissão de Serviço no «Cu do Mundo», como costumava escrever nas cartas e aerogramas em lugar de Ganturé ou Gadamael Porto. Isto claro para os amigos, para os familiares tínhamos de ser uns autênticos aldrabões, utilizando frases como "isto é uma maravilha", "estou bem", "parece estar de férias" e outras. Além de termos de matar para sobreviver, éramos uns mentirosos e não cumpríamos quaisquer dos mandamentos. 

As fotos que tirávamos - pelo menos acontecia comigo - sem armas, de calções, tronco nu e chinelos. Muitas vezes à civil. Para ser mais simples: - só trazia calções e chinelos, nem cuecas vestia, até que um dia o Major Médico que nos visitava às vezes, obrigou-me a usar cuecas sobre riscos de arranjar uma doença que podia parecer-se comigo.
Um  forte abraço

Mário Vitorino Gaspar


2. Nota adicional em relação ao documento (página 5 da caderneta militar) acima reproduzido

    
 Consta na minha "Caderneta Militar", e no meu "Processo Individual" – de que possuo uma cópia – que morri na Guiné a 12 de Outubro de 1967.

Só tive conhecimento das mortes do Furriel Miliciano nº 04412863, Vítor José Correia Pestana, natural da freguesia de Abitureiras, concelho e distrito de Santarém e do Soldado nº 00131466 António Lopes da Costa, natural de Cerva, concelho de Ribeira de Pena e distrito de Vila Real, em Bissau após o regresso de gozo de licença na Metrópole de 35 dias, entre Setembro e Outubro de 1967.

Ninguém me havia informado do acontecimento anteriormente. Encontrava-me junto do Hotel Portugal, após o desembarque em Bissau, quando ouvi alguém gritar pelo meu nome. Tratava-se de um camarada da CART 1659, que tinha sido evacuado para o Hospital Militar de Bissau.

Perguntou-me se sabia o que tinha sucedido. Interroguei-o, e disse-me terem morrido numa patrulha o Furriel Miliciano Pestana e o Soldado Costa, que estavam no destacamento de Ganturé.

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12578: Parabéns a você (677): Maria Ivone Reis, ex-Capitão Enfermeira Pára-quedista, 85 anos

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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12564: Parabéns a você (676): Bernardino Parreira, ex-Fur Mil da CCAV 3365 e CCAÇ 16 (Guiné, 1971/73)

domingo, 12 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12577: Fragmentos de Memórias (Veríssimo Ferreira) (9): Novembro de 1966 - Qual guerra?

1. Em mensagem do dia 7 de Janeiro de 2014, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos o nono episódio da sua série Fragmentos de Memórias.


FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS

9 - NOVEMBRO DE 1966

Qual guerra?

Erguia-me do leito nupcial... chegava o pequeno almoço de meio quilo de rim cortado ós códradinhos e frito quando não grelhado... a rega com a cervejola preta de 6dcl, café... digestivo... e acima de tudo com a companhia das minhas mulher e filha.

Bissau - Natal de 1966 - Veríssimo Ferreira com a sua filha

O que me era devido estava agora a ser pago, os privilégios continuavam, mas que me sentia mal, sentia, sabendo das dificuldades que a rapaziada ia tendo lá nas matas, donde as notícias continuavam a ser piores do que antes. Notava-se que as coisas não estavam bem, também e porque o IN estava a ser agora ajudado por mercenários cubanos, tendo o próprio Guevara por ali andado. Constava que combatera no Congo e que se oferecera para nos fazer frente, tendo depois desistido quando soube que éramos OS PORTUGUESES, os tais das "ARMAS E OS BARÕES ASSINALADOS".

Meteu o rabo entre pernas e foi pregar para outra freguesia. Mas, nos locais mais problemáticos, o cansaço ia causando estragos e só com muita valentia se ia dando conta do recado. Contudo, nunca a esses heróis se lhes deu a devida importância. Éramos então na Guiné cerca de 22 mil.

Certo dia chega uma comissão de estrategas americanos que vinham estudar como era possível, que com tão poucos ainda conseguíssemos por ali mandar. Ouvi o que disseram no fim e para além dos elogios às Tropas Portuguesas, sugeriam que só nós resolveríamos o conflito que eles mesmo tinham no Vietname e com forças vinte vezes superiores. Se mais não fosse, considerei-me satisfeito e pedi para que isso fosse transmitido para o mato, mas qual quê... iam lá atender ao pedido dum furriel.

O Natal de 1966 chegou e a festa fez-se, só que na hora da distribuição de prendas fui alertado para ir até ao Hospital Militar, e aquela que prometera ser uma feliz noite, transformou-se para mim num verdadeiro calvário.
Cinco dos nossos jaziam na laje fria.

A 28 fiquei de novo só, mas a vida tinha de seguir em frente... o fim do ano estava aí... fizeram-se os bailes... haja alegria... que se lixe se a dor continua... que se lixe se a guerra continua... que importa lá isso!!!
Também dancei... também bebi mais que todos os impávidos e serenos... também me exaltei...

E o ano de 1967, chegou cheio de hip's hip's e copos a transbordar, para aquelas gentes alegres que nem memória pareciam já ter. E eu a um canto chorava de tristeza e dor (e por isso mariquinhas me chamei) mas decidi e amandei-lhe com mais um Vat 69.

Tudo voltou depois à normalidade e eu ao meu trabalho, cada vez maior. Nos mentideros, ia-se ouvindo falar de coisas quase sem nexo, mas que confirmadas eram tão reais, como o facto de que onde estivessem Companhias de Açorianos, não havia mais lutas. Teriam sido zonas de perigo, mas que eles foram pacificando, constando-se até, que na mata se ouviriam gritos IN's de: "Fujam que são os Açorianos."

Mais constava que por isso é que os mandavam logo dali pra fora, pois que não convinha a muito boa gente, que a guerra terminasse. Coisa estranha... não é?
Como é possível admitir que haja a quem não conviesse acabar com a guerra? Maldizentes... pensei eu, qu'até conhecia de quem falavam.

Conhecia eu e conhecemos todos decerto, particularmente os milicianos (furriéis e alferes) que na mata comandaram substituindo quem o devia e ganhava para o fazer. Cala-te boca...
Honrosas excepções existiram também, de gentes dos quadros profissionais, que se enlameavam nas bolanhas... que não abandonavam os seus e qu'até abominavam o ar condicionado.

Entrementes fui-me cultivando desaprendendo. Desaprendendo com aquele gente teórica, que não passara, pelas Mansabás, Manhau's, Bissorã, Guileje, Madina do Boé e quejandos, mas que enchiam o peito, com o pseudo-heroísmo balofo, jamais vivido.

Comecei a conhecer os verdadeiros significados doutras palavras, tais como: Medo... ganância... traição... demagogia... deserção... subserviência... engraxadorismo... lambe-botas... o que convenhamos era demasiado para o labrego que eu era e que só fora habituado a ser honesto.

E como combati para assim me manter!!!
Não foi fácil porque o aliciamento era mais que muito.
Consegui sair intacto embora me tenha tornado mais rude e desesperado com a porca da vida, mas mais que nunca, preparado para a enfrentar e enfrentei.

Azedo fiquei?
Talvez... mas valeu a pena que continuo com uma consciência pura e bela e que jamais me condenou.
Quiseram que entrasse em palhaçadas? Pois quiseram, mão não conseguiram, fiquei apenas pobre, mas isso já era.
Quiseram recalibrar-me? Pois quiseram, só que nessa altura viram a G3.

Estão a querer fazê-lo de novo em 2014?
Pois estão... mas tenham cuidado e sejam carinhosos, que ainda estou assadinho... e nem o talco tem resultado.
Não me codilhem mais, meninos do governo, senão vou-me a vocês e decerto não se salvarão dumas palmatoadas, ou então obrigar-vos-ei a comer uma dobrada liofilizada com feijão branco, à moda do K3.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12518: Fragmentos de Memórias (Veríssimo Ferreira) (8): Meados de Julho de 1966, O futebol move montanhas e o Natal de 1966 passado com a família

Guiné 63/74 - P12576: Os nossos camaradas guineenses (36): Abdulai, meu irmão!... Recordando quatro valorosos milícias de Guileje: Sátala Colubali, Camisa Conté, Abdulai Silá e Sargento Samba Coiaté (Manuel Reis, ex-Alf Mil Cav, CCAV 8350, Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã, Colibuia, 25/10/72 - 27/8/1974]


1. Mensagem de Manuel Reis [, ex-Alf Mil Cav, CCAV 8350, Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã, Colibuia, 25/10/72 - 27/8/1974], com data de 13 de dezembro último:


Caros amigos Carlos e Luís:

Trata-se de um pequeno texto de agradecimento a todos os africanos que, na guerra da Guiné, muitas vezes nos serviram de escudo protector. Fica ao vosso critério a publicação, ou não, deste texto.


2. Abdulai, meu irmão

por Manuel Reis


Por vezes, dou comigo a pensar no destino triste e por vezes dramático dos nossos amigos guinéus, os que partilharam connosco a tortura da guerra e a população anónima, que se acolhia sob a nossa protecção. Muitos já não estão no reino dos vivos, ou porque foram mortos após a nossa retirada, como represália, ou porque a erosão provocada pela guerra insensata causou danos irreversíveis, ou porque as deficientes condições de saúde e/ou alimentação apressaram a sua partida.

Quase todos os ex-combatentes sentem uma dívida de gratidão, por todos os que, estando do nosso lado, se expuseram de modo a salvaguardar a nossa integridade física.

Recordo aqui alguns nomes, desta gente anónima, com quem partilhei alguns momentos e que a memória se recusou a enviar para o caixote do lixo. Não passa de um gesto simbólico de agradecimento a camaradas e amigos que já partiram.

Sátala Colubali, Camisa Conté, Abdulai Silá e Sargento Samba Coiaté eram milícias em Guileje, tendo cada um destes ex-combatentes uma missão diferente a desempenhar dentro do grupo.




Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 3518 (1972/74), "Os Marados de Gadamael" >  "Dois dos melhores soldados milícias que nos acompanharam em Gadamael. O da direita, Camisa Conté, viria a falecer em 1973 quando das batralhas de Guileje e Gadamael". Foto do nosso saudoso  camarada  Daniel Matos [1950-2011, ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74].


Comentário (postetior de Manuel Reis: "É feliz a foto do camarada Daniel Matos. Do lado esquerdo está Camisa Conté e do lado direito o Sátala Colubali, duas referências do meu texto."... E eu (LG) acrescento: "São tão raras as fotos dos nossos camaradas guineenses!"... 

Foto (e legenda): © Daniel Matos (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


Sátala Colubali assumia o Comando de Grupo, na ausência de Samba, e distinguia-se pelo empenho e cuidado que colocava em cada missão, que lhe era destinada. A presença dele, em qualquer missão, era sinónimo de segurança e tranquilidade para todos os combatentes. Sabia o terreno que pisava, fruto da experiência dos muitos anos de guerrilha.

Camisa Conté actuava clandestinamente, entre o cair da tarde e o amanhecer do dia seguinte. A sua actuação residia na colocação de minas e armadilhas junto da fronteira ou dentro do próprio território da Guiné-Conacky. Saía só, pelo cair da tarde, com uma sacola aos ombros e a G3 a tiracolo. Estas surtidas obrigavam a um certo cuidado na desactivação das armadilhas do trilho, que ele utilizava e aos responsáveis pela vigilância do aquartelamento, quando do seu regresso ao romper do dia. Esta tarefa tinha, por vezes, algum êxito, a dar crédito nas informações que nos chegavam. Não era do meu gosto este tipo de actuação, mas o reconhecimento por todo este trabalho está fora de causa.

Estes dois amigos e camaradas vieram a falecer no mesmo dia, finais de Abril de 73, nas imediações do aquartelamento, quando Camisa Conté procedia ao levantamento de um engenho anti-carro, colocado no troço de estrada que ligava ao Mejo, recém-aberto. O Sátala que sempre se recusara a trabalhar com tal material, nesse dia fatídico, resolveu acompanhá-lo. Eram homens estimados e admirados por todos, combatentes e população. Um grito de dor, em uníssono, ecoou pela mata cálida de Abril, quando os restos mortais dos dois nos aparecem embrulhados numa camisa de um dos milícias. Permanecem na memória de todos como símbolos vivos de uma amizade, feita de convívio, luta e sofrimento .

Abdulai Silá, era um dos Homens-Grandes, tinha atravessado todo o período da guerra. Já com idade avançada, acima dos 40 anos, era o nosso guia. Detectava a presença do IN a uma distância considerável, pelo seu olfacto apurado e pela sua experiência de 10 anos de guerrilha. Muitos episódios partilhei com ele, em missões de maior risco, pois só nessas participava, dada a sua idade não se coadunar com um grande desgaste físico.

Vou citar apenas duas dessas acções:

Um dia foi-me atribuído um patrulhamento nas imediações da fronteira, onde o contacto com o PAIGC tinha um grau de probabilidade elevado, por ser um trilho de reabastecimento do PAIGC, que se dirigia a Gandembel e aí inflectia para dentro da Guiné, seguindo o mítico corredor de Guileje. A 100 metros do trilho Abdulai chama-me e comunica-me a presença de grupos de combate do PAIGC. Alerta-me para as possíveis consequências negativas de um confronto, pelo facto de as nossas tropas se mostrarem um pouco inquietas. Conjuntamente com ele e com o comandante do outro grupo de combate decidimos não arriscar. Nunca esqueci as palavras amigas e sábias de Abdulai, nesse momento: “Nós, se morremos, morremos na nossa terra, junto da nossa família, enquanto vós estais longe da família”.

Uma das missões mais complicadas que me foi atribuída, foi a montagem de uma emboscada no Corredor de Guileje. Exigia-se a presença do Abdulai para com ele e com o Alferes Lourenço, o melhor amigo [, de seu nome completo, Vitor Paulo Vasconcelos Lourenço, e  que viria a morrer, por acidente em 5/3/73],  delinearmos o trajecto, dada a densidade da mata e a dificuldade de progressão. O trajecto foi dividido em duas partes, pelo facto de ser necessário abrir um novo trilho, por questões de segurança.

No 1º dia fizemos metade do percurso e no final armadilhámo-lo com uma granada defensiva, o que desagradou a um chimpanzé que resolveu accioná-la. A conclusão do percurso fez-se passados três dias. Chegados ao local, previamente determinado, a detecção da nossa presença foi de imediato assinalada por um tiro de kalachnikov. A situação era delicada, o local era muito bem controlado pelo PAIGC. Abdulai aconselhou-me a retirar do local, dada a previsível violência do embate, fazendo fé nos embates anteriores com as nossas forças especiais, noutros momentos, e sempre ao nível de Companhia ou Batalhão. Era urgente abandonar o local. A emboscada abortou, após prévio reconhecimento do local e uma breve conferência com o Abdulai e o Lourenço. O conhecimento da actuação do inimigo, nesta zona, foi valioso para uma tomada de decisão.

De quando em vez Abdulai vinha a Bissau gozar uns dias férias e, sempre que o fazia, solicitava ao Comandante de Companhia a não atribuição de missões muito arriscadas na sua ausência.

Abdulai morreu em Gadamael, atingido por um estilhaço, no final do dia, com perfuração pulmonar. Foram imensos os apelos para que o helicóptero, que ainda se encontrava em Cacine, o transportasse para Bissau, mas tornou-se impossível, dada a proximidade da noite e o risco do voo.

Do Sargento Samba [Coiaté], lembro o seu espírito de sacrifício, quando no ar já se sentia o cheiro da guerra, que se aproximava com toda a violência. Comandava o seu grupo, já muito reduzido, no dia 18 de Maio de 1973, com a missão de detectar a existência de minas na picada, que ligava Guileje a Gadamael. De repente gerou-se entre eles uma enorme discussão, cuja razão de ser não consegui entender. Falavam em crioulo e a sua conversa até chegou a ser escutada pelo grupo do PAIGC que se encontrava emboscado a 30/40 metros.

Alertei-os para a gravidade de tal atitude e Samba, num gesto repentino de revolta, assume a dianteira dos seus homens e 30/40 metros à frente detecta um fio eléctrico, que as gotas de água, caídas durante a noite, puseram a descoberto. Atingido, com um tiro no pescoço, teve morte imediata. Este sacrifício impediu que os restantes combatentes caíssem na zona de morte, que se estendia ao longo de 100 metros, com os guerrilheiros do PAIGC bem protegidos em valas construídas para o efeito e com a picada bem armadilhada com 20 minas, electricamente comandadas.

A todos o meu Bem-haja. Aos que partiram o meus desejo que Repousem em Paz.

Com as cordiais saudações natalícias.

Um abraço. Manuel Reis

P.S. Segue uma foto mais actualizada.      

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Nota do editor:

Úlotimo poste da série > 8 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10501: Os nossos camaradas guineenses (35): O Dandi, manjaco, natural de Jol, que eu conheci... (Manuel Resende / Augusto Silva Santos)

Guiné 63/74 - P12575: Historiografia da presença portuguesa em África (46): Angola, Diamang, Cmdt Vilhena, gen Norton de Matos, Cunha Leal, Salazar... Tanta coisa que não sabemos (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis, com data de 9 do corrente


Assunto: Diamang, Cmdt Vilhena, Cunha Leal - tanta coisa que não sabemos

Caros amigos Luís, Rosinha e C.Martins

Estive de férias e não vi atempadamente o poste da iniciativa do Mário Vitorino Gaspar (*), que se refere àqueles três ítens, a que poderia junar-se outro sobre Salazar e os negócios de Estado, no caso vertente sobre as colónias. 

Sobre a Diamang [, vd. aqui fabuloso arquivo digital, com mais de 6 mil imagens], convém desde já referir que se tratava de uma empresa público-privada, detida maioritariamente pelo Estado, e que registava uma dispersão do restante capital, tanto por pequenos investidores, como pelas grandes empresas (internavcionais) do trust. Detinha por contrato com o Estado a exclusividade de prospeção e exploração diamantífera em Angola.

Trabalhei na Companhia de Maio/72 a Dezembro/74. Tive lá um tio durante inúmeros anos, que pediu a aposentação em 1973, quando se preparava um atentado ao interesse português, com a cedência de "claims" (áreas de exploração), quando no inicio dos anos setenta foi criada a Condiama, onde se invertia a proporcionalidade de importância dos accionistas: a maioria do capital era detida pelas empresas do "trust", enquanto ao Estado ficava reservada uma posição minoritária.

Mas a questão foi além disto e a promiscuidade era latente para uns poucos funcionários atentos e com oportunidade de constatar a situação. Havia técnicos sul-africanos a cirandar pelos corredores da Companhia, e os diamantes provenientes da actividade da Condiama eram canalizados para a Estação Central de Escolha da Diamang, em Andrada. Na época, eram responsáveis máximos pela Diamang em Angola, os engenheiros Mexia e Matos, respectivamente director-geral, e director-técnico.

Na época, também, o eng Krus Abecasis, administrador-geral, era citado pela revista Paris-Match como beneficiário de um dos maiores rendimentos entre os executivos europeus (ou mundiais?). Como agora, os executivos nacionais impunham-se aos estrangeiros.

Eu trabalhei inicialmente nas explorações mineiras, mas ainda em 1972 fui transferido para a ECE, depois de uma breve passagem pelo MD-5 (central de meio-denso), por uma lavaria de que não recordo o nome, e pela lavaria dos ensaios.

Talvez o Mário se lembre de um colega da Dialap, o João Brás, que fui encontrar na estação. Ali chegado, pedi logo transferência para regressar às minas, o que só veio a acontecer em Setembro/Outubro de 74.

Portanto, e descontando pormenores que não sei, bem como a corrosão da memória, a verdade é que os diamantes, quer da Diamang - o grosso, quer os da Condiama, eram tratados em separado, mas guardados na ECE até às exportações.

Uma ocasião o meu tio cruzou-se com um sul-africano no corredor de acesso ao gabinete, que o indagou provocatoriamente: ainda cá está?

Do que se expõe, não será díficil inferir, que a actividade da Diamang, a prazo, perderia rentabilidade, em favor da Condiama, e que o "trust" passaria a tirar muito mais proveito da riqueza portuguesa. Li alguns relatórios do Banco de Angola, e era curioso que faziam referência às dificuldades de colocação nos "mercados" da produção da provincia, quer de produtos minerais, quer de produtos agrícolas, geralmente tutelados pelos institutos (do café, do algodão,etc). E o valor do quilate angolano (as melhores gemas no cotejo internacional), era comparável a valores de explorações insigificantes, como na Libéria, ou na URSS, relação não dada a conhecer.

O Comandante Ernesto Vilhena [Ferreira do Alentejo, 1876 - Lisboa, 1967; fotos á esquerda, cortesia de  José Adelino Maltez, ] foi um rico colecionador de arte e de antiguidades. Era, obviamente, íntimo de Salazar. As companhias coloniais detinham acervos de administradores oriundos de funções políticas, pelo que representavam excelentes recursos nas relações com o Estado. Por outras palavras, estavam ao serviço dos grandes accionistas, numa promiscuidade idêntica à actual (vide a quantidade de ex-ministros que mexem cordelinhos em administrações de empresas-públicas).



Cunha Leal  [, foto á direita, cortesia da Wikipédia, ] foi sempre lutador, quer por ideais, quer pela defesa dos interesses nacionais, quer pela defesa dos seus próprios interesses. Curiosamente, foi um obstinado opositor de outro português que governou Angola, e concitou o ódio das empresas coloniais (através da actuação da maioria de deputados da A.N: - Assembleia Nacional ), o Gen  Norton de Matos [Ponte de Lima, 1867 - Ponte de Lima, 1955], que tentou repetidamente estabelecer regras de contratação laboral, que dignificassem os nativos.

Depois de se demitir de ministro, Cunha Leal ], Penamacor, 1888-. Lisboa, 1970] não voltou a dar descanso ao poder. São fáceis de adquirir alguns títulos seus, edições de autor, que o comprovam substancialmente. Em "A Pátria em Perigo", 1962, apontava como solução para Portugal, a adopção dos princípios estabelecidos na Carta das Nações que se reportavam à autodeterminação, beneficiando do prazo de 30 anos para incremento da autonomia política, social e económica, que poderia ser objecto de referendo sobre a escolha das populações: independência, ou auto-determinação. O futuro do ultramar poderia ter sido bem diferente, pacífico, e próspero.

Mas Cunha Leal é também autor de outro tìtulo, "Coisas do Tempo Presente", 1957, que se refere a anómalias na gestão da Diamang, de que era um pequeno accionista, que congregava outras minorias, e reproduz alguns mimos trocados em assembleias-gerais com o Cmdt Vilhena. Essas picardias, resultavam da acusação de gestão dolosa/danosa, com relevantes prejuízos que apontava na direcção do interesse público. tema actual, qual ciclo vicioso!

Salazar [Santa Comba Dão, 18989 - Lisboa, 1970], que de tudo isso tomava conhecimento, mantinha-se à parte, não intervinha, e parecia submeter-se ao interesse estrangeiro. No entanto, o ditador parecia - e há quem o garanta, como o seu biógrafo Franco Nogueira - manter apreço pelo antigo ministro. Ainda tenho outros dois títulos: "Ilusões Macabras" e a "Gadanha da Morte". Aparecem nos alfarrabistas. (**)

Com abraços

JD

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12538: Recordações de um "Zorba" (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68) (4): Elementos para a história e a cultura da nossa presença em África: o antropólogo Augusto Mesquitela Lima, refundador do Museu do Dundo / Diamang, e o comandante Ernesto Vilhena, administrador-delegado da Diamang


(**) Último poste da série >  23 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11298: Historiografia da presença portuguesa em África (44): Evolução do estatuto político-administrativo da Guiné, desde 1890 até à independência (José Gouveia, ex-fur mil, CART 1525, Os Falcões, Bissorã, 1966/67)

sábado, 11 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12574: Blogoterapia (246): Uma história de vida contada na primeira pessoa (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


UM AVC QUE NÃO DEU TRÉGUAS E QUE TENTOU 
DIZIMAR ESTE JÁ GASTO COMBATENTE DA GUINÉ


UMA HISTÓRIA DE VIDA CONTADA NA PRIMEIRA PESSOA


Quando no ano de 2011 integrei o grupo de antigos combatentes que marcaram presença no almoço do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, em Monte Real, vislumbrei desde logo um caminho que eventualmente poderia transportar-me a outros trilhos, apenas sonhados mas entretanto vedados, por motivos aliás que se prenderam em exclusivo com a minha atividade jornalística desportiva durante cerca de 30 anos, sendo que a partir dessa fonte de inspiração me ressaltaram à mente um rol de eternas recordações que guardo religiosamente no meu álbum sobre a Guiné.

O desafio a Monte Real foi-me lançado pelo meu grande amigo e camarada RANGER Pedro Neves, que me lançou dicas sobre o reencontro de velhos camaradas que, transversalmente, cruzaram o solo de uma Guiné que jamais ousou dar folgas ao destemido jovem soldado sem medo atirado então para a frente de combate.

Como piriquito assumi a minha primária presença nesse encontro, dissequei momentos inesquecíveis dos nossos tempos de Guiné com outros camaradas, e resolvi de pronto partir para a elaboração de um livro onde trouxe a público uma obra, a quinta do meu pecúlio, intitulada “GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU 1973/74”, histórias de um furriel miliciano – Operações Especiais/Ranger – que cruzou a guerra com a paz.

Confesso que essa viagem a Monte Real configurou, para mim, como mais um desafio às minhas capacidades motoras, uma vez que as limitações do meu AVC, ocorrido na madrugada do dia 27 de julho de 2006, impunham, obviamente, algumas restrições, embora calculadas, mas que representaram no final mais uma batalha vencida.

Ao volante do meu carro, adaptado claro, galguei quilómetros, desafiei virtuais adversidades e a viagem Beja-Monte Real-Beja, saldou-se como uma rixa vencida.

Não me restam hoje dúvidas, ainda que devidamente controladas, que a inquietação de vencer os males do meu AVC, que me levou a jamais atirar a toalha ao chão e não me deixar cair em pressupostos desesperos, reforço, tem tingidas auréolas de um antigo combatente e de uma especialidade ranger que muito me ensinaram a vencer as intempéries deparadas numa vida que já vai longa, mas onde residem substanciais resquícios de obstáculos de outrora ultrapassados na peleja de uma Guiné que continua sempre presente em nós.

AVC ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL NA PRIMEIRA PESSOA, foi um livro que lancei em 2009 e que me tem proporcionado vários encontros nacionais, sendo o propósito transmitir aos outros que a enfermidade, a nossa, não deverá ser encarada como um fim, mas como o início de uma nova vida na qual teremos de procurar alternativas, que as temos, para solucionar o problema entretanto deparado.

Reconheço, por que é certo, que o AVC é, também, uma das principais causas de morte. Todavia, os que por cá ficam têm que saber lidar com as consequências deixadas pela doença. Saber gritar bem alto que somos na realidade vencedores e não simples malabaristas num palco circense universal.

Neste contexto, convido todos os camaradas para verem este vosso amigo e antigo combatente da Guiné no programa "CONSIGO", RTP 2, no dia 1 de fevereiro, sábado, pelas 11h00, onde citarei a minha inequívoca recuperação de um AVC que tentou levar-me desta vida terrestre, mas cuja emboscada se saldou, por enquanto, numa contundente vitória.

Resta-me publicamente agradecer ao nosso camarada Luís Graça, assim como aos seus fiéis editores, a disponibilidade oferecida pelo nosso blogue por alguns dos textos por mim aqui publicados, sendo certo que alguns deles abriram uma janela, também além-fronteiras, para uma outra visibilidade dos tempos da guerrilha guineense. A menina de Gabu, uma criança nascida dos "Filhos do Vento", por exemplo, espelha uma irreversível verdade com contornos agora sobejamente conhecidos.

Esta reportagem do programa CONSIGO é da autoria de Dora Alexandre, uma jornalista que me descobriu através do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. OBRIGADO!


Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de MR:

Guiné 63/74 - P12573: O nosso livro de visitas (175): Era amigo do malogrado Carlos Alberto Graça Gonçalves, em Alfama, o "Manjerico" e, na Ponte Caium, o "Charlot", do 3º Gr Comb / CCAÇ 3546 (Piche, 1972/74) (Artur Barata)

1. Dois comentários do Artur Barata (que está a seguir o nosso blogue e que foi combatente em Angola, na 3ª C / BCAÇ 4515/73) [, foto à direita]:


(i) Comentário ao poste P6042 [Tabanca Grande (209 ): Jacinto Cristina...


Amigo [Jacinto Cristina],  fiquei feliz por o ter encontrado, sendo da CCAÇ  3546 e BCAÇ 3883.
Pois eu também sou um antigo combatente, mas o que me leva a escrever é porque um amigo meu dessa companhia faleceu aí na Guiné no dia 14 de junho de 1973: era o Carlos Alberto Graça Gonçalves, natural de Lisboa, Alfama , conhecido entre os amigos como Manjerico.

Ele era meu amigo de infância. Quando ele veio passar férias, um pouco antes da sua morte, tivemos juntos uns dias, pois eu estava em Santa Margarida a tirar o IAO para ir para Angola. Por isso não pude ir ao seu funera.

Ele esta no Alto São João no Talhão dos combatentes, já lá fui prestar a minha Homenagem. Mas o que eu queria saber é se tem alguma foto dele ou se sabe dar o contacto de alguém que tenha.

Já agora a morte dele foi numa operação ou numa coluna ?


(ii) Comentário ao poste P8061: (De)Caras (7): Reconstituição...

Agora acabei de saber que o Carlos Alberto Graça Gonçalves tinha a alcunha, na vossa companhia, do Charlot. Para mim era um irmão e era em Alfama o Manjerico. Nas férias dele convivemos bastante e quando nos despedimos ele ia para aí, para a Guiné, e eu para Angola. Ele fartou-se de jurar e a dizer que não queria voltar. E eu fui um dos culpados porque nunca pensei que vinha o 25 de Abril. Sei que tem uma filha, que a vi nesses dias e nunca mais a vi.


Grande amigo grande irmão, que saudades, uem tiver uma foto dele por favor enviem para arturbarata18@gmail.com

Um abraço para todos os companheiros de guerra.

Atentamente, Artur Barata.

PS - Se quiser ver o site feito por mim,  da minha companhia,  a 3ª CCAÇ / BCAÇ 4515/73,  aqui vai o link http://companhiadecacadores4515.blogspot.pt/





Guiné-Bissau > Região de Gabu > Piche > Ponte Caium > Memorial aos mortos da CCAÇ 3546 (1972/74): "Honra e Glória: Fur Mil Cardoso, 1º Cabo Torrão, Sold Gonçalves ["Charlot"], Fernandes, Santos, Sold AP Dani Silva. 3º Gr Comb, Fantasmas do Leste. Guiné- 72/74"...

O Fur Mil Op Esp Amândio de Morais Cardoso, natural de Valpaços, morreu aqui, vítima de uma aramdilha que ele montava e desmontava com regularidade, na margem do rio...A trágica ocorrência foi no dia 19 de Fevereiro de 1973. Os restantes morreram numa emboscada entre a Ponte Caium e Piche, 14/6/1973..


Foto: © Eduardo Campos (2010). Todos os direitos reservados

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Nota do editor:

Último poste da série > 27 de dezembro de 2013 >  Guiné 63/74 - P12512: O nosso livro de visitas (174): Camarada não identificado, pertencente ao Pel Caç Nat 61 de Cutia, comandado pelo ex-Alf Mil Simeão Ferreira que hoje é médico nas Termas de Monte Real

Guiné 63/74 - P12572: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (6): Cuidado com as aparências




1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74), com data de 7 de Janeiro de 2014:

Carlos
Antes de mais, votos de boa saúde extensivos a todos quantos passaram por terras da Guiné.



PEDAÇOS DE UM TEMPO

A foto deste vosso ex-camarada no dia em que chegou a Mansambo, depois de um mês de férias na metrópole. Vinha de levantar algum equipamento que tinha deixado na arrecadação, se tive dias difíceis de passar, este foi um deles, ao ponto de ainda não o ter esquecido.


Hoje vou falar da minha primeira viagem de avião e, de dois camaradas que viajaram comigo.

6 - CUIDADO COM AS APARÊNCIAS…

Nem sempre aquilo que parece é; na madrugada do dia vinte e quatro de Janeiro do já distante ano de mil novecentos e setenta e dois, juntei-me a vários camaradas no quartel dos Adidos, em Lisboa, tendo como destino viajar até à então província ultramarina da Guiné.

Apesar da noite estar preste a dar lugar ao dia quando o avião em que viajamos levantou voo, ainda toda a cidade se encontrava iluminada. Para quem como eu, era a primeira vez que viajava em tal meio de transporte, foi qualquer coisa de espetacular.

A sensação que tive era de irmos a sobrevoar uma enorme montanha toda iluminada. Passados os primeiros momentos em que a curiosidade, a expectativa e alguma incerteza deram lugar à “tranquilidade possível”, era chegado o tempo de conversarmos um pouco e, logo procuramos saber se algum de nós tinha como destino a mesma Companhia.

Até chegarmos a Cabo Verde fomos pondo a conversa em dia, com o avançar das horas, no velho e lento avião, comecei a sentir alguma descompressão, apesar das ideias completamente baralhadas. Era chegado o momento da primeira aterragem, no aeroporto dos Pargos, na ilha do Sal e, nova sensação até então para mim desconhecida. Depois da conversa que tive com os camaradas de viagem fiquei a saber, dos que íamos, dois iam comigo para o Leste, para a Cart 3493, que tinha como destino Mansambo, o Batalhão de que fazia parte a Companhia com os nossos futuros camaradas já tinha partido de barco há cerca de um mês. Soube também que ambos tinham já mais de ano o meio de tropa, alguns problemas disciplinares levaram a que só agora fossem mobilizados.

O primeiro juízo que fiz, erradamente, foi que, provavelmente não seriam os melhores colegas para quem como eu gostava das coisas muito “certinhas”. Só depois soube que o Agostinho era condutor, tinha tido um acidente pouco relevante, mas enquanto o auto não foi resolvido, não foi mobilizado, só por isso ia agora. O Vila Cova devia ir como furriel, mas alguma coisa não correu bem, foi mobilizado como soldado.

Mas a realidade cedo provou que eu fizera um juízo errado acerca dos meus camaradas. O Vila Cova, ao chegar à Companhia foi colocado na secretaria, bom colega nada conflituoso, tinha apenas o inconveniente de por vezes reagir mal a determinados pequenos acontecimentos, que para a maioria não tinham nenhuma importância… apesar de muito tempo já ter passado, ainda recordo o sofrimento e desorientação que uma abelha lhe provocou ao deixar-lhe o respetivo ferrão cravado no rosto, num dia em que seguíamos em coluna para Bafatá, pouco depois de termos passado pela povoação de Afiã.
O Agostinho, um dos bons amigos que tive durante todo o tempo de comissão, tinha como principal defeito, uma qualidade que poucos tinham, parecia só estar bem a trabalhar.

Entre outras provas do seu valor, recordo uma noite em que foi necessário fazer uma coluna a Bambadinca, para evacuar um camarada que tinha acionado uma mina, num dos patrulhamentos que normalmente faziam quando estávamos em Mansambo. O Agostinho logo se disponibilizou para seguir na frente da coluna com a GMC sem que a estrada tivesse sido picada, como em condições normais sempre fazíamos.

Durante o tempo de comissão demonstraram que afinal o menos interessante do grupinho que viajamos para mesmo local era mesmo eu. Ao longo da vida somos confrontados com situações assim. Quando nos acontecem é bom não as esquecermos, para não voltarmos a fazer juízos errados.

António Eduardo Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10871: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira) (5): O whisky não era para todos

Guiné 63/74 - P12571: Bom ou mau tempo na bolanha (42): O navio Uíge (Tony Borié)

Quadragésimo segundo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.



O diário do Cifra, quando se abriam algumas páginas, era horrível, triste, às vezes era melhor mudar de página, pois lá só havia rabiscos, que pareciam letras, talvez fosse escrito em momentos de aflição, ou então devia de ter acabado de fumar algum cigarro feito à mão, estavam lá coisas assim, o Cifra, vai só mencionar algumas, onde as palavras se conseguem coordenar e também vai “amaciar” as palavras, porque a linguagem é um pouco parecida com a do Curvas, alto e refilão.

Dia 2 de Setembro, que devia de ser de 1964
O comando prendeu um africano, que por duas vezes se tentou suicidar na prisão, antes, era muito estimado por alguns no aquartelamento, principalmente pela polícia do estado, pois era ele que ajudava essa polícia, servindo de carrasco, com um chicote nas mãos, a interrogar e servindo também de intérprete, quando havia interrogatório aos prisioneiros. Tinha toda a liberdade, passeava-se pelo aquartelamento em construção, fazendo perguntas, entrando e saindo onde bem queria, parecia tal e qual a polícia do estado, vivia na aldeia que existia próximo do aquartelamento, tinha quatro mulheres, para as quais levava comida e não só, do aquartelamento. No parecer dessa mesma polícia do estado, era um guerrilheiro disfarçado. As quatro mulheres ficaram viúvas, pois ele foi evacuado de helicóptero, não sabe o Cifra para onde, pois nunca mais o viu no aquartelamento, nem na aldeia. Mais tarde, houve uma notícia, que nunca foi confirmada, que tinha morrido por “acidente”, na capital da província. 

Mudando de página, vem lá assim:
Dia 13 de Março, que devia de ser de 1965
O Cifra veio à capital da província, no carro dos doentes, sem licença, portanto “desenfiado”, porque chegava o navio “Uíge” com tropas novas, onde devia vir um amigo da região do Cifra em Portugal, que trazia uma encomenda da mãe Joana. 
Quando deixou o carro dos doentes, no hospital, arranjou uma boleia num jeep para o cais de embarque. Pelo caminho tiveram um acidente com outra viatura militar, mas antes de vir a Polícia Militar, o Cifra abandonou o local a mancar, porque não tinha autorização para se deslocar à capital da província. Foi com dores até ao cais, mas quando lá chegou o amigo já tinha desembarcado e seguido com o seu batalhão, levando a encomenda da mãe Joana, não sabe o Cifra para onde.

Triste e com dores, sentou-se no muro, que também fazia de banco, na beira do rio, com a maré baixa, calor húmido e sufocante, o barco lá ao longe um pouco inclinado, pois devia de estar com o casco a bater no lodo, esperando a maré cheia. Tinha saído pela manhã de Mansoa, no carro dos doentes, a caminho do hospital, contente e sem qualquer dor, e regressou à tarde triste e cheio de dores, vindo do hospital.
Durante a viagem de regresso começou a pensar no barco inclinado, que no seu pensamento talvez estivesse a ir ao fundo, e um dia, no futuro, já não o levaria de regresso à Europa. 
Naquele momento o barco devia de estar sem militares vestidos com um camuflado novo, que já tinham desembarcado, talvez prontos ou não, para uma guerra, num cenário muito longe de onde eram oriundos, no próximo dia, talvez com a maré cheia, iriam embarcar novos militares, mais velhos dois anos, com o camuflado velho, roto e coçado, fartos de guerra, e também já não teria o peso do equipamento bélico, que tinha transportado da Europa, que devia ser, armas, canhões e explosivos, que talvez servissem para matar pessoas, mas no pensamento do Cifra, o barco estava inclinado, quase a ir ao fundo, pois a maré estava baixa, e o Ilhéu do Rei, que se via do lado de lá do barco inclinado, com paisagem africana, e não europeia, mais parecendo um vigilante, com os olhos muito abertos, a ver quem entrava e saía do rio. 

Entretanto o carro dos doentes chegou a Mansoa, alguém ajudou o Cifra a saltar do veículo militar, e o sacana do Curvas, alto e refilão, que o esperava, junto do Setúbal, do Trinta e Seis, do Marafado, do Mister Hóstia e do Furriel Miliciano, a fumar o cigarro feito à mão, pois estavam à espera de abrir a encomenda, e comerem e beberem o que a mãe Joana tinha mandado para o seu filho, que andava na Guiné a dar o corpo às balas, diz-lhe a sorrir: 
- Porra, a encomenda devia de ser grande, até vens a mancar com o peso!

O Cifra fechou o diário, com receio que lhe explodisse nas mãos!.

Tony Borie, 2010
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12514: Bom ou mau tempo na bolanha (41): "Contra-guerrilheiro"

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12570: Fábricas de Soldados - Localidades e Unidades Militares do Exército por onde passámos (José Martins) (5): G - Localização dos Órgãos, Unidades e Serviços do Exército (1961-1974) (4): Municípios de Mafra, Odivelas, Oeiras, Paço de Arcos, Penafiel, Penamacor, Ponta Delgada, Portalegre, Porto, Póvoa de Varzim, Queluz, Sacavém e Santa Margarida




1. Quinta parte da série "Fábricas de Soldados", trabalho do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5 - "Gatos Pretos", Canjadude, 1968/70), enviado ao nosso Blogue em mensagem do dia 18 de Dezembro de 2013:















(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12558: Fábricas de Soldados - Localidades e Unidades Militares do Exército por onde passámos (José Martins) (4): G - Localização dos Órgãos, Unidades e Serviços do Exército (1961-1974) (3): Município de Lisboa

Guiné 63/74 - P12569: E fazíamos grandes jogatanas de futebol (4): Futebolices em Mampatá e a CART 2519... (Mário Pinto)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a seguinte mensagem.


Camaradas,

Já que estamos numa de futebolices, Mampatá e a CART 2519 não podiam ficar indiferentes ao pontapé na bola que salutarmente se fazia naquela altura por lá.

Ficaram célebres algumas peladinhas que fazíamos com a inclusão do Capitão da Companhia, que aliás era o próprio a incentivar o pessoal para a mesma. Entretanto aproveitavámos a peladinha para lhe aplicar umas valentes caneladas de amizade que levava o mesmo, muitas vezes, a queixar-se e com hematomas nas pernas, tal era a dose.

Chegou-se também a fazer um Campeonato com as Companhias de Aldeia Formosa, respectivamente, CART 2521 e CCAÇ 2616 e CCS do Batalhão, que ficavam a cerca de 7Km de nós.

O nosso Vagumestre e o Fur Mil José Alberto Gonçalves, do Pel Caç Nativos, chegaram mesmo a criar uma escola de djubis de Mampatá onde ensinavam algumas práticas da modalidade.

O Futebol  nem sempre foi uma constante da nossa Companhia, pois nos primeiros tempos a intensidade e o empenhamento na construção da estrada Buba-Aldeia Formosa era tal que a nossa disposição para qualquer coisa era nula. Só mais tarde e depois de nos termos fixado na Tabanca é que criámos condições para a sua prática com o fim de nos recrearmos nos momentos de descanso..... 

Junto algumas fotos desses tempos, com maior predominância sobre as escolas de Jubis de Mampatá.  [Seguem algumas fotos desses bons tempos].








Um abraço a todos
Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519 
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Nota de M.R.: 


Vd. último poste desta série em: 

9 DE JANEIRO DE 2014 > P12561: E fazíamos grandes jogatanas de futebol (3): O 'Jogo da Bola' nos intervalos da guerra: os craques da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) ... (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp)

Guiné 63/74 - P12568: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (29): O que os rapazes dos cachecóis precisam de saber: que o Eusébio foi um português muito especial, que ajudou a escrever uma página muito especial da história de Portugal, da Europa e de África...


1. Texto enviado, em 8 do corrente, pelo António Rosinha [, fur mil em Angola, 1961/62, foto à esquerda; topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979: ou, como ele gosta de dizer,colon, em Angola, de 1959 a 1974; cooperante na Guiné-Bissau, de 1979 a 1993; membro da nossa Tabanca Grande desde 29 de novembro de 2006]:


Assunto: De Gungunhana a Eusébio ou de Mouzinho de Albuquerque a Maurício Vieira de Brito e Tudela e os rapazes dos cachecóis


Tem gente que com um grão na asa dá-lhe para cantar, uns dá-lhe para o fado, outros coisas de Joselito e passodobles, e há um amigo meu que por tudo e por nada, após o café e bagaço saía-lhe o Kanimambo.

Um dia, ainda antes do café e do bagaço disse ao "jovem", na casa dos 50 que João Maria Tudela tinha morrido recentemente.

Quem é essa pessoa? Perguntou-me ele.

Claro que como antigo "cólon", quando cheira a colónias, lá tenho que explicar, as coisas que mais novos tiveram a sorte de não ter visto, e o meu amigo lá soube que cantava a música de um "cantor colonial" em Landim, patrício de Eusébio.

Penso que mudou de reportório após a minha explicação.

Claro que podemos gostar de ouvir música de Wagner sem saber sequer que essa pessoa existiu.

Isto vem a propósito de os "rapazes dos cachecóis", que tanto se manifestam, principalmente os do Estádio da Luz, se imaginarão as voltas que o mundo deu, para Eusébio ir parar a uma Selecção Nacional de um País europeu, e porque razão se discute se um simples futebolista deve ou não ir para o Panteão Nacional.


Penso que estes jovens dos cachecóis precisavam de uma explicação da parte dos mais velhos, porque também acho que estes jovens estão como o intérprete do Kanimambo, que cantava em Landim e não sabia quem era o Moçambicano João Maria Tudela, E PENSAM QUE Eusébio representou só futebol para a geração dele.

É que corremos o risco de enlouquecermos uma geração, se não ensinarmos os rapazes a olhar para Eusébio sem bola.

Que não é uma simples bola que leva Eusébio a poder morar eternamente em certos "condomínios".

Claro que não ficam mais felizes se souberem que Gungunhana era patrício de Eusébio, que veio de barco para Portugal a convite de Mouzinho de Albuquerque e não sabia jogar à bola e falava em Landim.

E também não ficarão mais felizes se souberem que foi um angolano, Maurício Vieira de Brito, que trouxe o Moçambicano e outros africanos para Portugal para jogarem à bola.

Também tem que se dizer à juventude dos cachecóis que aquilo que representa a figura de Eusébio não é consensual para todos os portugueses da geração do Eusébio.

Antes pelo contrário, temos que dizer aos jovens que tirando a bola, a lembrança de Eusébio divide alguns portugueses da sua geração, principalmente uns que eram mais europeístas, outros mais africanistas.

Os rapazes precisam saber tudo, principalmente que uma simples bola não é política, nem religião, portanto haverá algo mais representativo para os portugueses a acompanhar a imagem de Eusébio.

E também se tem que divulgar e explicar, porque na terra natal, Moçambique, não há uma manifestação oficial exuberante como em Portugal.

Talvez se os mais jovens tentarem compreender 
todos os motivos, razões e até contradições nas
origens de tanta admiração lusa pela figura de Eusébio, 
aí a "bola" não será tão pontapeada.


[Foto à esquerda: Outdoor da Câmara Municipal de Lisboa, com um "obrigado" ao Eusébio, Reproduzido, com a devida vénia, do sítio da CML]


Teremos que dizer ao pessoal mais novo, que Eusébio foi um português muito especial, que ajudou a escrever uma página muito especial da história de Portugal, da Europa e de África.

Uma página em que podem entrar com destaque, Gungunhana e Tudela, Maurício e também Adolfo Vieira de Brito, angolanos, presidentes dos encarnados

Cumprimentos,

Antº Rosinha
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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12527: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (28): A TAP e a Guiné-Bissau ou... a Guiné "TAPdependente"

Guiné 63/74 - P12567: Notas de leitura (551): "Antologia da Terra Portuguesa - Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Macau e Timor", por Luís Forjaz Trigueiros (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Agosto de 2013:

Queridos amigos,
Mal irrompeu a guerra em Angola e surgiram obras de reportagem sobre a região; o mesmo acontecerá com a Guiné e Moçambique.
Autores de cunha nacionalista, caso de Luís Forjaz Trigueiros e Amândio César, lançar-se-ão em obras de cunho antológico.
Este volume de Luís Forjaz Trigueiros é sintomático quanto à quantidade e qualidade de autores: Cabo-Verde preenche praticamente metade do volume, as outras colónias terão porções muito mais magras. Trigueiros optou por Zurara em vez de André Álvares de Almada, ambos indispensáveis; escolheu Fernanda de Castro, foi pena ter escolhido um texto menor”; selecionou avisadamente páginas de Teixeira da Mota e João Augusto da Silva. Estranhamente, nem uma palavra sobre Fausto Duarte.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


A Guiné aos olhos de Luís Forjaz Trigueiros

Beja Santos

Pelos anos 1960, a Livraria Bertrand lançou uma coleção que deixou nome: Antologia da Terra Portuguesa. O país que éramos então foi descrito região por região, com exceção do chamado Ultramar em que Luís Forjaz Trigueiros escreveu volumes separados para Angola e Moçambique e Manuel de Seabra escreveu sobre Goa, Damão e Dio e Luís Forjaz Trigueiros sobre Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe, Macau e Timor.

A fatia de leão coube a Cabo-Verde, Forjaz Trigueiros compendiou textos, por vezes de uma enorme beleza, assinados por escritores como José Osório de Oliveira, Manuel Lopes, António Pedro, Nuno de Miranda, Gabriel Mariano, Onésimo Silveira, Baltazar Lopes e Daniel Filipe.

Mais curto será o espaço que o autor reservará à Guiné, mas convém referir que escolheu bem o que saiu das mãos de Gomes Eanes de Zurara, Augusto Casimiro, Fernanda de Castro, Maria Archer, Teixeira da Mota, António de Cértima, João Augusto, Landerset Simões, Manuel Belchior e Manuel Henriques Gonçalves. Escolha é escolha, sempre sujeita a reparos, na conceção de um Portugal do Minho a Timor, Forjaz Trigueiros, dentro da sua lógica, escolheu avisadamente. Como se passa a referir.

Primeiro, o autor do chamado achamento da Terra dos Negros, Gomes Eanes de Zurara e a sua Crónica dos Feitos da Guiné. Lançarote, almoxarife de Lagos, dirige-se ao Infante D. Henrique e pede licença para ir à Guiné:
“E se Deus trouxer o feito de nossos contrários, presas de grande valor, pelas quais de vosso quinto devereis receber grande proveito, do qual nós não ficaremos sem parte. E disto, senhor, vos praza havermos vossa resposta, para despachadamente seguirmos nossa viagem, enquanto nos o verão dá tempo para isso”.

Chega-se à Guiné – então o que se entenderia por ela – Nuno Tristão e outros são frechados e morrem do veneno das setas. A viagem prosseguirá em condições precárias, com logística deficiente, poucos homens, os nautas chorosos pela morte do capitão, de escudeiros e homens de pé. E como numa oração Zurara escreve:
“Ó grande e supremo socorro de todos os desamparados e atribulados, que nunca desamparas aqueles que te chamam em maior necessidade, que ouviste os clamores daqueles que gemiam a ti! Onde bem mostraste que ouvias suas preces, quando em tão breve lhe enviaste tua celestial ajuda, dando esforço e engenho a um tão pequeno moço, nado e criado em Olivença, que é uma vila de sertão mui afastado do mar, o qual avisado por graça divinal, encaminhou o navio, mandando ao grumete que diretamente seguisse o norte, abaixando-se um pouco à parte do levante, ao vento que se chama nordeste, porque ali entendia ele jazia o reino de Portugal, cuja viagem eles seguir desejavam!”.

E elogia os nautas inexperientes que conduziram a torna-viagem, onde foram recebidos pelo Infante, “contar-lhe o forte aquecimento da sua viagem, apresentando-lhe a multidão das frechas com que seus parceiros morreram, de cuja perda o Infante houve grande desprazer, porque quase os criara todos, não pôde escusar tristeza daquela humanidade que ante a sua presença pelo espaço de tantos anos fora criada”.

Passando à frente de Augusto Casimiro e Fernanda de Castro, temos Maria Archer (1899 a 1982) a descrever um tornado em Bissau:
“Calmaria. Uma nuvem branca mancha o azul intenso do céu. Não bole folha. O mar é de leite. De súbito surge um ponto negro no horizonte e em poucos minutos aumenta, amplia-se, cobre todo o céu como uma tampa negra. Um furacão terrível desencadeia-se. As árvores desfolham-se, dobram-se, gemem. Batem as portas e janelas, estilhaçam-se vidros, há gritos nas casas. As ruas despovoam-se. Toda a população se recolhe. Quem não encontra abrigo deita-se no chão. Os barcos, no porto, são balouçados por vagalhões medonhos. Partem-se as amarras. Os animais, espavoridos, correm pelos campos.
Uns minutos de inferno. Dez, quinze minutos, o máximo. Depois o tornado vai-se, passa, leva a outros lugares o seu estrondo de maldição. Volta o céu azul, o ar calmo, o sossego. Foi-se o tornado”.

Segue-se depois um termo de comparação, saíra da Guiné em 1918, não havia uma única estrada, nem iluminação elétrica, nem esgotos ou águas canalizadas. Não havia automóveis na Guiné, os barcos a motor eram raros. Décadas mais tarde, sente-se por lá um outro ritmo de vida. Passou-se a viajar de automóvel pela Guiné, de gasolina pelos rios e canais, certos burgos estão iluminados a eletricidade. Há hortas, há desporto, resiste-se mais ao clima. E a autora termina assim:
“Despediram-se de mim, no cais, o cozinheiro mandinga, o criado de mesa grumete, a lavadeira cabo-verdiana, a muleca mancanha, que era gentia, como todos os da sua raça.
E eu pensei : 
- Eis um grupo que representa o povo da Guiné!

O criado grumete e a lavadeira cabo-verdiana diziam-me: 
- Deus lhe dê boa viagem! E benziam-se.

Eu não sei se lhes dei, a vocês, uma ideia do que é a Guiné, e do seu encanto de terra bárbara e do seu pitoresco de Babel das raças indígenas. Eu, por mim recordo-a com a mais intensa impressão que me deixou a África”.

Forjaz Trigueiros escolhe páginas esplêndidas de Teixeira da Mota sobre a expansão portuguesa na Guiné, e depois poesia de António de Cértima. Um escritor ainda recentemente aqui abordado, João Augusto Silva, autor da obra premiada “África, da vida e do amor na selva”, é o autor seguinte de onde podemos ler o “Apólogo do Falcão e Abutre”:
“À sombra de uma árvore, um alto poilão secular, descansa, tranquilo, o abutre. No mesmo ramo em que ele assenta, caiado pelos dejetos brancos de tantos que ali passaram, veio pousar um falcão. Depois de trocarem cumprimentos, o falcão sempre palreiro e irrequieto, increpou o abutre de desprezível, de cobarde, de madraceiro, e quantos nomes lhe acudiram à cabeça louca e leviana. Chamou-o e tornou a chamar o ser mais miserável da criação. Mas, finalmente, furioso com o silêncio enervante do abutre, aconselhou, para terminar: 
- Deixa a carne podre e infecta dos monturos e faz como eu, que me alimento com a carne dos animais que abato à custa de um labor intenso. Porque não abandonas essa vida de pária, sempre no esterco à procura daquilo que outros abandonam?

O abutre, paciente, ouviu tudo e não teve o mínimo gesto de protesto, de indignação sequer. Nisto, porém, em grande velocidade, passou entre os dois uma avezita de penas multicolores. Doido, desordenado, o falcão lançou-se em perseguição da ave; mas tão desastradamente o fez que, de encontro a um tronco robusto, foi bater em cheio com o peito. Louco, cheio de dor, piando e repiando, caiu no chão, exânime, sobre as folhas secas.

Nesta altura, o abutre, lentamente, levanta voo e vai pousar, sereno, junto ao moribundo. O falcão, nas vascas da agonia, ainda pôde ver, a seu lado, cheio de horror, a silhueta tenebrosa e agoirenta do abutre. E trémulo perguntou: 
- Que vens aqui fazer? Grave, imperturbável, o abutre respondeu: 
- Aguardo o teu fim.”

Forjaz Trigueiros inclui ainda textos de Landerset Simões, Manuel Belchior e imagens da Guiné da autoria de Manuel Henriques Gonçalves. Não deixa de ser estranho certas omissões, como é o caso de Fausto Duarte, nome relevante da literatura colonial.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12549: Notas de leitura (550): "O Muro", por Afonso Valente Batista (Mário Beja Santos)