(a) Milícias, polícia administrativa, caçadores nativos, civis contratados, etc.
Fonte: José Martins (2014)
Parece-me haver uma injustiça gritante, quando as nossas Forças Armadas não registaram (ou não registam) na lista oficial dos mortos os nomes de todos ou de muitos dos valorosos "milícias", ou tropa auxiliar, que esteve do nosso lado, durante a guerra colonial na Guiné...
Por exemplo, o srgt de mílicas Samba Coiaté não consta na lista dos mortos da guerra do Ultramar, disponível no sítio da Liga dos Combatentes... Pesquisei pelo seu nome e data de morte em combate (18/3/1973)... E nada, o seu nome não consta...
E no entanto a sua morte é uma morte heróica, a avaliar pelo relato do Manuel Reis (*)...
Fiz um outro teste, com o nome do Seco Camará, valoroso milícia e guia das NT (que muitos de nós, do Setor L1, conhecemos)... Não sei exatamente qual era o seu estatuto: creio que era um "civil contratado" (sic), às ordens do comando do BART 2917, com sede em Bambadinca, embora ele tivesse morança no Xime (**)...
[Foto à esquerda: Seco Camará, em Mansambo.Foto: © Torcato Mendonça (2007) ]
O Seco Camará morreu, juntamente com uma secção inteira (5 camaradas do Xime, da CART 2715), numa operação em que participei, no subsetor do Xime (Op Abencerragem Candente)... Foram os 6 primeiros homens abatidos de uma enorme coluna apeada, composta por 2 destacamentos, cada um com 3 grupos de combate, ou seja, no total cerca de 180 homens... Ajudei a recolher os seus restos mortais... tão reduzidos que cabiam num poncho...
Fez connosco (CCAÇ 12) diversas operações, fez operações com o Torcato Mendonça e outros camaradas que estão aqui na Tabanca Grande, e que passaram pelo Setor L1 em diferentes épocas... Mas aquela operação foi-lhe fatal... a ele que tinha guiado milhares e milhares de homens pelas matas do Xime e do Corubal, desde os primeiros anos de guerra... Morreu, à roquetada, no dia 26/11/1970...
O seu nome também não consta na lista dos "nossos" mortos (, pelo menos na lista da Liga dos Combatentes)...
Um primeiro pensamento que me ocorre, é de indignação, esperando que no entanto que isto não tenha passado de um lapso ou de falha da máquina burocrática do exército...
Os milícias não eram militares, mas foram combatentes... E que combatentes, muitos deles!... O Seco Camará não era nem podia ser um simples civil: era considerado o melhor (ou mais leal) dos nossos guias, e um exímio e corajoso picador. Mas os outros mílícias do Xime, ao que parece, não gostavam dele. Daí talvez a sua transferência para Bambandinca, ao tempo do BART 2917, se não me engano.
Tudo para dizer que a memória destes homens, o Samba Coaité, o Seco Camará e outros "tropas auxiliares" guineenses que tombaram, ao nosso lado, deve ser honrada por todos nós... Pelo menos aqui... LG
2. E a este propósito, perguntei ao José Martins, nosso colaborador permanente [, e que tem especial sensibilidade em relação a este assunto, já que pertenceu a um companhia afriicana , a CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70], para me confirmar se os milícias estão ou não estão fora das listas dos mortos da guerra na Guiné.
Dei-lhe estes dois exemplos, o do Samba Coiaté e do Seco Camará, em que sabemos os nomes e as datas da morte... Mas haverá mais casos que, em princípio, terão ficado fora das nossas contas. A ser assim, teríamos que rever os números das nossas baixas (mortais) no TO da Guiné que, tenho, ideia andarão à volta das 3 mil...
Boa tarde, Luis: Junto quadro elaborado a partir dos totais inscritos nos dois livros sobre os Tombados na Guiné. [ Vd. quadro supra.]
Dos nomes indicados o primeiro [Samba Coiaté] não consta, com os elementos fornecidos, mas o segundo [Seco Camará] faz parte da relação.
É preciso ter em boa nota os nomes por que eram conhecidos e se identificavam. Há milicias a quem se atribui dois nomes.
Abraço, José Martins.
Analisando o quadro acima verficamos que os nossos piores anos, em termos de baixas mortais, no caso das tropas regulares, foram os de 1967, 1968, 1969 e 1973... No caso das tropas auxiliares (e nomeadamente milícias), foram os anos de 1967, 1968, 1971 e 1973. No conjunto, o pior ano é do de 1973, com 11,9% do total das baixas mortais, ou seja, em termos absolutos 339 tombados.
3. Eis a seguir a opinião do nosso camarada António José Pereira da Costa, cor inf ref, a quem também pedi opinião, na mesma data.
[Foto à direita ... Recorde-se que ele foi alf art na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; e Capitão Art Cmdt das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74]
Nunca estudei esse assunto.[Foto à direita ... Recorde-se que ele foi alf art na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; e Capitão Art Cmdt das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74]
Creio que não estarão incluídos por terem o estatuto de civis que colaboravam com as NT.
Não ganhavam como soldados e no período de formação (em Mansabá houve instrução de milícias) não tinham a mesma verba para alimentação dos soldados que assentavam praça para fazerem o SMO.
Em 1968 ainda armavam de Mauser e vestiam as sobras do fardamento e equipamento das NT. Daí para a frente as coisas mudaram e surgiram até os GEMil (havia dois no Enxalé, em 1972).
Claro que, nestas condições, a sua prestação era variável havendo Pelotões de Milícias com óptimas prestações e outros nem tanto.
O mesmo sucedia individualmente. Até conheci um que, em 1968 era muito decidido e em 1972 procurava viver na paz do seu lar deixando a guerra que parecia não ter fim.
Um Ab.
António J. Pereira da Costa
[Foto à esquerda: ex-cap mil na CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72 ... aos 32 anos, pai de 4 filhos, engenheiro agrónomo, ilhavense].
Camaradas: Comungo do sentimo geral expresso sobre "a sorte" dos guineenses que nos foram fieis e que muito nos ajudaram.
Já agora, como dizem que os milícias e outros, como os carregadores, não constam das baixas em combate, posso acrescentar que na HU do BCaç 2885, constam os seguintes Mortos em Combate:
- Soldado Mil.ª n.º 17267 Bailó Djaló, em 18MAI69
Pel Mil n.º 251 (Ex-Pel Mil n.º 156)
- Soldado Mil.ª n.º 21067 Alberto Silva, em 18JUL69
Pel Mil n.º 252 (Ex-Gr Caç Balantas) (Ex-Pel Mil n.º 186)
- Caçador Nativo José Bacar, em 04JUL69
- Caçador Nativo Clode Biete, em 18JUL69
- Caçador Natigvo Toban Car, em 23SET69
- Cacçador Nativo Quedim Botche, em 23SET69
- Soldado Mil n.º 49069 Tuquena Iagna, em 06DEZ70
- Cacçador Nativo Quedim Botche, em 23SET69
- Soldado Mil n.º 49069 Tuquena Iagna, em 06DEZ70
Pel Mil.ª n.º 253 (Ex-Pel Mil.ª n.º159)
- Soldado Mil.ª n.º 02868 Sambel Sabali, em 05OUT70
Colaborador das NT
- Carregador José Sambú, em 17AGO69.
Abraços
JPicado
________________
Notas do editor:
(*) 12 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12576: Os nossos camaradas guineenses (36): Abdulai, meu irmão!... Recordando quatro valorosos milícias de Guileje: Sátala Colubali, Camisa Conté, Abdulai Silá e Sargento Samba Coiaté (Manuel Reis, ex-Alf Mil Cav, CCAV 8350, Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã, Colibuia, 25/10/72 - 27/8/1974]
(**) Vd. postes de:
20 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11429: Memórias de um capitão miliciano (António Vaz, cmdt da CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69) (1): os meus picadores e guias, Seco Camará e Mancaman Biai
26 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7339: In Memoriam (62): Por quem os sinos dobram hoje, 40 anos depois: Fernando Soares, Joaquim de Araújo Cunha, Manuel da Silva Monteiro, P. Almeida, Rufino Correia de Oliveira e Seco Camará, os bravos do Xime, mortos na Ponta do Inglês (Op Abencerragem Candente) (Luís Graça)