quarta-feira, 26 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12902 Agenda cultural (306): Vila Nova de Famalicão > Ciclo de Conferências 2014 > Ideias e práticas do colonialismo português: dos fins do séc. XIX até 1974 > 4 de abril de 2014, 21h30 > Conferência do doutor Sérgio Neto (CEIS20/UC): "De Goa a Luanda, pensamento e acção de Norton de Matos"




Vila Nova de Famalicão > Ciclo de Conferências 2014 > Ideias e práticas do colonialismo português: dos fins do séc. XIX até 1974 > 4 de abril de 2014, 21h30 > Conferência do doutor Sérgio Neto, do
Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX, da Universidadae de Coimbra (/CEIS20/UC): " De Goa a Luanda, pensamento e ação de Norton de Matos". (*)



1. Divulgação do evento, a pedido do Museu Bernardino Machado.

Entretanto, decorreu já. no passado dia 14 deste mês a segunda conferência deste ciclo subordinado ao título "Ideias e práticas do colonialismo português: dos fins do séc. XIX até 1974".

Fica aqui o resumo dessa sessão, de acordo a página dio Museu Bernardino Macahado (**):

(...) O Prof. Jorge Paulo Fernandes, na última conferência, intitulada “As Ideias Colonialistas de Aires de Ornelas”, realizada no dia 14 de Março do corrente ano no Museu Bernardino Machado, iniciou por evidenciar se faria hoje sentido em recuperar as ideias colonialistas de Aires de Ornelas.

Figura chave portuguesa nos finais do século XIX e nos princípios do século XX, será com Aires de Ornelas que o império colonial se tornou na chave política portuguesa até 1974. Pertencendo à geração colonialista de 1895, o Prof. Jorge Paulo Fernandes evocou Aires de Ornelas em três perspectivas: o homem, a experiência africana e as ideias colonialistas.

Aliás, estas mesmas começaram a ser difundidas pela imprensa, nomeadamente em dois títulos, nomeadamente enquanto director do “Jornal das Colónias” e na “Revista do Exército e da Armada”, fundada por Aires de Ornelas.

Numa fase inicial, Ornelas incorporou no movimento, sem sucesso e numa “fantasia sem preocupação”, nas palavras do Prof. Jorge Paulo Fernandes, que pretendia restaurar Portugal através de uma ditadura militar, numa altura em que o rotativismo estava a ser fortemente criticado pelos republicanos.

Em 1906, perante a dissidência do Partido Regenerador, Ornelas ficará ao lado de João Franco, será Ministro da Marinha e do Ultramar no governo de 1906 a 1907. Estará, assim, com o príncipe Filipe na viagem a África, indo, logo a seguir à implantação da República, para o exílio, chegando a chefiar a revolta militar de Monsanto em 1919.

A questão a saber para o Prof. Jorge Paulo Fernandes é se Aires de Ornelas é um reacionário, tradicionalista ou uma figura do tradicionalismo monárquico. Fiel monárquico, Ornelas nunca nega a ordem pela monarquia constitucional. Será, enquanto conselheiro do Rei D. Manuel em Londres, uma figura de cautela e de moderação, conselhos que incutia no próprio Rei.

No seu contacto com África, Ornelas será o que irá definir a estratégia militar em África, numa altura em que o Estado português irá possuir o armamento mais moderno e completo da época. Desta forma, com um investimento em tecnologia militar e médica, melhor preparação técnica, permitiram tais condições uma série de vitórias africanas, novas proezas que farão olhar para África de forma diferente.

Defendia Ornelas para África a soberania portuguesa pelas soberania das armas, assim como o darwinismo social (isto é, a reacção musculada). Ao mesmo tempo, Ornelas defendia igualmente uma reacção nacionalista africana, reclamando uma política administrativa para as colónias.


Defensor de uma descentralização administrativa, projectando a municipalização (ideia que já vinha de Mariano de Carvalho, uma autonomia administrativa realizada pelos portugueses de Moçambique, não da metrópole), na prática tais ideias não tiveram a sua consequência; e se esteve ao lado dos vencedores, acabou, nas palavras do Prof. Jorge Paulo Fernandes, um derrotado: o império pelo qual sonhou, terá ganho na sua importância estratégica, enquanto que as ideias descentralizadoras não tiveram o seu seguimento. (...)

2. Norton de Matos (1867-1955)

(i) Jorge Maria Mendes Norton de Matos nasceu (1867) e  morreu (1955) em Ponte de Lima; 

(ii) Frequentou o colégio em Braga, tendo ido depois, em 1880, para a Escola Académica, em Lisboa; 

(iii)  Em 1884, iniciou o seu curso na Faculdade de Matemática em Coimbra;

(iv)  Fez o curso da Escola do Exército e, em 1898, partiu para a Índia;

(v) Começou aí a sua carreira na administração colonial, como diretor dos Serviços de Agrimensura;

(vi) Finda a  sua comissão, viajou por Macau e pela China em missão diplomática;

(vii) O seu regresso a Portugal coincidiu com a proclamação da República (1910);

(viii) Dispondo-se a servir o novo regime, Norton de Matos foi nomeado chefe do estado-maior da 5ª  divisão militar;

(ix) Em 1912 tomou posse como governador geral de Angola; s sua atuação nesta  colónia revelou-se extremamente importante, ao impulsionar fortemente o seu desenvolvimento, e protegê-la da ameaça contínua que pairava sobre o domínio colonial português, por parte de potências europeias rivais (Inglaterra, Alemanha e Itália); ficará para sempre associado à criação da cidade de Nova Lisboa (hoje, Huambo), em 1912;

(x) Foi demitido do cargo em 1915, como consequência da nova situação política que se vivia em Portugal durante a Primeira Guerra Mundial;

(xi)  Foi depois chamado, de novo, ao Governo, ocupando o cargo de ministro das Colónias, embora por pouco tempo: em 1917,  é obrigado a exilar-se em Londres;

(xii) Mais tarde, é promovido a general por distinção e nomeado Alto Comissário da República em Angola;

(xiii) Na primavera de 1919, foi delegado português à Conferência da Paz de Veersalhes;

(xiv) Em junho de 1924, exerceu as funções de embaixador de Portugal em Londres, cargo de que foi afastado aquando da instauração da Ditadura Militar (1926-1930);

(xv)  Em 1929, foi eleito grão-mestre da Maçonaria Portuguesa;

(xvi) Recebeu diversas condecorações, entre outras,  a Grã-Cruz de Torre-e-Espada;

(xvii) Em 1948, participou nas eleições presidenciais de 1949, contra o candidato do regime do Estado Novo, o general Óscar Carmona (1869-1951).

Fontes: InfopédiaWikipédia e Almanaque Republicano (, blogue donde retirámos a foto acima, com a devida vénia)

Guiné 63/74 - P12901: Lembrete (1): 5ª feira, 18h30, FNAC Chiado, Lisboa, a nossa amiga Catarina Gomes, filha de ex-combatente, e jornalista, apresenta o seu primeiro livro "Pai, tiveste medo?"... Entre outros grã-tabanqueiros, estarão presentes o nosso camarada Zé Teixeira e o seu filho Tiago, médico (uma das 12 histórias pertence-lhe; outra é de um dos filhos do João Bacar Jaló)

Título: Pai, tiveste medo?
Autor: Catarina Gomes
Género: História
Editora: Matéria-Prima
Local: Lisboa
Ano: 2014
Número de páginas: 248
PVP: € 15,50


1.  Doze histórias de filhos de combatentes da guerra colonial, umas contadas, outras advinhadas, sobre as perguntas feitas aos pais, ou que nunca chegaram a ser feitas.
:
"Chega ao fim um longo processo. No dia 27 deste mês, uma quinta-feira, às 18h30, vai ser lançado o meu primeiro livro. Vai ser na Fnac do Chiado.

"É sobre a forma como a guerra colonial chegou à geração dos filhos de ex-combatentes, como é o meu caso. São 12 histórias muito diferentes. Cada história pertence a um filho. É um livro sobre histórias de guerra contadas e outras adivinhadas, sobre perguntas que os filhos fizeram aos pais, outras que nunca ousaram fazer. Gostava muito de vos ver por lá." (Catarina Gomes, 3 de março de 2014, página do Facebook)..


2. Catarina Gomes [, foto á esquerda, retirada com a devida vénia da respetiva página do Facebook]:

(i) Filha de camarada nosso que fez a guerra colonial em Angola, infelizmente já desaparecido;

(ii) jornalista do Público desde 1998, tendo-se interessado pelas ´
áeras da Justiça e da saúde; mas o que mais gosta de escrever "são reportagens e histórias de vida";

(iii) entre 2002 e 2003 fez uma pausa para pensar nas lides do jornalismo à distância, rumou a Londres onde tirou o Master of Science in Media and Communications na London School of Economics and Political Science;

(iv) em 2011 aventurou-se como argumentista do documentário Natália, a Diva Tragicómica (RTP2/Real Ficção);

(v) tem feito jornalismo de investigação sobre temas "marginais" da guerra colonial, como por exemplo,  os filhos que deixámos no TO da Guiné, os "filhos do vento";

(vi) tem uma dezena de referências no nosso blogue, e está na altura de a convidar a sentar-se à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande; de resto, os filhos e filhas dos nossos camaradas nossos filhos e filhas são... 


Guiné 63/74 - P12900: Brochura, "Deveres Militares", SPEME, 2ª ed, 1969 (Fernando Hipólito): Parte IV: Quando os solípedes ganhavam aos bípedes em mimos, carinhos e cuidados: art. 96º do antigo RDM








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Continuação da reprodução da brochura "Deveres Militares"... A lista dos deveres de um militar é (ou era) longa...Publicamos hoje os deveres dos plantões... às cavalariças (artº 96º do RDM que estava em vigor do nosso tempo)...

Parece que, na tropa, o solípede (leia-se, o animal que tem um só casco ou uma só unha em cada membro inferior) ganhava ao bípede (ou seja, a besta que andava em dois pés ou que se deslocava sobre as duas patas posteriores)...em mimos, carinhos e cuidados!

E a propósito de cavalos e cavaleiros há muitos dichotes, ditados, provérbios... populares. Aqui vão algums de que eu gosto mais: (i) As manhas do cavalo só as sabe seu dono; (ii) Cavalo com quatro pés cai, quanto mais só quem tem dois; (iii) Cavalo que há-de ir à guerra, não corra bobo nem o abane a égua; (iv) Coices de garanhão, para égua carinhos são; (v) Em compar cavalo e escolher mulher, fecha os olhos e encomenda-te a Deus; (vi) Enquanto o meu tiver besta, para que quero cavalo ? ; (vii) Cavalo, mulher e arma não se emprestam; (viii) Não cavalgues em potro, nem gabes tua mulher a outro; (ix) A soldado novo, cavalo velho;: (x) Quanto maior é a besta, maior o coice....

O nosso saudoso RDM foi substituído pelo atual RDM - Regulamento de Disciplina Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/77, de 09ABR, com diversas alterações. (Entro em vigor em 10 de abril de 1977, e foi promulgado pelo então Presidente da República António Ramnalho Eanes)

Imagens: Fonte: "Deveres Militares", 2ª edição, SPEME, 1969. A 1ª edição é de 1963. E há uma 4ª edição de 1973.


1. O documento chegou-nos, digitalizado, por intermédio do Fernando Hipólito e César Dias.  O Fernando Hipólito [, foto atual à direita, ] é o nosso novo grã-tabanqueiro, com o nº 650... Passou pelo CISMI, Quartel da Atalaia, Tavira, 3º turno, 1968. Foi fur mil, CCAÇ 2544, Angola, 1969/71. Esteve a maior parte do tempo no leste, em Lumege. Há um blogue sobre Lumege e a malta que por lá passou. E onde o Fernando Hipólitio colabora. Já lhe pedi uma foto atual, "decente", para substituir esta, do "Correio da Manhã"..

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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

19 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12856: Brochura, "Deveres Militares", SPEME, 2ª ed, 1969 (Fernando Hipólito): Parte I: Os dez primeiros deveres de um militar...
20 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12859: Brochura, "Deveres Militares", SPEME, 2ª ed, 1969 (Fernando Hipólito): Parte II: Era longa a lista dos nossos deveres militares (e curta a dos direitos): Aí vão mais, do 11º ao 20º

23 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12885: Brochura, "Deveres Militares", SPEME, 2ª ed, 1969 (Fernando Hipólito): Parte III: Será que a lerpa, jogada no CTIG, nas longas noites de insónia, violava o nº 21º do art. 4º do RDM - Regulamento de Disciplina Militar, então em vigor ? Ou as bebedeiras de caixão à cova... não caíam sob a alçada do nº 24 º ?

terça-feira, 25 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12899: Agenda cultural (306): Relatos de investigação na Guiné-Bissau - Da Água à Saúde, a cargo do Professor Adriano Bordalo e Sá, dia 28 de Março de 2014 no Salão Nobre do Clube Fenianos Portuenses, Rua do Clube Fenianos, 29, Porto

1. Da Tabanca Pequena ONGD, recebemos hoje, 25 de Março de 2014, a seguinte mensagem:


C O N V I T E 

RELATOS DE INVESTIGAÇÃO NA GUINÉ-BISSAU: DA ÁGUA À SAÚDE



Subordinada ao tema RELATOS DE INVESTIGAÇÃO NA GUINÉ-BISSAU: DA ÁGUA À SAÚDE, o Professor Doutor Adriano Bordalo e Sá do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto (ICBAS-UP) e investigador do Ciimar, irá proferir uma palestra no próximo dia 28 de Março, às 18 horas, no salão nobre do Clube Fenianos Portuenses, à Rua do Clube Fenianos, 29, (ao lado da Câmara Municipal do Porto).

Serão relatadas experiências do trabalho levado a efeito na Guiné-Bissau nos últimos 7 anos.

No final, está previsto um debate com a assistência.

A conferência tem o apoio da ONG Mundo a Sorrir e a colaboração do Clube Fenianos Portuenses.

Aproveite e passe em www.facebook.com/clube.fenianos.portuenses.oficial e faça um Like
E visite o nosso sitio em www.clubefenianos.pt

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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12870: Agenda cultural (295): O camarada "pifaniano" Silvério Dias, ex-1º srgt, locutor do PFA - Programa das Forças Armadas, e "poeta todos os dias", convida os poetas da Tabanca Grande para a sessão de hoje, "Há Poesia no CASO", ou seja, no Centro Acção Social de Oeiras, às 17h00

Guiné 63/74 - P12898: Convívios (573): O Almoço de despedida do inverno da Magnífica Tabanca da Linha foi no passado dia 20 de Março de 2014 (José Manuel Matos Dinis e Manuel Resende)



1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 21 de Março de 2014:

Bom dia Carlos,
Faço seguir outra espécie de reportagem sobre o último e fresquinho encontro da Magnífica.
Seguem anexas algumas fotografias do conceituado repórter fotográfico Manuel Resende, e a propósito, numa das fotografias do grupo, verifica-se que o Colaço está sentado ao lado das senhoras, talvez ainda lembrado da extraordinária trunfa que ostentou até recente data, acho que desde os tempos do PREC, e faria tanta inveja a muitas cabeleiras do belo sexo, pelo que te peço para incluíres um dos seus retratos anteriores.
Esta notícia inclui ainda uma importante omissão para o País, pois dele não saiu qualquer declaração, não por falta de ideias, mas por falta de quorum, que éramos só 33 mastigantes, número insuficiente para os 70 da ordem.

Com um grande abraço
JD


Ainda não tina acabado de ouvir as doze badaladas do meio-dia, e tocou o telefone com o expedito Mário Pinto a certificar-se do local do encontro. Ansioso, tinha sido o primeiro a chegar, orientado pelo treinado faro a bacalhaus que vai devassando por todo o território nacional. Nem careceu de GPS. Cheguei ao local meia-hora depois, e já se agrupava um perigoso grupo de assalto, que, a seco, papagueava tácticas e contra-tácticas, aperfeiçoando o método como, aliás, se impõe nas operações bem congeminadas e melhor conseguidas.

Faltava o Miguel - que foi colocar um contador no braço - para o reconhecimento aéreo, mas o pira Sacoto já trazia inspiradas as excelentes fotografias aéreas sobre o alvo, contributo de muita valia para o dispositivo final. Calmos, mas determinados, iam chegando outros elementos, conformemente às incumbências de cada um.

Para dar uma nota de alegria na paisagem de pinheiros e mar, as senhoras juntavam-se em sereno colóquio, onde davam conta das façanhas dos maridos, todos veteranos e activos comedores de bacalhaus mais dos produtos acolitados, que, na circunstância, veio a verificar-se, tratar-se de batatas assadas e grelos. Ai grelos, verdinhos, que estavam tão bons!

Enquanto os machões mentiam convictamente sobre fantasiosos antecedentes no local, o Senhor Comandante que revelava um excelente aspecto, e o sorrizinho malandro de quem a tudo corre na perfeição, logo me chamou para dizer que não esquecesse os pormenores. Ora, com a minha incontrolável tendência para a distração, neste momento dramático de pôr tudo em pratos limpos, só me ocorrem os pormaiores, mas espero que a reportagem não saia viciada, e que consiga evitar a correspondente porrada.

Neste encontro houve estreias e um recorde mundial:

Entre as estreias, já foi referido o novel aviador Sacoto, que se incumbiu da importante tarefa; o animado e contagiante Carlos Rios; o Vieira, que desde a capital conseguiu trazer o corpulento Pinto; e por último, mas não menos importante, com surpresa e sucesso na função, estreou-se a bengala de pau do Senhor Comandante. O recorde mundial regista o maior número de senhoras presentes em encontros desta Magnífica Tabanca, e é de toda a justiça salientar que se bateram tão bem quanto os confrades. Mas não há bela sem senão: o Com-Chefe Luís Graça continua a desenvolver actividades esforçadas que, pelo menos, devem causar alguma sensação no preenchimento do IRS, e, novamente, não compareceu. Aquilo, da outra vez, foi um raio faiscante, e, se calhar, teremos que aguardar alguns anos, para que o consagrado fundador do blogue possa tornar-se assíduo junto da cambada.

O tempo estava assim a modos que de meia-cura, pois não desagradava a friorentos, nem a calorentos. Até que alguém (ah! fui eu) se lembrou de convocar a força para as hostilidades. Adoptou-de então um dispositivo de grande eficácia, consubstanciado pelo ataque surpresa e mais ou menos à balda, sem lugares fixados, onde cada um escolhia o lugar do pleito, numa perspectiva de encher os olhos, que as entradas eram miúdas para tanta guerreirice.

Algum tempo decorrido, sem baixas a registar, acabou, como, dizem, tudo acaba, o escasso fartote dos condutos, mai-los doces rematados a cafés, que outros ainda prolongaram em injustificados digestivos (face ao volume da operação), que esta malta não é brutamontes, e revela estomagozinhos delicados.

Não havendo mais despojos daquela guerra, apresentou-se a ocasião de registar para a História, com maiúscula, claro, as imagens testemunhais da última glória depois da entrega do império. Novamente no exterior, os olhares ainda extasiaram pela delicada colina verde abaixo, que a renda marítima limitava e a brancura do Farol do Raso dava maior expressão, até se perder no horizonte vasto (estive a pensar, se poderia escrever vastidão horizontal, mas o Manuel Joaquim poderia não apreciar, e decorrida escassa meia-hora decidi pela outra expressão) até às nossas posições atlânticas nos Açores e na Madeira, onde, não sei quando, os bravos Magníficos poderão afoitar-se em novos e avançados cometimentos.

Afinal, a treta não conhece limites. Só espero que esteja do agrado do Senhor Comandante, pessoa arguta, homem sério, simpático até, mas que tem a estranha tentação de me bater, sem que eu perceba porquê. Ao fim destes anos, nem um louvorzito me deu, só exige, só exige...


Da esquerda para a direita: Mário Pinto, Vieira e David Ventura


Da esquerda para a direita:CMDT Rosales, José Carioca, Armando Pires, José Colaço, Veríssimo Ferreira e David Ventura


José Colaço e Hélder Sousa


Da esquerda para a direita: Jorge Pinto, Fernando Marques e esposa Gina. Com camisa clara, Luís Moreira


Mário Fitas e sua esposa Maria Helena


Manuel Joaquim e sua esposa Deonilde


Da esquerda para a direita: Francisco Palma, Manuel Resende e Carlos Rios


Da esquerda para a direita: Carlos Rios, Manuel Joaquim e José Horta 


O CMDT Jorge Rosales e o Adjunto Zé Dinis junto de um grupo de senhoras


João Sacoto e Hélder Sousa 


Os magníficos tabanqueiros  e tabanqueiras da Linha: Por trás de grandes mulheres estão sempre grandes homens... Foto de grupo

Fotos:  © Manuel Resende (2014)

Selecção de fotos e respectivas legendas da responsabilidade do editor
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12892: Convívios (572): 31.º Encontro Nacional dos ex-Oficiais, Sargentos e Praças do BENG 447, a realizar no próximo dia 17 de Maio de 2014 na Tornada, Caldas da Rainha

Guiné 63/74 - P12897: (De) Caras (16): Quem tramou o alf mil capelão Mário de Oliveira, do BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/69) ?... Não foi o BCAÇ 1912 que expulsou o Mário de Oliveira, a PIDE tinha escritório aberto em Mansoa (Aires Ferreira, ex-alf mil inf, minas e armadilhas, CCAÇ 1698, Mansoa, 1967/69)


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 1912 (1967/69) >  O alf mil capelão Mário de Oliveira entre soldados da CCS/BCAÇ 1912 e/ou da CCAÇ 1686 (que esteve sempre em Mansoa e a que pertenceu o Aires Ferreira, alf mil inf, minas e armadilhas, e membro da nossa Tabanca Grande) . O Mário de Oliveira viria a receber ordem de expulsão da Guiné em 8 de Março de 1968.

Foto: © Padre Mário da Lixa (2003) (com a devida vénia...)

1. Em toda a história da guerra colonial, no CTIG, houve dois casos de capelães militares que foram "expulsos"... Não sabemos ao certo por quem: (i) o bispo castrense (ii) a hierarquia militar; ou (iii) a polícia política ... Eu diria antes que foram dois erros de "casting" (sem que isto nada tenha de ofensivo para com os visados)...

Um deles é o padre Mário de Oliveira, que será sempre até morrer, o padre Mário da Lixa (*)... Foi capelão do BCAÇ 1912 (que esteve sediado em Mansoa, 1967/69)... Recorde-se que o BCAÇ 1912, mobilizado pelo RI 16, partiu para o CTIG 8/4/1967 e regressou a 16/5/1969.. O cmdt era o ten cor  inf  Artur Afonso Pereira Rodrigues. Subunidades de quadrícula:  CCAÇ 1686 (Mansoa); CCAÇ 1685 (Fá Mandinga, Fajonquito,  Fá Mandinga, Mansoa); e  CCAÇ 1684 (Bissau, Ingoré, São Domingos, Susana, Mansoa).

O outro caso de um capelão "expulso" foi o açoriano Arsénio Puim (que deixou, de resto, o sacerdócio em finais dos anos 70): foi capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

Curiosamente, os dois são membros da nossa Tabanca Grande... Mas quantos capelães passaram pela Guiné ? É uma boa pergunta, a que não sabemos,  para já, responder...Seguramente algumas largas dezenas ou algumas centenas, já que, em princípio  havia um capelão por batalhão (c. 600 homens)...

Ora, ao que sabemos, foram apenas estes dois homens, e nossos camaradas,  os únicos capelães a entrar  em rota de colisão com a dupla hierarquia da Cruz e da Espada... Não os queremos nem santificar nem diabolizar, mas apenas ouvir (e saber ouvir) as suas histórias... Felizmente estão os dois vivos e têm inclusive participado em convívios anuais dos respetivos batalhões...

Temos cerca de 6 dezenas de referências a capelães no nosso blogue. Aliás,  temos mais dois capelães  registados no blogue:  o Augusto Baptista e  o Horácio Fernandes (este de resto contemporâneo do Mário de Oliveira)... É pena não haver mais capelães da Guiné a querer dar a cara neste blogue, que está aberto a todos os camaradas que por lá passaram, por aquela "terra verde e rubra"...

A nossa pergunta,  de momento, é: quem tramou  o Mário de Oliveira ? (**) (LG)

2. A este propósito, fomos recuperar o depoimento do Aires Ferreira, ex-alf mil inf, minas e armadilhas, da CCAÇ 1686 (Mansoa), do BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/69). O Aires Ferreira esteve em Mansoa de 13/4/1967 a 13/5/1969, e conviveu, portanto, com o Mário de Oliveira, como se depreende deste episodio que ele já aqui em tempos nos contou, aquando da sua apresentação, em  28/7/2006, à Tabanca Grande:


2.1. Missa em Cutia
por Aires Ferreira


Cutia era um destacamento que tinha um grupo de combate e ficava entre Mansoa e Mansabá  e entre o Morés e o Sara - Sarauol.

O Batalhão tinha um capelão que, um certo domingo, lá para o fim de 67, resolveu ir celebrar missa a Cutia. Para isso, arranjou uma escolta de voluntários que, comandados pelo furriel S.S., lá foram, com 2 Unimogues e o jipe do capelão.

A missa foi celebrada e no regresso, um dos Unimogues despistou-se e uma grande parte do pessoal da escolta ficou com ferimentos muito graves, tendo os restantes seguido até Mansoa para pedir auxílio.

Nesse Domingo eu estava de Oficial de Dia ao quartel de Mansoa e desconhecia totalmente este assunto. Cerca da hora de almoço, passava junto à porta de armas, encontrei o Ten. Cor, o Comandante do Batalhão, que me disse:
- Alferes Ferreira, o seu grupo está todo destroçado na estrada de Cutia, o que está aqui a fazer? Vá já para lá.
- Não posso, estou de serviço - disse eu e apontei a braçadeira.
- Dê cá, eu fico com ela. O piquete vai já atrás de si com a ambulância.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > c. 1969/71 >
O destacamento de Cutia. Foto de César Dias
Assim foi. Lá fui, munido da pistola Walther, com um condutor que por ali apareceu e chegámos depressa. A cena era trágica. Havia 5 ou 6 militares gravemente feridos e deitados na berma. O único militar que ali estava capaz de dar uns tiros para defender o local, se o IN por ali aparecesse, era … o Capelão, que de joelhos na estrada, junto ao jipe, fazia as suas orações, de G3 ao lado.

Logo de seguida chegou o necessário auxílio e todos os feridos foram evacuados e tratados.

O Alferes Capelão que faz parte desta história era… o Padre Mário Pais de Oliveira, bem conhecido desta Tertúlia,  e a quem envio um grande abraço.

Aires Ferreira

2.2. Comentário adicional  do Aires Ferreira, com data de 15/9/2006:


Igreja de Mansoa. c. 194/66. Foto de Tony Borié

Luís Graça:  Não foi o BCAÇ 1912 que expulsou o Padre Mário do seu seio. Penso que nem tinha autoridade para o fazer. O que aconteceu, foi que o Padre Mário politizou fortemente as homilias das missas dominicais na Igreja Paroquial de Mansoa e isso criou problemas ao Comando do Batalhão. Além disso, a PIDE tinha em Mansoa um funcionário com escritório aberto.

Sei que o Comando foi por várias vezes chamado a Bissau e por fim o Padre Mário saiu de Mansoa. 

Estávamos em 1967, éramos todos muito jovens e acho que faltou uma pitadinha de bom senso ao Padre Mário, para levar a água ao seu moinho. Ele que me perdoe, mas foi o que pensei na altura.

Aires Ferreira




Guiné > Mapa geral da província (1961) > Escala 1/500 mil  > Região do Oio > Detalhe: posição relativa de Cutia no triângulo Bissorã- Mansabá- Mansoa.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)



Padre Mário da Lixa. Foto da sua página,
aqui reproduzia com a devida vénia
2.3. Sobre a sua experiência na Guiné entre finais de 1967 e princípios de 1968,  como capelão militar, o Mário de Oliveira, disse o seguinte:

(...) "Na guerra colonial, vivi integrado no Batalhão 1912, sedeado em Mansoa. Era o único padre capelão. Havia outro padre em Mansoa, mas na igreja da Missão, com quem sempre dialoguei, durante os quatro meses que lá vivi e actuei. Mas como capelão militar era o único padre no Batalhão.

"Enquanto não me expulsaram, pude privar de perto com as diversas chefias militares e com as centenas de soldados rasos que davam corpo ao Batalhão. Encontrei homens que estavam na guerra com convicção. A tese oficial do Regime sobre a guerra estava bem interiorizada neles. E eram generosos, à sua maneira, na entrega de si mesmos àquela causa, sem se aperceberem que era uma causa perdida. Mas havia também os que se aproveitavam da guerra, com sucessivas comissões, bem remuneradas, e quase sempre longe dos perigos das frentes de combate. Dizê-lo, não é novidade para ninguém. E havia os oficiais milicianos que, duma maneira geral, estavam na guerra contrariados e cuja preocupação maior era poderem regressar à sua família e à sua terra sãos e salvos" (...).

Fonte: Vd. post de 27 de Junho de 2005 > Guiné 60/71 - LXXXV: Antologia (5): Capelão Militar em Mansoa (Padre Mário da Lixa) (***)

Num outro texto, também publicado na I Série do nosso blogue, em 17/5/2006, o Mário de Oliveira explicou como é que foi apanhado pela armadilha da guerra colonial e o que é que a sua experiência, como capelão militar no CTIG, representou para ele, como homem, cidadão e padre:

(...) Acordei para a Guerra Colonial, quando, em 1967, fui chamado ao Paço episcopal do Porto - tinha então 30 anos de idade e cinco anos de padre, na Diocese, e era professor de Religião e Moral no Liceu D. Manuel II - para ser informado, de viva voz, pelo Bispo-Administrador Apostólico, D. Florentino de Andrade e Silva, de que o meu nome já tinha sido enviado para Lisboa, pelo que, em breve, iria ser chamado a frequentar um curso de capelães militares, na respectiva Academia Militar!
Não me perguntou o Bispo se eu estava disposto a ir, se tinha alguma coisa a objectar. Não me consultou. Apenas me informou e deu-me a ordem de marcha. Como se a Igreja fosse um enorme quartel, onde a generalidade dos seus membros apenas obedece, cumpre ordens dos superiores, auto-apresentados como infalíveis, como donos da verdade, como rostos visíveis de Deus, senão mesmo, o próprio Deus na terra.

A verdade é que eu, nessa altura, embora ficasse mudo de espanto e como que apunhalado no peito, não ousei sequer contradizer o Bispo. E lá fui para a Academia Militar, com mais umas dezenas de outros padres do país, pelos vistos, todos mais ou menos incómodos, por razões as mais diversas, nas respectivas dioceses.

Ao fim de cinco semanas de curso intensivo, fui dado como apto e parti para a Guiné-Bissau, a fim de me integrar, como alferes capelão, no Batalhão 1912, que já operava militarmente em Mansoa, a 60 kms de Bissau.

Hoje, também eu me pergunto: Como é que isto foi possível? Como é que eu nem sequer me lembrei de formular objecção de consciência? Como é que fui logo obedecer a semelhante ordem? (...)

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Notas do editor

(*) Da página pessoal do Padre Mário da Lixa, retirámos alguns apontamentos autobiográficos que nos ajudam a entender melhor a o seu percurso como homem, cidadão e padre bem como a sua curta passagem pela Guiné.

(i) Nascido em 1937, na freguesia de Lourosa, concelho de Santa Maria da Feira, numa família da classe trabalhadora, entrou no seminário em 1950;

(ii) Em 1962, foi ordenado padre, na Sé Catedral do Porto, pelo bispo D. Florentino de Andrade e Silva, Administrador Apostólico da Diocese, que substitui o Bispo D. António Ferreira Gomes (1906-1989), exilado por ordem de Salazar em 1959...

(iii) A partir de 1963 foi professor de religião e moral em dois liceus do Porto;

(iv) Em Agosto de 1967 "foi abruptamente interrompido nesta sua missão pastoral pelo Administrador Apostólico da Diocese, por suspeita de estar a dar cobertura a actividades consideradas subversivas dos estudantes (concretamente, por favorecer o movimento associativo, coisa proibida pelo regime político de então)";

(v) Nomeado capelão militar, "sem qualquer consulta prévia, pelo mesmo Administrador Apostólico", viu-se compelido a frequentar, durante cinco semanas seguidas, um curso intensivo de formação militar, na Academia Militar, em Lisboa;

(vi) Em Novembro de 1967, desembarca na Guiné-Bissau, na qualidade de alferes capelão do Exército português, integrado no BCAÇ 1912, com sede em Mansoa;

(vi) Menos de cinco meses depois, em março 1968,  é "expulso de capelão militar, por ter ousado pregar, nas Missas, o direito dos povos colonizados à autonomia e independência", e mandado regressar à sua diocese, sendo "rotulado pelo Bispo castrense de então, D. António dos Reis Rodrigues, como padre irrecuperável ";

(viii) Em Abril de 1968, foi nomeado pároco da freguesia de Paredes de Viadores (Marco de Canaveses);

(ix) Em Junho de 1969 é exonerado da paróquia de Paredes de Viadores pelo mesmo Administrador Apostólico da Diocese do Porto, que o havia nomeado;

(x) Em Outubro de 1969 está a paroquiar a freguesia de Macieira da Lixa (Felgueiras), por nomeação do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, entretanto, regressado do exílio;

(xi) Em Julho de 1970 é preso pela PIDE/DGS;

(xii) Em Março de 1971 sai da prisão política de Caxias, depois de ter sido julgado e absolvido pelo Tribunal Plenário do Porto;

(xiii) Volta a ser preso pela PIDE/DGS em Março 1973; quando sai em liberdade, em Fevereiro de 1974, é "informado, de viva voz, pelo Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, que já não era mais o pároco de Macieira da Lixa";

(xiv) Em 1975 torna-se jornalista profissional;

(xv) Em Julho 1995, e a convite do jornal Público, "regressou à Guiné-Bissau, onde permaneceu durante uma semana, com o encargo de escrever uma crónica por dia sobre o passado e o presente daquela antiga colónia portuguesa" (...).




Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansoa > 1995 >  O jornalista Mário de Oliveira com o padre missionário que foi encontrar em Mansoa.

Foto:© Padre Mário da Lixa (2003) (com a devida vénia...)


(**) Último poste da série > 21 de fevereiro de 2014 >  Guiné 63/74 - P12753: (De)caras (15): O meu primo Agnelo, e meu conterrâneo da ilha de Santo Antão, comandante do PAIGC, com quem me reencontrei no pós-25 de abril, em Bissau, era eu empregado bancário, no BNU - Banco Nacional Ultramarino (António Medina, ex-fur mil op esp, CART 527, Teixeira Pinto, 1963/65, a viver nos EUA, desde 1980)

Guiné 63/74 - P12896: Parabéns a você (708): Rui Silva, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 816 (Guiné, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12893: Parabéns a você (707): Braima Djaura, ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCAÇ 19 (Guiné, 1972/74)

segunda-feira, 24 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12895: Notas de leitura (575): "Como Fui Expulso de Capelão Militar", por Padre Mário de Oliveira (Mário Beja Santos)






Capa do livro “Como eu fui expulso de capelão militar”, por Mário de Oliveira (Edições Margem, 1995)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Outubro de 2013:


Queridos amigos,
São assim as surpresas da Feira da Ladra.
Estou já regalado com livros encontrados de leituras que fiz na meninice e que espero que venham a ser úteis para um livro que ando a congeminar sobre as minhas memórias de fedelho, eis quando uma bela capa me chamou a atenção.

Porque o Padre Mário não se faz rogado, capas só de grandes autores como Inácio Matsinhe e neste caso Roberto Chichorro, um dos nomes maiores da pintura moçambicana. O título tinha o seu picante, e a decisão ficou tomada quando vi que se tratava da memória dos quatro meses em que ele viveu na Guiné-Bissau como capelão.
Posso imaginar a turbulência que ele lá provocou, nos meios castrenses. Também assim se fez a história da Guiné, com padres revoltosos.

Um abraço do
Mário



Como fui expulso de capelão militar: O Padre Mário de Macieira da Lixa explica-se, mostra o seu diário

Beja Santos


“Como eu fui expulso de capelão militar”, por Mário de Oliveira (Edições Margem, 1995) é o testemunho do Padre Mário de Oliveira que em Março de 1968 foi expulso de capelão militar depois de integrar durante quatro meses um Batalhão na Guiné.

 Sacerdote polémico, vive desde Outubro de 1975 como padre sem ofício pastoral, dedica-se a um projeto denominado Igreja Popular e é jornalista. 

Antes de ser capelão militar na Guiné-Bissau, foi professor de Religião e Moral no então Liceu D. Manuel II e era assistente diocesano da JEC. Terão chegado queixas ao administrador apostólico da Diocese do Porto acerca do seu trabalho com os jovens, foi despachado para a Academia Militar para frequentar o curso de Capelões. 

Não guarda em grande conceito o Bispo castrense, D. António dos Reis Rodrigues. Tece comentários amargos à conivência da hierarquia da Igreja Católica com o regime de Salazar. Naqueles meses da Guiné escreveu um diário e explica as reservas utilizadas: 

“O diário propositadamente omite o nome das terras por onde passei. Tão pouco divulgo o número do Batalhão em que fui integrado e no seio do qual desencadeei a ação que culminou com o meu afastamento compulsivo”.

O diário começa no dia 28 de Outubro de 1967: 

“Não sinto saudades. Não chorei à partida. E não esforço. Mas costumou-se a separação. Só Deus me aguentou. Se Ele não fosse o ideal da minha vida, não teria saído”

No dia seguinte, o capelão do Batalhão celebrou Missa no porão do Uíge: 

“Não me satisfez a Missa. Está numa linguagem que não se entende. Celebrámos a Festa de Cristo Rei e ninguém terá entendido isso”

Percebe que não houve fraternidade, no final da Missa foram todos a correr para os bares. E no dia seguinte houve instrução, tece outro tipo de recriminações: 

“O major falava das moças pretas. E pude ouvi-lo a instruir como conhecer quando o soldado poderia usá-las sexualmente. E quando elas, por sinais já convencionais, deixassem perceber concordavam, que era só procurar um sítio para isso. Ouvi bem! Nenhum estímulo a saberem servir, a respeitar, a permanecer fiéis. Será isto civilizar? Será isto amar o preto, respeitá-lo?”.

A viagem prossegue maravilhosamente e a 1 de Novembro o Capelão apercebe-se que estavam perto da Guiné, aqui chegarão no dia seguinte. A 4 regista os muitos soldados que vê em Bissau, as viaturas do Exército e escreve: 

“Tenho a sensação de estar num país estrangeiro. Não se entende os que os nativos dizem entre si. Outro defeito grave do passado. Nem a língua comum se procurou dar ao nativo

A 8 marcha para o seu Batalhão, à noite aproximou-se do edifício das praças, encontrou muita gente na jogatina. Medita sobre o que poe fazer para a valorização pessoal, ali não há clima de virtude. Os dias que se seguem são de contacto com as unidades, desloca-se e celebra Missa num fortim: 

“Ali estão perdidos dias seguidos. Estiveram presentes. Também o que estava de vigia no ponto mais alto, pois ficava mesmo em frente do altar. Num cenário de guerra, Cristo nasceu. E falou”

Vai registando factos para si surpreendentes: um inimigo que fugiu da prisão; a chegada de uma companhia de uma operação, chegaram eufóricos porque mataram e feriram e não tiveram baixas; vai registando depoimentos, acompanha o tenente médico pelas tabancas.

Por vezes, espraia-se em dissertações sobre a evangelização em África, mas acontecimentos triviais ou inusitados são transcritos para o papel como aquele Pedro que estava louco de amores pela Mariana e atirou duas granadas de sopro que feriram a bajuda. Reflete sobre a Missa. 

Numa coluna que se deslocou a Bissau rebentou uma mina em plena estrada, o capelão ia num jipe, a tudo assistiu. Escreve sobre o Advento. A 8 de Dezembro, exalta Maria, mãe da humanidade. Visita a cadeia onde se encontra pessoal preso em operações, há ali também suspeitos. Sente-se nas suas reflexões que está a entrar num caldeirão emocional. Nunca esquece os soldados feridos, acompanha-os, reza com eles. Continua a visitar os destacamentos e as tabancas. Começou a preparação litúrgica do Natal, toma nota dos maus tratos dados aos nativos que se recusaram a fazer capinações. 

Escreve longamente na vigília de Natal e a 25 regista que chegaram dez feridos, um dos quais já sem pernas, mais uma mina anticarro. 

“Nunca passei uma noite de Natal tão esquisita. Estive no refeitório das praças, em confraternização geral, com oficiais da companhia que jantava e os comandos. Mas não estava bem. Nunca senti saudades de ninguém. Apenas sofria". 

A 26, é procurado por um alferes que manifestara vontade de se confessar e que pediu para comungar.

Já não esconde o seu estado de revolta, refere a situação desumana dos prisioneiros, as torturas a que são submetidos. Em 1 de Janeiro, houve um ataque ao aquartelamento onde estava o capelão. Morreu um soldado milícia e ele rezou a seu lado. Os textos ganham dureza: construímos a paz ou alimentamos uma guerra, o texto da sua homilia vai suscitar polémica. O seu chefe religioso de Bissau vai inteirar-se da situação. 

O seu diário é tão confuso quanto a sua incompreensão ao destino que lhe está reservado. Continua a celebrar Missa, percebe-se que o deixam andar pelos destacamentos, não o querem no Batalhão. Regista a 30 de Janeiro: 

“Vivo horas difíceis. Estou a ser rejeitado e mal interpretado. Deus é o meu apoio, a minha força, o meu refúgio. Soube, ontem, que veio cá ao quartel um agente da PIDE para falar com um dos comandantes. Foi pedido o meu cadastro. Será pelas homilias. Como português e como cristão, apenas quero dar o meu contributo para a solução do problema que nos mantém cá na Guiné”

No dia seguinte chega uma mensagem para se apresentar em Bissau. E escreve: 

“Mas que mal fiz eu? Será um crime pregar aos cristãos a Palavra de Deus com clareza e objetividade e querer que as relações em Batalhão e fora dele sejam mais realizadas no Amor uns aos outros?”

Sente-se caluniado, até admitiram a hipótese de ter vindo assalariado por um grupo de revolucionários do Porto.

As suas homilias são cada vez mais incómodas, o Padre Mário tira toda a incandescência possível das homilias: 

“Muita gente, mesmo de responsabilidade, confundiu o Reino dos Céus com a vida ultraterrena, à qual se chegava abandonando esta. Não sei mesmo como foi possível fazer da religião um conjunto de práticas de piedade que nada tinham a ver com a vida no mundo, quando o Evangelho de Cristo é todo ele atividade contínua e entusiasta no mundo”

Exalta a sociedade nova, critica os ociosos e recorda o cristianismo primitivo. A 17 de Fevereiro, o seu chefe religioso apareceu e falou-lhe em particular, perguntou-lhe se aceitava mudar de unidade, ir para outro batalhão, recomendou-lhe que usasse da prudência no futuro. A 22 de Fevereiro, volta a Bissau, encontra-se com o chefe religioso de Lisboa. E diz ao seu superior que não achava justo mudar de batalhão, não praticara qualquer crime. O seu chefe reagiu mal: 

“Há já um mês que queriam mandá-lo para Lisboa. Eu é que o fui segurando aqui. Mas, já que agora me fala dessa maneira, não muda de Batalhão: vai para Lisboa e lá vê-se o que se há de fazer”

No fim de Fevereiro recebe instruções para embarcar para Lisboa. E conclui:

“Ouvi do meu bispo as piores referências! Não quis ouvir-me. Não me deu oportunidade de o informar, pormenorizadamente, do que se tinha passado. Não se mostrou interessado em conhecer a mensagem que anunciara no correr dos quatros meses”

É considerado irrecuperável para determinadas atividades sacerdotais. E daqui parte para casa dos pais, em Lourosa, onde chegou pela meia-noite. Era dia dos seus anos.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12864: Notas de leitura (574): "Pai, tiveste medo?", por Catarina Gomes (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12894: Tabanca Grande (430): Silvério Dias, 1º srgt art ref, o senhor PIFAS, e "poeta todos os dias!...Nove anos de permanência em terras guineenses, incluindo uma comissão na CART 1802 (Nova Sintra, 1967/69)... É agora o grã-tabanqueiro nº 651

1. Mensagem do nosso novo grã-tabanqueiro, Silvério Dias, o ex-1º srgt art, locutor do PFA;


Data: 23 de Março de 2014 às 18:51
Assunto: Alistamento no Regimento dos "Tabanqueiros"


 Assim seja, desejo alistar-me, voluntariamente, tomando a posição 651. Que me seja conservado o posto de 1º.Sargento de Artilaharia, bem assim, todos os louvores e condecorações, constantes na caderneta!

Brincadeira aparte, caro "Homem-Grande", Luís Graça (*), não se culpe. Se erro existe é apenas meu, ainda que desculpável.

Só muito recentemente e de modo ocasional, tive conhecimento da existência da "Tabanca Grande" e dos seus efeitos benéficos, reunindo à sombra de gigantesco poilão, grande parte daqueles que, da Guiné, guardam tantas boas e más recordações.

Para descrever as minhas, diria que só num livro de muitas páginas. Basta referir que "por lá andei", durante 9 (nove) anos, de 1967 a 1976. Granjeei amigos de todas as etnias e credos, admiradores ouvintes do PFA. e agradecimentos pelo bem-fazer, na minha condição de Delegado de Propaganda Médica, após abandono voluntário do Exército.

Sucintamente, apenas contrariado pelo clima adverso (que todos conhecemos), diria que me senti "em casa", embora bem longe dela.

Alguns utentes da "Tabanca Grande" já ouviram falar de mim, mercê da atitude louvável do Furriel Mil Garcez da Costa, que ao "Pifas" deu voz (considera que fui o seu paizinho) e deu a conhecer a minha existência. Lhe agradeço por isso e pela possibilidade futura de conviver convosco.

Na plenitude da minha velhice, estou dedicado à poesia. Prometo divulgar o que escrevo e relativo à "nossa Guiné". Para consulta, o blogue, Poeta Todos os Dias.

Não vos prometo maçar mais. Há manga de chuvas para podermos dialogar. Até lá e até sempre, firme e hirto, a minha continência à virtual bandeira da Tabanca Grande. na presença do seu "Comandante Luís Graça"!

Ex-camarada e presente amigo, Silvério Dias.


2. Comentário de L.G.:

Camarada, mandam as boas regras do blogue, tratarmo-nos por tu, como camaradas de armas que fomos!... Além disso, pertencemos à mesma geração, e recusamos desaparecer sem deixar rasto. Este é um blogue, como sabes, de partilha de memórias e de afetos, seja em prosa em verso.  És bem aparecido e bem vindo e serás seguramente acarinhado por todos os amigos e camaradas da Guiné.

Com nove anos de Guiné (que conheceste bem, antes e depois da independência, mais a Índia e a Moçambique), não te faltam histórias e fotos para publicar. Para já, instala-te e senta-te confortavelmente à somba do nosso mágico, fraterno, centenário e protetor poilão. Estás mais do que "arregimentado". És o grã-tabanqueiro nº 651 (**). Um alfabravo para ti e para a "senhora tenente". Muita saúde e longa vida, deseja-te o nosso bom irã, acocorado lá no alto do poilão!


PS1 - Silvério, devo arescentar que és o único representante, até à data, da CART 1802, "Pioneiros de Nova Sintra", que andou pela região de Quínara (Nova Sintra, Fulacunda, Jabadá, S.João, 1967/69). Julgo que na altura eras 2º srgt. E daí terás ido para o PFA - Programa das Forças Armadas, onde trabalhaste com, entre outros, o então cap inf António Ramalho Eanes. Confere ?

Da tua CART 1802, composta por rapaziada alentejana, fizeste um breve historial em verso. Tens fotos desse tempo ? Tens a história da unidade ? Vocês costumam reunir-se em convívio anual ?  O nosso crítico litérário, o Mário Beja Santos, já aqui em tempos fez a recensão de uma brochura. da autoria de  um camarada que esteve em Moçambique, Manuel Pedro Dias, que conta a história da tua companhia. Ora vê clica aqui (***)... Como vês, e como costumamos dizer, o Mundo É Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. E, a propósito, também também temos uma página, mais aberta e mais ligeira, no Facebook > Tabanca Grande Luís Graça,

PS2 - Sobre a CART 1802, independente: Mobilizada pelo RAL 3, partiu para o TO da Guiné em 28/10/1967 e regressou a 23/8/1969. Esteve em Farim, Bissau, S. João, Nova Sintra, Bissau, Teixeira Pinto, Pelundo e Bula. Comandantes: (i) cap mil art António Nunes Augusto;  cap art Luís Fernando Machadoo de Sousa Vicente;  e (iii) cap mil art  Emílio Moreira Franco.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de março de 2014 >  Guiné 63/74 - P12870: Agenda cultural (295): O camarada "pifaniano" Silvério Dias, ex-1º srgt, locutor do PFA - Programa das Forças Armadas, e "poeta todos os dias", convida os poetas da Tabanca Grande para a sessão de hoje, "Há Poesia no CASO", ou seja, no Centro Acção Social de Oeiras, às 17h00

(...) Comentário de L.G.: (...) Silvério, agora me dei conta que o meu amigo e camarada ainda não tem lugar cativo, na Tabanca Grande, à sombra do nosso poilão!...

Mas isso imperdoável! E a falta só pode ser minha!.. Uma foto do tempo do PIFAS já temos, falta uma atual... E o resto é simples: é um paleio do género, a enviar por email:

(... "Apresenta-se o camarada tal que, deslumbrado com este ponto de encontro virtual dos amigos e camaradas da Guiné, também bate a pala e pede licença para entrar e contar, em prosa ou em verso, algumas das suas andanças e peripécias por aquela terra verde e rubra a que ainda hoje chamamos a nossa Guiné, sem falsos paternalismos nem muito menos com inconfessáveis intenções neocolonistas, enfim, de cara lavada e coração limpo" (...) Blá- blá, blá-blá...

Um alfabravo. Luís Graça

PS - Não se aceitam negas...O nº 651 está vago... mas por pouco tempo! (...) 


(...) Manuel Pedro Dias, que prestou serviço militar em Moçambique fez amizade com Manuel Balhau (proprietário da Gráfica 2000) e que prestou serviço militar na Guiné. Manuel Pedro Dias deitou mãos ao trabalho, consultou no Arquivo Histórico-Militar a história da CART 1802, e fez-se brochura.

É um exemplo para muitos. Temos aqui um documento sóbrio, destacando as principais andanças, não descurando o In Memoriam e mostrando até os guiões dos outros batalhões com quem os “Pioneiros da Nova Sintra” tiveram articulação. Coisa bonita.

A CART 1802 andou por Teixeira Pinto, Binar, Pelundo, Farim, S. João, Nova Sintra e Jabadá, ou seja percorreram o Sul, Centro e Norte. Tiveram ainda pelotões destacados em Enxudé e ilha de Jeta.

Foram mobilizados pelo Regimento de Artilharia 3 (Évora), a sua divisa era “Honra e Glória”. Uma comissão que se estendeu de Outubro de 1967 a Agosto de 1969. Mal desembarcados, seguiram para Farim; depois de treino operacional participaram numa operação na Ponta do Inglês e noutra em Binar, em ambas tiveram mortos e feridos.

Estavam de intervenção ao Comando-Chefe. Começaram o ano de 1968 numa operação em Binar e depois partiram para S. João, aqui construíram abrigos, patrulharam e limparam itinerários com vista à criação do subsector de Nova Sintra na zona de acção do BART 1914. 


É um período de intensa actividade operacional. Em Outubro vão para Jabadá dois pelotões, um outro fica em S. João e mais outro em Enxudé. Em Março, uma parte da companhia chega a Teixeira Pinto, vão para a ilha de Jeta e para o Pelundo. A partir daqui, apoiam trabalho de desmatação na estrada Teixeira Pinto – Bachile, bem como na estrada Pelundo – Có. 

Em Agosto de 1969, a 1802 recolhe a Bula, seguindo depois para Bissau. (...) 

Guiné 63/74 - P12893: Parabéns a você (707): Braima Djaura, ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCAÇ 19 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12880: Parabéns a você (706): José Lino Oliveira, ex-Fur Mil Amanuense do BCAÇ 4612/74 (Guiné, 1974)

domingo, 23 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12892: Convívios (572): 31.º Encontro Nacional dos ex-Oficiais, Sargentos e Praças do BENG 447, a realizar no próximo dia 17 de Maio de 2014 na Tornada, Caldas da Rainha

1. A pedido do nosso camarada Lima Ferreira, ex-Fur Mil do BENG 447 (Brá), leva-se ao conhecimento dos possíveis interessados a realização do 31.º Encontro Nacional dos ex-Oficiais, Sargentos e Praças daquele BENG, a realizar no próximo dia 17 de Maio de 2014, na Tornada, Caldas da Rainha.



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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12889: Convívios (571): Encontro do pessoal da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861, dia 26 de Abril de 2014, em Chaves

Guiné 63/74 - P12891: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (24): Um longo percurso que começou em Vendas Novas, passando por Cascais, Torres Novas, Queluz, Lisboa, acabando em Mafra (Jorge Picado)

2. Mensagem do nosso camarada Jorge Picado (ex-Cap Mil na CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 18 de Março de 2014:

Amigo Carlos

Um passarinho me segredou que andavas sem "trabalho". Ora isso não é bom para a saúde.

Pegando num escrito que tinha feito, do género "para memória pós-morte", os meus sucessores, que já são muitos (só netos já formam uma equipa de futebol mista) saberem o que eram aqueles tempos do antigamente, a que chamei " Pedaços de Vida - Quatro Anos e 159 dias Fardado de Militar", extraí uns parágrafos e arranjei uma composição que tavez possa ser enquadrada em "A Cidade ou Vila que eu mais amei ou odiei no meu tempo de Tropa".
Se não tens mais nada para fazer aí vai.

Grande abraço para Vós do
Jorge


A Cidade ou Vila que eu mais amei ou odiei no meu tempo de Tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG

Se bem que as terras ou cidades que detinham estabelecimentos militares, onde se cumpria o tempo obrigatório do serviço militar, não fossem as culpadas pelos “sofrimentos” que por ventura viessem a ocorrer, a verdade é que muitos os “descarregavam” sobre as localidades, chegando mesmo a criar aversão a tais terras.
Pela minha parte, tendo conhecido várias dessas localidades, algumas mais “pobres” e, outras até mais desenvolvidas e evoluídas, também ocorreu algo de semelhante como a tantos.

De Vendas Novas, onde assentei praça em pleno verão do tão longínquo ano de 1959, 31AGO, muito mais pequena e menos desenvolvida do que actualmente e mal servida de meios de comunicação, não guardo más recordações.

Não obstante as deficiências resultantes por exemplo: da falta de água em época de tanta canícula, obrigando-nos algumas vezes a dormir todos enfarruscados, após instruções noturnas, sem pinga de água nas canalizações para um banho na chegada ao quartel; ou a dificuldade em ligações de transporte para quem queria vir passar um fim de semana ao Norte; ou mesmo a relativa falta de meios de passatempo, sempre encarei a situação como provisória e fazendo parte duma etapa a que não me podia furtar.

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Foto 1 – No início do COM em Vendas Novas.


Foto 2 – Em OUT59 nas escadas para o “galho”. Onze mancebos do COM 1/59/A. 1- Emanuel Maranha das Neves; 2- Carvalho, do Porto; 3- Este escriba.


Foto 3 – Junto de uma “relíquia da 1.ª Guerra Mundial”, parece que estou chegando “fogo à peça”, que não é peça.


Foto 4 – Ensaios para o “Juramento de Bandeira”. 1- Belmiro de Azevedo; 2- Carvalho, do Porto; 3- Eu; 4- Maranha das Neves.


Foto 5 – Juramento de Bandeira. Com a seta verde Eu; 1- Maranha das Neves.


Seguidamente rumei a Cascais para a especialidade e aí, após a secura alentejana, sobreveio a água a mais, já que se seguiu um outono-inverno bem molhado.

No entanto havia a compensação de que os “ares” eram outros. Mais cosmopolitas, melhores “vistas”, cafés mais “acolhedores”, apesar da triste figura que por vezes nos obrigavam a fazer quando “tocavam a capotes” e lá tínhamos de sair com aqueles “sobretudos” feitos para outros corpos, nunca correspondentes ao nosso número. Mesmo assim, já se podia até ir a uma sessão de cinema.

E Lisboa ali tão perto para fins de semana, sempre com estadia garantida na morada onde sempre aquartelei durante a frequência, e não só, do ISA. Era uma casa particular com vários quartos e camas em maior número, “sui generis”, praticamente de Ilhavenses, homens do mar, onde eu destoava por ser “de terra” e quase o único que estudava. Como “imagem de marca”, mesmo para aqueles que já andavam embarcados, havia sempre lugar para dormida mesmo quando os navios chegavam a altas horas da madrugada. Quase “uma República Coimbrã”.

De Cascais portanto nada de mal a dizer e, quanto às tropas, sempre de vento em poupa, tudo na desportiva como é costume dizer-se e a caminho duma “Muito Boa” classificação, ao mesmo tempo que limpava a “cadeira de Hidráulica Agrícola” que tinha deixado para fazer em Dezembro.

No final da especialidade, 2.º classificado em AAA com 16,59, preparava-me para seguir rumo a Queluz, convencido que a Instituição Militar era o paradigma dos valores éticos que apregoava.


Foto 6 – Na última semana de JAN60 (se não erro) nos exercícios finais nas matas do Guincho. Fila para o “tacho” (comida, não para aquilo que os “boys” agora fazem). 1- Barroco (Algarvio e colega de curso no ISA); 2- Carvalho, do Porto; 3- Barreto (Moçambique, colega do ISA mas Silvicultura); 4- Julgo ser o que ficou em 1.º em AA; 5- Eu; 6- Gil.


Foto 7 – 2.ª Secção a efectuar “fogo de barragem” com a peça de 9,4 cm. Reparem nos “supositórios”. Depois do tiro, com o recuo, era cá cada salto que os apontadores davam nos assentos que se não apertassem bem os capacetes eles voavam. A 1.ª Secção, sob o meu (seta vermelha) comando estava “em descanso com o pessoal fora dos postos a ver”.


Foi então que surgiu a primeira de muitas decepções e aparece uma localidade que “comeu” por tabela com o “meu ódio”.

A malfadada Torres Novas onde se acolitava o GACA 2 (Grupo de Artilharia Contra Aeronaves 2).

De facto, no final do COM e antes de nos mandarem para “casa” a aguardar colocação, tivemos de preencher os “inquéritos” com a ordem de preferência na colocação. Em função da minha classificação, e de acordo com o que era normal, escolhi o RAAF – Queluz como 1.ª e única prioridade, pois permitia-me, como acontecia com todos os meus colegas de Agronomia, proximidade ao ISA e a realização ali de alguns trabalhos.

Deixei Cascais descansado, até porque sabia que o 1.º não ia para lá, mas antes tinha solicitado, como aconteceu, colocação no Serviço Cartográfico do Exército, já que ainda não tinha concluído o curso de Matemáticas, acabando por aí permanecer vários anos.

A desilusão não podia ser maior ao receber como prémio, poucos dias depois, a Nota de colocação naquele aquartelamento para onde eram remetidos, género de castigo, os últimos classificados do curso. Antes de levantar a guia de marcha apresentei um requerimento devidamente formulado e instruído, dirigido a SEXA o Ministro do Exército, reclamando de tal colocação. Porém, enquanto não fosse emitida a decisão de SEXA, tinha de seguir caminho e, nestas coisas de “cunhas”, “quem vai ao mar perde o lugar” como se diz na minha terra. E quem “o ganhou” por Queluz se repimpou.

Desde o “barrete” que os distintos Serviços Militares enfiaram a 2 ou 3, já não recordo quantos éramos, ingénuos Aspirantes, passando-nos guias de transporte de Caminho de Ferro de Lisboa para Torres Novas, que nos fizeram desembarcar de uma composição ronceira, recordo que estávamos em FEV60, no dito apeadeiro de Torres Novas, onde o respectivo Chefe, muito admirado nos avisou que o nosso destino ficava a não sei quantos quilómetros e dali não havia carreiras de camioneta! Até conseguirmos um carro de aluguer, requisitado via telefone a uma praça da dita Vila ou já seria Cidade (?), pago logicamente por nós e não pelo Exército, muitos nomes bonitos fomos endereçando a quem nos pregou tal partida. O trajecto correcto, viemos a saber por esse Chefe da CP, seria transporte da CP até Entroncamento e depois de Camioneta até Torres Novas, pois daí, sim, havia carreiras regulares.

Mais uma achega para o aumento do mau relacionamento com esta terra. Mas outras se seguiram.

O “inimigo” que arranjei, logo na apresentação oficial na Unidade. Sem qualquer diplomacia da minha parte, quando o Comandante admirado verifica o meu “currículo militar” e exclama para os restantes oficiais que finalmente eram premiados, julgando-me talvez um “militarão”, lhe respondi que estava enganado, já que o que acontecia era um tremendo erro, para não dizer outra coisa, uma vez que o meu lugar, por direito era no RAAF e, aguardava que tal erro fosse corrigido por quem de direito, após análise do recurso.

Isso é que era bom, julgava eu, pois não conhecia a “têmpera” e “o posicionamento político” desse Comandante. Mesmo depois da resposta afirmativa de SEXA de que o meu lugar era em Queluz para onde deveria voltar, tive de “gramar” com uma recruta naquela Unidade e com a “vigilância pidesca” do IN, que era exercida unicamente nos meus serviços à Unidade, que eram examinados a “pente fino”. Só de lá saí depois de terminada a recruta que ministrei, ocupando o lugar de direito no RAAF apenas em Setembro-Outubro. Torres Novas foi pois um lugar a esquecer.


Foto 8 – Em Torre Novas, com “atavios” cedidos.


Foto 9 – Almoço no GACA 2. Três Asp a Of [1- “O mais guapo”; 2- Trancas de Carvalho (colega do ISA); 3-Almada Negreiros] e Alf QP (4).


Foto 10 – O “meu Pelotão de instruendos”.


Foto 11 – Praia de S. Pedro de Muel, durante a semana de exercícios finais dos recrutas. 1- Cap Art QP Cmdt da Companhia de Instrução praticando tiro ao alvo com bazooka; 2- Eu que também fiz gosto ao dedo.

Seguir-se-ia Queluz por pouco tempo. Um ou dois meses, já que para “embolsarem umas massas”, mandavam de licença registada (?) quem quisesse, até terminar o tempo e antes da promoção a Alferes. Mas aqui eram só os serviços à Unidade e ver passar o tempo, muitas vezes com dispensas alegando “afazeres” no ISA, uma vez que tinha concluído as cadeiras, mas faltava o estágio obrigatório para a obtenção do “canudo”.

Esta era uma Unidade “chave” para os “astros” do Sporting e Benfica, pelo menos, que por ali “passavam” quais “Senhores”, apenas para “assinar o ponto” como se dizia. Pouco faltava para serem os Oficiais a fazerem-lhes continência e não o inverso!

Queluz, além de muito para ver, era quase Lisboa. Logo nada de mau.

Mais tarde, 30AGO61 voltei e, apesar de ser para Lisboa, Santa Apolónia, já não gostei.

A Capital não tinha culpa, mas a forma como fui apanhado e os transtornos que me causaram provocaram-me “azia”. Ainda para cúmulo o serviço podia traduzir-se em “encanar a perna à rã”. E eu com tanto que fazer para realizar o estágio!

Durou este “fadário” até 05FEV62, mas não chegou para mudar a minha opinião sobre Lisboa, que “habitava” desde OUT54.

Se não tinha gostado desta “pseudo brincadeira”, fiquei “pior que uma barata” por ter de voltar a Queluz e entrar novamente no RAAF, de 18AGO62 a 17OUT62, para ministrar nova recruta, sem se importarem pelos transtornos e prejuízos que profissionalmente me causaram.

Oeiras-Queluz e volta ainda que distância relativamente pequena, mas feita diariamente deixavam-me fulo. Valia-me possuir já meio auto próprio, mas já não havia encanto nas belezas de Queluz. Devo acrescentar que já tinha a primeira filha bébé e a minha mulher de férias até quase ao fim de Setembro, passava esses dias comigo em Oeiras e nos dias em que estava de Serviço na Unidade lá ia de camioneta e com a alcofa e o bébé fazer-me companhia durante as tardes.

Finalmente, não contando claro com todas aquelas localidades que conheci na Guiné, colocaram-me, não uma “cereja em cima do bolo”, formado pelas terras que me obrigaram a percorrer, mas um “limão” bem amargo.

Em 24AGO69 “desterram-me” para Mafra. Escusado será dizer que por tudo que essa convocatória significou, a Cidade berço da Escola Prática de Infantaria e aquele Convento de Mafra foi a pior Cidade por onde passei e da qual guardo as piores recordações.


Diploma de Curso.

JPicado
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12821: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (24): Caldas da Rainha, com o meu amigo Zé Tito, para uma aventura que havia de ligar-nos por três anos, até Janeiro de 72, quando passámos à peluda (José Manuel M. Dinis)