domingo, 13 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12977: Os nossos médicos (76): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (9): O PAIGC no tempo do presidente Luís Cabral, perpetrou fuzilamentos sucessivos nos "Comandos Africanos"

1. Mensagem do nosso camarada Mário Vasconcelos (ex-Alf Mil TRMS da CCS/BCAÇ 3872 - Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72 - Mansoa, e Cumeré, 1973/74), com data de 7 de Abril de 2014:

Como habitualmente venho procedendo, junto o texto enviado pelo nosso Tabanqueiro n.º 624 - Rui Vieira Coelho, ex Alf. Mil. méd. do BCAÇ 3872 e BCAÇ 4518, sediados, que foram, em Galomaro - Guiné.
Ele, e eu, formulamos votos de boa recuperação para o camarigo Luís Graça e de amizade para todos em geral.

Um alfa-bravo para todos.
Mário Vasconcelos


MEMÓRIAS DO DR. RUI VIEIRA COELHO

9 - Fuzilamentos sucessivos nos "Comandos Africanos"

Rui Vieira Coelho

Costumo dizer aos meus doentes deprimidos, aflitos com o desemprego e a resseção económica, com a desintegração social e familiar e que dizem estar "no fundo do poço", pois olhe que eu já passei por situações muito piores quando estive na guerra da Guiné e depois de ter estado no Inferno, tudo aqui me parece o Céu.
Depois enumero algumas situações dramáticas por que passei e que assisti no teatro de guerra e a seguir começam a sentir que os problemas por que estão a passar, não serão tão graves, comparados com as descrições que eu lhes fiz.
Por fim é necessário, após acalmarem, enumerar soluções para os seus problemas de uma maneira prática, enlevando -lhes a auto-estima, o sentido de humor e a esperança de tempos melhores que por certo acabarão por vir, não deixando de afirmar sempre o apoio, o "ombro amigo" a disponibilidade de saber ouvir e o "tempo ao dispor".

Na Tabanca dos Melros, a recordação dos tempos bons e maus da Guiné, as conversas entre nós servem de terapia e de divisão de problemas antigos de lá trazidos, as saudades de locais e gente boa que conhecemos, e para as quais algumas não há retorno, como o meu amigo Tenente Jamanca, comandante (comando africano) da CCaç 21 de Bambadinca, injustamente fuzilado e que tantas vezes nos protegeu as costas em operações quer em Galomaro, Dulombi, Cancolim e Saltinho.

O PAIGC no tempo do presidente Luís Cabral, perpetrou fuzilamentos sucessivos nos "Comandos Africanos", que iludiram dizendo que estes iriam constituir a Tropa de Elite do Novo País agora libertado. 
Ouvi isso mesmo já em Bissau quando estava de urgência no Hospital Civil, hoje denominado de Simão Mendes, no período de transição e de viva-voz do Tenente Justo e do Capitão Saiegh, que acompanhavam o Dr Bualdi, responsável pela Saúde do novo País (angolano e era casado com a Dra Niquita Bualdi que estava nomeada para Comissionária da Educação) e que veio reunir com os médicos sediados em Bissau, pedindo para ficarmos mais algum tempo, dizendo que tínhamos um dever histórico para com o Povo da Guiné.

O Tenente João Bacar Djaló rodeado de pessoal da 1ª CCmds Africanos.

A maior parte de nós recusou o "convite" pois não estávamos em condições psíquicas, no fim da comissão de permanecer no território até à reorganização dois serviços de saúde.
Lembro-me de dizer ao Capitão Saiegh e ao Tenente Justo, que se fosse a eles, viria para a Metrópole, pois não me acreditava na ilusão criada pelo PAIGC e abarcaria com ambas as mãos a oferta de integração plena no Exército Português. Foi a última vez que os vi.

Posteriormente já cá, soube das atrocidades contra todos eles cometidas. A todos os massacrados do Batalhão de Comandos Africanos curvo-me com todo o respeito e rezo à minha maneira.

O Inferno que vos criaram, trará o CÉU para todos vós.  
Benditos sejam.

RVC
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12953: Os nossos médicos (75): Memórias do Dr. Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518 (8): Colegas meus

Guiné 63/74 - P12976: Consultório militar, de José Martins (2): Respondendo ao cadete aluno cav Pedro Marçal Lopes: Tipologia das Unidades Mobilizadas pela Arma de Cavalaria durante a Guerra de África (1961-1974)

Brasão de armas de Portugal:  Imagem do domínio público.
Fonte: Wikipedia
1. Mensagem, de 4 do corrente,  do nosso leitor, Cadete Aluno Cav Pedro Marçal Lopes 09706, com pedido encaminhado para o José Martins


Boa tarde, caros Camaradas.
Devo felicitar-vos pelo vosso trabalho no blog dedicado a uma Campanha que tanto nos marcou e nos diz respeito. O meu nome é Pedro Lopes, sou Aspirante a Oficial de Cavalaria e venho por este meio pedir-vos auxílio na realização do meu trabalho final, com o tema: "A Tipologia das Unidades Mobilizadas pela Arma de Cavalaria durante a Guerra de África (1961-1974)".

Como podem deduzir do tema, o meu trabalho baseia-se apenas em unidades mobilizadas na metrópole e por unidades de Cavalaria. E após ter feito o levantamento das unidades, a minha busca agora direcciona-se para a estrutura orgânica das seguintes unidades: BCav, CCav (tanto pertencentes a BCav, como as Comp Indepentes), ERec, Pel Rec, CPM, Pel PM.

Pela dedicação demonstrada por vós, sinto honestamente que podem contribuir para que o meu trabalho se revele um tributo, tanto para a Arma de Cavalaria como para o Exército Português.

Agradeço desde já a vossa atenção e mais uma vez, Parabéns!

Com os melhores cumprimentos,
Pedro Lopes
Asp Cav


2. Resposta, dada no dia seguinte, pelo nosso camarada e colaborador permanente: José Martins [, foto atual à esquerda]:

Caro Pedro Lopes

Recebi do camarigo Carlos Vinhal o mail infra, e vamos colaborar no que nos for possivel.

Para tal agradeço que informe, mais concretamente, e que podemos ajudar. Creio que se refere a constituição orgânica das unidades e subunidades mobilizadas. Vou ver o que tenho em arquivo.

Refiro os links de um trabalho feito recentemente para o blogue, acerca das localidades e unidades militares, do exército, na altura das Campanhas de África, onde poderá encontar matéria de interesse:

2 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12534: Fábricas de Soldados - Localidades e Unidades Militares do Exército por onde passámos (José Martins) (1): Introdução, Biografia, Índice das Unidades, Estruturas Militares, Órgãos de Comando e Número de Unidades mobilizadas

4 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12542: Fábricas de Soldados - Localidades e Unidades Militares do Exército por onde passámos (José Martins) (2): G - Localização dos Órgãos, Unidades e Serviços do Exército (1961-1974) (1): Municípios de Abrantes a Coimbra

6 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12550: Fábricas de Soldados - Localidades e Unidades Militares do Exército por onde passámos (José Martins) (3): G - Localização dos Órgãos, Unidades e Serviços do Exército (1961-1974) (2): Municípios de Covilhã a Linda-a-Velha

8 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12558: Fábricas de Soldados - Localidades e Unidades Militares do Exército por onde passámos (José Martins) (4): G - Localização dos Órgãos, Unidades e Serviços do Exército (1961-1974) (3): Município de Lisboa

10 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12570: Fábricas de Soldados - Localidades e Unidades Militares do Exército por onde passámos (José Martins) (5): G - Localização dos Órgãos, Unidades e Serviços do Exército (1961-1974) (4): Municípios de Mafra, Odivelas, Oeiras, Paço de Arcos, Penafiel, Penamacor, Ponta Delgada, Portalegre, Porto, Póvoa de Varzim, Queluz, Sacavém e Santa Margarida

13 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12581: Fábricas de Soldados - Localidades e Unidades Militares do Exército por onde passámos (José Martins) (6): G - Localização dos Órgãos, Unidades e Serviços do Exército (1961-1974) (5): Santarém, Setúbal, Tancos, Tavira, Tomar, Torres Novas, Trafaria, Serra da Carregueira, Vendas Novas, Viana do Castelo, Vila Nova de Gaia, Vila Real e Viseu

Aguardo informações.
Sempre ao dispor

José Martins
Colaborador Permanente

3. Comentário de L.G.:

Apraz-nos saber que o nosso blogue é  lido e considerado últil, "como fonte fonte de informação e conhecimento", por professores e alunos da nossa Academia Militar, em particular, e mais em geral pelos militares portugueses no ativo,

Quanto ao pedido do nosso Cadete Aluno Cav Pedro Marçal Lopes,  permito-lhe chamar a atenção para a coluna do lado esquerdo do nosso blogue onde encontrará cerca de 3 milhares de entradas, referências ou marcadores, incluindo diversas relativas à arma de cavalaria:. Basta clicar sobre a hiperligação. Alguns exemplos, que podem ser úteis para o seu estudo:

BCAV [, seguido do respetivo nº de identificação]
Cavalaria
CCAV [, , seguido do respetivo nº de identificação]
Chaimite
CPM  [, seguido do respetivo nº de identificação]
EPC
EREC [seguido do respetivo nº de identificação]
Pel Rec Daimler [, seguido do respetivo nº de identificação]
Pel Rec Fox  [, eguido do respetivo nº de identificação]
Pel Rec Panhard [, seguido do respetivo nº de identificação]
PM - Polícia Militar...

Boa pesquisa. Bom sucesso, para si,  futuro oficial de cavalaria,  em termos escolares, pessoais e profissionais, Um alfa bravo.
Luís Graça

PS - Faça também pesquisas através do  Google Imagens. Por exemplo, Google Imagens=BCAV
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Guiné 63/74 - P12975: Memórias dos últimos soldados do império (2): A aventura do "Caderno de Poesia Poilão", de que se fizeram 700 exemplares, a stencil, em fevereiro de 1974, em edição do Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do BNU (Albano Mendes de Matos)



Foto nº 1 > Bissau > 1974 > Albano Mendes de Matos, a preparar o Caderno de Poesias «Poilão», no Clube Militar de Oficiais.


Foto nº 2 > Bissau > 1974 > Alguns membros do grupo «Poilão». Ao centro, à esquerda, o capelão da Leprosaria da Cumura, à direita, Aguinaldo de Almeida, do Banco Nacional Ultramarino, no dia do lançamento do Caderno de Poesias «Poilão». O Albano de Matos está à dierita do capelão.



Foto nº 3 > Bissau > 1974  > Capa do documento  policopiado do Caderno de Poesia Poilão", editada pelo Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino



Foto nº 4 > Bissau > 1974 >  Cartão de sócio da UDIB - União Desportiva Internacional de Bissau

Fotos (e legendas): © Albano Mendes de Matos  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]

1. Mensagem enviada, a 2 do corrente, pelo nosso Albano Mendes de Matos, ten cor art ref, que vive no Fundão [, ex-2 ten art, GA 7 e QG/CTIG, Bissau, 1972/74], enviou-nos a seguinte mensagem.


Luís,

Envio em anexos um texto sobre o Caderno de Poesias «Poilão» e 3 fotos: uma minha a fazer o «Poilã», outra do grupo «Poilão», onde estão o capelão da Leprosaria da Cumura e o Aguinaldo de Almeida do BNU, uma terceira com a capa da brochura, e uma quarta. do meu cartão de sócio da UDIB. Mando também duas fotos minhas, atuais.

Abraço, Albano.


2. Albano Mendes de Matos na Guerra Colonial > O Caderno de Poesias "Poilão"

[O autor, foto atual, à esquerda]

Como militar de carreira, durante 36 anos, tive, sempre que pude, uma actividade paralela: colaboração em revistas e jornais, explicador de algumas disciplinas liceais, fotógrafo amador, frequência de cursos e pesquisa de campo sobre Literatura Tradicional Popular e Antropologia.

Mobilizado para a Guerra Colonial, fiz duas comissões de serviço em Angola, de 1961 a 1963 e de 1965 a 1968, e uma na Guiné, de 1972 a 1974.

Posso dizer que fui o último militar português a vaguear pelas ruas de Bissau, de onde saí, na noite de 13 de Outubro, para o aeroporto de Bissalanca, para regressar a Portugal, no último avião da Guiné, na madrugada do dia 14 de Outubro de 1974.

Em Angola, tentei perceber o sistema de relações entre o colonizador e o colonizado, ou, antes, as relações entre o branco e o negro, e também as vivências de alguns povos angolanos, com relevo para Povo Quioco, da Lunda-Norte, sobre o qual fiz alguns trabalhos.

Na Guiné, foi diferente. Colocado em Bissau, sujeito a horários, não tive condições, nem disponibilidade para contactos com os povos negros. Em Bissau, passei a frequentar a UDIB - União Desportiva Internacional de Bissau, da qual fui sócio [, vd. foto nº 4, acima], o Grupo Desportivo e Cultural do Banco Nacional Ultramarino e a Associação Comercial. Na UDIB e no Grupo Desportivo e Cultural do BNU, colaborei na organização eventos culturais, como, concursos literários e sessões de teatro


Nos inícios do mês de Dezembro de 1973, ao ler o jornal «Voz da Guiné», deparei com um escrito de Agostinho de Azevedo, alferes miliciano, creio que chefe de redacção do jornal, insinuando que não havia poesia na Guiné. Respondi com um escrito, «O Despertar da Guiné», dizendo que havia poesia na Guiné e que, em breve, iríamos ter um Caderno de Poesias, com o título de «Poilão», a designação de uma árvore sagrada na Guiné. Depois da publicação do primeiro número, seriam publicados cadernos de poesia de um só autor.

No Grupo Desportivo de Cultural do BNU, conheci guineenses e cabo-verdianos que faziam poesias e pedi originais para colaboração em «Poilão», que ainda guardo no meu arquivo. Juntei 24 poemas de 4 poetas da Guiné, 3 de Cabo Verde e 4 de Portugal.

De modo artesanal, fiz 300 exemplares do caderno. Dactilografei os poemas, imprimi-os em duplicador, dobrei as folhas e agrafei-as em capa de cartolina, esta impressa em tipografia, com desenho do poilão da autoria de um alferes miliciano, do Batalhão de Transmissões.



Os 300 exemplares do Caderno de Poesias «Poilão», editado pelo Grupo Desportivo e Cultural do Banco Nacional Ultramarino, esgotaram-se na noite do lançamento. Sem preço de capa, cada pessoa dava a importância que queria. O preço por unidade foi de 20$00 a 100$00.

Por minha proposta, o dinheiro angariado foi doado à Leprosaria da Cumura, nas proximidades de Bissau. Preparei, então, mais 400 exemplares que se esgotaram num dia. Havia apetência para a Poesia na Guiné. Eu apercebi-me desse facto.

No jornal «Voz da Guiné», de 28-02-1974, Agostinho de Azevedo refere o lançamento de «Poilão":

«De uma assentada, dois livros com poemas vieram parar em cima da nossa secretária. Um, impresso, provinha de Angola, o outro, policopiado, é um caderno nado e criado na Guiné. É claro que neste apontamento, em que falamos de Bissau, com amor, nos interessa, sobremaneira, aquele que viu surgir a luz do dia aqui, ao nosso lado. Além do mais, nós pugnámos para que isso acontecesse. Não tivemos interferência na sua elaboração, mas sentimo-nos irmandos num mesmo sentimento. Aplausos para os seus dirigentes e os seus colaboradores. Não havendo outra forma de manifestarem as suas preocupações culturais, este caderno é um exemplo que pode dar bons frutos.»

Com um mês de licença, em Portugal, e com as antevisões do 25 de Abril, não foram publicados mais cadernos.


O Caderno de Poesias «Poilão» está referenciado, praticamente, em todas as Bibliografias, Dicionários, Histórias e Estudos da Literatura Africana de Expressão Portuguesa, sendo considerado como a primeira Antologia de Poesia na Guiné-Bissau. Tem sido referido em tertúlias, seminários e encontros culturais.



Em «Poilão», colaborou Pascoal D’Artagnam Aurigema, falecido em 1991, que foi um dos principais poetas da Guiné-Bissau. Um poema deste autor publicado em «Poilão»:

MÃOS

magras
desmazeladas
negras

mãos
entregues à bolanha
o pau de pilão

mãos
de canseira
abandonadas
na eterna lenga-lenga
do duro labor

mãos
de inferno
condenadas
fuliadas
p’ra lá
p’ra aquele espaço
longe
onde basbaco
e canseira
e pobreza
formam sociedade

mãos pendidas no vácuo
mãos porcas
ah! desprezadas mãos!

Pascoal D’Artagnam Aurigema
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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12974: Memórias dos últimos soldados do império (1): “Bate estradas” histórico, escrito à minha filha em 1973, e uma redacção da minha neta,  vinte anos depois (Albano Mendes de Matos)

Guiné 63/74 - P12974: Memórias dos últimos soldados do império (1): “Bate estradas” histórico, escrito à minha filha em 1973, e uma redacção da minha neta, vinte anos depois (Albano Mendes de Matos)

1. O nosso Camarada Albano Mendes de Matos, TCor Art.ª Ref, que esteve no GA 7 e QG/CTIG (Bissau, 1972/74), enviou-nos a seguinte mensagem.


Camaradas,

Envio um texto sobre o aerograma, o célebre «bate-estradas», que uma neta escreveu, numa aula de Português, quando aluna no Colégio Maristas, na Parede, para uma possível publicação na «Tabanca».

Abraço.
Albano Mendes de Matos


AEROGRAMA OU "BATE ESTRADAS" > UM DOCUMENTO HISTÓRICO E UMA REDACÇÃO



Em Janeiro de 2003, no Colégio Marista da Parede, onde estudava uma minha neta, uma professora de Português, pediu aos alunos que, no dia dos avós, levassem um objecto histórico que tivesse pertencido ou feito por um avô ou avó.

A minha neta falou com a mãe e esta mostrou-lhe aerogramas que eu lhe tinha enviado da Guiné, onde estive em comissão de serviço de 1972 a 1974, e que guardava numa caixa. A minha neta levou alguns aerogramas para o Colégio Marista, que foram objectos de curiosidade.



Aerograma, o célebre «bate-estradas».

Imagem digitalizada: © Albano Mendes de Matos (2014). Todos os direitos reservados.


A professora disse, então, aos alunos que fizessem uma redacção sobre os objectos que tinham levado.

A minha neta fez a seguinte redacção:


«O AEROGRAMA

No baú das recordações, encontrei uma caixinha de cartão muito bonita. A caixinha foi carinhosamente forrada com um papel brilhante enfeitado com grinaldas de flores, anjinhos e corações. Abri-a, curiosa, e lá dentro um laço de seda azul apertava um montinho de cartas amarelas. Escolhi uma, mirei-a de frente e no verso.

Dentro de um rectângulo, no canto superior esquerdo, li: “O transporte deste aerograma é uma oferta da TAP aos soldados de Portugal.” Então, percebi que a cartinha amarela se chamava aerograma. Foi escrito pelo meu avô para a minha mãe. E fiquei a saber que o meu avô tinha sido um soldado de Portugal!

Investiguei um pouco e fiz montanhas de perguntas sobre os simpáticos aerogramas.

Descobri que através deles os “soldados de Portugal” comunicavam com os familiares e os amigos. Antigamente, não existiam telemóveis, nem Internet e poucas pessoas tinham telefone em casa. Por isso, quando se estava longe, escreviam-se muitas cartas, neste caso, aerogramas. O avô, nessa época, encontrava-se em comissão militar, na Guiné-Bissau. Esteve lá dois anos e, durante esse tempo, só veio à Metrópole (Portugal) quatro vezes. Assim, longe, enviava muitas cartas, aerogramas e postais.

Os aerogramas tinham uma alcunha, contou-me o avô. Eram os “bate-estradas” porque chegavam a todo o lado onde estivessem soldados. Imagino que naquela época, visto do céu, o nosso país devia ser amarelo, pois eram tantos os aerogramas que voavam de um lado para o outro e eram tantos os soldados que estavam na guerra!

Ser militar devia ser muito doloroso! A avó confessou-me que, sempre que recebia uma carta do avô, fixava a data e pensava:“Pelo menos neste dia estavas vivo e de saúde; hoje, já não sei se estás bem.”

Também fiquei a saber que quem inventou os aerogramas foi o Movimento Nacional Feminino. Era um movimento de senhoras que apoiavam os militares do Ultramar.

Entretanto, pedi autorização ao meu avô para ler publicamente algumas das suas palavras»:

"Bissau, 25 de Setembro de 1973

"Querida Rita

"Como vais de saúde? Bem disposta?

"Tens trabalhado muito? Olha que a escola está quase a chegar e este ano já é mais difícil. (...)

"Aqui, vai tudo na mesma, só mais cansado e aborrecido. Enganei-me no emprego. (...)

"Muitos beijos do teu pai

"E assina."

Passados dezanove anos: nasci.

Passados mais onze anos: estou aqui a contar esta história.»
Lúcia Maria Matos Carreira

2. Comentário de do editor MR:

Fica aqui o desafio ao nosso último grã-tabanqueiro, nº 652, para abrir o "baú" das suas recordações e continuar a partilhar, connosco histórias e memórias do seu/nosso tempo... Recorde-se que ele terá sido o último militar português a vaguear pelas ruas de Bissau, na noite de 13 para 14 de outubro de 1974, antes de apanhar o último avião para Lisboa. Eu, "pira de Mansoa", também estou nesta lista dos últimos soldados do império, tendo regressado em 15 de Outubro de 1974, na última viagem do T/T Uíge, com as últimas tropas portuguesas que estiveram no CTIG.

sábado, 12 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12973: 10º aniversário do nosso blogue (6): A propósito da nossa sondagem... "Ao fim de alguns anos eu tive de relembrar ao Migel Nuno que aos dois anos esteve comigo e com a mãe em Bissorã, de set 73 a jan 74, o significado destas fotos e de quando em vez faço o mesmo com o seu filho, meu neto" (Henrique Cerqueira)


Guiné > Região do Oio >  Biambe > c. set 73 / jan 74 > "Uma visita que fizemos à minha antiga companhia no Biambe... O Miguel  Nuno e, à frente, do lado esquerdo, a sua mãe, a  Maria Dulcinea (NI)" [, nossa grã-tabanqueira]



Guiné > Região do Oio >  Estrada de Biambe- Bissorã > c. set 73 / jan 74  > "Uma visita que fizemos à minha antiga companhia no Biambe, na companhia do Miguel  Nuno e da mãe... O Unimog 411, "burrinho", pertencia à companhia "Já Está no Papo" (são ainda percetíveis os dizeres pintados no capô).




Guiné > Região do Oio >  Bissorã >  c. set 73 / jan 74 > "O Miguel  Nuno, sentado na carcaça de um 'fusca' que era pertença de uma escola de condução... Atrás os seus amigos de brincadeira".

[O Nuno e a mãe embarcaram na TAP em finais de Setembro de 1973 até Bissau, de seguida seguiram com o Henrique Cerqueira  no interior de uma ambulância do Exército até Bissorã.  Regressaram à Metrópole em 29 de Junho de 1974, tendo o nosso camarada regressado a casa em finais de Julho de 1974.]

Fotos (e legendas):  © Henrique Cerqueira (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


Henrique Cerqueira, Porto
1. Mensagem de hoje do Henrique Cerqueira [ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74]:

Assunto: Nosso 1º filho e a Guiné

Camarada Luís Graça:

Vem a propósito do inquérito sobre o falar com os nossos filhos da Guiné e da guerra colonial (*).

Vem também a talho de foice o teres comentado que as nossas estórias da Guiné estarão esgotadas. 

Na realidade uma das coisas boas que todos nós tivemos na Guiné ,foi que tiramos muitas fotografias de muitos e diversos momentos passados lá e sempre que damos uma olhadela a essas fotos descobrimos que há sempre uma pequena estória associada às mesmas.

Bom e para "alimentar" o nosso blogue com mais alguma matéria relacionada com a nossa passagem pela Guiné,  eu resolvi enviar-te estas duas fotos do meu filho Miguel aquando a sua permanência com a mãe junto de mim em Bissorã.

Ele era uma criança muito sociável, embora nos seus dois anitos de vida, tinha uma grande capacidade de comunicação e inclusivamente já falava muitas palavras em crioulo. Também era muito bem tratado pelas crianças naturais Bissorã tal como documenta a foto em que está sentado na carcaça de um "fusca" que era pertença de uma escola de condução.

Na foto a preto e branco, demonstra,  uma vez mais, a sua adaptação a todos os ambientes, pois que se tratou de uma visita que fizemos à minha antiga companhia no Biambe e claro que depois de uma visita guiada ao tabancal em Unimog (identificado como sendo da companhia "Está no Papo"),  impunha-se a foto da ordem.

Claro que mais tarde, e ao fim de alguns anos eu tive de relembrar ao Miguel o significado destas fotos e de quando em vez o faço com o seu filho, meu neto, e para isso tenho que lhe explicar o porquê de termos ido à Guiné.

Agora lamentável é que as nossas 
escolas não sejam mais contundentes no estudo e ensino sobre a
permanência dos Portugueses e a participação nma guerra colonial, chegando ao ponto da maioria dos jovens e até menos jovens de hoje quase nada saberem sobre as guerras coloniais dos anos 60/70.

Bom, qualquer dos modos, nós, os Camaradas da Guiné lá vamos contando alguma coisa e quem sabe algum dia servirá para instruir as gerações futuras.

Luís, esta pequena estória vale o que vale, no entanto se achares algum interesse publica, mas o nosso blogue não se pode esgotar por aqui. (**)

Um abraço a todos os camaradas da Guiné.
Henrique Cerqueira
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Notaa do editor:

Vd. poste

(*) Vd. poste de  11 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12966: 10º aniversário do nosso blogue (3): Resultados preliminares (n=67) da nossa sondagem ("Camarada, com que regularidade falas da guerra, aos teus filhos?")... Mais de um terço admite que nunca falou ou raramemte fala, da guerra, aos seus filhos...

(**) Último poste da série > 12 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12972: 10º aniversário do nosso blogue (5): A propósito da sondagem que eestá a correr:... "Os nossos filhos e netos estão muito mais preocupados com o seu presente e o seu futuro do que com o nosso passado" (João Martins, ex-alf mil art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69)

Guiné 63/74 - P12972: 10º aniversário do nosso blogue (5): A propósito da sondagem que está a correr:... "Os nossos filhos e netos estão muito mais preocupados com o seu presente e o seu futuro do que com o nosso passado" (João Martins, ex-alf mil art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69)



Guiné > Região de Gabu > Piche > Foto nº 112/199 > 1968 > A muher amamenta a cabrinha (!)... Um ternura de foto do álbum do João Martins, já célebre na Net.

Foto: © João José Alves Martins (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



1. Mensagem do João Martins [, ex-alf mil art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69 ], com data de ontem:

Camarigo Luís Graça:

É com muito prazer que passo a responder à tua pergunta, mas acontece que, em minha opinião, o tema não se esgota com as alternativas que apontas, o assunto é de extrema oportunidade e deve ser aprofundado até às suas últimas consequências.

Na nossa idade, a rondar os 70 anos, ou falamos e é agora, ou, nos calamos para sempre, como já aconteceu com alguns dos nossos camaradas que continuam na nossa memória e que recordamos com muita saudade pois fazem parte do nosso passado. Um passado de que nos orgulhamos, pois, para nós, ex-combatentes, foi um orgulho servir a Nação, sofrer por ela, dando-lhe parte da nossa juventude, alguns, mesmo, lamentavelmente, com evidente prejuízo da saúde, ou, inclusivamente, perdendo a vida.

O sofrimento não é um completo mal em si mesmo, tem o lado positivo de nos tornar mais humanos, mais solidários, mais preocupados e sensíveis aos males dos outros. Em África, tivemos o privilégio de contactar populações amigas que se mostraram dignas da nossa amizade e consideração. 

Infelizmente, há muita gente que não compreenderá estas palavras e pensará que somos paternalistas, nada mais errado, os africanos são pessoas com muita personalidade, com exigências de justiça, mas, também, com consciência de necessidades de ajuda e sabem agradecer, aliás, merecem largamente todo o nosso apoio e tudo o que fizermos por eles não será demais.

Em termos de comparação, em Portugal continua a haver muitos exploradores e explorados, e não é por acaso que há tanta gente a viver com muitas dificuldades e a necessitar de muita ajuda, além do próprio País com uma dívida dificil de liquidar, o que exige muitos sacrifícios e "ajustamentos", que, sendo da responsabilidade de alguns, são distribuidos pela população em geral...


Respondendo mais concretamente à tua pergunta, recordo-me de uma prova oral de história no meu 5º ano em que afirmei que se antevia que íamos entrar em guerra, e que a perderíamos, pois os nossos governantes não estavam à altura das suas responsabilidades, e que, para se ganhar aquela guerra que nos era movida pelas grandes potências era necessário merecer essa vitória, o que não era o nosso caso pois a nossa política ultramarina era inadequada. 

Quem, na altura, se preocupava em estar bem informado, facilmente percebia que desde há muito nos encontrávamos em "guerra fria" contra os interesses imperialistas internacionais, na continuação de uma guerra contra a Alemanha no princípio do século XX em que, com a justificação da defesa das colónias, milhares de portuguesas morreram na batalha de Lalis em solo francês face aos avanços das tropas alemãs. Portanto, o expansionismo é algo comum, assim como é natural o direito de conquista. Embora, cada vez menos aceitável e recordemos, como exemplos, a invasão da Hungria pelos soviéticos, ou do Tibete pela China sem significativa oposição da Comunidade Internacional. O mais forte a impor a sua força...

Nos anos cinquenta era evidente que a guerra fria que opunha americanos e soviéticos passava pela conquista de posições e influências no Ultramar Português. Daí, a infiltração de seus "agentes" em partidos e nas nossas forças armadas, com evidente, embora disfarçada, posterior influência na revolução. E, como foram eles os grandes vencedores, determinando a evolução dos acontecimentos, nomeadamente as independências, no período entre o 25 de Abril de 74 e o 25 de Novembro de 75, o País ficou "amordaçado" e passou a ser tabu falar-se da globalidade dos acontecimentos e dos seus protagonistas, e o medo instalou-se no nosso País como nunca o tinhamos conhecido. Mesmo após esta última data, é preciso ter certa coragem para se contar o que se sabe, apenas ouvindo-se dizer que a "história" precisa de tempo para ser contada.
 
Só que, entretanto, "vamos indo desta para melhor" e os nossos filhos e netos vão estar muito mais preocupados com o seu presente e o seu futuro do que pelas guerras de guerrilhas que enfrentámos e que muitos, europeus e africanos, brancos e pretos, reconhecem que não foi o que esperavam nem tiveram as consequências que desejavam. 

É por isso que defendo firmemente a minha convicção que devemos "retornar" a África e cumprirmos a nossa "missão" de solidariedade com os povos africanos cumprindo um destino de que nos deviaram sem nos preocuparmos a apontar responsáveis. 

Por tudo isto, sou levado a pensar que a emigração a que voltámos a ser impelidos por fraquíssimo desenvolvimento económico com consequente diminuição de postos de trabalho, e não cabe aqui escalpelizar este facto, deve ser canalizada, de novo, tanto quanto possível, para África, para nosso bem, e, sobretudo, para bem dos povos africanos, nossos amigos e que sempre estiveram e continuarão a estar nos nossos corações.

Será esse, muito provavelmente, o melhor destino dos nossos filhos e netos. Assim o compreendam os governantes africanos.

Grande abraço a todos os ex-combatentes
João Martins

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12971: Bom ou mau tempo na bolanha (52): Pelo Arizona e Nevada - Grand Canyon (Tony Borié)

Quinquagésimo segundo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.


Há uns dias, um companheiro nosso, o Leopoldo Correia, que por lá andou, na então província da Guiné, não pertencia ao Agrupamento, mas esteve estacionado em Mansoa, precisamente nos mesmos anos, que felizmente ainda se encontra entre nós, entre muitas mensagens, algumas daquelas “maldosas”, pelo menos para a nossa idade, mandou-me uma, onde no final dizia algumas palavras como estas:

Há uma felicidade tremenda em fazer os outros felizes, apesar dos nossos próprios problemas!
A dor partilhada é metade da tristeza, mas a felicidade, quando partilhada, é dobrada!
Se te queres sentir rico, conta todas as coisas que tens que o dinheiro não pode comprar!
O dia de hoje é uma dádiva, por isso é que o chamam de presente!

Porra, que “verdade mais verdadeira”, é por isso que quero compartilhar com todos vocês, alguns momentos mais alegres da nossa existência, e por acaso podendo caminhar, mover-me, sem dores, portanto cá vai.



Há já alguns anos que andávamos com a ideia de ver esta maravilha, que é considerada uma das sete maravilhas naturais do mundo, já a tínhamos sobrevoado por diversas vezes, a caminho do oeste, mas nunca por lá caminhámos e, agora com todo o tempo disponível que a vida de um antigo combatente reformado proporciona, fomos de visita ao “Grand Canyon”. Aquilo é como se fosse uma “zona montanhosa”, mas ao contrário, cá em cima é plano, mesmo plano, depois são os “moldes” das montanhas, metidos nas aberturas da terra, desfiladeiros que vão até às profundezas do rio Colorado.

Tínhamos dormido na cidade de Flagstaff, onde dizem que por volta do ano de 1855, um tal Tenente Edward Fitzgerald Beale, que fazia a pesquisa para uma nova estrada desde o Rio Grande, no estado do Novo México, até Fort Tejon, no estado da Califórnia, acampou por aqui, e um dia disse aos seus homens, que cortassem um pinheiro “Ponderosa”, comprido e fino e colocassem no seu topo a bandeira dos USA a tremular..

Pronto, foi o início, depois veio um senhor de nome Thomas F. McMillan, que devia de ser de descendência escocesa, construiu umas barracas em madeira, um pouco a leste daquele acampamento, nos anos seguintes o lugar começou a crescer, abriu o primeiro “Post Office”, onde se podia tratar de tudo relacionado com a fixação de pessoas na zona, e passado uns anos já tinha uma pequena indústria de componentes para o caminho de ferro, principalmente traves de madeira para os carris. Por volta de 1886, a cidade de Flagstaff, já era a maior e mais importante cidade do caminho de ferro, entre Albuquerque e a costa oeste dos USA. Anos depois passou a ser um lugar turístico ideal para se parar, pois fazia parte da popular “Route 66”, e também pela sua proximidade ao “Grand Canyon National Park”.


Deixámos esta simpática cidade pela manhã, ainda muito cedo, tomando a estrada número 40, até à cidade de Williams, que é uma importante cidade de onde saem os comboios, alguns ainda a vapor, e que fazem parte da “Grand Canyon Railway”, e que leva as pessoas até ao “Grand Canyon Village”. Não parámos, tomámos a estrada número 64, em direcção ao norte, que nos levou até à entrada do “Grand Canyon National Park”.


Aqui, depois visitarmos o posto de boas-vindas, de nos informarmos de como proceder para melhor observarmos toda a beleza do Grand Canyon, estacionámos o carro e percorremos, caminhando ou nos autocarros que sempre rolam em ambos os sentidos ao longo do “North Rim”, vimos paisagens que não são possíveis de descrever, ficámos paralisados, e não querendo sair daquele maravilhoso lugar. Como já disse, é considerada uma das sete maravilhas naturais do mundo, tudo o que se diga, já foi dito, aquele silêncio, os nosso olhar perde-se no infinito, o pensamento vai para milhões de anos de história da natureza, como foi possível este cenário. Qualquer lugar em que a nossa mente se concentre é um quadro pintado maravilhoso, onde quer que se pare, fica-se deslumbrado, não querendo abandonar o local. Dizem que este lugar é um vale que foi moldado pelo rio Colorado durante milhares de anos, à medida que suas águas percorriam o leito, aprofundando-o ao longo de 446 km. Chega a medir entre 6 e 29 km de largura e atinge profundidades da ordem de 1600 metros, onde muitos aventureiros vão, uns caminhando, outros montados em “simpáticos burros”, que descem por um labirinto de carreiros, túneis, pontes estreitas, onde só pode passar uma pessoa ou um “simpático burro”, de cada vez.


Como gostamos de “caminhadas”, fomos perguntar pormenores e disseram-nos que para ir de “simpático burro”, teria que me inscrever com um ano de antecedência ou então colocar-me na lista de desistências e esperar que me chamassem. Deste modo talvez esperasse uns poucos meses. Se optasse por ir a pé, teria, na minha idade, de deixar um depósito de três mil dólares, para o caso de ser necessário evacuarem-me de helicóptero. Não havendo um “simpático burro” disponível, sendo “burro”, mas não tanto, desisti da caminhada lá ao fundo.

Enfim, cerca de 2 bilhões de anos da história geológica da terra foram expostos pelo rio, à medida que este e os seus afluentes vão expondo camada após camada de sedimentos.

O primeiro estrangeiro a visitar o Grand Canyon foi o espanhol Garcia Lopez de Cardenas em 1540, porém a primeira expedição científica ao desfiladeiro foi dirigida pelo Major John Wesley Powell, no final da década de 1870 e referiu-se às rochas sedimentares expostas no desfiladeiro como "páginas de um belo livro de histórias". No entanto, a área era já ocupada por nativos americanos que estabeleciam povoados ao longo do desfiladeiro, como os “hopi”.


É considerada uma das sete maravilhas naturais do mundo e um ponto turístico visitado por milhares de turistas anualmente, gerando receitas para as cidades e populações ribeirinhas ao desfiladeiro. O Grand Canyon tem cerca de 126.025,00 metros. Fica localizado entre as cidades de Las Vegas e Albuquerque.

Era meio dia, informaram-nos que a parte oeste do Grand Canyon também era maravilhosa, embora ficasse a umas centenas de milhas. Decidimos ir ver, depois de regressar à estrada 64, tomando de novo a estrada número 40, em direcção ao oeste, por uma zona ainda não habitada, onde andámos por mais de uma centena de milhas, sem qualquer posto de gasolina ou qualquer outro apoio, o que é um pouco raro, numa das seis ou sete auto-estradas que atravessam os USA de este a oeste, depois a estrada 93, em direcção ao norte, em seguida uma estrada de terra batida, fazendo algum pó, onde andámos por mais de duas horas, por entre desfiladeiros, planícies, curvas apertadas, alguns animais vadios e, finalmente um “Rancho”, onde se podia dormir e comer. Mais à frente havia uma aldeia de nativos, os “Hualapai”, onde funciona um centro de boas-vindas, com toda a informação.

A paisagem era a mesma, mas mais selvagem, sem grades de protecção ou qualquer sinalização, aqui, fomos ao fundo do Canyon de helicóptero, andamos de barco no rio Colorado, tocámos na água, fria e com alguma areia, uma corrente suave em alguns locais, pois em outros era forte, arrastando areia e alguma ramagem, vimos as aldeias de nativos e o seu modo de sobrevivência, visitámos o “Grand Canyon Skywalk”, que é uma plataforma em forma de ferradura, construída em vidro transparente, onde se pode caminhar, e ver numa distância em sentido vertical entre 500 a 800 pés de altura.

Era já quase noite quando regressamos ao “Rancho”, mas ainda a tempo de entre outras coisas, comer “cobras grelhadas”, dormir em cabanas, tal como os nossos antepassados dormiam há muitos anos, depois de andar a cavalo, ouvir canções de cowboys, dançar e beber cerveja à temperatura ambiental, em redor de uma enorme fogueira.
Tony Borie.
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12936: Bom ou mau tempo na bolanha (51): Batuque no aquartelamento (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P12970: Os Nossos Cartazes de Propaganda (2): Parte II (Fernando Hipólito): O Portugal pluricontinental e plurirracial

Cartaz nº 3


Cartaz nº 4


Cartaz nº 5



Cartaz nº 6

Cartazes de propaganda das Forças Armadas Portuguesas, s/d, dirigiiridos às populações, em geral, quer da metrópole, quer dos territórios ultramarinos, nomeadamente de África.  Foram recolhidos entre 1969 e 1971, pelo nosso camarada Fernando Hipólito e por ele digitalizados.

Imagens: © Fernando Hipólito (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. O Fernando Hipólito é guardou religioamente estas preciosidades, utlizadas na "guerra contrassubersibva" (*)

Neste caso são cartazes de propagannda  dirigidos às populações Angola, Guiné e Moçambique, mas metrópole, às famílais dos soldados e aos combatentes.,.. 

O Fernando Hipólito [, foto atual à direita, ] é o grã-tabanqueiro nº 650... Passou pelo CISMI, Quartel da Atalaia, Tavira, 3º turno, 1968. antes de ser mobilizado para Angola. Foi fur mil, CCAÇ 2544, 1969/71. Esteve a maior parte do tempo no leste de Angola, em Lumege. Está reformado da sua atividade de vendedor numa  empresa de tintas de impressão e tem, talvez por isso, uma particular sensibilidade para este tipo de suportes em papel, impreesos. Fes questão de partilhar a sua coleção connosco, pelo que lhe estamos gratos.

Estes cartazes foram recolhidos por ele entre 1969 e 1971,  têm hoje valor documental e historiográfico. São documentos avulsos, que vamos publicar ao longo de vários postes (*).

Pessoalmente, não tenho ideia de os ter visto no TO da Guiné, no meu tempo (1969/71), com exceção talvez do cartaz nº 3,

Todos os comentários dos nossos leitores serão bem vindos. Interessa-nos saber, por exemplo, em que TO (teatro de operações) e em que época foram usados... E como eram distribuidos. Nalgunas casos, e em particular na Guiné, a FAP espalhava panfletos, folhetos e outros documentos de propaganda, sempre em português e criuoulo, nalgumas das matas mais conhecidas onde o PAIGC controlava população (por ex., Morés, Choqumone, Tancroal, esclarece o antigo ten pilav António Martins de Matos, BA 12, Bissalanca, 1972/74). 

Guiné 63/74 - P12969: Parabéns a você (719): Francisco Alberto Santiago, ex-1.º Cabo TRMS do BART 3873 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 11 de Abril de 2014> Guiné 63/74 - P12963: Parabéns a você (718): Jorge Félix, ex-Alf Mil Pilav Allouette III - BA 12 (Guiné, 1968/70); Jorge Picado, ex-Cap Mil da CCAÇ 2589, CART 2732 e CAOP 1 (Guiné, 1970/72) e Manuel Marinho, ex-1.º Cabo Inf do BCAÇ 4512 (Guiné, 1972/74)

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12968: 10º aniversário do nosso blogue (4): Para além do Mário de Oliveira e do Arsénio Puim, terá havido mais capelães militares expulsos do CTIG... Terá sido o caso do alf mil capelão, também de nome Mário, do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala, Buba, 1973-74), ainda em Bolama, na IAO... (Testemunho de um leitor e camarada nosso que pede reserva de identidade)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72) > s/d> O Alf Mil Capelão Arsénio Puim, expulso do Batalhão e do CTIG em Maio de 1971.

Foto: © Gualberto Magno Passos Marques (2009). Todos os direitos reservados



Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansoa > 1995 > O jornalista Mário de Oliveira com o padre missionário que foi encontrar em Mansoa.

Foto: © Padre Mário da Lixa (2003) (com a devida vénia...)


1. Mensagem de um nosso leitor (e camarada) que não quer ser identificado, por razões que me apresentou e que eu aceitei como válidas, estando esta situação prevista nas regras originais do nosso blogue. 

Será apenas identificado pela última letra do alfabeto, Z (*). Tenho os contactos de telefone e endereço de email. Vive na região Centro.


Data: 27 de Março de 2014 às 03:07

Assunto: Capelães militares expulsos

Caríssimo Luís Graça.

Antes de mais, permite-me que me apresente. Sou [Z...],  ex-Alf.Mil. da 2ª CCaç. do BCaç. 4513 (Aldeia Formosa-Nhala-Buba - 1973-74), actualmente reformado.

Hesitei bastante antes de me decidir por este contacto, duvidando se valeria a pena. Mas, tudo vale a pena, vale sempre a pena... Isto, porque, li ontem (dia 25 de Março) no Blog que tão bem "comandas", e que visito diariamente desde que o descobri por acaso, há já uns anos, li, dizia, o seguinte: [vd. poste P12897]: «Em toda a história da guerra colonial, no CTIG, houve dois casos de capelães militares que foram "expulsos"», a propósito das referências ao Padre Mário da Lixa. 

Ora, acho que vale a pena corrigir esta afirmação e pôr em dúvida se, estaremos nós, hoje, em condições de saber quantos padres e não padres terão sido subtilmente, (ou com mediatismo como é o caso do Padre Mário da Lixa), afastados do território da Guiné sem deixar rasto. 

É preciso ter presente que a PIDE agia sem espalhafato e com muito profissionalismo. O caso que conheci de perto, o do Alf Mil Capelão que integrava o meu Batalhão no início, e que ainda não vi referido no Blog, é um indício de que podem ser muitos mais os padres que "desapareceram", ou foram afastados.

 Este que cito, e com quem me dava muito bem, "desapareceu" da noite para o dia, literalmente. Ao princípio, com ingenuidade e a medo, alguns ainda perguntavam: «Viste o Capelão? O que é que lhe aconteceu?». Mas a compreensão veio rápida e também o silêncio tácito e sensato. Todos pensaram: «O caso não me diz respeito». Caso abafado!

Tudo isto aconteceu apesar de, no dia de apresentação do Batalhão ao General Spínola em Bolama e na reunião que se lhe seguiu com ele e com todos os oficiais, ele lhe ter dito: «O nosso Alferes pode falar à vontade, dizer o que pensa, porque daquela porta - e apontou - não sairá uma palavra. (O Cmdt do Batalhão, enfiado, transpirava e bufava...). 

O General, antes, interpelara-me a mim. Queria saber o que eu pensava da nossa presença em África, da nossa acção na Guiné, do contributo dos militares naquela sociedade, etc. E eu, cobardemente, (sensatamente?), recitei-lhe a cartilha oficial, a que me ensinaram, sem introduzir originalidades nem virtuosismos, enfim, pensando que era o que ele queria ouvir (e não era), mesmo se o meu pensamento estava nos antípodas do que lhe dizia, devido à minha sólida politização, muito anterior à entrada para o Exército. 

O General ouviu-me em silêncio (e eu a ler-lhe o pensamento: «Mais um idiota!»), e depois interpelou o Alf Capelão. Quando este começou a falar, sem tibiezas e com uma audácia a roçar o desaforo, para as circunstâncias e para a época, eu não sabia onde me havia de enfiar... Foi então que o Gen. Spínola o interrompeu para o pôr à vontade, como citei antes. E ele continuou, pondo em dúvida o colonialismo e a legitimidade de tudo quilo que a maioria entende por legítimo, natural, a ordem das coisas..., mas também questionando o estado social da colónia, em pleno século XX, depois de 500 anos de colonização. 

Era um valente. E não apenas intelectualmente: vi-lhe dar um murro nos queixos a um soldado que apalpou o rabo a uma adolescente estudante de Bolama que seguia à nossa frente no passeio, que ele até voou!. Ficámos amigos e com muito respeito mútuo: ele era padre católico e eu ateu empedernido. Desapareceu depois de uma distribuição clandestina de panfletos à tropa sobre, creio, a má alimentação que era distribuída aos soldados, (ou a toda a tropa?).

Há uns anos comecei na Net a fazer tentativas de o encontrar, mas em vão. Nem do seu nome já estou certo, apenas me recordando que era Mário. Daí que tenha entrado em contacto com o Padre Mário da Lixa, nome que já conheço há muitos anos, mas apenas o nome, na esperança de que fosse ele próprio, (tinha muitas reservas), ou que me soubesse dar pistas. Ele foi muito amável comigo, mas não me pôde ajudar. Foi então que dei conta do desfasamento das nossas passagens pela Guiné. Desisti.

Muito mais teria para dizer, mas acho que já me excedi. Poderás, se o entenderes, fazer uso deste texto, (ou eliminá-lo), desde que não seja referido o meu nome. 

Porquê? Porque fiquei mal impressionado e muito preocupado quando, em tempos li no Blog referências a um "caso" que foi mediático e que se passou na minha Companhia, entre os alferes e o capitão e, desde aí, fiquei sempre a pensar que, pese embora a nobreza e os objectivos do Blog, e de ser um veículo honesto para o reencontro das pessoas e das ideias, também pode permitir intromissões despudoradas e mal informadas (intencionadas?), que foi o que se passou no caso da minha Companhia. 

Senti-me visado. Vi pessoas vangloriar-se de actos que não praticaram e outros fazerem críticas sem conhecimento de causa. Tudo foi mais complexo do que as pessoas pensam. E mais melindroso. As pessoas que opinaram não sabem, por exemplo, que a dada altura esteve eminente um acto da maior violência, que poderia ter "descambado" e provocado muitos mortos. Porque o caso gerou partidários e, no envolvimento, vieram ao de cima as piores qualidades humanas, traduzidas em vinganças, traições e cobardias, mesmo de quem não se esperaria. Imperou o bom-senso, felizmente. 

Sei do que falo porque estive directamente envolvido. (Foram precisos 40 anos para eu falar assim abertamente. E não sei se a despropósito). No Blog, apenas um veio a terreiro, honesto e sem papas na língua pôr os pontos nos iis: um furriel miliciano da minha Companhia, que não citarei. E ninguém falou mais no assunto. Por tudo isto, prefiro "não dar a cara". Não esquecerei o assunto mas não quero polémicas. E não só eu, pelos vistos... De toda a Companhia, que eu saiba, apenas um antigo camarada "dá a cara". Não é por acaso.

Caro Luís Graça. Repito que podes simplesmente apagar este relato sem qualquer melindre da minha parte. A menos que aches que traz alguma novidade em relação aos capelães afastados.

Se o entenderes, podes usar este mail para dizer alguma coisa.

Um abraço deste admirador do teu excelente trabalho (bem coadjuvado é certo),
o ex-combatente,  Z [...]


 2. Caro camarada:

Obrigado pela tua desassombrada e oportuna mensagem... Agradeço-te igualmente a sinceridade das tuas palavras. Devo dizer-te, desde já, que quero publicar o teu poste, sem te identificar pelo nome (conforme teu pedido)... É mais um contributo, importante, para este dossiê, delicado, que tem a ver com a "santa aliança" Estado Novo-Igreja Católica, nomeadamente em África e durante a guerra colonial...

Tens toda a razão em contestar a minha afirmação segundo a qual «em toda a história da guerra colonial, no CTIG, houve dois casos de capelães militares que foram "expulsos"... Em boa verdade, eu não me exprimi de maneira clara, concisa e precisa: queria eu dizer que apenas conhecia "dois casos", de que o blogue, de resto, já se tinha feito eco... No fundo, o que eu queria é que aparecessem mais depoimentos sobre os "nossos capelães", e eventualmente mais casos como os do Mário de Oliveiraário e do Arsénio Puim... Falamos de testemunhos em primeira mão, como o teu...

Falas-me do capelão do BCaç 4513 (Aldeia Formosa, Nhala, Buba, 1973-74),.. Que desapareceu sem deixar rasto, e cujo primeiro nome seria Mário...Vamos tentar descobrir o seu paradeiro, E para isso é importante a divulgação da tua mensagem. Não é habitual publicarmos mensagens sem identificação do autor, mas eu entendo a tua relutância e o teu melindre em dar a cara...Preciso, em todo o caso de saber em que data e em que poste foi abordado ou comentado o caso que referes:

(... ) Porque fiquei mal impressionado e muito preocupado quando, em tempos li no Blog referências a um "caso" que foi mediático e que se passou na minha Companhia, entre os alferes e o capitão e, desde aí, fiquei sempre a pensar que, pese embora a nobreza e os objectivos do Blog, e de ser um veículo honesto para o reencontro das pessoas e das ideias, também pode permitir intromissões despudoradas e mal informadas (intencionadas?), que foi o que se passou no caso da minha Companhia. 

Senti-me visado. Vi pessoas vangloriar-se de actos que não praticaram e outros fazerem críticas sem conhecimento de causa. Tudo foi mais complexo do que as pessoas pensam. E mais melindroso. As pessoas que opinaram, não sabem, por exemplo, que a dada altura esteve eminente um acto da maior violência, que poderia ter "descambado" e provocado muitos mortos. 

Porque o caso gerou partidários e, no envolvimento, vieram ao de cima as piores qualidades humanas, traduzidas em vinganças, traições e cobardias, mesmo de quem não se esperaria. Imperou o bom-senso, felizmente. Sei do que falo porque estive directamente envolvido. (Foram precisos 40 anos para eu falar assim abertamente. E não sei se a despropósito). (...)

Sobre o teu BCAÇ 4513 (e as suas várias companhias), temos apenas 18 referências... e não me lembro do tal "caso" (de insubordinação ?) a que te referes. É natural, o blogue tem 10 anos, 13 mil postes, 652 camaradas registados, fora os "visitantes", e mais de 45 mil comentários... Tens que me ajudar a identificar essa "cena"... de eu não me lembro:

(...) No Blog, apenas um veio a terreiro, honesto e sem papas na língua pôr os pontos nos iis: um furriel miliciano da minha Companhia, que não citarei. E ninguém falou mais no assunto. Por tudo isto, prefiro "não dar a cara". Não esquecerei o assunto mas não quero polémicas. E não só eu, pelos vistos... De toda a Companhia, que eu saiba, apenas um antigo camarada "dá a cara". (...)

Sim, o ex-1º cabo cripto José Carlos Gabriel, 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Nhala, 1973/74)... Há outro camarada, o Fernando Costa , ex-fur mil trms, mas esse pertenceu à CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, mar73 / set74)...

Sobre os nossos capelães, há dois Mário Oliveira, o da Lixa (1967/68), que esteve em Mansoa, e um outro que andou por Catió (1971/72)... E este último era tenente miliciano...  Mas nenhum deles é do teu tempo.

Se tiveres um telefone fixo, diz.me, que eu ligo-te... De qualquier modo, vou ter um intervenção cirúrgica, a partir de 3ª feira, dai 1 de abril... e devo ficar uma semana no "estaleiro", sem poder editar o blogue... Mas os coeditores continuam de serviço... Se me quiseres contactar (ou responder por esta via), fico-te grato. Gostaria de publicar, até lá, o teu texto.... Tens os meus contactos: . Diz-se se posso (e devo) referir a tua companhia e batalhão omitindo o teu nome e posto... Concordas ?

Um alfabravo (ABraço). Luis

3.  No dia 30 de Março último, o nosso camarada Z... responmdeu-me nestes termos:

(...) Olá, caro amigo Luís Graça.

Fiquei muito contente ao abrir o Mail e ver logo que te deste ao trabalho de me responder.
É uma honra muito grande. Porque já sou teu amigo há algum tempo, mesmo sem o saberes nem me conheceres e porque tenho uma grande admiração (e respeito) pelo gigantesco trabalho que tens feito, mesmo ajudado, para manter em funcionamento este "veículo" que leva a todo o lado e a toda a gente uma mensagem, uma recordação, um abraço e muita divulgação. (***)

Como é possível? Como consegues ter tempo para me dar atenção em particular e ainda disponibilizar os teus contactos pessoais? Por tudo isto, espero que a "tal" intervenção cirúrgica não seja nada de especial... já agora, desejo-te uma rápida recuperação.

Ainda tentei à tarde ligar-te para casa, para te poupar o trabalho de leres estas linhas, mas não resultou. Eu também não me sentia muito à vontade para devassar a tua privacidade.
Sobre as questões colocadas, gostaria de as separar em duas partes: a questão dos alferes de Nhala [, sobre a qual peça reserva e é só para teu conhecimento].

Sobre a questão da publicação do texto sobre os Alferes Capelães, tem menos que saber: podes publicar todos os elementos menos o meu nome, embora para os daquela "guerra" seja facilmente identificável. Os Capelães que me referenciaste são anteriores à minha comissão. Já agora só mais uma curiosidade: tal como o Alf Capelão não chegou a sair de Bolama onde fazíamos o IAO, também o Cmdt. do Batalhão, Ten Cor Andrade e Sousa seria substituído (nunca soube as razões, ou não recordo), pelo Ten Cor. Carlos Ramalheira até ao fim da comissão. Cordelinhos do Spínola...

Não te roubo mais tempo. Muito gostaria de te dizer como, não "dando a cara", perco horas esmiuçando o "nosso" blog no prazer de rever as terras da Guiné e as suas gentes (tão maltratadas ainda hoje), rever caras conhecidas e rever amigos que não me conhecem. Outro deles, é o Mário Beja Santos, de quem já li tudo o que havia para ler, e que continuei a acompanhar no seu regresso à terra e às pessoas que ama, lá onde todos nós deixámos um pouco da pele, mas de onde trouxemos muito mais do que levámos.

Para me contactares, para além deste mail; fica com o meu telefone fixo e telemóvel [...]

Boa recuperação e um abraço.

Sempre ao dispor (...)

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Notas do editor:

(*) Vd. página II Série do Blogue > Como entrar para a Tertúlia dos Amigos e Camaradas, ex-combatentes, da Guiné (1963/74)

(...) Os autores são sempre identificados pelo seu nome (excepcionalmente, por pseudónimo, ou iniciais, em caso de razões ponderosas) e são responsáveis pelo que escrevem ou editam. O mesmo acontece [, utilização de pseudónimo ou iniiciais] com militares ou combatentes, de um lado e de outro, ainda vivos, cujo comportamento possa ser objecto de crítica, por razões criminais, éticas, disciplinares ou outras. (...)

(**) Sobre o Mário Oliveira, tenente miliciano capelão que esteve em Catió, ver aqui:

30 de janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1474: O capelão Mário Oliveira, de Catió, que ia a Bedanda (Mário Bravo)

28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1469: Bedanda, manga de saudade ou uma dupla sinistra, o padre e o médico (Mário Bravo, CCAÇ 6)

Guiné 63/74 - P12967: Estórias avulsas (78): O meu amigo cigano Zé Beiroto (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 7 de Abril de 2014:

Estava em Buba há pouco tempo quando recebi um aerograma do Zé Beiroto, o filho mais velho da Raquel cigana, onde me comunicava que tal como eu se encontrava em comissão na Guiné e pedia se eu lhe poderia arranjar um bom lugar para passar melhor o tempo por lá. Respondi-lhe que como amigo dele, desejava-lhe uma boa estadia mas que nada poderia fazer para a melhorar pois eu pouco mandava e não tinha amigos influentes.

O Zé, mais velho 3 anos do que eu, teria ido como refratário para a tropa, situação muito comum aos da sua etnia.
Não sabia ler nem escrever, portanto o aerograma terá sido escrito por um camarada a seu pedido. Não sei como terá conseguido o meu SPM. Na altura isso não me preocupou muito. Hoje penso que terá sido através da mãe dele, a Raquel cigana.

A Raquel era uma mulher robusta e larga, que pedinchava pelas portas mais do que todas as ciganas. Tanto entre adultos como entre jovens ela despertava pouca simpatia.
A Raquel parecia daquelas pessoas que não se conformando com a sua má sorte têm inveja e quase ódio às pessoas melhor instaladas na vida. Fosse porque deixasse transparecer isso ou por tanto a verem a pedir de porta em porta,  a garotada mandava-lhe ditos pouco agradáveis a uma distância conveniente para não serem agredidos. Este era o mais conhecido: "Quem me dera uma canhona morta para lhe tirar a pele comia-lhe a chicha toda e dava-lhe os ossos à Raquel".

Ia muitas vezes pedir à minha casa uma esmolinha, por amor de Deus. Recordo-me de pedir muitas vezes azeite para temperar o fiolho. A minha mãe, contra a vontade de alguns de casa, dava-lhe sempre alguma coisa. Tal uma como a outra tinham muitos filhos e isso devia mexer com a sua bondade e o seu instinto maternal.

Vista parcial de Brunhoso
Com a devida vénia a http://www.bragancanet.pt/brunhoso/

Nesse tempo Brunhoso era uma aldeia densamente povoada com muitos habitantes por casas de habitação. A acrescer a isso havia ainda muitos ciganos que não tendo residência fixa, passavam a maior parte do ano na aldeia em instalações improvisadas. Essas instalações eram alguns palheiros ou curraladas no inverno, que os lavradores lhes cediam. Já no verão preferiam instalar-se ao ar livre, no Pereiro, um terreno baldio perto do povo, com muitos olmos debaixo dos quais se abrigavam à noite e de dia nas horas de mais calor.
O olmo grande, onde a cegonha tinha o ninho, talvez o maior olmo da terra, dava abrigo a várias famílias. 

Nesse tempo os ciganos pelo seu modo de vida preguiçoso, a sua pedinchice e alguns roubos sobretudo nas hortas, eram expulsos, por vezes mesmo escorraçados da maior parte das aldeias. Em Brunhoso eles eram aceites e por isso muitos consideravam-na como sua. Havia outras aldeias, raras, onde eles se instalavam provisoriamente pois como povo errante não gostavam de estar sempre no mesmo sitio.
Há uma tendência entre muitos homens de abusarem do seu sentido critico para julgar os seus semelhantes. Entre os meus conterrâneos esse sentido critico devia estar muito esbatido ou então era o seu sentido de humanidade que era muito grande para aceitarem não só os seus iguais mas também os "outros", os que tinham hábitos e tradições tão diferentes que por vezes chocavam com as suas.

O povo de Brunhoso embora ordeiro e trabalhador devia sentir uma certa atração pela liberdade e despreocupação com que aquele povo de maltrapilhos vagabundeava pelo mundo vivendo ao ritmo da natureza mais selvagem, segundo o aconchego que as estações do ano podiam dar, de preferência mais perto dela e das estrelas, colhendo as plantas e frutos selvagens que a natureza dava tais como o fiolho, comendo os animais. vacas, ovelhas, porcos etc. que morriam de doença aos aldeões (não ciganos), procurando também a ajuda da população mais caridosa.

Esse tempo de muito trabalho, muita fome, muita gente, muitas festas, feiras e ciganadas em trânsito, era também o tempo da jovem mulher mais esbelta e donairosa, muitas léguas em redor, essa cigana, a mais bela da caravana, que só a evocação do seu nome alimentava sonhos eróticos nos lavradores do nordeste transmontano e sonhos de pesadelo nas suas mulheres. Dela dizia-se que já teria provocado a falência de várias casas de lavradores. Conheci, fui muito amigo dum camarada nosso, soldado noutro TO que depois de ter regressado dessa África longínqua se gabava de ter gozado dos seus favores.
Acho que depois 28 meses de sacrifício, de canseiras e de sustos merecia essa recompensa.

Ciganos
Coma devida vénia ao Blogue A Defesa de Faro

Os marinheiros de Vasco da Gama também tiveram como doce recompensa dessa longa e tormentosa viagem à Índia as ninfas da Ilha dos Amores, tal como nos conta Luís de Camões nos Lusíadas:

Que famintos beijos na floresta, 
E que mimoso choro que soava! 
Que afagos tão suaves, que ira honesta, 
Que em risinhos alegres se tornava 
O que mais passam na manhã e na sesta, 
Que Vénus com prazeres inflamava, 
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo; 
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo 

"Os Lusíadas" 
Canto nono 

Meu grande amigo, a vida é tão curta. como sabemos, cheia de sacrifícios e tristezas é bom que também proporcione por vezes algum prazer.
Seria mais velha que eu quatro ou seis anos. Vi-a algumas vezes e admirei-a pelo seu porte altivo, elegância e beleza . Eu e o Zé sempre fomos amigos talvez tenhamos herdado essa amizade das nossas mães.

Contrariamente aos da sua etnia, mostrava ser bastante ambicioso, trabalhando um pouco mais do que os outros e sendo também mais activo noutras actividades noturnas ou clandestinas. Casou com uma aldeã, contra a tradição do seu povo e penso que ao fazer o registo do casamento foi "apanhado" para cumprir o serviço militar.
Os casamentos entre ciganos eram muito festejados mas não tinham cerimonia civil nem religiosa. Nesse tempo, segundo constava, entre os aldeões, eram realizados pelo método do chapéu ao ar. Se o chapéu caísse com a copa para cima, os noivos ficavam casados, se caísse com copa para baixo ficavam também. Na realidade não havia chapéu, nem cerimónia, havia somente festa maior ou menor, conforme a comida disponível.

Já perto do final da minha comissão e estando já eu na CART 2732 em Mansabá, apareceu-me lá o Zé da Raquel que estava de passagem, para me cumprimentar. Ainda hoje não sei muito bem como conseguiu oportunidade para estar comigo e como sabia sempre onde eu me encontrava. Enfim instinto de andarilho e cigano.

De 1969 a 1973 estivemos na Guiné seis naturais de Brunhoso em comissão. Que eu saiba e recorde não houve outros, nem antes nem depois.  O José Beiroto, ou Zé da Raquel, soldado; o Joaquim Fermento, furriel da CCAÇ 3327, em Bachile e Teixeira Pinto; o Francisco Magalhães, meu primo, alferes da mesma companhia; eu, Francisco Magalhães Baptista para usar também o apelido Magalhães que muito prezo e pelo qual sou primo do outro Francisco já que tínhamos o mesmo avô, também Francisco e logicamente Magalhães; o António Francisco Beiroto, soldado e o José dos Santos Carvalho, soldado.

Com o meu primo e com o Joaquim Fermento cruzei-me uma vez em Bissau, talvez quando eles chegaram à Guiné e eu ia para a CART 2732 em Mansabá, depois da CCAÇ 2616 ter regressado em fim de comissão. O António e o José eram primos do José Beiroto, filhos do António Francisco Gordo, mais conhecido pelo Mudo Cigano, que aos baldões pela terra, morreu recentemente com 98 anos. A mãe chamava-se Isaura dos Anjos Beiroto. O pai embora cigano era muito trabalhador. O casal tinha muitas bocas para alimentar, criaram 13 filhos, e ele sendo mudo não podia dedicar-se ao negócio dos ciganos de compra e venda de burros, cavalos e mulas. Nesse negócio eles eram peritos, conseguindo enganar frequentemente os compradores, vendendo burro velho por burro novo.

A mãe deles era uma mulher humilde e resignada que eu recordo de andar a pedir esmolas pelas portas, quase sempre grávida. O Zé Beiroto morreu de doença há cerca de 30 anos. Paz à sua alma!

Com o desenvolvimento da Espanha no pós-franquismo, os ciganos emigraram a maior parte para lá. Os olmos do Pereiro, e de toda a aldeia, morreram através duma doença que os ventos trouxeram da Europa alguns anos após a sua debandada. Quando morrem os ciganos, muitos familiares trazem os corpos para Portugal para serem sepultados no cemitério de Brunhoso. É a melhor homenagem que podem prestar a essa terra de mulheres e homens ilustres, pobres e ricos que deixaram essa grande herança de solidariedade e tolerância aos seus filhos.

P.S.
Se algum camarada conheceu o José Beiroto ou os primos na Guiné, gostaria que me desse informações sobre as suas vidas por lá.

Um grande abraço
Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12945: Estórias avulsas (77): A história do dia seguinte! (João Alberto Coelho)