domingo, 20 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13011: Comemorações do 40º aniversário do 25 de Abril (3): Assembleia da República, Exposição "O Nascimento de uma Democracia, 1974-1976": de 16 de abril a 30 de junho de 2014





Comissariada por José Pacheco Pereira, a exposição "O nascimento de uma democracia (1974-1976)" integra cartazes, materiais de propaganda e reproduções fotográficas do período de 1974-1976.

Esta mostra pretende, nas palavras do comissário, “retratar o nascimento da democracia portuguesa: o direito e o exercício de vir à rua manifestar-se, o direito e o exercício de organizar-se, a passagem à legalidade dos partidos clandestinos e a génese de novos partidos, o direito de falar e escrever livremente”.

Vídeo de apresentação pelo Comissário Científico. [3' 51'']

VISITAS
Dias úteis: 10h00 | 11h00 | 12h00 | 14h00 | 15h00 |16h00* (visitas
guiadas)

25 de abril: 15h00-17h00 (visitas livres)
26 e 27 de abril: 10h00-17h00* (visitas livres)
31 de maio 15h00 | 16h00* (visitas guiadas)
28 de junho 15h00 | 16h00* (visitas guiadas)

* Em caso de grupos organizados, é necessária marcação:
21 391 97 72 | cic.rp@ar.parlamento.pt



Material informativo (imagens e texto), retirado com a devida vénia da página oficial da Assembleia da República
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Guiné 63/74 - P13010: 10º aniversário do nosso blogue (13): falar ou não falar, da guerra, aos nossos filhos... A alguns de nós foi o blogue que nos tirou a "rolha" (Luís Graça / Jorge Cabral / Vasco Pires / Antº Rosinha / António J. Pereira da Costa / Henrique Cerqueira / Manuel Reis)

1. Comentários diversos ao postes P12966 e P13000 sobre o tema da última sondagem "Camarada, com que regularidade falas, da guerra, aos teus filhos" (*) (**):

(i) Luís Graça:

O meu pai, Luís Henriques (1920-2012), também andou "lá fora", a defender o Império, a Pátria, durante a II Guerra Mundial: Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, 1941/43...

Cresci, fascinado, a folhear o seu álbum de fotografias, que andava por lá escondido numa gaveta, entre papéis velhos... Mas ele nunca me sentou ao colo e me explicou, tim por tim, por que terras e mares tinha passado,  por que é que andou a "engolir pó" durante 26 meses, lá nessa terra distante, enfim, não me contou histórias desse tempo, ainda eu não era nascido...

Mas era eu que as tinha que adivinhar, criar histórias, mesmo se muitas das fotos tinham legendas, lacónicas no verso... Mas, como era puto, e mal sabia ler, não entendia nada...

Um dia tocou-me a vez de ir para a tropa e também de ir "defender a Pátria", neste caso, ainda mais longe, lá na verde e rubra Guiné, em 1969/71... Nunca falámos, nem ele me deu conselhos: olha isto, olha aquilo... Por pudor ? Sim, por pudor...

Luís Henriques (c. 1941)
Voltei, "são e salvo" (?), e continuámos sem falar, da tropa, da guerra, das áfricas... Veio o 25 de abril, esqueci (?) a guerra, por um estranho sentimento de culpa, por pudor, por estúpido preconceito talvez... Era politicamente incorreto, nesse tempo,  falar-se da (ou até pensar-se na) maldita guerra colonial, ou do ultramar, ou de África...

Passaram-se os anos até que, em 1980, comecei a interessar-me pelas minhas vivências da Guiné, publiquei uma série de escritos no semanário "O Jornal"... e por tabela fui "redescobrir" o velho álbum do meu pai, já desconjuntado. amarelecido, comido pela humidade...

Com o blogue, há 10 ano atrás, começámos a ter conversas de grande "cumplicidade",  eu e o meu pai, como dois bons e velhos camaradas... Publiquei com ternura as fotos dele, em São Vicente, Cabo Verde,  (as que restaram, ao fim de tantos anos...) e fiz diversos vídeos com entrevistas com ele, sobre esses tempos de "expedicionário"...

Criei, no nosso blogue, uma série "Meu pai, meu velho, meu camarada"... Tenho pena de, por razões de saúde, nunca ter podido levá-lo em viagem de saudade, de regresso, a São Vicente... Teimoso, ele nunca quis fazer uma artroplastia das ancas... A velhice (e o blogue) aproximou-nos... Tarde, mas valeu a pena...

Provavelmente, sem o blogue, ele teria morrido, como morreu, há dois anos atrás, sem eu ter sabido mais nada sobre os três anos e tal de vida que ele passou na tropa e na guerra, os seus medos, temores, amores, desamores. problemas de saúde, amizades, histórias de vida dos seus camaradas, etc.

Jorge Cabral, c. 1970
Com os meus filhos passou-se o mesmo, foi o blogue que nos aproximou...  Só posso, por isso, estar grato a todos os camaradas que me ajudaram a construir o blogue e que me honram hoje com a sua presença (ou a sua memória) à sombra do mágico e fraterno poilão da Tabanca Grande... Nunca o teria feito sozinho, nunca o teria conseguido fazer sozinho...

  (ii) Jorge Cabral:

Um milhão de homens foram para África. Mais de 1 milhão de filhos. Talvez 2 milhões de netos...Que  os jornalistas peguem no tema, acho bem. Só que, para o fazerem, devem estudar o Portugal dos anos 60 e perceber que guerra existiu e como eram os rapazes que a fizeram. 

Luís Graça, Contuboel. junho de 1969
com Renato Monteiro, no Rio Geba
Há quem não tenha nada para contar...e quanto ao medo, só os que viveram situações de perigo podem falar...Entre ser contabilista em Lourenço Marques e operacional no Guiledje, as diferenças são óbvias...

(iii) Luís Graça

Além disso, Jorge, "um homem não chora"... Não se queixa, não grita, não tem dores, não tem medo, não tem angústias, não sente, não pensa, não faz perguntas... E, "se tem medo, compra um cão"!

Não era assim, no nosso tempo ? Nas nossas casas, nas nossas igrejas, nas nossas escolas, nos nossos quartéis, nas nossas empresas ?

Concordo contigo, o Portugal salazarento dos anos 60 não tem nada a ver com o Portugal de hoje... Quem tratava o pai por tu ? Além disso, para muitos dos nossos camaradas, sobretudo do meio rural, pai era pai-e-patrão... Para fugires à sua autoridade, ou emigravas ou te casavas, às vezes "à força" (, por exemplo, "raptando a noiva", no Alentejo)...

(iv) Vasco Pires [, foto à esquerda, Ingoré, c. 1972]

Mas como vejo aconteceu com muitos, a "rolha" só saiu há pouco.

Não só deixei de falar da guerra com meus filhos, mas também com outras pessoas, durante mais de quarenta anos; o Blog que tirou a "rolha".

Quantos aos nossos escritos, acredito que poucos além de nós os leem, contudo, certamente, mais na frente, algum antropólogo vai dar vida aos nossos relatos.História dos "vencidos", já que os que não seguiram o nosso caminho em Portugal, assumiram o controle, me parece que até hoje; e as verdades e as mentiras quando repetidas, e ampliadas pelos mídia, tornam-se verdades(quase)absolutas.

(v) Antº Rosinha [, foto a seguir, à direita, Angola, 1961]

O J. Cabral diz que os jornalistas "devem estudar o Portugal dos anos 60 e perceber que guerra existiu e como eram os rapazes que a fizeram. Há quem não tenha nada para contar..."

E digo eu que os jornalistas devem também estudar os rapazes que se furtaram à guerra, tanto os que tiveram a coragem de ir para o bidonville de Paris, como certa burguesia, tanto dos meios citadinos como provincianos, e até de certos filhos cujos pais lhe mandavam a mesada a partir das próprias colónias em guerra.

Estas burguesias tinham em geral uma motivação muito semelhante à esperteza nacional e cultural que é a eterna fuga aos impostos e contribuições... para os malandros do Estado!

Mas claro, essa fuga à guerra era pela precocidade política do jovem de 19/20 anos, não era por uma mesquinha "esperteza" à maneira nacional.  Esses jovens tremendamente precoces é que precisam de ser bem estudados, porque gritaram tanto todos estes anos, que não tem dado espaço para se lhes fazer perguntas. E muitos têm andado de partido em partido, de governo em governo, de administração em administração de Empresas Públicas.

Essa precocidade também tem que ser bem compreendida, para não se perder a tradição.

J. Cabral, de facto há mais gente sem nada para contar, como tu dizes, por isso poucos aparecem a falar, era interessante um dia alguém tentar encontrar uma percentagem dos que não ouviram qualquer tiro...como eu, em 13 anos de guerra (,no mato e nos muceques de Angola e nas praias de Luanda).

(vi) António J. Pereira da Costa [,. foto a seguir em Cacine, c. 1968, com a enf pára Maria Ivone Reis]



Parece-me que esta questão, por si própria, levanta uma ainda mais importante: como é que, no fundo, lidamos com a guerra?

Parece-me que cerca de 50% de nós não temos a nossa relação com a "guerra" devidamente arrumada. De outro modo teríamos falado dela com desassombro com os nossos filhos e teríamos conseguido sensibilizá-los para o que ela foi e o que passámos/fizemos.
Não me parece que tivéssemos tido grande êxito nesta matéria. Ou estou enganado?


(vii) Henrique Cerqueira

Eu já votei... No entanto,  e a verdade seja dita,  eu tive alguma dificuldade para votar numa das opções.É que actualmente estou mesmo quase a fazer 65 anos e já não dá para falar assim tanto com os filhos, pois que eles andam tão ocupados a não perder os empregos que nem tempo têm para grandes conversas e muito menos para conversas com o pai sobre o ex-Ultramar.

Eu até entendo. Quando eu estava no Ultramar, só queria que o tempo passasse para poder regressar ao trabalho activo e ao melhoramento da minha vidinha tanto em formação como em apostar numa carreira de trabalho.

A NI e o puto do Henrique Cerqueira, Nuno Miguel, na estrada de
Biambe-Bissorã, c. 1973
Os meus filhos já pensam o contrário.Ou seja: já só pensam se no final do mês o patrão abre ou não a fábrica e pensam ainda se não será melhor fazer o percurso inverso do pai, que é ir para África, ex-ultramar...(Isto é uma porra, meus camaradas!)

Bom,  pelo menos e para já,  vou falando ao neto sobre a guerra do ultramar e mais especificamente sobre a Guiné. Pois que por acaso o pai dele (meu filho), até esteve na Guiné em criança. Mas quando me alongo de mais e me perco em "devaneios" sobre a Guiné,  o "puto" começa logo a bocejar e desvia a conversa para os interesses dele. É que os programas escolares sobre a história ultramarina e em especial as guerras coloniais não se alongam muito e quanto a mim dando a entender existir alguma "vergonha" em aprofundar mais os conhecimentos da nossa participação na Guerra Colonial.

Foi a minha opinião.

(viii) Manuel Reis [, foto a seguir,. Guileje, c. 1972]


Amigo Luís, é um facto que " o baú está um pouco mais rapado" mas longe de estar esgotado. Continua a ser útil para todos os camaradas e ex-combatentes, de modo especial, aqueles que tardiamente se aperceberam desta ferramenta, que os pode aliviar das tormentas da guerra.

Falo na guerra aos meus filhos nos momentos em que os vejo interessados e receptivos a ouvir as estórias em que, na Guiné, muitos ex-combatentes foram protagonistas. 

O convívio é indispensável, é o agrupar das tropas e já sentimos a sua falta. Vamos a isso Luís.
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

17 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13000: 10º aniversário do nosso blogue (9): Sondagem: resultados finais (n=129): mais de um terço dos respondentes nunca falou da guerra, ou só muito raramente, aos seus filhos... Comentário da jornalista e escritora Catarina Gomes: "não esperem por perguntas, digam filho, anda cá que eu quero contar-te uma coisa"

11 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12966: 10º aniversário do nosso blogue (3): Resultados preliminares (n=67) da nossa sondagem ("Camarada, com que regularidade falas da guerra, aos teus filhos?")... Mais de um terço admite que nunca falou ou raramemte fala, da guerra, aos seus filhos...

(**)  Último poste da série > 18 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13006: 10º aniversário do nosso blogue (12): Faz hoje 2 meses que o Pepito nos deixou... Em sua memória reproduzimos aqui um vídeo de 2012, em que ele relata, com humor e boa disposição, uma das cenas de violência de que foi vítima, na sua casa do Quelelé, ao tempo de Kumba Ialá (c. 2000)...

sábado, 19 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13009: Estórias e memórias de Silvério Dias, radialista, PFA, 1969/74 (2): Relembrando outras Páscoas bem mais amargas...







Fotos: © Silvério Dias (2014). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do Silvério Dias, enviando-nos uma divertida sequência com o PIFAS lá de casa, mais este pequeno texto, que se segue e nos vem relembrar outras Páscoas, bem mais amargas do que as de hoje para muitos portugueses, ex-combatentes ou não...


Nesta Quadra e relembrando, "Páscoas do Passado", veio-me à memória uma iniciativa levada a cabo pela já falada "Senhora Tenente do P.F.A." [, foto à esquerda,] ao tempo, "madrinha" de um sem número de "afilhados", dispersos por aquela Guiné.

Batendo às portas do comércio local de Bissau, como. por exemplo, "Casa Gouveia", "Pintosinho", "Mussá Soda", "Taufik Saad" e outras, angariou uns quilos de amêndoas.  Com paciência de "madre", embrulhou-as em pequenos pacotes e através do S.P.M., enviou-os aos "castiços" espalhados pelo "mato".

Calculem, quantos "bate estradas" de agradecimento! E foi tão simples, adoçar a boca, cumprindo a tradição!...

Fica o registo e uns singelos versos, dedicados a tantos que, como nós, tiveram várias Páscoas de Solidão:

Páscoa, celebra-se agora.
E as outras, de outrora?
Quando, em distante missão,
Se sofria de saudade,
Naquela amarga verdade
Do viver em solidão?

Tantas Páscoas se perderam.
Tantos sonhos feneceram,
Porque não foram vividos?
E o que foi, já não regressou.
A vida depressa passou,
Com mágoas nos cinco sentidos.

Silvério Dias
"Poeta Todos os Dias" - Abril 2014.
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P13008: O nosso livro de visitas (176): Sou descendente orgulhoso de um camarada que passou por Bambadinca e procuro os organizadores do convívio anual do pessoal de 1968/71 (A. Martins, filho do fur mil Fernando Martins, já falecido)

1. Mensagem do nsso leitor A. Martins


Data: 18 de Abril de 2014 às 04:31

Assunto: Descendente orgulhoso de uma Camarada da Guiné

Caro Sr. Luis Graça:

O meu nome é António Martins, tenho 40 anos (sou também um filho da Revolução...), de incomensurável orgulho de existência enquanto filho de um dos vossos camaradas, Ferdinando Martins, de Gondomar, Furriel Miliciano que prestou serviço na Guiné, entre 1968 e 1970, tendo estado em Bissau, Bambadinca e S.Domingos, e que infelizmente já não se encontra entre nós.

Não obstante essa perda física do meu Pai, tenho tentado honrar a sua memória, partilhando com os seus camaradas aqueles momentos únicos que são os convívios da malta. Nesse sentido, e dado que perdi o contacto dos organizadores do convívio deste ano, solicitava a sua ajuda com o intuito de voltar a marcar presença no convívio dos veteranos do Ultramar, que cumpriram comissões em Bambadinca - Guiné, entre 1968 e 1971.

Com os melhores cumprimentos.

A.Martins

Contacto: 913 236 852

2. Resposta de L.G., que já segiu pelo correio:

Martins: Os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são. Contacta o nosso camarada José Almeida que está a organizar o convívio deste ano... Diz-me, por outro lado,  a que unidade pertencia o teu pai (Pelotão de Morteiros ? Pel Caç Nat. ? Pelotão de Intendência ? CCS/BCAÇ 2852 ?)... Tens fotos dele, desse tempo ? Gostava de saber mais.
Um abraço. Luis Graça

PS - Como podes ver a seguir, o convívio anual do pessoal que passou por Bambadinca entre 1968 e 1971 é em Óbidos e Caldas da Raínha, a 24 de maio próximo. Também ficas a saber que o pessoal do blogue realiza um encontro anual, em Monte Real. Este ano será o IX Encontro Nacional da Tabanca Grande, em data ainda a definir, em junho (talvez 14) ou setembro (talvez 13). Serás bem vindo.

16 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12843: Convívios (569): 20º Convívio dos camaradas de Bambadinca (1968/71): 24 de maio de 2014, Óbidos e Caldas da Rainha (José Fernando Almeida, ex-fur mil, trms, CCAÇ 2500/CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12573: O nosso livro de visitas (175): Era amigo do malogrado Carlos Alberto Graça Gonçalves, em Alfama, o "Manjerico" e, na Ponte Caium, o "Charlot", do 3º Gr Comb / CCAÇ 3546 (Piche, 1972/74) (Artur Barata)

Guiné 63/74 - P13007: Parabéns a você (722): Augusto Vilaça, ex-Fur Mil Art da CART 1692 (Guiné, 1967/69) e Victor Barata, ex-Cabo Especialista da FAP/DO 27/BA 12 (Guiné, 1971/73)


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Nota do editor

Último poste da série > 18 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13002: Parabéns a você (721): Raul Brás, ex-Soldado Condutor Auto da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70)

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13006: 10º aniversário do nosso blogue (12): Faz hoje 2 meses que o Pepito nos deixou... Em sua memória reproduzimos aqui um vídeo de 2012, em que ele relata, com humor e boa disposição, uma das cenas de violência de que foi vítima, na sua casa do Quelelé, ao tempo de Kumba Ialá (c. 2000)...



Vídeo: 12' 18''... Alojado no You Tube > Nhabijões


Alcobaça > São Martinho do Porto >  Casa do Cruzeiro > 11 de agosto de 2012 >  3ª edição do convívio anual da Tabanca de São Martinho do Porto

Pepito (1949-2014) o anfitrião, depois do almoço, conta-nos,  com grande sentido de humor e boa disposição, uma das várias péripécias por que passou na sua terra, a Guiné-Bissau, ao tempo do Kumba Ialá, c. 2000, quando 3 ninjas, fardados e armados de Kalash,  cercam a sua casa, no bairro do Quelelé,  às 3 horas da madrugada, amarram o guarda noturno, dando  assim início à concretização de uma ameaça de morte que tinha chegado uns dias antes, sob a forma de uma carta anónimo (*)..

Valeu.-lhe na ocasião a pronta ajuda do vizinho e amigo Nelson Dias bem como um  ou mais elementos do GOE [Grupo de Operações Especiais] (?) da cooperação portuguesa, alertados por um desesperado telefonema da mulher do Pepito... Em voz off, ouve-se o Luís Graça que fez a gravação bem a Isabel Levy Ribeiro, mulher do Pepito, e cidadã portuguesa, e ainda o Zé Teixeira, da Tabanca Pequena de Matosinhos, que está à direita do Pepito.

Faz hoje 2 meses que o Pepito nos deixou, enquanto cresce a nossa saudade e a admiração que sertimos pela sua grandeza como ser humano. 'Nino' Vieira e Kumba Ialá eram dois políticos que o nosso Pepito detestava (*)...  Mas nós nunca ouvimos ou lemos palavras suas  de ódio para com os seus inimigos políticos... Até nisso, o Pepito era um homem dos nossos dias que nos inspirava e nos dava constantes exemplos de coragem (física e moral), de cidadania e de humanidade... A sua associação, póstuma, às comemorações dos 10 anos do nosso blogue, é mais que justa:  ele foi um grã-tabanqueiro da primeira hora, e tínhamos por nós, ex-combatentes, um especial carinho... Nunca foi combatente nem tinha armas em casa... Dois meses depois, ele está bem presente na nossa memóriaL Foi um privilégio, para alguns de nós, conhecê-lo e tê-lo como amigo. G
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Pepito.
Foto de Luís Graça (2007)
(*) Excerto do notável escrito do Pepito, de cunho aubiográfico, e que é para todos os efeitos o seu testamento vital, "A sombra do pau torto",  de julho de 2008, e já aqui publicado duas vezes:

(...) Com o Golpe de 14 de Novembro de 1980 reintroduziu-se na história da Guiné a divisão étnica: no início a divisão era entre caboverdianos, apelidados de cavaleiros, e guineenses, chamados de cavalos. Esquecendo-se os seus promotores que. uma vez estabelecida a primeira divisão étnica, outras se lhe seguiriam, surge a estigmatização dos balantas, tanto mística com o fenómeno iang-iang, como política 
com o caso Paulo Correia, 
prosseguindo com a divisão entre muçulmanos e animistas, 
e mais recentemente entre os naturais da cidade e os da tabanca. 
Tudo isto em função da conveniência e interesse da estratégia 
do líder político da ocasião.

Kumba Ialá, que viria a ser mais tarde Presidente, revelou-se neste domínio, o maior, indo buscar os piores traços comuns dos balantas, unificou-os à volta de conceitos demagógicos e populistas, em contraponto aos tempos idos de 'Nino' Vieira em que os membros do governo pouco variavam, limitando-se os seus titulares a mudarem de cadeira. Nessa ocasião, lembro-me de um Ministro que, com três pastas num só ano, bateu o recorde olímpico nacional.

Já o antigo animista Kumba Ialá, travestido agora de muçulmano com a designação de Mohamed Ialá Embaló, introduziu pela primeira vez o conceito de acesso universal ao governo, isto é, passou a promover a entrada para o governo de todos os cidadãos que se julgassem capazes e predispostos a serem ministros. Analfabetos houve que aproveitaram a ocasião…A partir dos anos 2000 assistiu-se à mais louca gestão de um Estado, de que há memória. No fundo até durou pouco tempo…porque, entretanto, o Estado desapareceu!

Foi nesse período em que tudo valia, que um dia, deixaram “cair” perto do meu local de trabalho um bilhete anónimo que dizia: ”neste fim de semana vais sofrer um atentado para te matarem”. Entendi isso apenas como uma tentativa de intimidação. Todavia, às 3 horas da madrugada desse dia, três ninjas (polícia especial armada), acorrentavam o velho guarda da casa e iniciam a tentativa de demolição das janelas. Só a intervenção determinante do nosso vizinho, Nelson Dias, nos salvou, a mim e à Isabel, perante o completo desinteresse da polícia que se escusara a prestar socorro. Os assaltantes, esses, nunca foram punidos, embora saiba que a polícia os identificou. (...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13004: 10º aniversário do nosso blogue (11): 40 anos depois do 25 de abril: "Que inveja eu tive daqueles soldados, a maioria muito jovens sem qualquer experiência de combate, a quem tinha calhado a sorte de ajudar a derrubar a brigada do reumático, abrir as prisões e este país ao Mundo" (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P13005: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte II: Embarque e as primeiras impressões do aquartelamento e tabanca (Sidónio Ribeiro da Silva, hoje cor inf ref)


Capa da brochura "Histórias da CCAÇ 2533, elaborada sob a coordenação de Joaquim Lessa, e impressa na tipografia Lessa (Maia)

1. Histórias da CCAÇ 2533 > Parte II (Cap Inf Silvino R. Silva, hoje cor ref)


Continuamos a publicar as "histórias da CCAÇ 2533", a partir do livro editado pelo 1º ex-cabo quarteleirio, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia. Esta publicação é feita com participação de diversos ex-militares da companhia (oficiais, sargentos e praças). As primeras 25 páginas são do cap Sidónio Ribeiro da Silva, hoje cor ref.

A brochura chegou-nos digitalizada através do Luís Nascimento. Temos autorização do editor e autores para finalmente dar a conhecer, a um público mais vasto de amigos e camaradas da Guiné, as andanças do pessoal da CCAÇ 2533.

Recorde-se, por outro lado, que as nossas duas companhais, a minha CCÇ 2590 (mais tarde CCAÇ 12), e a CCAÇ 2533, do Nascimento e do Lessa, viajaram, juntas no mesmo T/T, o Niassa, em 24 de maio de 1969, e regressámos juntas, a 17 de março de 1971, no T/T Uíge!... Ah! uma fantástica coincidência!...

 Publicamos agora a parte correspondente às pp. 4 a 11. Conforme aqui conta, o cap inf Sidónio R Silva teve de ir avião pro causa de um problema administrativo com as suas vacinas, que não estaríam em dia. Dá-nos a seguir as suas primeiras de Canjambari, e da situação herdada.



















(Continua)
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Guiné 63/74 - P13004: 10º aniversário do nosso blogue (11): 40 anos depois do 25 de abril: "Que inveja eu tive daqueles soldados, a maioria muito jovens sem qualquer experiência de combate, a quem tinha calhado a sorte de ajudar a derrubar a brigada do reumático, abrir as prisões e este país ao Mundo" (Juvenal Amado)



Fotografia do francês Gérald Bloncourt [n. 1926] reproduzida com a devida vénia, escolhida por Juvenal Amado para ilustrar o seu texto. Legenda: GB fez o caminho a salto com um grupo de clandestinos e tirou algumas fotos. Esta é de março de 1965 e tem a seguinte legenda: 'Passagem clandestina de emigrantes portugueses nos Pirenéus.'  

Uma exposição temporária deste conhecido fotógrafo (que acompanhou a imigração clandestina portuguesa dos anos 60/70 e cobtri também a "revolução dos cravos") esteve no Museu Colecção Berardo, CCB, Lisboa, de 18/2 a 18/5/2008, sob o título "Gérald Bloncourt: pir uma vida melhor".


1. Texto do Juvenal Amado, enviado para comemorar os 10 anos de existência do nosso blogue e os 40 anos do 25 de abril, dia que ele viveu em Alcobaça, sua terra natal, acabado de chegar, há 20 dias, da Guiné


Vivemos tempos filho de outros tempos.

Somos ex-soldados, que de uma maneira ou de outra embarcamos para combater naquelas terras quentes, de Sol inclemente, de chuvas torrenciais e trovoadas que nos deixavam calados e tementes do poder dos elementos. A quando de essas trovoadas, lembrava-me da minha avó Maria na sua casa na serra dos Candeeiros, metida na cama com as minhas tias a rezar a St Bárbara

Mas nós fomos combater em nome do passado e nunca em nome do futuro, porque nessas terras Portugal como potência administradora, tinha há muito os dias contados.

Num país sem liberdade de escolha nem de opinião, ou aceitávamos ir combater, ou tínhamos como destino certo, a prisão ou a fuga a salto para onde não chegasse o braço da polícia política.

A maioria de nós foi combater enchendo os navios transporte de tropas, com a esperança de uma vez regressados às nossas terras nos deixariam em paz. Não eramos convictos das razões porque íamos, grande parte não acreditávamos no que íamos fazer, embora com alguma curiosidade e espirito de aventura, contaríamos os dias que nos faltavam para regressar.

Encaramos a situação como um compasso de espera na nossa vida.

Valentia houve muita, coragem, abnegação, espirito de sacrifício, nunca poderemos pôr em causa, porque é possível ser valente mesmo sem uma razão válida para além de defender a própria vida e dos seus camaradas.

Paralelamente muitos também deixaram as suas terras, a sua vida de miséria, mal sabendo ler e escrever, largaram a enxada, o gado, ou um balde de massa, as suas mulheres, namoradas e a salto rumaram a outras terras. Esses de forma consciente, tiveram a coragem de afrontar a incerteza, os perigos da jornada e de serem presos para terem uma vida melhor. Esses procuraram o Futuro.

Sem talvez terem consciência disso, ajudaram com o seu esforço e as suas remessas de moeda forte, a prolongar a guerra e o regime que tão mal os tratara, a ponto de se irem embora procurar sustento e vida melhor.

Na verdade o que é que esses homens deviam  à Pátria?

O que é que a Pátria tinha feito por eles para lhes exigir a vida? Eram por acaso as nossas famílias que estavam em perigo? Eram as nossas aldeias e cidades a serem invadidas? Eram as riquezas dessas províncias ultramarinas, que lhes iam trazer o bem estar que até aí lhes tinha sido negado?

Mesmo assim, houve quem voltasse para fazer a tropa e ir combater pelo direito de poder voltar à sua terra. Outros, findas que foram as comissões, tiveram que emigrar, pois não tinham cá condições para viverem condignamente. Hoje há mais descendentes portugueses espalhados pelo Mundo dos que cá vivem.

Sabemos, hoje, que muitas organizações clandestinas defendiam a resistência ao regime. Enquanto umas defendiam que não se devia desertar a não ser que estivesse em risco a própria vida, outras que defendiam abertamente a deserção.

Pelo que entendo, umas pretendiam a implosão do Estado, utilizando as instituições vigentes, enquanto outras pretendiam que o fim do regime fosse atingido pela luta de fora para dentro.

Como se viu o objectivo foi atingido de dentro para fora, utilizando os militares que operavam nos três ramos das forças armadas, muitos ao nível de comando com larga experiência em combate, o que me faz parecer justíssima a primeira opção, não quero com isto tirar o valor a quem acreditava noutras vias.

Naquela madrugada, já os militares revoltosos estavam a caminho dos objectivos, bebia eu umas imperiais no café do Omar, um galego há muito radicado em Portugal (Ele brincando com o seu nome transformou-o em Roma). Era ali mesmo frente ao Mosteiro de Alcobaça, eu mais um amigo que cavaqueávamos sem nos apercebermos de nada. Tinha chegado há 20 dias da Guiné no Niassa e ir para a cama, era a última coisa que me apetecia tal era a ânsia de absorver o regresso. Três horas mais tarde a minha mãe entrava no meu quarto acordando-me com um misto de alegria e medo, “há uma revolução em Lisboa” disse ela.

O meu pai exultava e não tardaram a passar colunas militares a caminho das Caldas da Rainha, pois que, vencida a revolta de 16 de Março, esse quartel estava sem ligação.

Que inveja eu tive daqueles soldados, a maioria muito jovens sem qualquer experiência de combate, a quem tinha calhado a sorte de ajudar a derrubar a brigada do reumático, abrir as prisões e este país ao Mundo.

Depois regressaram muitos que de cá tinham fugido. Vieram de avião, de comboio e até de automóvel. Uns talvez filhos de “papás”, mas a grande maioria tinha hipotecado o seu futuro académico, os seus empregos, as suas famílias, a liberdade em nome de um ideal de justiça e bem estar, que se vivia nos países livres da guerra e repressão.

Todos ajudaram à formação de uma consciência colectiva para derrubar nesse dia o governo que subjugou este país 48 anos. Para trás ficaram perseguições, dezenas de anos de luta, centenas de anos de prisões, mortes, torturas e degredo.

Por causa desse dia os nossos filhos conheceram outra realidade que não a nossa, nem têm possivelmente consciência do que é não ter o que têm e que nós não tivemos:

(i) Assistência médica para todos, a quase erradicação da mortalidade infantil;

(ii) Só 13% dos alunos ultrapassavam a 4ª classe e havia milhares a não passar da 2ª e 3ª;

(iii) Liberdade dos presos políticos, fim do delito de opinião e eleições livres.

(iv) Democratizar, Desenvolver, Descolonizar.

Muito se fez, muito ficou por fazer mas 40 anos passados, apesar dos avanços e recuos nada se compara ao que tínhamos antes.

Muito se escreveu sobre o 25 de Abril, uns contra, outros a favor, mas a verdade é que todos podemos expressar a opinião e pela parte que me toca, é com muito orgulho que recordo e festejo esse dia luminoso, em que o verde azeitona das fardas ocupou Lisboa e a espingardas G3, se encheram de cravos vermelhos.

Um abraço a todos

Juvenal Amado
[ex-1.º Cabo Condutor Auto,
CCS/BCAÇ 3872,
Galomaro,
1971/74;
ex-empresário]

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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13001: 10º aniversário do nosso blogue (10): O baú das memórias já está muito rapado... mas ainda consegui uma foto, que diz muito: um abrigo no K3 (Ernesto Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 1421, Mansabá, 1965/67)

Guiné 63/74 - P13003: Mafra, EPI, COM: Instruções para os instruendos (Mário Vasconcelos): Parte I: Finalidade, Funcionamento, Provas de aptidão, classificação e Faltas


















Reprodução da primeira parte do guia do instruendo do COM (Curso de Oficiais Milicianos), usado na EPI - Escola Prática de Infantaria, em  Mafra: I. Finalidade dos C. O. M.; II Funcionamento; III - Provas de aptidão, classificaçaõ e exclusões; e IV - Faltas.

Imagens: © Mário Vasconcelos (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]

1. O documento original, sem data, chegou-nos, devidamente digitalizado, por mão do nosso camarada Mário Vasconcelos [ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72. Mansoa, e Cumeré, 1973/74].

Recorde-se que já publicámos o guia do instruendo do CSM - Curso de Sargentos Milicianos,  documento que nos chegou por mão  da parelha Fermando Hipólito / César Dias, e que é claramente mais "ideológico" do que o guia que começamos agora a publicar.

Não encontro este documento na Biblioteca do Exército nem sei de que data será.

Estas "indicações" ( e não "instruções") dadas aos instruendos dos COM remetem, por sua vez, para o Regulamento Geral de Instrução do Exército (RGIE).