terça-feira, 26 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14665: Tabanca Grande (464): António Melo de Carvalho, Coronel Inf na situação de Reforma, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465/BCAÇ 2861 (Có e Bissum-Naga, 1969/70), Grã-Tabanqueiro 688

1. Mensagem do nosso camarada e novo amigo tertuliano, António Melo de Carvalho, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465/BCAÇ 2861 ( e Bissum-Naga, 1969/70), actualmente Coronel Inf na situação de Reforma, com data de 21 de Maio de 2015:

Caros camaradas,
Sou um leitor assíduo do vosso blogue.
Julgo que chegou a hora de me juntar à vossa Tabanca Grande, que afinal também tem vindo a ser minha desde há anos.

- Nasci em Barcouço, em 18-8-1940.
- Frequentei o ensino primário em Barcouço e o liceal em Coimbra.
- Entrei para a Academia Militar em 1960.
- Sou coronel na situação de reforma.
- Cumpri 2 comissões no Ultramar. Uma na Guiné, em 1969/70, como comandante da Companhia de Caçadores 2465. Pertencia ao Batalhão de Caçadores 2861.
- Outra comissão em Moçambique, de Out 1973 a Abril 1975, no Serviço de Reconhecimento das Transmissões.
- A última unidade que comandei foi o Batalhão Infantaria Mecanizado, da Brigada Mista Independente (Santa Margarida).
- Depois de passar à situação de reforma, a meu pedido, desempenhei várias funções na empresa MCG durante 13 anos, no Carregado. A última foi a de Director Administrativo e Financeiro.

E agora digo mais duas palavras sobre a comissão da Guiné.
Estivemos em Có durante três meses, integrados na segurança à construção da nova estrada Bula - Teixeira Pinto. Depois, até final da comissão, a CCaç 2465 ficou como responsável pelo sector de Bissum – Naga. Era a área mais problemática do Batalhão, que tinha o comando em Bissorã.
A actividade operacional em Có e de modo particular em Bissum, até final do ano de 1969, foi muito dura.
Em 1970 diminuiu de intensidade. Então, o acento tónico da nossa actividade ficou inscrito em acções de paz, bem vivas ainda hoje na memória daqueles que então ainda continuavam a fazer a guerra. O apoio dado à população de Bissum, na formação escolar das crianças, no campo sanitário, habitacional e outros, a valorização escolar e profissional dos soldados da CCaç 2465, teimam em não deixar de afirmar-se, nas recordações desses dois anos, como o mais gratificante que fizemos na Guiné.
Apesar de largas dezenas de contactos com os guerrilheiros do PAIGC, regressámos todos.

Com um abraço
Melo de Carvalho

Vista aérea de Bula
Foto: © Carlos Ricardo.

 Estrada Bula-Có-Pelundo-Teixeira Pinto - Vd. Carta da Província da Guiné 1:500.000

Abril/Maio 1967 - Construção do quartel de Bissum-Naga. Como se pode ver, estas construções davam-nos cá uma qualidade de vida...
Foto e legenda: © Carlos Ricardo. 


2. Comentário do editor:

Caro camarada Melo Carvalho, bem-vindo à nossa caserna virtual de ex-combatentes da Guiné.
Uma vez que nos segues atentamente, não estranharás o nosso tratamento menos informal, por tu, que é uso na nossa tertúlia, independentemente da nossa idade, dos nossos postos antigos e/ou actuais, formação académica, profissão e outras circunstâncias que "lá fora" podem fazer diferença mas que entre camaradas são irrelevantes.

Saberás que este blogue é um repositório de memórias escritas e fotográficas dos momentos mais ou menos marcantes dos combatentes da Guiné. São relatos escritos na primeira pessoa e fotos, elas próprias também falantes.
No teu caso, poderás, se assim o entenderes, deixar um ou outro apontamento da tua passagem por Moçambique, esta última vivida nos tempos conturbados da passagem do testemunho da soberania nacional para aquele novo país independente e soberano.
Claro que o que mais nos interessa são apontamentos da História da CCAÇ 2465, da qual, além de ti, só temos na tertúlia o ex-Alf Mil Aníbal Magalhães que em tempos nos disse:

[...]
A nossa estadia na Guiné, no ambiente de guerra, foi difícil como deve calcular. Mas havia uma grande união entre todos, nos bons como nos maus momentos. 
É de realçar que fomos comandados superiormente pelo Capitão António Melo Carvalho a quem tudo devemos. Mas, como o Luís tem dito, todos temos uma história para contar. 
A minha (história) começou no início da década 1950, quando conheci Amílcar Cabral. Conheci como? Pois Maria Helena, primeira mulher de Amílcar era minha prima. As nossas mães eram irmãs. As reuniões familiares eram frequentes e algumas vezes em casa dos meus Pais. 
Tenho de Amílcar Cabral grandes recordações,uma grande simpatia, uma grande amizade. Toda a família o respeitava. Eu pessoalmente fiquei impressionado com aquela figura que apresentava uma grande confiança. 
Esta história como deve calcular teve muitos episódios sobretudo quando fui mobilizado para a Guiné. Estive na Guiné sem complexos e como afirmou Amílcar, a sua luta não era contra o povo português. A morte de Amílcar deixou-me triste, perdi um amigo e sua morte nada resolveu. 
[...]

Militam também na tertúlia: da CCS/BCAÇ 2861, o ex-Fur Mil Enf Armando Pires; da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861: o ex-Fur Mil António Nobre, o ex-Sold Apont AP Alexandre Cardoso e o ex-Sold Radiotelegrafista (DFA) José Maria Claro.

Se ainda não leste e quiseres aceder às suas memórias, clica nos nomes na cor laranja.

Os editores ficam ao teu dispor para esclarecer qualquer dúvida que tenhas e desejam que te sintas bem entre nós porque é com o maior prazer que te recebemos. Poderás conhecer alguns de nós no nosso próximo Encontro de 2016, muito provavelmente a levar a efeito no dia 16 de Abril em Monte Real.

Aqui fica um abraço em nome da tertúlia e dos editores
Carlos Vinhal
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 Nota do editor

Último poste da série de 5 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14568: Tabanca Grande (463): Joviano Teixeira, grã-tabanqueiro nº 687... É natural de Tavira, e pertenceu à CCAÇ 4142 (Gampará, 1972/74)

Guiné 63/74 - P14664: Efemérides (189): Cinquenta anos do encerramento da Casa dos Estudantes do Império (CEI) (1944-1965)... Homenagem aos associados da CEI pela UCCLA (união das Cidades Capitais de Língua Portuguesa)... Exposição sobre a CEI na Câmara Municipal de Lisboa até 25 de junho


"Pela CEI [Casa dos Estudantes do Império] de Coimbra e Lisboa passaram Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Pedro Pires, Vasco Cabral, Mário Pinto de Andrade, Marcelino dos Santos, Luandino Vieira, Manuel Rui Monteiro, Rui Mingas, António Jacinto, Óscar Monteiro, João Craveirinha, Joaquim Chissano, Sérgio Vieira, Miguel Trovoada, Francisco José Tenreiro, Alda Lara,Pepetela… Uma constelação de intelectuais e de futuros líderes políticos"... Pela CEI, terão passado mais de 2200 estudantes  (Nuno Ferreira, Público, 16/6/2014).

1. Exposição “Casa dos Estudantes do Império. Farol de Liberdade”

Câmara Municipal de Lisboa

De 21 de maio a 25 de junho de 2015 | Das 10 às 13 e das 14 às 17 horas.

No âmbito da homenagem que a UCCLA [, União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa,] tem vindo a promover à Casa dos Estudantes do Império, terá lugar, dia 21 de maio, às 18 horas, a inauguração da exposição “Casa dos Estudantes do Império. Farol de Liberdade”, na Sala de Exposições da Câmara Municipal de Lisboa (Praça do Município), em Portugal.

A exposição é uma mostra documental, com fotografias, publicações periódicas, livros, documentos oficiais, etc, cedidos ou disponibilizados pelos associados e por algumas instituições que se associaram à exposição.

Entrada livre. [Fonte: Cortesia de UCCLA]


Cartaz da exposição "Casa dos Estudantes do Império (1944-1965)" (Cortesia de UCCLA)


2. Do sítio da UCCLA, com a devida vénia:

GRANDE HOMENAGEM AOS ASSOCIADOS DA CASA DOS ESTUDANTES DO IMPÉRIO

A UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa) tem vindo a homenagear a Casa dos Estudantes do Império (CEI), desde 28 de outubro de 2014. Esta homenagem corresponde, sem dúvida, a um desígnio comum dos povos de língua oficial portuguesa e não é possível conceber-se o futuro sem a preservação da memória que a todos respeita.

Atendendo a que este ano se assinala os 50 anos do encerramento da CEI, em Lisboa, os 30 anos de existência da UCCLA, e a passagem dos 40 anos do reconhecimento das independências dos países africanos de língua oficial portuguesa, diversas serão as iniciativas programadas para os próximos dias.

Programa:


- Dia 21 de maio, 18h00 - Inauguração da exposição “Casa dos Estudantes do Império. Farol de Liberdade”, nos Paços do Concelho (Praça do Município).

Trata-se de uma mostra documental, com fotografias, publicações periódicas, livros, documentos oficiais, etc, cedidos ou disponibilizados pelos associados e por algumas instituições que aderiram à exposição. A exposição estará patente ao público até ao dia 25 de junho, das 10 às 13 e das 14 às 17 horas, todos os dias;

- Dias 22, 23 e 25 de maio - Colóquio Internacional “Casa dos Estudantes do Império: histórias, memórias, legados”, na Fundação Calouste Gulbenkian (Av. de Berna, n.º 45A), em Lisboa.

O evento é organizado pela UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa), CES (Centro de Estudos Sociais - Laboratório Associado da Universidade de Coimbra), Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), Camões - Instituto da Cooperação e da Língua Portuguesa e CML (Câmara Municipal de Lisboa).

3. Sobre a CEI (Casa dos Estudantes do Império) 

A Casa dos Estudantes do Império) (CEI) foi criada em 1944, pelo regime anterior, para responder ao reforço do convívio dos estudantes universitários das ex-colónias portuguesas, que não possuíam instituições de ensino superior e que tinham assim que continuar a frequência universitária em Portugal. Este objetivo integrou-se num outro, mais visto, de formação de eleitos que se admitiam virem a ser enquadradoras dos objetivos que o próprio regime colonial prosseguia.

Sob os ventos da descolonização, documentos da Segunda Guerra Mundial, e da aprovação da Carta das Nações Unidas que reconhecem o direito inalienável dos povos à autodeterminação e à independência, o mundo assistiu ao surgimento de novos países no continente africano, o primeiro dos quais foi o Gana, em 1957.

A partir dessa altura muitos dos associados da Casa dos Estudantes do Império são impulsionados para o aprofundamento dos estudos relativos à identidade dos territórios de que eram originários, frequentando debates, colóquios e promovendo edições próprias, com conteúdo diversificado, incluindo poemas, contos e outras formas de expressão cultural.

Em resultado desta ação, a Casa dos Estudantes do Império é encerrada por intervenção da PIDE em 1965. Em 2015 ocorrerá a passagem do 50.º aniversário desse encerramento que coincide com o 40.º aniversário das independências das ex-colónias portuguesas.

Foram associados da Casa dos Estudantes do Império, ou tiveram participação nela, personalidades incontornáveis da cultura e da política como Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Lúcio Lara, Fernando França Van Dúnem, Joaquim Chissano, Pascoal Mocumbi, Pedro Pires, Onésimo Silveira, Francisco José Tenreiro, Alda do Espírito Santo, Vasco Cabral, Pepetela, Alda Lara e tantos outros.

Decorridos, como se disse, cinquenta anos sob a extinção da Casa dos Estudantes do Império, a UCCLA entendeu dever dar um pontapé de saída para homenagear o conjunto desses jovens, tanto mais que Lisboa, que foi sede da Casa dos Estudantes do Império e Coimbra, onde existiu uma delegação, são associadas da UCCLA. No Porto houve também uma delegação durante alguns anos.

Esta homenagem corresponde, sem dúvida, a um desígnio comum dos povos de língua oficial portuguesa e não é possível conceber-se o futuro sem a preservação da memória que a todos respeita.

Enquanto Secretário-Geral da UCCLA agradeço à Comissão Organizadora, constituída para a preparação e execução do programa, aos patrocinadores, sem os quais não seria possível levá-lo a bom porto, às instituições públicas de todos os nossos países e às respetivas embaixadas acreditadas em Portugal, aos convidados que prontamente aceitaram participar nos inúmeros eventos que foram programados e, por fim, à comunicação social que, desde a primeira hora, acolheu de forma muito solidária a iniciativa, fazendo repercutir pela opinião pública.


Vitor Ramalho
Secretário-Geral da UCCLA 
[Cortesia do sítio da UCCLA]


4. Sobre a história da CEI (, "criada para perpetuar a dimensão imperial do Portugal do Estado Novo, (...) foi viveiro de dirigentes independentistas que chegaram ao poder nas ex-colónias"), vd reportagem de Nuno Ribeiro, Público, 16/6/2014 ("Cinquentenário do fecho da Casa dos Estudantes do Império vai ser assinalado a partir de Outubro"). 

Texto completo, aqui.

Vd. também entrevista, feita pela RTP África, programa "Grande DEntrevista", de 26/5/2014, ao são tomense e dirigente da CEI, Tomás Medeiros: "Casa dos Estudantes do Império: demos um tiro no dedo do colono" [Vd,. transcrição da enrtrevista aqui].

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Nota do editor:


Guiné 63/74 - P14663: Filhos do vento (33): "Quando a guerra terminar, e a tropa se for embora, ainda hei-de ver por aqui alguns brancos a trepar às palmeiras", dizia-me um chefe de tabanca no meu tempo (Domingos Gonçalves, ex-alf mil, CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)



Guiné > s/l> s/d [c. 1961/64] > "Trepando à palmeira para a recolha do vinho de palma. (eu nem com um cabo de aço de 20 mm, me atrevia a estar naquela posição àquela altura)"...


Foto do álbum do nosso "veteraníssimo" Joaquim Ruivo, ex-1º cabo mec obus 8.8, BAC (Santa Luzia, Bissau, out 61/ fev 64).

Foto (e legenda): © Joaquim Ruivo (2013). Todos os direitos reservados

1. Mensagem de Domingos Gonçalves (ex-alf mil,  CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)

Data: 26 de maio de 2015 às 09:00
Assunto: Filhos da guerra/filhos do vento


Prezado Graça:

Antes de mais, saúde. Depois, envio a minha opinião sobre o assunto em questão (*.

Filhos do Vento? Filhos da Guerra?

O nome parece-me secundário. São filhos de portugueses. E é por serem filhos de portugueses que merecem a nacionalidade portuguesa.

Poderíamos invocar, reforçando o primeiro, outro argumento: os que nasceram antes de 25 de Abril
de 1974, nasceram em território português, administrado por Portugal. Também, por esta razão,
deveriam ter direito à nacionalidade portuguesa, caso a desjassem.

Serão muitos? Serão poucos? Ao certo ninguém sabe.

Recordo-me de ter escutado algures, da boca de um chefe de tabanca, o seguinte comentário:
"Quando a guerra terminar, e a tropa se for embora, ainda hei-de ver por aqui alguns brancos a trepar às palmeiras."

Não sei se a profecia se cumpriu, ou não. De qualquer modo, sejam eles brancos, negros ou mestiços,
penso  que deveriam ter direito à nacionalidade portuguesa.

Com um aqbraço amigo,

Domingos Gonçalves

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Nota do editor:

Último poste da série >  25 de maio de  2015 > Guiné 63/74 - P14659: Filhos do vento (32): Festival Rotas e Rituais, 2015: 22 de maio > Conferência "Filhos da Guerra": apontar o dedo ou dar a mão para ajudar? (Hélder Sousa / João Sacôto)

Guiné 63/74 - P14662: Agenda cultural (405): Lançamento do livro de memórias "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", Biblioteca Florbela Espanca, Matosinhos, 3 de junho, 15h30: convite do nosso camarada A. Marques Lopes, cor inf DFA, reformado




Matosinhos > Câmara Municipal > Biblioteca Florbela Espanca [Rua 1 de Maio, 188,  vd aqui localização ]


1.  A pedido o nosso querido amigo e camarada A. Marques Lopes,  coronel inf, DFA, na situação de reforma, ex-alf mil da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968),  um dos nossos primeiros  grã-tabanqueiros (, entrou em 2005 e tem, mais  de 200 referências no nosso blogue), dá-se a notícia do lançamento de mais um livro de memórias sobre a guerra colonial na Guiné:


Título: Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial
Autor: João Gaspar Carrasqueira
Data de publicação: Junho de 2015
Número de páginas: 582
ISBN: 978-989-51-3510-3
Colecção: Bíos
Género: Biografia
Preço: 19 € (edição em papel)


Sinopse

"Ali, deitado sobre a terra e desejoso de nela se afundar, deixou a sua condição humana, alapado como um coelho que segue os passos do caçador à espera do momento oportuno para fugir. Levantou instintivamente a cabeça por cima do capim que cercava o baga-baga para ver o momento oportuno. Tendo abandonado as suas posições de combate, os guerrilheiros avançavam em linha ao longo da clareira lançando rajadas curtas de costureirinha e kalash. Estava a vê-los, numa imagem de ocasião, sem saber ainda se era real ou imaginária. Fortes, atléticos mesmo, em passadas decididas, senhores da vitória. Despertou nele o animal cujas reacções são comandadas pelo instinto de sobrevivência e, ao mesmo tempo, o animal especial que era domesticado para reagir a determinados sinais e estímulos. Pôs instintivamente em práctica todo o mecanismo de comportamento do animal encurralado por numerosos caçadores. Decidiu rastejar até à orla direita da clareira. Mas antes, lixado com a maçariquice de andar com eles, enterrou os galões camuflados que usava e jurou nunca mais os usar. Achou que não lhe servia ali a Convenção de Genebra, que o seu futuro de prisioneiro seria melhor se não soubessem do seu posto. Uma ideia estúpida avaliar nesses termos a enrascadela em que se encontrava, mas era melhor assim, concluiu".

(Fonte: Chaido Ediora, Lisboa)

João Gaspar Carrasqueira 

"António Aiveca, a personagem principal e real deste livro, nasceu em Lisboa, na maternidade Magalhães Coutinho. Com apenas um ano foi para a terra dos pais no Alentejo, Penedo Gordo, perto de Beja

Aos sete anos regressou a Lisboa, onde fez a instrução primária num colégio de padres de onde saiu para o seminário, donde foi convidado a sair aos vinte anos, resultado de vários percalços.

Esteve cerca de um ano como ajudante de fiel de armazém na AGPL, Administração Geral do Porto de lisboa, em Santos, como ajudante de fiel de armazém. Foi incorporado em Mafra, depois, para frequentar o COM, Curso de Oficiais Milicianos, aí estando sete meses e onde tirou a especialidade de Atirador.

Nove meses depois foi mobilizado para a Guiné, integrado numa companhia metropolitana. Foi ferido em combate e evacuado para o Hospital Militar, na Estrela. Esteve aí em tratamento durante nove meses.

Após isso foi novamente enviado para a Guiné e colocado numa companhia de recrutamento local, isto é, de naturais da Guiné, onde esteve dez meses.

Regressado à metrópole e já consciente dos males da guerra e dos seus responsáveis, foi militante de algumas organizações que lutavam contra o regime e a guerra colonial". 

(Fonte: Chiado Editora, Lisboa)

2. Sobre este obra, de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo literário de A. Marques Lopes), já aqui escreveu o nosso crítico literário Mário Beja Santos (*):

(...) Por intermédio do nosso confrade Marques Lopes, recebi esta "Cabra-Cega" que, segundo apurei, terá o seu lançamento em Junho.

A vários títulos, estamos perante uma obra invulgar, seguimos o itinerário de uma criança pobre educado no seminário até aos 20 anos, faz o 7.º ano enquanto estuda como ajudante de fiel armazém. Segue-se Mafra, e na Amadora vai formar batalhão.

Em impressiva água-forte, regressamos aos anos 1960, quatro aspirantes que foram convergidos à pressa para uma companhia dialogam entre a inocência e um certo fundamentalismo. O capitão Mendonça é uma figura antológica, verão. E depois a Guiné, algures, depois de um rio largo que depois se estreita. E um dia, aquele alferes descobre que está sozinho, a sua tropa debandou depois de um fogo intenso.

E há muito mais para vos dizer. (...)


3. Segundo informação do A. Marques Lopes [, foto atual à direita,] o  livro será apresentado às livrarias do comércio tradicional e aos grandes grupos comerciais (Fnac, ECI, Bertrand, Sonae, Almedina, Auchan, Bulhosa, entre outros) que farão encomenda da obra se assim entenderem. No caso da não-encomenda a obra estará sempre disponível em qualquer balcão através de encomenda.

Em relação ao comércio tradicional, será também enviada para os seguintes espaços:
  • Desassossego: Rua de São Bento, nº 34, 1200-815 Lisboa 
  • Livraria Sousa & Almeida, Lda: Rua da Fábrica, 40-42, 4050-245 Porto 
  • Livraria Nunes: Avenida Boavista 887, 4100-128 Porto 
  • Livraria de José Alves: Rua da Fábrica, n.º 74, 4050-246 Porto 
  • Europa-América Porto: Rua 31 de Janeiro, 221, 4000-543 Porto

Nas livrarias o preço será  de 19 €.  Na sessão de lançamento será vendido a preço promocional de 10 € (**).

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Notas do editor:

Guiné 63/74 - P14661: Parabéns a você (910): Carlos Alberto Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 617 (Guiné, 1964/66); Carlos Nery, ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70); Gabriel Gonçalves, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2589/CCAÇ 12 (Guiné, 1979/71); Jorge Narciso, ex-1.º Cabo MMA da BA 12 (Guiné, 1970/72) e João Santiago, Amigo Grã-Tabanqueiro





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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14653: Parabéns a você (909): Rui Gonçalves Santos, ex-Alf Mil da 4.ª CCAÇ (Guiné, 1963/65)

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14660: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (48): Avião amigo ou inimigo!?

MEMÓRIAS DO CHICO, MENINO E MOÇO (CHERNO BALDÉ)

48 - Avião amigo ou inimigo!?

No decurso da guerra colonial na Guiné, a presença de um avião no céu podia engendrar diferentes interpretações na cabeça das pessoas cá em baixo, dependendo do lado da trincheira em que se encontravam. Do lado da trincheira portuguesa, junto dos aquartelamentos, o avião apresentava-se com uma cara amiga e era sempre bem vindo, uma providência divina que tanto podia trazer correio, comida, ou salvar vidas em zonas isoladas e de difícil acesso no mato.

De todos, o mais conhecido terá sido, sem sombra de dúvidas, o helicóptero dos olhos de vidro (Alouette III), cujo som, inconfundível, no meio de todos os ruídos terrestres, começava por nos entrar furtivamente aos ouvidos em forma dum ligeiro zumbido de insecto voador, transformando-se paulatinamente num put-put-put em crescendo para de seguida inundar o espaço com o seu bruaaa infernal que envolvia e barafustava tudo e todos na voracidade das suas potentes hélices, agitando e revolvendo a massa de ar a sua volta.

Aiihh!.., o medo que sentíamos por aqueles que se atreviam a aproximar-se de uma dessas máquinas em movimento. Que dizer do impressionante cenário de ver o Gen. Spínola a descer ou a entrar num desses helis, o corpo firme e hirto como o poilão gigante das nossas savanas, chefe militar e homem-grande que encarnava as nossas ilusões de guerra e de paz. E que dizer, ainda, da espectacular e inesquecível descida de um grupo de tropas especiais (Marcelino da Mata?) de uma coluna de helis em pleno voo, rumo ao Oio. Bravura inabalável de uma juventude indómita ou simples ‘cretinice’ de jovens inocentes!?...

DO 27 em Guileje / Foto de José Neto (2006) /
Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
Muito difícil de detectar eram as pequenas avionetas [, DO 27,]  que pela insignificância das hélices ou dos motores e quais finas borboletas esvoaçando ao vento entravam no nosso raio de visão muito antes de ouvirmos o ruído dos motores. Pousavam levemente na pista de terra e de seguida, qual avestruz endiabrada, iniciavam uma corrida desenfreada dando uma volta completa antes de estacar a nossa frente. Em muitas ocasiões, conseguiam surpreender a vigilância dos nossos ouvidos atentos de crianças de guerra.

Já os aviões a jacto [, Fiat G91,] eram mais matreiros, conseguindo sempre fintar-nos pois, quando o som se anunciava repentino e levantávamos os olhos para o céu já eles estavam fora do alcance da nossa visão, mostrando, da forma mais insolente, a negrura do seu traseiro que cuspia fogo e fumo prateado. O destino era invariavelmente o nordeste da Guiné, Canquelefá, Pitche, Buruntuma, onde o inimigo teimava em infiltrar-se perniciosamente.
Para os que se situavam doutro lado da trincheira, o avião, em geral, era sinónimo de terror e constituía o maior perigo com que se podiam confrontar no meio do mato cerrado ou, pior ainda, numa zona aberta como as lálas e bolanhas. Atravessar uma bolanha, naqueles tempos de guerra, podia ser tanto ou mais difícil do que atravessar as águas do Geba ou do rio Corubal a nado.

Todavia, também existiam situações intermédias e menos conhecidas como por exemplo de pessoas que não se situavam em nenhuma das duas trincheiras ou se situavam numa mas que, ao mesmo tempo, por razões diversas eram obrigadas a frequentar, com certa assiduidade, o outro lado da trincheira, em território considerado de zona inimiga.

Os fulas em geral e os fulas forros em particular (magricelas e com pele mais clara), onde quer que se situassem, entravam sempre nesta situação particular e dúbia de não se conformar com as restrições e/ou imposições absurdas da guerra que complicavam, sobremaneira, a prática da sua principal actividade económica que era a pastorícia. E conscientes da impossibilidade real de fazerem compreender aos comandantes e chefes de guerra brancos que a criação de gado bovino não se compadecia com o sedentarismo dos arames farpados e que a divisão do território e a criação de zonas de segurança complicava a vida dos ganadeiros fulas, que frequentemente eram obrigados a violar, de forma escamoteada e silenciosa, as restrições impostas pelas hierarquias militares.

Assim, ainda crianças, éramos preparados a contornar estas ordens de forma a penetrar nas áreas proibidas onde o pasto era mais abundante e favorecia os nossos animais, sobretudo na época das chuvas (de Junho a Novembro). A preparação consistia em ensinar crianças dos 7 aos 12 anos a identificar os possíveis perigos ai existentes e as formas de os abordar.

Relativamente aos perigos do tipo animais ferozes (a onça e o leão) ou a presença de militares (fossem guerrilheiros ou milícias do lado português) a técnica era fugir primeiro e verificar depois, fugir ao menor movimento dos animais e mais tarde verificar o que teria sucedido.
O ruído, o cheiro, o estado dos animais, os excrementos, as marcas no chão e nas folhas das árvores eram sinais que nunca mentiam. Mas, também, acontecia, fugirmos em consequência de um alarme falso motivado pela presença de um animal menos perigoso, como as cobras, giboias ou babuínos que espantavam o gado.


Fiat G91. Foto: Blogue Luís Graça
& Camaradas da Guiné
Uma vez, lembro-me de termos fugido depois de uma agitação dos animais e quando chegamos a casa fomos obrigados a retornar a floresta à procura dos mesmos pois que a justificação dos factos não fora suficiente para convencer a experiência dos mais velhos. No caminho cruzamos com as vacas que regressavam seguindo a sua rota habitual guiadas pela cabecilha da manada reconhecível através dos seus longos chifres compostos em forma de um arco. No mato, homens e animais complementam-se mutuamente, combinando harmoniosamente a razão com o instinto, a coragem com a persistência mas, nós tínhamos sido simplesmente cobardes, fugindo à investida de um porco-de-mato.

Mais complicado em tudo isso eram, certamente, os aviões que apareciam de repente e aos quais não havia formas de comunicar para que soubessem que não éramos os “bandidos” que eles procuravam e que a nossa presença ali, em território inimigo, se explicava pela simples razão de que éramos pastores e vivíamos do pasto e estávamos a lutar pela sobrevivência dos nossos animais, única riqueza do nosso povo. Nesses casos, a nossa única esperança era que, mesmo que o avião nos tivesse visto, o que era uma forte probabilidade, não tivesse motivos suficientes para voltar atrás e perscrutar e muito menos para assumir uma posição de ataque contra nós, pobres pastores presos na lógica destruidora de uma guerra sem fim. O que se recomendava fazer nesse caso era procurar um abrigo qualquer, um buraco de baga-baga ou então dissimular-se nos arbustos, ficar quieto e esperar. Sobretudo não olhar para cima porque, diziam, a testa podia reflectir a luz do sol e denunciar a vossa presença.

Em virtude desta situação dúbia e muito complicada e ao longo da guerra perderam-se muitas cabeças de gado que as populações não podiam reclamar junto das autoridades militares tanto do lado da guerrilha como do lado português, e que muitas vezes era considerado “butin de guerre” pelas razões aqui expostas. Algumas vezes as perdas eram inestimáveis podendo incluir os próprios pastores, surpreendidos em plena floresta, porque se as milícias do lado português contentavam-se com o espólio dos animais, os guerrilheiros procuravam levar não só os animais mas também os jovens pastores a fim de engrossar as suas fileiras.

Heli Al III. Foto de Humberto Reis (2006) /
Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
Mas, felizmente, e aqui digo “djarama abion” ou melhor “Djarama djoma abion” porque aquilo que mais temíamos no mato, fazendo sol ou chuva e às vezes durante a noite e seguindo incansavelmente os trilhos dos nossos animais, nunca chegou a acontecer, pelo menos connosco, isto é ser alvo de um fogo amigo no interior de um território inimigo. Se calhar porque os aviões eram mais inteligentes que os morteiros ou obuses, que na nossa linguagem de crianças chamávamos “abus” o que, se calhar, não estava longe da verdade, isto é “abuso de morteiro” ou fogo amigo transformado em fogo inimigo."

Notas:
Tradução das palavras em língua fula:
'Djarama abion' = obrigado avião.
'Djarama djoma abion' = obrigado ao dono do avião (tradução directa) o que em português quererá dizer - obrigado aos (nossos) pilotos de avião.

Bafatá, Maio de 2015
Cherno Abdulai Baldé

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Observ - As fotos que não são do nosso blogue, foram enviadas  pelo Cherno Baldé, seleccionadas da Net, sem indicação da fonte.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13500: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (47): Retrato de uma família - A guerra, a pobreza e a presença dos soldados portugueses

Guiné 63/74 - P14659: Filhos do vento (32): Festival Rotas e Rituais, 2015: 22 de maio > Conferência "Filhos da Guerra": apontar o dedo ou dar a mão para ajudar? (Hélder Sousa / João Sacôto)

1. Comentário de Hélder Sousa [, ex-fur mil de trms TSF (Piche e Bissau, 1970/72), ribatejano, engenheiro técnico, residente em Setúbal, membro da Tabanca Grande desde abril de 2007 e nosso colaborador permanente]:


Um conjunto de circunstâncias felizes permitiram-me ter estado presente. (*)

Gostei e não gostei.

Gostei da exposição fotográfica que serviu de 'motor de arranque' ao evento. É um conjunto de fotografias de grande categoria, com rostos expressivos, com paisagens e enquadramentos que nos fazem reviver e pensar. ´[É da autoria de Manuel Pedrosa

Gostei das explicações que foram dadas para a exposição e também, já agora, do que foi oferecido aos visitantes: cachupa, bolo de gengibre, bebida de manga com hortelã, camarão frito...






O festival Rotas & Rituais 2015, dedicada este ano aos 40 anos da descolonização e da independência dos países africanos de expressão oficial portuguesa, está a decorrer em Lisboa, até ao dia 29 de maio. Ver aqui a página oficial.






Lisboa > Cinema São Jorge > Festival Rotas & Rituais, 2015 > 21 de maio de 2015 > "No foyer do Cinema São Jorge, Manuel Roberto mostra-nos as caras de 'Filhos do Vento', filhos que a guerra colonial fez nascer e depois esqueceu" (Fotos e legenda da página do Facebook do festival, reproduzidas aqui, no nosso blogue, com a devida vénia).[Sobre o Manuel Roberto, ver aqui a sua página pessoal no Facebook]

Gostei do facto de a Conferência ter tido uma razoável assistência, várias dezenas de presenças.
Gostei das intervenções dos membros do Painel: da Catarina, com o enquadramento justificativo e explicativo do que a motivou e também de como se emocionou com a sua viagem à Guiné (para nós isso já não constitui 'novidade'); da intervenção da Professora Margarida; do nosso camarada Luís Graça, que perspectivou, quanto a mim, o assunto (e as designações que têm vindo a causar algum 'desconforto' entre camaradas) em moldes correctos; a intervenção do ponto de vista do "direito" por parte de Rafael Reis.

Não gostei da forma como algumas intervenções da assistência, no período das questões, deturparam as ideias que foram expressas.

Por exemplo, em determinado momento o nosso camarada Jorge Cabral fez uma explanação sobre o seu entendimento de como surgiram casos como o que motivava a Conferência, terem nascido crianças em resultado de relações entre militares portugueses, metropolitanos em comissão de serviço, e mulheres guineenses.


Em nenhum momento sugeriu que seriam relações suportadas por situações do tipo de prostituição, antes pelo contrário, foi sublinhado que, no "nosso tempo",  esse tipo de 'actividade' tem indicações em Bissau, no "Cupilon", no "Chez Toi" e também houve referências a Bafatá, mas nada mais.

E não é que algumas outras intervenções, por "distracção", por ignorância, por "cartilha tipo cassete", por maldade, tentaram 'fazer passar' a ideia que os militares portugueses 'descartavam' os filhos por alegarem que eles seriam fruto de prostituição e não poderiam, naquela altura, assumir a paternidade ?!

Felizmente que uma guineense, com grande nível, ajudou a colocar as coisas na verdadeira perspectiva, mas lá que fiquei a 'desgostar' da forma como ainda hoje, em vez de se procurar encontrar a solução possível para a situação dessas pessoas "sem Pai", se faça mais foco na procura de 'culpabilidades' impossíveis de determinar.

Mas valeu a pena!
Hélder S.

2. Sobre este tema também comentou o João Sacôto (*) 

[ex-Alf Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66)]

Infelizmente, não estive presente, porém é, para mim, fácil entender a opinião do Hélder Valério, no que toca às coisas de que não gostou. Também não gosto de ouvir certas correntes de opinião que insistem em culpabilizar sistematicamente os comportamentos de jovens em vivências tão incomuns e extraordinárias. Direi mais, esses comportamentos teriam sido muito diferentes se vividos pelos mesmos em tempo de paz mas afastados do seu ambiente habitual?


3. Novo comentário do Hélder Sousa (*):

Meus amigos, motivado pela observação do Gabriel,  ainda acrescento mais alguns aspectos, sendo certo que o cerne da questão não é mais do que saber se aquelas crianças de então, adultos de hoje, têm direito a conhecer o progenitor e, já agora, por extensão, se têm direito à nacionalidade portuguesa [, tema que esta semana é objecto de uma sondagem do blogue].

Começando pelo fim a resposta só pode ser sim. 

Então não é verdade que eles são portugueses por nascimento, na medida em que isso ocorreu em território sob administração portuguesa? Isso só vale quando convém para diabolizar o que se quiser? Este aspecto é uma questão do Direito e competirá ao Estado (aos Estados) resolver.

Agora, se os progenitores (estou sempre a distinguir 'progenitor' de 'pai') estão ou não em condições de assumir essa paternidade, isso é muito mais complicado.

É uma decisão, uma atitude, do foro íntimo e, se não foi tomada antes, dificilmente poderá ser tomada agora. Já muita água correu debaixo das pontes....

E nem sabemos (nem poderemos saber e, na realidade, também só poderemos especular) os motivos porque antes não foi feito. Admito que em alguns casos até possa ter havido desconhecimento da gravidez, mas também sabemos de vários outros que não foi assim e aqui entraram outros preconceitos a funcionar.

Quanto a mim, este assunto tem estas duas vertentes: a 'nacionalidade' e a 'paternidade'.

Lateralmente às vezes leva-se a discussão para outros aspectos como o da sexualidade desbragada, da violação, etc., e sempre centrados nos jovens militares metropolitanos mas, propositadamente, ou não, omitem-se outras 'abordagens, como a dos relacionamentos de soldados africanos 'deslocados' territorialmente. 

Além disso também se poderia inquirir, tal como o Gabriel indica, como seria um relacionamento "em tempo de paz", como é que se passa agora com os "cooperantes". Como é que os jovens metropolitanos de então se relacionavam nas suas aldeias e vilas. Como haviam tantos "filhos de pais incógnitos" por essas terras.

Hélder S.
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Nota do editor:


Vd. também  poste de 21 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14642: Agenda cultural (400): Conferência "Filhos da Guerra", Festival Rotas & Rituais, 2015, Lisboa, Cinema São Jorge, 6ª feira, 22, 19h30... Participantes: Catarina Gomes (moderadora), Margarida Calafate Ribeiro (Os netos que Salazar não teve), Luís Graça (Que guerra se conta aos filhos?) e Rafael Vale e Reis (Filhos do vento: direito ao conhecimento das origens genéticas?)... Entrada gratuita... Às 18h, inauguração de exposição sobre o tema

Guiné 63/74 - P14658: Notas de leitura (717): O Império Português (1825-1890): Ideologia e Economia (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Junho de 2014:

Queridos amigos,
É costume nas incursões que fazemos sobre o século XIX guineense descurar o pano de fundo que foi a deslocação do império luso-brasileiro para terras africanas e para o Índico.
Houve planos imperiais, como o de Sá da Bandeira, que não tiveram êxito. Mas o fim do comércio negreiro e das reexportações brasileiras exigiram uma resposta que teve apoiantes e uma onda cética. Em torno desta evolução do império português o investigador Valentim Alexandre escreveu um ensaio que julgo dever ser objeto da nossa reflexão.
A Guiné, enquanto tudo isto se passa, não tem existência constitucional e há mesmo que aspire a que seja entregue a uma companhia majestática, não passava da Guiné de algumas praças e presídios.
Foram coisas que aconteceram.

Um abraço do
Mário


O Império Português (1825-1890): Ideologia e Economia

Beja Santos

Na altura em que estava a preparar com Francisco Henriques da Silva o livro “Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro”, senti claramente que havia um vazio a preencher, uma cena a iluminar, um contexto a esclarecer: a transferência da ideia imperial finda a presença portuguesa no Brasil para as paragens africanas. A moldura achada para as explicações oitocentistas na Guiné socorreu-se da Convenção Luso-Francesa, de 1886, decorrente da Conferência de Berlim, de 1884-1885, é formalmente conveniente mas após ler um importante artigo do investigador Valentim Alexandre sobre o império português oitocentista, publicado na revista Análise Social no nº 169, 2004, considero que este trabalho é esclarecedor de como a Guiné e as outras parcelas africanas foram encaradas pelas elites portuguesas.
Por isso dou como vantajoso aqui resumir as linhas de força do artigo de Valentim Alexandre e cujo título encima esta recensão.

Chegado ao Brasil em 1807, D. João VI, então príncipe regente, decretou a abertura dos portos brasileiros aos navios das nações amigas, o que veio pôr fim ao regime de exclusivo comercial de que a metrópole até então beneficiara. Com este gesto, começou a desagregação do império luso-brasileiro que terá o seu clímax com a declaração de independência do reino americano. A economia portuguesa ficou severamente abalada devido à quebra da reexportação dos produtos coloniais brasileiros. Com o Brasil independente, Portugal perdia igualmente importância no contexto internacional. É nesta atmosfera que houve que repensar o destino dos vários territórios dispersos pelo mundo, restos dos antigos sistemas, até então as relações com estas possessões eram muito ténues. Acresce dizer que as colónias de África continuaram ligadas sobretudo ao Brasil pelo tráfico negreiro que irá manter números elevados, embora ilegalizado, até 1851. É sabido que não há uma referência explícita à Guiné na constituição liberal, fala-se exclusivamente em Cacheu e Bissau, usam-se termos avulsos para falar desta região como Senegâmbia, “rios da Guiné”, sabe-se perfeitamente que a soberania de Lisboa pouco mais era do que nominal.

À luz dos desenvolvimentos mais recentes da historiografia, sabe-se que logo no primeiro período liberal (1820-1823) surgiu a ideia de construir um novo império em África, cedo se conjeturou a necessidade de proteção de uma potência mais poderosa, indispensável para evitar a absorção pela Espanha. Incentivaram-se os negociantes da Praça de Lisboa a estabelecer laços mercantis diretos com as colónias africanas, mas nada aconteceu. A seguir à guerra civil, os liberais retomaram o plano imperial, tiveram em Sá da Bandeira o seu principal ideólogo. Os projetos de consolidação do domínio territorial não tiveram sequência, por carência de recursos. Só a partir de 1851 se criaram condições mais favoráveis para o desenvolvimento do projeto colonial, consolidou-se o domínio territorial pela ocupação, em Angola, de toda a linha de costa a norte da foz do Rio Congo e, em Moçambique, do litoral entre o Rio Rovuma, a norte, e a baía de Lourenço Marques, a sul. Era um plano muito caro a Sá da Bandeira, nas suas palavras as possessões garantiriam o acesso a mercados vantajosos, Portugal seria abastecido em géneros de que carecia e iriam aparecer empregos na navegação e correlativos.

A ideologia colonial tem pois duas componentes principais: a reformulação do mercado imperial e a visão de que o império é um testemunho das glórias do passado, esta missão histórica civilizadora era uma das matrizes da identidade nacional.

Forma-se a Companhia União Mercantil, teve desde o início uma existência precária. Como escreve Valentim Alexandre, o plano de consolidação e de modernização do sistema imperial encontrou oposição dos núcleos coloniais em África, que se mantinham diretamente interessados na escravatura e no tráfico de escravos, estes núcleos estavam fortemente apoiados pelo aparelho administrativo. Enfim, o plano imperial de Sá da Bandeira falhou quase por completo. Tudo começa a mudar devido a fatores exógenos devido à economia do café e à exportação de oleaginosas em Moçambique e a partir de 1870 começa a corrida para o continente africano, a saga dos exploradores; em 1875, funda-se em Portugal a Sociedade de Geografia de Lisboa. Andrade Corvo usa a ideia imperial com o objetivo supremo de quebrar o isolamento, de abrir Portugal à civilização e ao progresso. Corvo ambicionava uma política de concertação para a delimitação das fronteiras em África. Enceta-se a liberalização mercantil, concede-se grande parte da Zambézia a Paiva de Andrada, conclui-se com a Grã-Bretanha um tratado sobre Goa, Lisboa tinha todo o interesse em que o governo inglês construísse um caminho-de-ferro ligando o porto de Mormugão à rede ferroviária britânica.

Este projeto colonial é questionado pelos céticos, caso de Rodrigues de Freitas que não esconde as suas dúvidas de que o país está a agir erradamente em esperar de além-mar maiores riquezas, maior glória para Portugal e recursos para saldar todas as dívidas. O nacionalismo radical irá triunfar: a maior parte da África central pertencia a Portugal por direito histórico, estamos a ver o caminho que as coisas irão ter entre a Conferência de Berlim e o Ultimo Inglês de 1890. Se por um lado a Conferência de Berlim reforçou em Portugal a corrente dos que defendiam a necessidade de investir em África, o ultimato irá ser habilmente aproveitado pelos republicanos que chamarão a si o populismo imperial e as pulsões nacionalistas. As instituições monárquicas sentiram-se ameaçadas não só pela tentativa de revolta no Porto em 31 de janeiro de 1891 como pela crescente influência britânica na chamada área do mapa cor-de-rosa. Esta crise levou os partidos monárquicos a serrarem fileiras e a procurar uma rápida solução com o confronto com a Grã-Bretanha – solução a que se chegou pelo Tratado de 11 de junho 1891. Que acalmia trouxe este tratado? Ficava sob a soberania britânica a margem a oeste do lago Niassa bem como a região planáltica do interior da África Central. Objetivamente, os limites fixados representavam para Portugal uma forte expansão, concedendo-lhe vastos territórios onde não se detinha até então qualquer poder ou influência. Mas a perceção que no país se teve dos factos e da solução encontrada foi outra: na memória coletiva ficou a ideia de um vasto império perdido em finais do século XIX por imposição da Grã-Bretanha.

E a Guiné? A Guiné continuará à deriva, sonha-se com empresas majestáticas que lhe tragam desenvolvimento, escassos contingentes militares sustêm temporariamente as incursões e as rebeliões de várias etnias que conseguem confinar a presença portuguesa a um número restrito de praças e presídios. Era grande a indiferença pela Senegâmbia, mas Honório Pereira Barreto consegue firmar acordos na região do Casamansa e definir uma fronteira que se irá perder com a Convenção Luso-Francesa de 1886.

Para Valentim Alexandre é inútil tentar explicar uma realidade complexa com uma expansão colonial portuguesa pelo recurso a uma única chave interpretativa, é preciso saber cruzar os direitos históricos, o mercantilismo e o populismo imperial para perceber que o império africano teve fortíssimas razões idealismo e mercantilismo, o império africano do século XIX foi feito com alma e avidez de negócios, à sombra dos mesmíssimos princípios de desenvolvimento, modernidade e progresso com quem ainda hoje funcionamos.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14646: Notas de leitura (716): Guiné-Bissau. um País Adiado, por Manuel Vitorino, Orfeu (2) (Mário Beja Santos)

domingo, 24 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14657: Filhos do vento (31): Festival Rotas e Rituais, 2015: 22 de maio > Conferência "Filhos da Guerra": vídeo com a intervenção de Rafael Vale e Reis, especialista em bioética e direito da família ("Filhos do Vento: direito ao conhecimento das origens genéticas ?")



[ Pode-se aumentar o volume de som, clicando na imagem, em baixo, à direita]


1. Lisboa,  Cinema São Jorge, Festival Rotas e Rituais, 2015 > 22 de maio: conferência "Filhos da Guerra". Intervenção de Rafael Vale e Reis ("Filhos do Vento; direito ao conhecimento das origens genéticas ?")

Na mesa, da esquerda para a direita:

(i) Catarina Gomes (jornalista do Público, organizadora e moderadora do painel);

(ii) Margarida Calafate Ribeiro (professora e  investigadora-coordenadora no Cen­tro de Estu­dos Soci­ais da Uni­ver­si­dade de Coim­bra, autora dos  livros "África no femi­nino: as mulhe­res por­tu­gue­sas e a Guerra Colo­nial" (2007); "Uma his­tó­ria de regres­sos: impé­rio, Guerra Colo­nial e pós-colonialismo" (2004);  e ainda, em con­junto com Roberto Vec­chi,  "Anto­lo­gia da memó­ria poé­tica da guerra colo­nial" (2011); entre 2007 e 2011, coor­de­nou o pro­jecto "Os filhos da guerra colo­nial: pós-memória e representações");

(iii) Luís Graça (na qualidade de editor do blogue Luís Graça &  Camaradas da Guiné);

(iv) e Rafael Vale e Reis (especialista em bioética e direito da família, Universidade de Coimbra).(*).

Rafael Vale e Reis é assis­tente con­vi­dado da Facul­dade de Direito da Uni­ver­si­dade de Coim­bra e inves­ti­ga­dor do Cen­tro de Direito Bio­mé­dico da Facul­dade de Direito, da Uni­ver­si­dade de Coim­bra. Inte­gra a equipa do Obser­va­tó­rio Per­ma­nente para a Adop­ção no âmbito do Cen­tro de Direito da Famí­lia da Facul­dade de Direito de Coim­bra. É autor de "O Direito ao Conhe­ci­mento das Ori­gens Gené­ti­cas", publi­cado em livro pela Coim­bra Edi­tora em 2008.)(**).

Dos camaradas e amigos da Tabanca Grande, estiveram presentes, além do nosso editor, a Maria Alice Carneiro (que fez este vídeo), o Jorge Cabral, o Hélder Sousa, o Mário Gaspar, e o José António Viegas, algarvio. O  Jorge Cabral e o Mário Gaspar fizeram ntervenções no fim,

2. Sobre este tema, está a decorrer uma sondagem, desde hoje. A pergunta é: 

OS "NOSSOS FILHOS DA GUERRA" DEVERIAM PODER TER ACESSO À NACIONALIDADE PORTUGUESA

A resposta é dada através de uma escala de Likert (Vd. coluna do lado esquerdo, ao alto):

1. Discordo totalmente

2. Discordo

3. Não discordo nem concordo /Não sei

4. Concorrdo

5. Concordo totalmente

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Guiné 63/74 - P14656: Convívios (685): A Magnifica Tabanca da Linha - Encontro de 21 de Maio de 2015 - Resumo das ocorrências (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), Amanuense da Magnífica Tabanca da Linha, em efectividade de serviço, com data de 21 de Maio de 2015:

Exmas Senhoras, Exmos Senhores, Magnifico Público,
Por indicação do Sobrenatural, em corroboração da instrução Prévia do Exmo Senhor Comandante Rosales, tenho a subida honra de vos apresentar um brevíssimo resumo das ocorrências deste dia no restaurante Caseiro, bastante dissimulado numa arquitectura de abrigo, com um reforçado buraco para os antigos combatentes, dotado com boa iluminação artificial sem o ruído do gerador, que geralmente não permitia ouvir as saídas das morteiradas, comprometendo a chegada em ordem dos atacados, em vez dos lançamentos cegos para a vala dos surpreendidos com a primeira explosão, um equipamento do tipo bunker, sem as graciosas vistas para o mar de outras paragens, e com dificuldades óbvias de arrumação em caso de reforço da tropa.

Não havia vegetação em redor, mas a amesendação era "à séria", com alvas toalhas de linho, cristais cintilantes e restantes alfaias em termos. Pelo meio-dia já a força se agrupava no exterior do recinto da batalha, num curioso convívio, onde cada um se oferecia voluntariamente (a esta hora já terei alguns atentos leitores a questionar: então, se eles se ofereciam, haviam de ser o quê? Voluntários, não é?) para dar inicio à refrega.


Cheguei e ouvi um conjunto de piropos, quando S. Exa. me entregou um precioso ramo de flores, com a intenção de fazer a entrega em cerimónia que treinámos durante a semana, a um jovem casal que, nesta data, comemora 48 aninhos de amor renovado. Aproveito, para sublinhar que S. Exa. o Senhor Comandante Rosales presta muita atenção a situações desta ordem que, segundo ele, são o sal da vida e o cimento da nossa ligação de camaradagem. Se ele o diz, quem sou eu para o contestar?!!!


 O jovem casal, Irene e Carlos, que no dia 21 de Maio perfizeram 48 anos de matrimónio

O dia apresentava-se soalheiro, como os cartazes turísticos são vezeiros a anunciar, mas o pessoal, ainda cedo, decidiu proteger-se no grande abrigo, e reservar-se para o combate eminente. Alguns mais confiantes trouxeram as mulheres, não fossem elas duvidar do heróico cônjuge em defesa de coisas cuja explicação não cabe aqui. Vieram e viram, sentiram o cheiro dos ingredientes... e deram uma ajudinha. Nada como a presença das senhoras no campo de batalha, onde deram uma conveniente nota de alegria.

Assim, garantidas a forma anímica e a forma física, limpámos o IN num fechar de olhos. Uns gostaram do arroz de peixe, outros elogiaram a carne das maminhas, e às sobremesas não se registaram discrepantes. A pinga da Ermelinda correspondeu às necessidades tácticas, No final, orgulhoso pelo rumo dos acontecimentos, S. Exa. abriu um sorriso quase "monaliso" e deixou escapar a conclusão: com esta estratégia e o pessoal bem disciplinado, não há bichos que nos façam frente. Só o gerente do abrigo, que no final se obstinou a receber uma contrapartida para o estrago constatado. O Manuel Joaquim aproveitou para impressionar a Sra Maria Luís, que não veio porque não a queremos connosco, e vai enviar-lhe uma factura de arromba. Ela que se cuide porque este pessoal é do género de, quanto mais teso, mais estragos provoca na circunstância, cabendo àquela funcionária estender a mão na estranja para equilíbrio das contas internas. Só o grande sábio, com a experiência de velho estroina e professor perseguido pela bufaria da época, é que se lembrou de marcar pontos em mais um terreiro de luta, e com antecipado sucesso, está bem de ver.
Os gajos da A.T. ainda vão colocar-se em sentido quando lhe virem a declaração do IRS.



 









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Notas finais:

Lembram-se de um antigo combatente cacimbado pelos efeitos maoístas ter sugerido deslocar-se a minha casa para fazer as suas inscrições em cada evento que desejasse participar? Lembram-se? Pois, nunca o fez. Não é que tenha tido o interesse de saber onde é a minha morada, ou que tenha feito qualquer outra diligência no mesmo sentido. que nunca teve. Então agora dei em bufo? Também não. O que sugiro, se S. Exa o Senhor Comandante der o seu beneplácito, é que o dito combatente de cultura sínica, para comprovar as futuras inscrições, passe a exibir a minha resposta de confirmação aos seus mails de inscrição.
Não é pedir muito, acho eu.​ S. Exa. ajuntou um comentário cheio de acuidade: "sobre o AGA, valeu a pena ter aparecido, porque é um espectáculo vê-lo saborear e comer" - magister dixit.​

Em breve, depois do entusiasmo suscitado por esta festa, proponho fazer um inquérito de cotejo entre o Caseiro e Oitavos, confrontado vantagens e desvantagens. Mas outros horizontes podem abrir-se para Julho.

Abraços fraternos
JD
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Notas do editor

Selecção e publicação das fotos da responsabilidade do editor

Último poste da série de 23 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14652: Convívios (684): Rescaldo do Encontro do pessoal do BCAÇ 2885, ocorrido no passado dia 16 de Maio, em Arganil (Jorge Picado)

Guiné 63/74 - P14655: Libertando-me (Tony Borié) (18): Os carapaus em molho de escabeche da Ti'Glória

Décimo oitavo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66.




Os carapaus em molho de escabeche, da Ti’Glória!

Estavam lá num “mosqueiro”, que era um pequeno armário, com duas portas com rede na frente, para se manterem livres dos insectos, principalmente moscas, num canto da taberna, um pouco acima da “cartola de cinco almudes”, que era uma pipa pequena, a quem a Ti’Glória pedia muitas vezes ao nosso pai Tónio, dizendo: ...vê se arranjas um tempo para vir aqui “encanteirar a cartola.” - que era mudar a pequena pipa, o que a mãe Joana, “torcia o nariz”, e não gostava, pois na sua mente, pensava que o pai Tónio, não ia só lá “encanteirar a cartola".

Bem, vamos em frente, os carapaus que estavam no referido “mosqueiro”, às vezes dias, quanto mais tempo melhor, eram fritos em azeite verde, temperados com vinagre, sal e pimenta, umas folhas de árvore de louro, cebola, e às vezes até com pimentos verdes, tudo frutos da quinta do pai da Ti’Glória, a quem nós, entre outras coisas, tínhamos por tarefa verificar e ir avisá-la, quando o seu pai, que era o maior lavrador da aldeia, deixava a samarra, com pele de raposa na gola, pendurada em alguma árvore, ou no muro do poço, que por lá existia, porque nesse momento a Ti’Glória, lá ia muito sorrateiramente aliviar a grossa carteira de algumas notas do banco de Portugal.

Os carapaus deviam de vir da lota da cidade de Aveiro, ou talvez de Matosinhos, mas quem os lá vinha trazer era um peixeiro de Mourisca do Vouga, numa carroça puxada por um “macho”, que devia de ser um cavalo arraçado de burro, ou vice-versa.

A Ti”Glória era para nós uma segunda mãe Joana, nós andávamos por ali, limpávamos a frente da taverna de qualquer lixo, como cápsulas das garrafas de laranjada, latas vazias das sardinhas de conserva, até garrafas vazias de pirolitos, e claro, restos de “piriscas” de cigarros, não deixávamos encostar as bicicletas à porta da taverna, às vezes os clientes mais rudes ofereciam logo uma “lambada”, mas tudo passava, porque sabíamos que ao fim do dia a Ti’Glória nos dava um maravilhoso pitéu, que era um papo-seco com cinco ou seis figos secos dentro.

Bons tempos e, talvez esses figos, ou esses “carapaus fritos em molho de escabeche nos tivessem dado vitaminas para vivermos até aos dias de hoje, neste mundo moderno, onde não existem mais tavernas.

O que é isso tavernas?

Hoje são restaurantes típicos, tudo confeccionado de acordo com as novas leis de consumo, um prato de carapaus deve de ter lá tudo, menos carapaus.

Vamos a um desses mercados modernos, que chamam muito pomposamente “Shopping Center”, depois das pessoas andarem de loja em loja, a verem, a gastarem o que têm e que não têm, já um pouco cansados, deparam com uma área muito grande, para as pessoas comerem e, o que existe lá, a começar pelos equipamentos dos empregados, feitos com material reciclado, de cores berrantes, feitas à base chumbo, a comida é, Tacos e Enxiladas, do México; Pizza, da Italia; Hamburgueres, não sei de que país; Souvlaki ou Gyros, da Grécia; Kung Pao Chicken, que é uma espécie de galinha frita com mel, da China, e mais um sem número de comida, nada feito na altura, tudo vem da arca frigorífica, feita de acordo com as tais novas regras, com químicas e conservantes, onde as batatas fritas, se espera dois minutos, ficam rijas, parecendo pequenas peças de plástico.

Que saudades temos dos “carapaus fritos em molho de escabeche” da Ti’Glória, da “cartola de cinco almudes” de onde tirava o vinho, por meio de uma torneira de madeira, que por sinal “chiava”, ou seja, fazia um pequeno ruído ao abrir e fechar, servindo os clientes por uma “picheira” de barro vermelho, que nunca tinha sido lavada, era “enchaugalhada” ou seja balançada com uma pequena porção de vinho, que era única e simplesmente jogado no chão, num canto da taverna.

A nossa esposa e companheira, quer ir a Portugal, mais propriamente ao Santuário de Fátima, “cumprir uma promessa”, nós, não sabemos de que é a “promessa”, já a mãe Joana, cinquenta anos atrás, tinha feito também uma promessa de ir ao Santuário de Fátima agradecer a dádiva de o filho ter regressado vivo da guerra do Ultramar, é uma fé e, principalmente nós, os emigrantes, ainda vivemos um pouco da fé, talvez a vamos acompanhar, temos saudades entre outras coisas, dos “carapaus fritos em molho de escabeche”, iguais aos que a saudosa Ti’Glória fazia.

Tony Borie, Maio de 2015.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14624: Libertando-me (Tony Borié) (17): Fisherman’s Wharf, o Cais dos Pescadores de S. Francisco