domingo, 30 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15056: Agenda cultural (421): Exposição de Fantin Latour e Manuel Botelho - Meeting Point - De 26 de Junho a 26 de Outubro de 2015, no Museu Calouste Gulbenkian - Lisboa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Agosto de 2015, a propósito da exposição de Fantin-Latour e Manuel Botelho, no Museu Gulbenkian:

Queridos Amigos,
Encontro mais insólito é difícil de prever.
Um categorizado pintor do Segundo Império, Fantin-Latour, é confrontado com os temas da guerra colonial, pelos olhos de Manuel Botelho, o artista que mais se tem dedicado a fotografar, a aguarelar e pintar armas, viaturas despedaçadas, citações de aerogramas, guiões das unidades, fazendo instalações com base em material que adquire na Feira da Ladra, correspondência que o inspira. A Guiné é o seu veio seminal, sem ambiguidades.
Recomendo esta visita ao Museu Gulbenkian, entre a esplendorosa arte oriental e os marfins medievais, duas realidades distintíssimas da natureza-mortas dialogam, e com um êxito assombroso.

Um abraço do
Mário


Desfrute e agonia na provocação de naturezas mortas: 
Fantin-Latour e Manuel Botelho em confronto no Museu Gulbenkian

Beja Santos

Helena de Freitas é uma estudiosa da arte que tem o franco pendor para explorar aproximações e analogias entre épocas, movimentos artísticos e motivações nas diferentes obras que são expostas, gosta de provocar um falso conflito estético e explorar todas as hipóteses de leitura, aposta nos achados curiosos que essas tensões suscitam (ou podem suscitar).

Está patente, de 26 de Junho a 26 de Outubro, no Museu Gulbenkian uma exposição que inclui uma pintura de Fantin-Latour e três fotografias de Manuel Botelho, o artista plástico português que mais intensamente se tem debruçado sobre a guerra colonial que travámos em África. À partida, um zero de semelhanças entre o pintor do Segundo Império, um artista avesso a roturas radicais e que trabalhou para uma clientela de aristocratas e grandes burgueses que apreciavam obras convencionais como esta natureza-morta, como observa a crítica de arte Raquel de Henriques da Silva, salientando o contraste entre o fundo escuro e o branco esquinado e inteiro da toalha, sobre o qual se dispõem, com naturalidade ritualizada, as cores perfumadas das cores e dos frutos. Talvez o único contraste é uma faca que avança para nós, mas é bem possível que ela esteja ali para introduzir uma breve perturbação da ordem que estimula e agrada. Esta harmonia parece chocar com o que há de bélico, manifestamente excessivo nos sinais da agressividade, naqueles despojos arremessados na mesa, a exalar os odores da caserna: dinheiro, sabe-se lá se referentes a quantos e quais jogos da batota, garrafas de vinho, facas e baioneta, beatas de cigarros, moedas, tudo num vendaval de desolação e de fim de festa, a simular um compasso na guerra, onde desconhecemos os protagonistas. Como dialogar a amenidade da pintura de Fantin-Latour com a violenta caserna de Manuel Botelho, ademais aparece exposta uma obra alusiva aos guiões militares portugueses, e um guião é um símbolo da coesão de unidade, à sua sombra partilha-se o heroísmo, a bravura ou os historiais da morte em combate?

A crítica Raquel Henriques da Silva diz que se passa com facilidade de Fantin-Latour para Manuel Botelho e esgrime com a argumentação de Roland Barthes: “A essência da imagem é a de estar toda de fora, sem intimidade, e, contudo, mais inacessível e misteriosa que o pensamento do foro interior. Sem significação, mas apelando para a profundidade de todo o sentido possível; e revelada e, todavia, manifesta, possuindo essa presença-ausência que faz a atração e o fascínio das sereias” (A Câmara Clara, Lisboa, Edições 70). Não partilho deste ponto de vista quanto à facilidade, o confronto das obras reside principalmente em que o pintor francês é um académico exímio, harmónico, exibe com desenvoltura os dotes que o requisitaram no público endinheirado como um pintor de bom gosto e não conflituoso. Manuel Botelho é um experimentalista, procura de há muito explorar um caleidoscópio de possibilidades: em aerogramas, em simulações de tensão militar extrema, mostrando a frio diferentes espingardas e metralhadoras, numa tal encenação que é praticamente instantâneo o chamamento da destruição. As suas aguarelas com viaturas destruídas são a melhor acusação muda que até hoje vi sobre a guerra colonial. Aqui, as fotografias são apresentadas como ração de combate, pode este título aturdir o visitante menos preparado, mas é mesmo uma ração de combate este somatório de jogos visuais. Mas corroboro que a crítica tem razão que Latour e Botelho se visitam ao espelho da beleza, onde Latour revela mestria na polpa e na textura dos frutos, tudo está ali com ar de consumição, e a iluminação é prodigiosa, em Botelho temos a mesma iluminação prodigiosa e toda a inquietação ausente em Latour, o pintor francês é um mensageiro da boa atmosfera burguesa, Botelho é um denunciador de que houve uma guerra sobre a qual continua a não se ousar explicar a sua génese e as profundas razões do seu desfecho, por vezes tão trágico.

A comissária da exposição venceu um estranho desafio, e é muito possível que quem se depara com estas ostensivas dissemelhanças entre os dois artistas acabe por refletir com mais argumentos sobre a natureza da paz e da guerra – os estados em que assentam as aparentemente contraditórias naturezas mortas da exposição.



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Nota do editor

Último poste da série de 28 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14941: Agenda cultural (420): Sessão de motim organizado, e com consequências preocupantes, imprevisíveis, em 29 de Julho, pelas 18h30, na FNAC Colombo, a propósito do livro "De Freguês a Consumidor - 70 anos de Sociedade de Consumo, História da Defesa do Consumidor em Portugal" (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15055: Libertando-me (Tony Borié) (32): O Sonho Americano (2)

Trigésimo segundo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 24 de Agosto de 2015.




“American Dream”

Capítulo II

Estamos a falar do Capitão Christopher Newport, corsário, vulgo “pirata”, que nós agora chamamos “Capitão Gancho”, a tal personagem que comandou a primeira frota de três navios vinda da Europa, financiada em parte pelos despojos do navio português “Madre de Deus”, capturado ao largo dos Açores, que foi considerado na altura a maior pilhagem do século, e que foi o fundador da colónia de Jamestown, no agora estado de Virginia e que, talvez sem saber, iniciou o tal “Sonho Americano”, pois foi ele que liderou a frota de colonos que estabeleceu o primeiro assentamento permanente de pessoas vindas da Europa, principalmente ingleses, no Novo Mundo.

Foi ele quem escolheu o local de Jamestown, levou a exploração inicial da pequena área, a que chamava “King James”, que foi negociada pacificamente com os índios, mas como havia poucos recursos, ele ia tirando a fome aos colonos com quatro viagens de reabastecimento, numa delas, durante um furacão, naufragou nas ilhas de Bermuda, o Capitão Christopher Newport, corsário, vulgo “pirata”, a quem chamavam o “Capitão Gancho”, como homem audaz, com mais 150 colonos, conseguem construir duas novas embarcações, mais pequenas que o normal navio usado na época, mas mais rápidas, (que mais tarde seria o tipo de embarcação que dava apoio aos seus saques e abalromentos a outros barcos, principalmente Portugueses e Espanhóis), libertando-se das ilhas, regressando de novo à colónia de Jamestown, no continente americano.

Era um navegador excelente, severo mas compreensivo, era um capitão de mar, um corsário, lendário líder de homens, que em quase 40 anos de viagens de mar fez algumas longas, comerciais para o Extremo Oriente, para a Companhia das Índias Orientais, levando os primeiros embaixadores ingleses para a Pérsia e Índia, lançando assim as bases para a evolução do Império Britânico, travando lutas ferozes, abalroando e saqueando alguns navios Portugueses e Espanhóis, onde também fugiu a muitas lutas, principalmente contra as “Carracas Portuguesas”, de que falaremos adiante, mas como corsário que era, a palavra sobrevivência era muito importante, apesar de usar meios de luta um pouco avançados para a época, mantendo sempre um ou dois segundos navios ao largo, um pouco mais pequenos, mas mais velozes, tipo plano “B”, sem participarem na luta. Vendo que não podia vencer, fugia, mas sobrevivia, desempenhando um papel importante, ajudando na evolução da Inglaterra a partir de uma ilha isolada da sociedade, para uma grande potência marítima com a expansão de colónias ultramarinas, que em última análise se tornou o Império Britânico, que durante muitos anos tomaram conta do mar do Caribe. Ele, juntamente com outros corsários ingleses, vulgo “piratas”, foram saqueando os barcos Portugueses e Espanhóis que tentavam regressar à Europa, carregados com verdadeiras fortunas, foram enriquecendo a monarquia Inglesa, fornecendo assim apoio financeiro para a futura colonização Inglesa da América do Norte.


Mas voltando à colónia de Jamestown, cumprindo ou não ordens do reino e dos comerciantes de Londres que o financiavam, ajudou sempre os colonos da colónia de Jamestown, pois pelo menos durante os primeiros cinco anos, que foram muito difíceis, ele manteve a colónia, lutando sempre pelo reabastecimento dos colonos, trazendo mesmo novos colonos para Jamestown, alguns, talvez prisioneiros dos barcos Portugueses e Espanhóis, supervisionou a construção da solução inicial de paliçada, armazém, igreja ou a doca. Com a sua capacidade de liderança, conhecimentos de navegação, marinharia, experiência e habilidade para negociar com os índios, ele, por muitas vezes, resgatou a colónia de Jamestown da extinção.

As suas viagens posteriores para as Índias Orientais, além das suas lutas, onde atacava quase todos os navios estranhos, em particular os Portugueses, confirmou a viabilidade da negociação por mar, com o Leste e os grandes lucros comerciais que a Inglaterra poderia esperar destas expedições. Nas suas viagens para a Índia, lançou as bases para o risco do mar, com a conclusão com êxito das viagens em alguns navios menores, os tais mais pequenos e velozes, que nas suas lutas de abalroamentos, saques e pilhagens, faziam parte do tal plano “B”, construídos a partir das ilhas de Bermuda, com madeira de cedro, e que levou diretamente à fundação da colónia de Bermuda, que continua a ser um protectorado britânico até hoje e um dos os últimos do Império Britânico.

Uma característica marcante da carreira de sucesso do “Capitão Gancho”, é que ele era um plebeu, com pouca educação formal. Muitos dos primeiros líderes de viagens inglesas de exploração e colonização eram filhos de famílias inglesas ricas, muitas vezes donos de grandes propriedades, vários destes líderes tiveram educações avançadas, alguns na Universidade de Cambridge, mas o Capitão Christopher Newport, corsário, vulgo “pirata”, a quem também chamavam “Capitão Gancho”, tinha alguma educação pois uma carta que escreveu ao conde de Salisbury, secretário da Companhia Virgínia de Londres, indica que ele escrevia bem, usando ornamentos e fases estilistas da época.

Temos que realçar o facto de que o “Capitão Gancho” foi escolhido para liderar uma grande expedição Inglesa, apesar de sua falta de educação formal ou vantagens de nascimento, é uma prova de sua capacidade de liderança e, ao alto nível de respeito que ele ganhou de todos os empresários de Londres, que desenvolveram a Companhia da Virgínia.

Além disso, a sua escolha para liderar as viagens para Virgínia, onde estava localizada a tal colónia de Jamestown, com base em sua experiência e capacidade, em vez do seu estado social, exemplificou a erosão gradual da estrutura social medieval e a evolução dos valores da Renascença na Inglaterra. Os homens eram cada vez mais escolhidos para posições de liderança com base nos seus atributos e experiências individuais, em vez de “canudos” e títulos, como acontecia na época, principalmente nos países do sul da Europa, em que o senhor duque, conde ou visconde, que pertencia à família real, podia ser uma pessoa com poucos recursos, tanto físicos como mentais, mas era o senhor que mandava, sacrificando, colocando numa frente de batalha um povo, onde havia pessoas com dotes de força, inteligência e audácia muito superiores à pessoa que era o seu comandante.

(continua)

Tony Borie, Agosto de 2015
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Nota do editor

Poste anterior de 23 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15030: Libertando-me (Tony Borié) (31): O Sonho Americano (1)

sábado, 29 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15054: Estórias cabralianas (88): A bebé de Missirá (Jorge Cabral)

1. Mais uma estória do "alfero" Cabral que, na outra incarnação, foi alf mil art, Jorge Cabreal, de seu nome, cmdt do Pel Caç Nat 63, Guiné, zona leste, setor L1 (Bambadinca), tendo comandado destacamentos  como  Fá Mandinga e Missirá, 1969/71... 

Especialista em direito penal, professor do ensino superior universitário, reformado, o "alfero" Cabar é  o notável, ternurento, inconfundível, inimitável,  talentoso, genial autor desta série, "estórias cabralianas", que há muito procuram a editora que ele merece...  Ninguém, como ele, para escrever uam história curta, "short story", de três ou quatro parágrafos, capaz de nos fazer sorrir, emocionar, amolecer, rir, chorar... Ele é o mestre do fino humor de caserna que se cultivava na Guiné, no tempo em que os tugas ainda andavam por lá a defender os pergaminhos dos seus avoengos de quinhentos...

É aqui, no nosso blogue, no blogue da Tabanca Grande, que ele tem os seus melhores (e maiores) leitores e fãs desde pelo menos 2006 ...  Estas "estórias do outro lado da guerra" (88,  com esta última!) já há muito que mereciam ser reunidas em livro... E, quando o forem, vamos fazer um "grande ronco"!... Até lá, boa saúde, bons encontros, alfero!.. (LG)

2. Estórias cabralianas (88) > A bebé de Missirá

por Jorge Cabral


Só no início de julho de 1969, quando o Pelotão se preparava para ir para Fá é que descobri que além dos vinte e quatro soldados africanos, contava com as respectivas mulheres, filhos, cabras e galinhas…

Instalados, o quartel virou tabanca, animada com as brincadeiras das crianças e os risos das mulheres. Todos os soldados fulas eram casados e alguns com mais de uma mulher, pelo que existiam sempre grávidas e partos. 

Em fevereiro de 1970, com a chegada dos Comandos Africanos, a animação acabou, pois as famílias tiveram de sair, indo para uma pequena tabanca, que ficava muito perto.

Quando em setembro marchámos para Missirá,  a alegria foi geral. Cambámos o Geba em Bambadinca, com a ajuda de uma Lancha da Marinha,  atravessámos a pé a bolanha de Finete em algazarra e alcançámos o nosso destino. Às mulheres dos soldados acresciam agora as dos mílicias e da população civil. Não exagero se disser que nasciam pelo menos uns dez bebés por mês. Quando o parto estava a correr mal chamavam o Alfero, que algumas vezes e de noite, teve de levar mãe e filho para Bambadinca.

Como sabem não passo pelo Rossio, sem ir dar um dedo de conversa aos guineenses que por lá permanecem .Da última vez, encontrei o filho do chefe de tabanca de Fá Mandinga e quando perguntei a três mulheres grandes onde tinham nascido, uma avisou que eu de certo não conhecia .Ela havia nascido em Missirá, filha de um soldado chamado Daíro. E quando? Em março de 1971. 

Então não é que este velhote se comoveu ?!…E desandou, para não o verem chorar. Foi já na rua da Betesga, que se lembrou que não perguntara o nome à mulher. Mas para quê um nome? É a Bebé de Missirá.

Jorge Cabral 

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(...) Em Missirá, jantávamos cedo. Éramos apenas onze brancos e rápidamente despachávamos o pé de porco com arroz ou a cavala com batatas. Depois ficávamos à mesa conversando. Alguns mais resistentes permaneciam noite dentro. Um deles era o novo cozinheiro, o Espanhol, soldado básico, que mancava. (...)

Guiné 63/74 - P15053: O segredo de... (25): A caneta do Governador (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)

1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de 16 de Agosto de 2015:

Prezados camaradas:
Saúde para todos.

Durante os muitos meses de tropa, umas vezes por acção, outras por omissão, pequei muitas vezes.
Confesso, por este meio, mais um dos meus pecados.
Domingos Gonçalves

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Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau. 
Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 144". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal).

Era fim de comissão. Estávamos em Bissau, em véspera de embarque para a Metrópole. Eu, e mais três furriéis da Companhia, no fim do almoço, trajando à civil, fomos tomar café na Associação Comercial. Era preciso gastar as ultimas divisas da moeda da Guiné, e fomos para aquela instituição passar um bocado de tempo.

Àquela hora a clientela não era muita, e ocupámos uma mesa das bastantes que estavam vagas. Por acaso estava esquecida, na mesa que ocupámos, uma caneta, creio que uma Parker. Nem sequer nos passou pela ideia que aquela coisa que servia para escrever pertencia ao Governador da Província que, antes de nós, tinha estado ali sentado, com outros oficiais superiores ou quaisquer outros cidadãos importantes da sociedade local.

Um dos furriéis meteu a caneta no bolso, e em voz baixa, murmurou:
- Esta já tem dono.

O empregado serviu-nos o café, e nós, de imediato, levantámo-nos e saímos para a rua. O colega furriel tirou do bolso a caneta, observou-a, e acrescentou:
- É coisa boa. Que jeito me vai fazer!

Naquele tempo, quando o uso da esferográfica dava os primeiros passos, a caneta era objecto de uso corrente, e aquela marca era das mais desejadas.

Passeámos pela cidade e fomos depois para outro estabelecimento beber cerveja e comer marisco. A dada altura, passou por lá um militar fardado a perguntar se alguém tinha passado pela Associação Comercial e levado, talvez por engano, a caneta do Senhor Governador. Nós, claro, dissemos que nem sequer tínhamos entrado em tal sítio.

Claro que, nem naquele dia, nem mais tarde, voltámos à Associação. Contudo, até ao dia do embarque havia em nós algum receio. Dos colegas que presenciaram o desvio da caneta, nada havia a temer. Era tudo gente séria. O problema poderia vir de alguém que nos tivesse visto na Associação Comercial.

O certo é que chegou o dia e a hora do embarque sem que o desvio da caneta fosse desvendado.
E a caneta do Governador arranjou novo dono.

Um abraço para todos.
Domingos Gonçalves
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Nota do editor

Segredos anteriores de Domingos Gonçalves nos postes de:

7 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14981: O segredo de... (22): O problema não eram os pecados, - os nossos segredos -. O problema acontecia quando quem mandava em nós desvendava os pecados (Domingos Gonçalves)
e
14 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15004: O segredo de... (24): Segredo desvendado (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)

Guiné 63/74 - P15052: In Memoriam (237): Manuel Umaru Djaló, régulo de Medjo: mais um soldado que parte para o eterno aquartelamento. Foi 1º cabo do exército português, em Guileje e dava-me a honra de ser meu amigo (José Teixeira)



Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Medjo > Abril de 2015 > Manuel Umaru Djaló


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Medjo > 2 de maio de 2013 > O nosso camarada Zé Teixeira, "régulo" da Tabanca Pequena de Matosinhos, com o régulo de Medjo, numa das suas viagens ao sul da Guiné-Bissau.



Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Medjo > Abril de 2015 >  O Zé Teixeira, o Eduardo Moutinho Santos (advogado, também "régulo" da Tabanca de Matosinhos) , e o Manuel Umaru Djaló e uma das suas mulheres.


Foto nº 4  > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Medjo > Abril de 2015 > Manuel Umaru Djaló,  o Eduardo Moutinho Santos  e o Zé Teixeira



Fotos: © José Teixeira (2015). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem dno nosso muito querido amigo e camrada José Teixeira (ex-1.º cabo aux enf CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá eEmpada, 1968/70)


Data: 28 de agosto de 2015 às 22:22

Assunto: Faleceu o Régulo de Medjo - Manuel Umaru Djaló


Mais um soldado português que parte para o eterno aquartelamento.

O Régulo de Medjo, Manuel Umaru Djaló, serviu o exército português como primeiro cabo em Guiledje na Guiné.

Acabada a Guerra, entregou a G3 e dedicou-se à sua família e à sua terra – a Tabanca de Medjo, que com o fim da guerra iniciou a sua reconstrução, depois de ter sido abandonada pelo exército português em 1968 e consequentemente pela população autóctone. [Nela vive lá hoje grande parte da população que veio de Guileje]

Homem calmo e sensato, foi reconhecido pela população de Medjo que o escolheu para seu Régulo.

Conheci-o em Guiledge em 2008. Tinha o cuidado em se identificar como Manuel Umaru Djaló, para se definir como um soldado português, combatente em Guiledge no período mais quente da guerra.

Sabia acolher com um sorriso, um abraço de carinho. Era como um irmão, igual a tantos outros camaradas de guerra com quem tenho o grato prazer de conviver.

Gostava de conversar. Voltar ao passado. Contava as suas aventuras, de guerra desapaixonadamente, tal como nós quando nos encontramos nas tertúlias das Tabancas que em boa hora começaram a proliferar por este País.

Foi para mim um privilégio conhecer o Manuel e partilhar bons momentos de convívio com ele e sua família.

Foi gratificante para mim conversar com o Manuel sobre a guerra que nos marcou a todos. Possibilitou-me uma visão diferente dessa maldita guerra – a visão de um guineense que se afirmava soldado português, passados tantos anos, e se orgulhava de ter vestido a farda e lutado ao lado dos soldados da "Metrópole".

Tinha sempre uma palavra de afeto e um sorriso para dar.

Portugal e os seus camaradas de armas estavam no seu coração.

Tive oportunidade de o visitar em abril passado e notei-o muito cansado, mas nada fazia prever o triste desenlace.

Um amigo, um irmão que parte. Portugal ficou mais pobre.  A Guiné-Bissau ficou mais pobre.

Paz à sua alma.

José Teixeira

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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15029: In Memoriam (236): Luís Casanova Ferreira (1931-2015), cor inf ref, com duas comissões no CTIG (1964/66 e 1970/74) foi ontem a sepultar no cemitério do Alto de São João, em Lisboa

Guiné 63/74 - P15051: Memória dos lugares (316): Serra de Montejunto, o moinho de Aviz, de Miguel Luís Evaristo Nobre (Vilar, Cadaval) - Fotos de Luís Graça, II (e última) parte





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Cadaval > Vilar > Vila Nova > Serra de Montejunto > 20 de agosto de 2015 > O nosso camarada e amigo Joaquim Pinto Carvalho levou-me, a mim, à Alice e mais uns amigos do norte, o Gusto, a Nita e a Laura, até ao moínho do Miguel Nobre, no alto da serra... É conhecido como o moinho de Aviz,,, Dizem que é o mais alto da península ibérica, dos moinhos ainda a funcionar.

Daqui tem-se uma vista fantástica sobre  grande parte do oeste estremenho, do rio Tejo à serra de Sintra... A serra de Montejunto e os cabeços à volta com as sua intermináveis filas de moinhos de vento fazem, ainda hoje,  parte das memórias de infância de muitos de nós. Memórias que eu e muitos camaradas aqui do oeste levaram para a Guiné das bolanhas e florestas-galerias, onde não havia (com exceção da região do Boé) elevações do terreno... E muiito menos moinhos. Era o pillão qyue fazia a vez das nossas azenhas e moinhos. 

Hoje, na Estremadura da minha infância, os cabeços estão pejados de inestéticas eólicas, tão feias como os horroros e tísicos eucaliptos que estão a dar cabo do nosso querido Portugal mediterrânico... Confesso que é uma dor de alma ver, de Lisboa à Lourinhã,  as eólicas em vez dos moínhos de vento da minha infância.,.. E as manchas de eucalipto a dominaram a paisagem... Quem disse que a paisagem não tem dono ?

Havia alguns milhares de moínhos de vento no oeste, meia dúzia em cada aldeia, no meu tempo de menino e moço. Hoje restam-nos alguns belos exemplares, ainda em funcionamento (incluindo no meu concelho Lourinhã, no Moledo, no Porto Dinheiro, na Pinhoa...). Enfim, restam-nos a arte e a ciência da molinologia, e alguns, poucos, moleiros vivos e raros técnicos de moinhos,  como o Miguel Luís Evaristo Nobre, que domina a "arte ao vento". Vejam o seu sítio  na Net, "Arte ao Vento",  que merece uma visita , tal como seu moinho... O moinho de Aviz estava em ruínas até há alguns anos... É hoje uma obra-prima, digna se ver, dar a conhecer, divulgar, promover...

A "arte ao vento" é o sítio da empresa do Miguel (que vive no Vilar, Cadaval, vizinho portanto do Joaquim Pinto Carvalho e da Céu Pintéus), "dedicada ao Restauro e Manutenção de Moinhos de Vento". Ele tem construções e restauros em muito lugares, incluindo na minha terra. 

Aqui ficam, para quem tem a paixão dos moinhos como eu, o resto das fotos  que tirei, selecionei, editei e prometi publicar no blogue (*). Falando há dias com o Fernando Henriques, moleiro do Moledo, antigo emigrante em França (e cuja pai esteve como meu, em Cabo Verde, no Mindelo, durante a II Guerra Mundial), ouvi esta confissão espantosa:

- Quando eu morrer, a saudade maior que vou levar da terra,  depois da minha mulher, filhas e netos, é a deste moinho, que já está na família há várias gerações... Hoje teria rico se ele, em vez de estar aqui plantado no meio das pedras do Moledo, pudesse ter sido transplantado para o monte do Sacré Coeura em Paris... Os estrangeiros que me visitam ficam de boca aberta e olhos arregalados... (O moinho foi restaurado recentemente pelo Miguel Duarte, depois de um grave acidente provocado pela força do vento).

 Mais uma vcz, obrigado, Joaquim e Miguel, pela magnífica tarde, que passei com eles dois, e que começou pela Artvilla, em Vila Nova, freguesia do Vilar, concelho de Cadaval, no sopé da serra que é familiar a alguns de nós, e nomeadamente aos camaradas da FAP, que por aqui passaram no tempo de tropa (Estação de Radar, nº 3, Lamas, Cadaval).(**)


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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(**) Último poste da série > 23 de agosto de  2015 > Guiné 63/74 - P15032: Memória dos lugares (315): Pragança, aldeia da serra de Montejunto, união das freguesias de Lamas e Cercal, concelho de Cadaval - fotos de Luís Graça

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15050: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (17): De 8 a 21 de Julho de 1973

1. Em mensagem do dia 19 de Agosto de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74 

17 - 08 a 21-07-1973 


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

JUL73/08 – Forças da 1.ª e 2.ª CCAÇ durante a acção “ORGULHO” detectaram e destruíram parcialmente em (GUILEGE 3 F 9-68), 1 palhota celeiro contendo arroz estimado em 2 TON e várias palhotas abandonadas provavelmente há 1 ou 2 meses.

Na região (Guilege 3 F 7-62) e (Guilege 3 F 4-52) detectaram e destruíram um conjunto de palhotas abandonadas na ocasião provável das anteriores. Na região (Guilege 3 F 4-47) foi detectado à distância 1 elemento IN que perseguido se pôs em fuga abandonando 10 cargas de RPG-2, 10 cartuchos de granadas do morteiro 82 e 2 petardos de trotil. Entre as regiões (Guilege 3 F 9-68 / 3 F 4-47) foram detectados diversos trilhos de utilização IN muito recentes. [No meu caderno, nesta data, nada registei.]

Nhala com vento ciclónico momentos antes do dilúvio.

Do meu caderno de memórias: 

10 de Julho de 1973 – (terça-feira) – Nhala; Cumbijã a piorar. 

Hoje houve coluna. Como sempre, vêm notícias, mas nunca agradáveis. A situação em Cumbijã é horrível, embora a actividade IN, até agora, tenha sido quase nula. É horrível pelo excesso de esforço exigido ao pessoal que se encontra subalimentado e sem os requisitos indispensáveis para recuperar desse esforço. As saídas, quase sempre a nível de duas ou três companhias, têm sido para longas distâncias e bastas vezes. Numa dessas incursões chegaram a estar a 700 metros [?] do Unal, base IN de grande potencial.

O número de elementos por pelotão, decresce a olhos vistos: o meu grupo, que já andava reduzido a 21 homens, agora conta 16, havendo outros grupos com menos ainda. Mesmo os que ficam inoperacionais, regra geral por doença, são obrigados a fazerem reforços durante a noite, qualquer que seja o seu estado de saúde.

Em Aldeia Formosa houve mais um acidente que encurtou a comissão a um soldado. Não se sabe bem como, pois há várias versões, um soldado matou sem intenção um seu camarada com um tiro de G3. Quer expliquem o acidente assim ou assado, o que é certo, é que já são dois os mortos do meu Batalhão, com apenas três meses e pouco de Guiné e, ambos, sem ser em combate. Hoje, na coluna, passou o caixão com o cadáver do infeliz rapaz.

A minha estadia em Nhala deve estar prestes a findar, e lá terei que voltar para o inóspito Cumbijã, onde se avolumam pessoas e problemas. Mais dia, menos dia, dar-se-á o colapso: todo o pessoal, incluindo graduados, está a acumular tensão e indignação perante a realidade, penosa e opressiva, que se vive naquela base. Agora, para além das más condições já várias vezes referidas, impera um regime disciplinar muito semelhante ao de qualquer quartel da Metrópole, tanto no referente ao aprumo e fardamento, como no referente às normas de procedimentos como, por exemplo, as apresentações formais dos grupos chegados do mato, mesmo que lá tenham dormido e passado todo o dia anterior. O Capitão (...) já ameaçou o Major D. M. de que, qualquer dia, se recusa a sair com a sua Companhia para o mato. No que pode ser visto como um caso de indisciplina, eu só vejo atitude digna, na defesa dos seus homens e coerência com atitudes anteriores que lhe são atribuídas no mesmo sentido. O vapor força cada vez mais o testo da panela e, agora, são vários os vapores que se juntam. Adivinha-se o salto do testo. Veremos.

[Estas foram as últimas linhas dos meus Cadernos de Memórias da Guiné. Como já referi antes, os restantes cadernos ficaram com o meu espólio em Nhala aquando da minha vinda de férias, sem regresso, em Agosto/74, faz agora 41 anos. Oficialmente, desde essa data, ainda não sei que o meu Batalhão regressou definitivamente à Pátria. É uma história lamentável que não cabe aqui, mas que devia mexer com a consciência de quem tinha responsabilidades. 

De ora avante, socorrer-me-ei da História da Unidade do BCAÇ 4513 para relembrar datas, nomes, factos, locais, etc., e das minhas notas dispersas. O resto virá dos fundos da memória até que se esgote o arquivo. Poderá ser que estranhem a fluência e o estilo da escrita, ou as histórias mais pobres de detalhes mas, se isso acontecer, apenas se deve à escassez da informação e ao “português mais moderno” mas sempre com a antiga ortografia. 

Passarei a referir “Das minhas memórias” em vez de: “Dos meus cadernos de memórias”].


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

JUL73/11 – Em 110915JUL73 grupo IN não estimado flagelou BRICAMA (GUILEGE 3 F 3-51) com 10 granadas de canhão S/R (sem recuo) da direcção SALANCAUR JATE (GUILEGE 3 C 4-23) sem consequências.

Em 111835 e 1850JUL73 grupo IN não estimado flagelou o Destacamento de Cumbijã com 20 granadas de morteiro 82 da direcção do R. COEL, sem consequências.

JUL73/12 – Forças da 2.ª CCAÇ patrulharam a região (GUILEGE 3 E 6-85), onde emboscaram durante a noite. Sem contacto.

JUL73/13 – Forças da CCAV 8351 patrulharam a região de NHACOBÁ, TUNANE, R. TEMUDE, não encontraram vestígios IN.

(Da H. da Unidade do BCAÇ 3852, Cap. II / Pág. 75) - Registou-se um acidente durante a realização duma coluna entre A. FORMOSA-BUBA, do qual resultou a morte dum soldado da CCAÇ 18.


Das minhas memórias: 

13 de Julho de 1973 – (sexta-feira) – De Nhala para Cumbijã: o regresso.

Sexta, 13: dia de azar para um soldado da CCAÇ 18 que faleceu num acidente na mesma coluna em que eu seguia de Nhala para Cumbijã. Ao fim de 19 dias em Nhala como Comandante Interino da Companhia, eu sei que vou para o inferno. Desse soldado, só Deus, Alá ou outro qualquer deus saberá.


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

JUL73/14 – (...). 

JUL73/15 – Forças da 2,ª CCAÇ durante a acção “OLEADO” patrulharam novamente a região de SAMBASÓ, sem contacto.

JUL73/16 – Forças da CCAV 8351 patrulharam a região de SANBASÓ e emboscaram durante a noite em (GUILEGE 3 H 9-65). Choveu torrencialmente.

JUL73/17 – Forças da 2.ª e 3.ª CCAÇ durante a acção “ONDINA” patrulharam a região de SAMENAU, sem contacto. Regressou de BISSAU o CMDT INT do BATALHÃO.


Das minhas memórias: 

17 de Julho de 1973 – (terça-feira) – Cumbijã; Carta para a Metrópole; Regresso às origens?

“ (...). Esta carta, no fim da segunda linha foi interrompida por, de repente, ter ouvido rebentamentos no mato e está lá a minha Companhia. (Eu estou com o meu grupo de serviço ao aquartelamento). Afinal, apesar de não se ter conseguido ligação via rádio, supõe-se tratar-se de Guileje a “embrulhar”. [??? - Suponho que Guileje foi abandonado em 22 de Maio desse ano]. O resto da carta foi escrito ao som dos rebentamentos do ataque do PAIGC. Soube de Bissau que, finalmente, as Companhias do meu Batalhão ocuparão definitivamente as suas posições iniciais”.

[Iria para Nhala, sim, só que ainda correria muita água sob as pontes!].

Nesta data, a meio da noite, sou acordado pelo Major D. M., assim:
- Alferes Murta! Você não tem o pelotão de serviço? - Sento-me de um salto na cama e, confuso, só vejo uma sombra na minha frente. Respondo que sim.
- E não ouviu estes tiros? Vá já ao posto do lado da estrada saber o que se passa.

Enfio o camuflado e as botas sem meias, e corro de G3 em punho para os lados da entrada do aquartelamento, para os fundos da noite, vociferando impropérios e maldições contra o major e a minha sorte.
- Então?! O que é que se passou para estares a dar tiros? - O soldado, embora calmo, via-se que estava apreensivo e com os olhos cravados na mata escura para além da estrada em frente.

Disse:
- Ali mesmo na borda da mata eu vi luzes a mexerem-se e a andarem para o lado de Colibuia. E eu mandei umas rajadas.
- Fizeste bem. A seguir voltaste a vê-las?
- Não, não. Não vi mais nada. - Fixei bem os olhos para onde ele tinha apontado e segui com o olhar a orla para o lado direito. Mas, apesar da proximidade, mal se vislumbrava a mata na noite escura.
- Ok! Vou ficar aqui a fazer-te companhia e a ver se voltam a aparecer.

Estivemos assim quase toda a noite mas não se viu mais nada nem eu esperava ver. Se passaram, passaram e, se regressassem não arriscariam o mesmo caminho, a menos que estivessem a desafiar-nos. Só escuridão e silêncio. Julgo que nem mosquitos havia nessa noite.

“Só luzinhas e mais luzinhas! Os rapazes andam cansados e têm alucinações. Visões! Só pode ser. Olha que não sei, isto tem acontecido às sentinelas de todos os grupos! Tás parvo? Achas que os gajos arriscavam passar aqui mesmo nas nossas barbas? Quer dizer: as sentinelas mandam rajadas para cima deles e eles, uns tempos depois, voltam aqui a fazer fosquinhas?! Achas? Eu não acredito”. Eram os comentários correntes.

No dia 17 de Agosto/73, entre Mampatá e Colibuia, a estrada foi cortada pela quarta vez. Agora, numa extensão de 40 metros, entre os dois pontões destruídos anteriormente. Não restavam dúvidas de que faziam por ali muitas passagens a transportar o material com que, mais tarde, cortavam a estrada. Mas convenhamos que era um grande desaforo.

Aspecto do aquartelamento de Colibuia, provavelmente em 1973.

Eu, de passagem por Colibuia, provavelmente em 1973.

18 de Julho de 1973 – (quarta-feira) – Cumbijã; Aerograma para a Metrópole. 

“ (...) Finalmente irei para Nhala com toda a certeza. Só vamos esperar que chegue aqui o novo Batalhão que está a fazer a IAO em Bolama. Devem chegar, daqui a mais ou menos 3 semanas. Eram para ficar nas localidades que nós ocupámos à chegada, (Buba, Nhala e Aldeia Formos), mas, diz-se, ficarão na zona da “porrada”, apesar da sua inexperiência. Amanhã sairei daqui às 7 horas da manhã para o mato, onde passarei a noite”.


Da História da Unidade do BCAÇ 4513:

JUL73/19 – Forças da 2.ª CCAÇ durante a acção “OLIMPO”, encontraram um porta-granadas de canhão R/S vazio. Verificou-se a destruição pelo IN do pontão do R. HABI. Continua a chover torrencialmente e os rios apresentam já grande caudal e as bolanhas em estado pantanoso pelo que impossibilita a passagem das NT. [Estive nesta acção mas não recordo nada, embora, como escrevi na data anterior, ela implicasse uma dormida no mato naquelas condições atmosféricas].

JUL73/20 – Forças da 3.ª CCAÇ durante a acção “OLINDA” dirigem o seu esforço ao longo do R. LENGUEL a fim de detectarem uma passagem no mesmo. Emboscam durante a noite. Continua a chover torrencialmente.

JUL73/21 – Na madrugada deste dia, são ouvidos uma série de rebentamentos para Sul, sabendo-se mais tarde que se tratava de uma flagelação ao destacamento de CHUGUÉ. As forças da 3.ª CCAÇ regressaram da acção “OLINDA”, sem terem conseguido detectar qualquer passagem no R. LENGUEL.


Das minhas memórias:

21 de Julho de 1973 – (sábado) – Cumbijã: Carta para a Metrópole. 

[Depois de informar que os “crânios” têm intenções de nos mandar ao UNAL, base do PAIGC ainda mais importante do que Nhacobá, refiro com entusiasmo uma novidade]. “(...) tenho aqui um novo camarada que também já foi teu colega de curso. É um furriel e chegou aqui a Cumbijã no dia 15 deste mês, vindo directamente da Metrópole, até passou aí o S. João na Figueira. Chama-se Leiria e é de Buarcos, e eu lembro-me perfeitamente dele de quando tinha aulas contigo. Temos conversado horas seguidas. Ele já sabia que eu estava na Guiné, (disse-lho uma miúda daí), mas não imaginava que me vinha encontrar precisamente na Companhia onde fora colocado. Vou ver se consigo que ele fique no meu pelotão, pois sempre tive apenas dois furriéis e os soldados estão-se a apagar a olhos vistos: o meu grupo passou de 25 para 13 a 14 homens, porque a maioria está doente e, mesmo assim, o meu grupo é o maior. (...)”.

[O referido furriel nunca chegou a integrar o meu grupo. Mesmo na Companhia, acho que esteve pouco tempo, desconhecendo o rumo que levou. Muitos anos depois, já em Portugal, encontrei-o como Comandante. de um posto da GNR aqui perto da Figueira. Depois disso nunca mais o vi].

(Continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

Poste anterior de 18 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15016: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (16): De 23 de Junho a 6 de Julho de 1973

Guiné 63/74 - P15049: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (33): "Canções da Guerra", programa diário na Antena 1, a partir de 7 de setembro... Sugestões e histórias precisam-se (Luís Marinho, RTP - Gabinete de Projetos Especiais)

1. Mensagem de ontem, de Luís Marinho, da RTP - Gabinete de Projetos Especiais


 Data: 27 de agosto de 2015 às 10:02

Assunto: CANÇÕES DA GUERRA


Caro Luis Graça,

Vamos iniciar a partir de 7 de setembro um programa diário na Antena 1, que se chama "Canções da Guerra". A ideia é apresentar diariamente uma canção que esteve direta ou indiretamente ligada á guerra de África. Envio-lhe em anexo o texto de apresentação.

Como sigo o seu blog, que é um referencial importante para quem se interessa pelo tema da guerra de África, gostaria de lhe propor que divulgasse o programa mas, sobretudo, que incentive os seguidores do seu blog a enviarem sugestões de músicas e histórias ligadas a elas.

Estou ao seu dispor para todos os esclarecimentos que entender necessários,

Muito obrigado e parabéns pelo seu trabalho.

Luis Marinho
RTP – Gabinete de Projetos Especiais


2. CANÇÕES DA GUERRA

APRESENTAÇÃO

A guerra colonial durou 14 anos. Mobilizou quase um milhão de soldados portugueses e várias centenas de milhares de guerrilheiros angolanos, guineenses e moçambicanos.

A exemplo do que aconteceu noutras guerras prolongadas, para além de outras manifestações artísticas, a música também teve inspiração no conflito.

Desde logo, um hino composto logo no início da guerra de Angola.

Depois, o aproveitamento de fados antigos, inspirados na I Guerra Mundial, regravados por artistas populares.

Ao longo dos anos, a guerra inspirou outras canções. Umas, de apoio aos soldados, mas outras foram compostas por artistas no exílio, contra a guerra.

Na verdade, também na música as opiniões estavam divididas, mas cada vez mais, com o passar dos anos, se manifestavam contrárias ao conflito em três frentes em África.

As canções de protesto não eram ouvidas em Portugal através da rádio, por exemplo, uma vez que estavam proibidas pela censura. Eram ouvidas e cantadas em reuniões políticas clandestinas e em convívios universitários, muitos deles interrompidos pela intervenção da polícia.

Nos quartéis do mato africano, os militares ouviam todo o tipo de música. E também adaptavam músicas conhecidas, com letras escritas sobre a sua vida no mato.

As mais célebres constituem hoje o denominado Cancioneiro do Niassa, uma interessante colectânea que revela muito do sentimento dos soldados.

Na guerrilha, a música também esteve presente, quer com hinos dos diferentes movimentos independentistas, quer com canções de incentivo à luta.

É esta recolha de cerca de sete dezenas de músicas, as canções da guerra, que agora apresentamos.

Um programa de Luís Marinho, com produção de Joana Jorge.

Músicas com História, para ouvir de segunda a sexta, na Antena 1, a partir de 7 de setembro.



3. Nota biobibliográfica sobre António Luís Marinho:

(i) nasceu em Lisboa, em 1954;

(ii) é jornalista desde 1981;

(iii) trabalhou em todos os géneros da Comunicação Social: imprensa, rádio e televisão;

(iv) na RTP, desempenhou, entre outros, o o cargo de director geral de conteúdos de rádio e televisão;

(v) é autor dos livros Operação Mar Verde – Um Documento para a História,[vd. nota de leitura do nosso camarada e colaborador permanente Mário Beja Santos]; e 1961 – O Ano Horrível de Salazar, ambos editados pela Temas e Debates e pelo Círculo de Leitores;

(vi) foi coautor, com Joana Pontes, da série de treze documentários televisivos intitulada Século XX Português, emitida na SIC;

(vii) concluiu o curso de especialização em História Contemporânea, na Universidade Nova de Lisboa; 

(viii) frequenta o 3º ano do curso de doutoramento em Ciências da Comunicação, no ISCTE.

(Fonte:  adapt. de Wook, com a devida vénia)

4. Comentário de LG:

Meu caro Luís Marinho:

Parabéns pelo projeto, que aproveito para divulgar, e obrigado pelas palavras simpáticas que nos dirige. Na realidade, não fazemos História com H grande, mas sem as nossas histórias com h pequeno, a grande será ou seria sempre mais pobre e redutora... Refiro-me, naturalmente, àquele pedacinho de História que nos coube na rifa: Guiné, 1961/74...

Para suia informação, temos um marcador que lhe deve interessar, com cerca de 15 referências: "as músicas das nossas vidas"... Vamos apelar aos nossos camaradas que integram a Tabanca Grande e que alimentam o nosso blogue, para que retomem este tema... O Pifas [, mascote do Programa das Forças Armadas,] é outro marcador que lhe pode interessar, a si e à equipa radiofónica que está a fazer o programa "Canções da Guerra"...

Vou-lhe mandar o meu nº de telemóvel. Sei que frequenta as terras da minha natalícia Lourinhã, já o tenho visto por aqui, aos fins de semana.  Gostaria de o conhecer pessoalmente, para trocarmos ideias sobre este projeto. Sinta-se à vontade para me contactar por telemóvel ou email. Boa sorte para o programa a que vou /vamos estar atentos. De resto, a Antena 1 é a minha rádio... LG

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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de agosto de  2015 > Guiné 63/74 - P15041: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (32): O "making of" de um projeto de ajuda ao Hospital de Cumura (João Martel e Ana Maria Gala)

Guiné 63/74 - P15048: Notas de leitura (751): “Nhoma, uma trajetória de luta”, por Bnur-Batër (Respício Nuno e Eduíno Sanca), Edições Corubal, Guiné-Bissau, 2013 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Setembro de 2014:

Queridos amigos,
Creio que há no depoimento de Nhoma-Bitchofula Na Fafe alguns descontos a fazer, aspetos da narrativa serão excessivos ou até mirabolantes. Mas foi uma vida de peripécias, de fidelidades que acabaram em dissabores. É um homem de crenças, um Balanta orgulhoso do sangue e dos seus credos, e dos seus deuses. A escrita luso-guineense tem parágrafos luminosos, que nos dão conta que o português está a dilatar-se, a mudar de look e de natureza, neste caso na Guiné. E aproveito para lembrar que a primeira biografia de um ex-guerrilheiro do PAIGC registada na Guiné. Mais uma peça que a historiografia não pode descurar.

Um abraço do
Mário


Nhoma, um combatente em várias guerras da Guiné-Bissau (2)

Beja Santos

Um ex-guerrilheiro do PAIGC, alguém que muito jovem, obstinadamente, quis combater ao lado do Kabi, entrega a história da sua vida a dois biógrafos. É um Balanta que se adorna de amuletos contra os maus-olhados. Lutou no sul até à independência e depois experimentou muitas guerras até ao assassinato de Nino. O que narra assombra e os biógrafos passam a limpo este extraordinário registo na língua luso-guineense, que não nos assombrará menos. É importante conhecer “Nhoma, uma trajetória de luta”, por Bnur-Batër, Edições Corubal, Guiné-Bissau, 2013.

Nhoma está em Guileje, vai de novo encontrar-se com Osvaldo Vieira. Osvaldo está furioso porque os guerrilheiros não conseguem tirar os tugas de Gadamael, oferece-lhe a missão de os combater, de os afugentar. Nhoma explica que nunca esteve em Gadamael: “Camarada Osvaldo, quando vens a Guileje tens de passar por outra margem, do lado de Sangonhá para poder chegar a Gadamael, mas eu nunca fui lá… Nem Sangonhá conheço direito”. Põe-se à frente dos guerrilheiros, incrédulo irá descobrir que os seus camaradas nunca ali tinham posto os pés. Vai com eles um conselheiro cubano. Metem-se pela mata, descobrem tropa portuguesa na praia, fazem fogo. E nada mais se fica a saber, assim se chega à independência, agora vemos Nhoma no Leste, a integrar o batalhão do comandante Paulo Malú. Depois esteve em Cabo Verde, mais adiante Buscardini (que será morto no 14 de Novembro de 1980) nomeia-o para adjunto de operações na polícia, será mais tarde inspetor-chefe da prisão da 2.ª Esquadra, em Bissau. É chamado por Nino que lhe confessa que está um plano em marcha para matar, a acusação maior é que ele defende os Balantas. Nhoma está atónito, há muitos anos que não ouvia falar em tribalismo. Em casa, reflete-se sobre esta conversa, recorda as diferentes ficções entre as alas na cúpula do partido. Temos depois, Nhoma adere ao golpe de 14 de Novembro. Nhoma, um ano depois, é nomeado pelo ministro do interior para ir controlar o Cacheu.

Seis anos depois do golpe de Estado, Nhoma é acusado de estar na tentativa do golpe de Estado de Paulo Correia, não demora muito tempo a perceber que se trata de uma maquinação reles, destituída de qualquer fundamento. E vê indefetíveis combatentes a serem torturados, a serem sujeitos às sevícias mais degradantes. Nhoma é condenado a sete anos de prisão e a prestar serviço social na ilha de Caraxe. Relata os sofrimentos que ele e os seus camaradas irão ali padecer. E em 1990 serão indultados, Nino anuncia a reconciliação, é nessa sessão que ele desabafa em voz alta e acusa o Kabi de ditador, desmonta a cabala dos Balantas quererem dar golpes contra o poder constituído, lembra-lhe as fidelidades do passado e grita-lhe: “Gostas de fabricar inimigos. Os Balantas protegeram-te e deram-te o nome de Kabi. A luta não pode ter gerado mortos. Dizem também que não sabemos ler, mas uma coisa é certa, a prioridade era estar na linha da frente e combater, cara-a-cara com os tugas. Não tenho mais nada a dizer”. E chegamos à guerra civil de 1998-1999. Temos aqui um parágrafo delicioso: “Nhoma parecia ter visto, em sonho, toiros negros com cabeça de kabaró, ruborizados, com as tranças de um escuro pardacento, dois chifres longos e afiados e enormes ráfias, também negras e vermelhas, caídas de cada lado, com uma espécie de garras de grifo, furiosas, correndo em sua direção”. Acordou e ouviu disparos de AK-47, depois disparos de bazuca. Viu a população em fuga, à varanda assistiu à explosão de uma granada bem perto de sua casa. Chegou-lhe a notícia de que Ansumane Mané capitaneava a revolta. Vai ao mercado, tranquilamente, e é detido. No interrogatório, esbofeteiam-no e espancam-no. É levado para marinha, metido numa prisão fétida, guardado por senegaleses. Arranja material para escavar um buraco, ele e vários presos políticos são bem-sucedidos. É encontrado pela tropa da Junta, e assim chega à base aérea e depois vai até Canchugo para fazer tratamentos. Irá encontrar os seus captores, é uma cena pungente. Estamos agora em Maio de 1999, pelo que se lê no seu relato, as tropas fiéis a Nino, os “aguentas” ou “anguentas”, são acusados de reatar a guerra. Nhoma é nesta altura diretor-geral adjunto do Ministério do Interior. Descreve: “Ao cair da noite, a frente comandada por Bubo Na Tchuto chegou à Chapa de Bissau. Antes do galo da madrugada, atingiram o mercado de Bandim. Ao espreitar o sol matinal, surpreendidas, as milícias anguentas receberam ordem para se renderem. Alguns desfaziam-se das fardas com medo das represálias. Começou a caça às bruxas. Houve execuções sumárias. Era urgente a Junta Militar assumir o controlo da situação para não haver um verdadeiro banho de sangue”. Nino refugia-se na Embaixada de Portugal. Nhoma murmura: “Cabral, aqui estamos de novo… Ainda não nos cansámos! Não parámos porque as instruções que nos deixaste para defender a nossa terra e o nosso povo não estão a ser cumpridas”.

Bissau ficou com as suas feridas, que vão demorar décadas a sarar. Entrámos no derradeiro capítulo. Nhoma fora promovido a tenente-coronel. Ansumane Mané revolta-se contra Kumba Yalá. Acabará morto perto de Quinhamel, na tabanca de Blom. Nhoma vai buscar Kumba e leva-o par o palácio presidencial. O sangue derramado não pára, Veríssimo Seabra será assassinado, um amigo dos dois, Tagme Na Waié, sucede-lhe. O Kabi vem do exílio. Tagme Na Waié jurara vingança a Nino Vieira. Tagme acusa Nhome de conspiração, Tagme rompe com Bubo Na Tchuto. Nhoma encontra-se com Nino e pede-lhe para não se candidatar à presidência, sabia-se que Nino tinha criado um partido, o PRID, exclusivamente para suporte da sua candidatura. Nhoma recrimina-o: “Lembra-te bem do que se passou em Conacri, depois da morte de Cabral. Que nome terá esse partido que vais criar? A tua fama, a tua história é no PAIGC. Volta para lá, mesmo como simples militante”. Os ódios estão à solta, e com ajustes de contas. Tagme morre numa explosão no Estado-Maior. No dia seguinte é a vez de Nino. Nhoma foi até à residência do Kabi, na rua Angola. Ao aproximar-se da casa viu gente a saquear os móveis. Encontrou o corpo do Kabi estendido no chão. Lá estavam as cartas, sobretudo do naipe de espadas. Nhoma chora, curva-se perante o chefe da guerra que muitos anos antes admirara. Por tudo quanto se passou na sua vida, Nhoma entendeu dar a sua contribuição contando o que viveu, como e com quem viveu, a sua alma anseia uma paz verdadeira para a Guiné-Bissau.
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Nota do editor

Poste anterior de 24 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15034: Notas de leitura (750): “Nhoma, uma trajetória de luta”, por Bnur-Batër (Respício Nuno e Eduíno Sanca), Edições Corubal, Guiné-Bissau, 2013 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15047: Parabéns a você (954): António Marques Barbosa, ex-Fur Mil Cav do Pel Rec Panhard 1106 (Guiné, 1966/68) e José Manuel Corceiro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 5 (Guiné, 1969/71)


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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15043: Parabéns a você (953): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Guiné, 1968/70)

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15046: Memória dos lugares (316): Moledo, Lourinhã: a capital do amor, o palco dos amores de Pedro e Inês, ardentes, altamente explosivos, perigosos, clandestinos, subversivos, e de lesa-pátria... Também local (fabuloso, de visita obrigatória) de arte pública, para ver com os olhos... e mexer com mãos (, que nos perdoem a Inês e o Pedro lá no céu dos eternos amantes!) - fotos de Luís Graça












Lourinhã > Moledo > Arte Pública > 25 de agostod e 2015 > Inês, 2 peças de Joana Alves; "Love Captives" [Prisioneiros do amor], de Sana Hashemi Nasl


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados


1. É uma feliz e louvável parceria que já vem de, pelo menos, 2010, e que envolve a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa,  a Câmara Municipal da Lourinhã e a Junta de Freguesia de Moledo (hoje, União das Freguesias de São Bartolomeu dos Galegos e do Moledo).  Aqui vai um excerto de notícia publicada, em 15/6/2010, na página da Câmara Municipal da Lourinhã:


(...) "Moledo Com Vida" dá mote a projecto de parceria entre a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e a Câmara Municipal da Lourinhã/Junta de Freguesia de Moledo

Associado à temática de D. Pedro e D. Inês e à sua passagem por terras da Lourinhã, estabeleceu-se uma estreita colaboração entre a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e a Câmara Municipal da Lourinhã/Junta de Freguesia de Moledo, com o objectivo de, conjuntamente, se proceder ao desenvolvimento de acções comuns, para prossecução do projecto “Moledo Com Vida”.

Assim, e, no momento, está ser desenvolvido o projecto “Escultura Pública”, o qual conta com a participação de um grupo de cinco alunos do Mestrado de Escultura Pública, que ao longo do ano lectivo 2009/2010 trabalharão a temática de D. Pedro e D. Inês de Castro, associada, essencialmente à localidade de Moledo.

Esta acção conta com a colaboração dos Professores Escultores António Matos e João Duarte, responsáveis pela disciplina “Projecto e Laboratório de Escultura Pública”, e dos alunos/escultores: Constança Clara, Denise Romano, Francisco Cid, Joana Alves e Roberto Miquelino, os quais oferecerão os seus trabalhos à Junta de Freguesia do Moledo, para exposição permanente, tendo apenas esta que disponibilizar o espaço expositivo, bem como o material para os trabalhos.

Neste sentido e, de modo sucinto, irão descrever-se as respectivas obras, sendo que quatro delas serão executadas em duas oficinas da freguesia.

Constança Clara: o trabalho pretende dialogar com dois spectos: o paço (palácio), outrora existente, que terá albergado o casal enamorado com a colaboração dos habitantes da aldeia. Neste contexto, a população oferece pedras, à escultora, que simbolizam a referida edificação que aí existiu, com as quais ela construirá a sua instalação, na zona da Beira Rio, sendo este trabalho um dos grandes pretextos para a requalificação dessa zona;

Denise Romano: numa alusão à coroação póstuma de D. Inês de Castro, este trabalho consiste numa representação de uma “ausência presente”, com a construção de um trono, no qual figura a presença da referida donzela. Os materiais utilizados são o aço inoxidável e a pedra de uma pedreira situada na freguesia;

Francisco Cid: uma representação de D.Pedro e D.Inês numa perspectiva intemporal, a qual figura sobre os seus túmulos;

Joana Alves: a impossibilidade de representar a vida sem a morte. O corpo enquanto ser em metamorfose para a morte. Neste caso o leito de morte é uma banheira em que o corpo, delicadamente, se separa da vida; onde se materializa um afastamento e se impõe uma distância. Este trabalho, todo feito em pedra, extraída de uma pedreira situada na freguesia, consiste na construção de uma banheira que assenta sobre quatro pés, réplicas dos que, no Mosteiro de Alcobaça, sustentam o túmulo de D. Inês de Castro;

Roberto Miquelino: reporta-nos ao tema do amor e, nesse contexto, surge o coração, como elemento indicador e demonstrativo do amor, através de dois ventrículos, sobre os quais se exerce a acção reflexiva. O material eleito para este coração gigante é o metal.

Trata-se, então, de um trabalho académico, que estará concluído no dia 24 de Junho de 2010, data da sua inauguração, com a participação de todos os intervenientes. Até lá, e como já foi referido, quatro dos cinco escultores estarão a trabalhar na aldeia, com o envolvimento de uma grande parte da população, seja na entrega das pedras, como acontece com o trabalho da escultora Constança Clara, seja nas oficinas locais, onde Joana Alves, Roberto Miquelino e Denise Romano, trabalham nas suas peças, a par dos outros trabalhadores das mesmas oficinas, seja nas escolas, com as visitas de estudos que têm sido organizadas pela autarquia em conjunto com as escolas da Freguesia." (...).

As fotos acima publicadas são de 2 obras recentes, inauguradas em 2014, e que eu ainda não conhecia: "Inês", 2 peças de Joana Alves; e "Love Captives" [Prisioneiros do amor], de Sana Hashemi Nasl. Há uma terceira peça, "Relógio de sol", de Teixeira Lopes (de que não tenho fotos).

O Moledo, pequena povoação do planalto das Cesaredas, terra rica de história(s) e património (cultural e natural), já aqui tem sido evocado no nosso bloguie, nomeadamente pelo seu monumento aos combatentes do ultramar, erigido em 2005. Pelo TO da Guiné, passaram, 15 dos seus filhos, todos felizmente tendo regressado vivos a casa.



Lourinhã > Moledo > 2 de Agosto de 2010 > Monumento aos combatentes do ultramar > Passei por lá, pelo Moledo, numa manhã cinzenta de verão, mas gostei do monumento erigido em 2005, em terra que foi de amores ardentes mas altamente explosivos, perigosos, clandestinos e de lesa-pátria, os de Pedro e Inês... Gostei do singelo monumento aos combatentes da(s) guerra(s) do ultramar, não apenas os mortos mas também os vivos... Não apenas os de Angola, Guiné e Moçambique... mas também os que passaram por Cabo Verde, durante a II Guerra Mundial, e mais tarde pela Índia" (...). 

Nesta pequena e bonita aldeia  do concelho da Lourinhã, distrito de Lisboa, e que foi sede da freguesia do mioledo até 2013, situada no planalto das Cesaredas, nenhum combatente morreu, por doença, acidente ou combate em África, durante a guerra colonial (1961/74)... Acima, a publica-se uma foto com, um detalho do monumento, em que se listam os 15 combatentes que passaram pelo TO da Guiné.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados.

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