segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15345: Agenda cultural (434): espectáculo musical solidário, "Vida, Memória, Cidadania", promovido pela ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas, Lisboa, dia 13, 6ª feira, às 21h, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa




1. Cartaz e mensagem da ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas:


Participa na construção da história da Associação!

O teu contributo é importante para a preparação do Livro dos 40 anos da ADFA!

Com o patrocínio da Fundação Montepio, a ADFA vai realizar um espetáculo musical solidário intitulado “Vida, Memória, Cidadania”, que decorrerá no próximo dia 13 de Novembro, às 21h00, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, na Alameda da Universidade.

Este evento cultural, para além da angariação de fundos para o livro dos 40 anos da ADFA, constituirá, também, um momento de afirmação solidária e de cidadania da ADFA e dos Deficientes Militares que, passados mais de 40 anos sobre o fim da Guerra Colonial, continuam ativos e empenhados na preservação das memórias e dos valores que abraçamos desde 14 de maio de 1974.

O espetáculo está a ser divulgado nas Redes Sociais e Media, especialmente na RDP e RTP.

O ingresso para este espetáculo terá o custo de 10,00 euros, estando os bilhetes à venda na Ticketline, FNAC, Worten, Sede Nacional e Delegações, adiantando-se que os associados mediante a apresentação do bilhete terão um desconto de 30% na aquisição do Livro dos 40 Anos da ADFA, a publicar.

Na ADFA, os ingressos deverão ser solicitados à colaboradora da Sede Nacional, Sónia Cerejo, através do telefone- 217 512 638.

Vem participar com a tua família!

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Nota do editor:


Último poste da série > 9 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15344: Agenda cultural (433): lançamento do livro de Joana Ruas, "Os Timorenses: 1973-1980", da Sextante Editora: Lisboa, 11 de novembro, 4ª feira, às 18h00, no auditório da Fundaçãio Mário Soares

Guiné 63/74 - P15344: Agenda cultural (433): lançamento do livro de Joana Ruas, "Os Timorenses: 1973-1980", da Sextante Editora: Lisboa, 11 de novembro, 4ª feira, às 18h00, no auditório da Fundaçãio Mário Soares




Convite que nos foi enviado pessoalmente pela autora, Joana Ruas


Título: Os Timorenses – 1973-1980
Autor: Joana Ruas
Editora: Sextante (Grupo Editora)
Local: Lisboa
Ano: 2015
Págs.: 616
PVP: € 19,90


Sinopse: 40 anos depois da independência e da invasão indonésia, Joana Ruas apresenta a História de Timor como nunca a conheceu. Aos factos e aos protagonistas reais de Os Timorenses – 1973 - 1980, a autora acrescentou uma brilhante ficção histórica.

Em 1975 Timor preparava-se para ser independente e uma grande nação, mas a invasão pela Indonésia adiou esse sonho e foram vários os anos de luta e pobreza. É precisamente sobre esse período, e o que o antecedeu, que se debruça Os Timorenses – 1973-1980, o mais recente livro de Joana Ruas, que a Sextante Editora  acaba de publicar.

Para além de todos os dados, documentos e imagens incluídos no livro – fruto de uma exaustiva pesquisa – a autora acrescentou uma história ficcionada que acompanha toda a componente documental, fazendo desta uma obra única e essencial sobre Timor contemporâneo, desde o período que precede o 25 de Abril e a primeira independência até à invasão indonésia.

Desde os anos 60 ligada a Timor, Joana Ruas tem vindo a dedicar grande parte da sua investigação e escrita à História do país. Este novo livro insere--se na série A Pedra e a Folha, que conta já com dois livros, que se debruçam sobre os anos 1870 a 1910 e sobre a ocupação japonesa.

Este romance é sobre um processo histórico único no mundo e uma das mais solitárias guerras de libertação nacional. Neste período, a FRETILIN travou contra o invasor indonésio uma guerra de independência e uma guerra social numa metade de uma ilha isolada do resto do mundo pelo invasor e sem qualquer espécie de retaguarda para se refugiar ou para se abastecer. Na sua terra invadida, a pátria estava na presença social, física e sentimental dos seus guerrilheiros liderados por Nicolau Lobato. Os homens e mulheres das FALINTIL deixaram de existir no presente para se continuar no futuro. Eram homens e mulheres de coração poderoso cujos olhos pareciam olhar para o fundo do futuro, homens e mulheres que permaneciam livres mesmo na prisão e que mesmo nus morriam de pé.

O testemunho dos sobreviventes desta etapa, que vai de 1973 a 1980, repõe a memória concreta dos episódios então vividos pela nação timorense mas nada nos é revelado da vida dos seus heróis e heroínas. Até à restauração da independência a 20 de Maio de 2002, a morte é a paisagem que absorve os elementos humanos e a vida material dos seus guerrilheiros e de toda a nação. O que impressionou vivamente a escritora Joana Ruas foi essa experiência ao mesmo tempo religiosa e laica que através do cimento do seu sonho de liberdade coletiva, da sua fé e da força da linguagem venceu a angústia da morte e a certeza da destruição.


A autora

Joana Ruas nasceu, em 1945,  na Quinta do Pinheiro em Freches, no distrito da Guarda. Trabalhou como jornalista cultural e tradutora na Radiodifusão Portuguesa e no jornal Nô Pintcha da República da Guiné-Bissau. Participou na causa da Libertação do Povo de Timor-Leste, tendo feito várias conferências sobre a Língua Portuguesa em Timor-Leste, sua história e cultura. Entre poesia dispersa e ensaios é autora dos romances, Corpo colonial, O claro vento do mar e A pele dos séculos. Participou na IV Feira do Livro de Díli onde apresentou o romance A batalha das lágrimas e o livro de contos Crónicas timorenses respetivamente o 1.º e o 2.º volume da tetralogia A pedra e a folha sobre cem anos de Resistência Timorense.

(Fonte. Cortesia da editora Sextante, Grupo Porto Editora)




Lisboa > Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella > 2º Ciclo de Conferências 'Memórias Literárias da Guerra Colonial' > 4 de Junho de 2009 > Apresentação de livro de contos Cambança - Guiné, Morte e vida em maré baixa  do nosso camarada Alberto Branquinho  -  A escritora Joana Ruas (n. 1945), autora de A Pele dos Séculos (Lisboa, Ed. Caminho, 2001) dando testemunho da sua vivência, na Guiné-Bissau, no pós-25 de Abril, como simpatizante do PAIGC (acompanhou a guerrilha nas 'regiões libertadas' e integrou, como jornalista cultural, os quadro do Nô Pintcha, desde o seu nº 1).

Guiné 63/74 - P15343: Notas de leitura (774): “Nos Celeiros da Guiné”, por Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves, Chiado Editora, 2015 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
É um livro bem distinto do que vai aparecendo sobre histórias de unidades militares, neste caso o álbum fotográfico é de grande importância.
O General Ramalho Eanes prefacia a obra e detém-se sobre todos aqueles que combateram e hoje regressam à Guiné, e então escreve: "As populações acolhem-nos com o carinho de outrora, mas vivendo conformadas na mesma miséria ou em miséria maior, porque, agora, se destruíram matas, se lhes retiraram bolanhas, se matou a fraterna igualdade então existente. Esta obra interpela-nos sob a metamorfose sofrida pelos jovens que foram transplantados das suas terras". E elogia a importância documental de todo este acervo, contemporâneo da fase perturbante da implantação militar, psicológica territorial do PAIGC.
Temos aqui um livro raro e um caso de solidariedade que não desfalece entre septuagenários que aportaram à Guiné e não a esquecem e não se esquecem do que devem uns aos outros.

Um abraço do
Mário


Nos Celeiros da Guiné, por Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves (1)

Beja Santos

Há cerca de 50 anos, a CCAÇ 413 partiu para a Guiné. Do seu mourejar vem agora a público um livro que aparenta ter um título intrigante: “Nos Celeiros da Guiné”, por Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves, Chiado Editora, 2015. Não se trata de uma convencional história de companhia independente, recheada de depoimentos e reprodução de relatórios, é um poderoso documento que, digo-o sem hesitação, se configura num indispensável material auxiliar para compreender a Guiné entre 1963 e 1965. Quanto ao título, os autores mostram uma imagem, conhecida de todos, e explicam aos seus leitores, poderá acontecer que haja leitores que não passaram pela Guiné: “Em quase todas as pequenas localidades, havia, junto do edifício do posto administrativo, um celeiro da administração, desocupado na sequência do início das hostilidades, que veio a ser utilizado como caserna pelos destacamentos militares entretanto instalados nessas povoações”. Dias Costa fica incumbido de justificar o enquadramento da CCAÇ 413 no contexto social e militar da Guiné. Companhia dada como “pronta” no Batalhão de Caçadores n.º 5, em Lisboa, e colocada em Faro, no Regimento de Infantaria n.º 4, a aguardar o embarque, sem data nem destino ainda definidos. Estão em Faro quando eclode a guerrilha na Guiné. A 3 de Abril embarcam ao som de “Angola é nossa”, num velho paquete da companhia colonial de navegação, o “Índia”.

Lá vão a caminho de Mansoa, têm à sua espera os camaradas da CCAÇ 91, estes rejubilam pela rendição. Conduzidos à caserna, adaptada de um celeiro aqui vão passar a primeira das 751 noites que têm pela frente na Guiné, ainda têm à sua espera os celeiros de Safim, Nhacra, Porto Gole, Encheia, Bissorã, Mansabá, Olossato, Barro, Bigene, Farim e Cuntima. As hostilidades estão no início, estes militares vão assistir ao separar das águas, à perseguição das populações, ao aparecimento dos santuários, à necessidade de ocupar posições. A CCAÇ 413 era constituída por cerca de 170 homens, distribuídos por quatro pelotões, três de caçadores e um de acompanhamento bem como pela Formação, adstrita ao Comando, constituída pela Secção de Saúde, sob a responsabilidade do oficial médico, pela Seção administrativa, pela intendência, pela seção de condutores e manutenção auto e pela secção de Transmissões. O equipamento era o próprio da época, o armamento já incluía a G3 mas havia também pistolas-metralhadoras UZI e FBP. Em 1963 não houve férias, foram canceladas todas as licenças.

Gente feliz em Mansoa

O autor espraia-se sob a infraestrutura dos celeiros e depois descreve a organização dos aquartelamentos, nesta época as valas em ziguezague tinham a primazia. Encheia e Olossato cedo dispuseram de uma pista de aviação rudimentar. Durante a sua permanência em Mansoa, a CCAÇ 413 prestou apoio à povoação de Cutia, na estrada para Mansabá e nas imediações do Morés, aqui decorria a primeira experiência de povoação em regime de autodefesa. O Morés já fervia, o Brigadeiro Louro de Sousa, ainda no decurso de 1963, reforça o dispositivo tático de Mansoa, fica aqui a sede do BCAÇ 512. O aquartelamento de que dispõe a CCAÇ 413 estava instalado na Escola das Missões, e englobava o celeiro, transformado em caserna uma construção rudimentar onde estava instalado o posto de transmissões, o posto de socorros, a arrecadação dos mantimentos e algo mais.

A psicossocial fazia-se com engenho e arte, a dedo e sem esquadro, diretivas era coisa que ainda não existiam, faziam-se almoços, encontros, compareciam o médico e o enfermeiro e os mais curiosos começavam a trautear termos em crioulo, aprendiam-se os usos e costumes, dava-se ajuda aos civis no transporte de alimentos e matérias-primas. Os ex-militares da companhia procederam, em 1992, à constituição da Associação de Ex-Combatentes da CC 413 – Guiné, 1963-65, com o objetivo de “fomentar e desenvolver laços de camaradagem e de solidariedade entre os seus membros e as suas famílias”. José Jorge Sá-Chaves dedica muita atenção à vida operacional da Companhia. Ficaram inicialmente dependentes de um batalhão sediado em Bula, comandado por Hélio Felgas. Foi-lhe atribuído um setor operacional com uma área aproximadamente de 5100 km2, abrangendo a região do Oio, a região a norte do rio Cacheu, com toda a faixa entre aquele rio e a fronteira com o Senegal, de Barro a Cuntima. A Companhia espraiava-se por quatro destacamentos: Barro, Bigene, Farim e Cuntima, recebendo apoios de outras unidades para guarnecer as localidades de Bissorã, Olossato, Mansabá e para reforçar Farim. Estamos no início da guerra e era então possível ainda acontecer o que aqui se descreve: “Quer Barro, quer Farim, destinos das colunas, distavam aproximadamente 50km de Mansoa, distâncias que levaram cerca de hora e meia a percorrer (…) Aproximadamente a meio do percurso, localizavam-se, respetivamente, as povoações de Bissorã e de Mansabá. Os últimos troços da estrada até à margem do rio Cacheu, onde se fazia a cambança para a margem Norte apresentavam-se num estado deplorável (…) Transposto o rio, os últimos 3,6km até ao destino, em que a estrada cruza a bolanha, permitiu apreciar a beleza da paisagem que se abria à sua frente”. Temos igualmente uma descrição cuidada das povoações de Barro e Farim e mais adiante de Bigene e Cuntima.

Porto Gole, Casa do Chefe do Posto, que fez parte do aquartelamento, conjuntamente com o celeiro 

Mas tudo estava a mudar. Em 5 de Maio de 1963, o “Setor Norte” desencadeia a primeira ação militar flagelando Bigene. Em Maio, iniciam-se as patrulhas de reconhecimento. Em Junho, um dos grupos de combate da Companhia a patrulhar em Talicó sofreu uma emboscada, e em Julho temos nova emboscada no trilho de Madame. A tropa verificava que de mês para mês evoluía o armamento do inimigo. Em Julho, o Morés começa a revelar-se um objetivo difícil, as emboscadas sucedem-se umas às outras, surgem os primeiros mortos e feridos graves, tanto na Companhia como na Milícia. As abatizes aparecem na estrada Mansabá Bissorã e nas picadas para o Morés. É em Agosto que chega a Mansoa o BCAÇ 512, e nesse mês um grupo de combate da companhia sofre uma emboscada quando se dirige a Fajonquito.

Estamos perante um documento que dá que pensar: como se passou da aparente acalmia para a guerrilha dura e pura, tanto no Morés como à volta do Cacheu, em escassos meses a liberdade de movimentos deu origem a deslocações sempre com riscos de minas e emboscadas; surgiram as milícias, as populações em autodefesa, a ação psicossocial improvisada, iam-se distribuindo armas pelas populações e procurava-se, a todo o transe, fixar os destacamentos onde havia população. Como se sabe, continua a descer um manto de silêncio sobre o período de 1963 a 1968, às vezes até se insinua que não houve capacidade de resposta e que se espalharam abusivamente as tropas por todo o território. Enquanto o período do General Spínola está largamente documentado, os tempos correspondentes ao Brigadeiro Louro de Sousa e General Arnaldo Schulz permanecem na neblina. Deixa-se aqui o recado aos historiadores da guerra da Guiné.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15334: Notas de leitura (773): “Dois Amigos, Dois Destinos”, por José Alvarez, Âncora Editora e DG Edições, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15342: Parabéns a você (983): António da Costa Maria, ex-Fur Mil Cav do Esq Rec Fox 2640 (Guiné, 1969/71) e Ernesto Ribeiro, ex-1.º Cabo At Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)


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Nota do editor

Último poste da série de 6 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15332: Parabéns a você (982): Jorge Cabral, ex-Alf Mil Art, CMDT do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71)

domingo, 8 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15341: Convívios (717): Rescaldo do XXVIII Encontro do pessoal da CCAÇ 557, levado a efeito no passado dia 7 de Novembro de 2015 (José Colaço)

XXVIII ALMOÇO/CONVÍVIO DO PESSOAL DA CCAÇ 557
DIA 7 DE NOVEMBRO EM FERNÃO FERRO

Fernão Ferro, 7 de Novembro de 2015 - Pessoal da CCAÇ 557 (Cachil e Bafatá, 1963/65)


1. Mensagem do nosso camarada José Colaço (ex-Soldado TRMS da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), com data de 7 de Novembro de 2015:

Caro Luís Graça e editores,
No passado dia 07 de Novembro, no Restaurante Quinta dos Girassóis, em Fernão Ferro, realizou-se o 28.º Almoço de Convívio dos ex-combatentes da CCaç 557, guerra da Guiné, com os que vão teimando e resistindo à inexorável roda da vida, mas nesta fase, nos convíviosn têm sempre a triste notícia de camaradas que tomaram a barca do barqueiro de caronte. Paciência é um facto, mas os filhos e netos que de ano para ano em maior numero nos acompanham, dão-nos a força da alegria de viver e ter vivido.
Envio em anexo o poema que nosso poeta popular, Francisco dos Santos, nos dedicou este ano, mais três fotos.
É tudo se for possível um espaço no nosso blogue os resistentes agradecem.

Um abraço.
José Colaço


Eu de pé a falar com o ex-alferes Goulart; o Sr. Coronel Ares, que continua a ser para nós o nosso capitão; ao lado a sua esposa e, por ultimo, a D. Mercês Goulart, esposa do ex-alferes Goulart
 
Bolo Comemorativo


O Poema do poeta Francisco Santos

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Nota do editor

Último poste da série de 14 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15250: Convívios (716): Rescaldo do XX Encontro dos Combatentes da Guiné da Vila de Guifões, levado a efeito no passado dia 11 de Outubro de 2015, em Baião (Albano Costa)

Guiné 63/74 - P15340: Libertando-me (Tony Borié) (42): As Regras da Escola

Quadragésimo segundo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 3 de Novembro de 2015.


As Regras da Escola

Quase todas as recordações que guardamos do nosso Portugal são as aldeias, começando pela nossa, que era a do Vale do Ninho D’Águia, em Águeda, que também podia ser qualquer aldeia de Trás-os-Montes, das Beiras, do Alentejo ou outro qualquer lugar e, é com esse pensamento, que os nossos olhos vêm, desde as grandes metrópoles, até às aldeias pequenas, apreciamos os pormenores, agora vamos continuar a falar daqui, cá vai.

O dia estava com céu limpo, a temperatura era quente, a estrada rápida número 15, no estado de Montana, era deserta, longas rectas, aqui e ali havia pequenas elevações no terreno, a nossa companheira e esposa levava os comandos da viatura em suas mãos, nós, cantarolávamos, desligámos o ar condicionado, abrimos um pouco a janela e tirámos as sandálias dos pés, encostámo-nos no assento, pousando-os na frente do carro, encostados mesmo ao vidro, ela, a nossa companheira e esposa, logo falou “complicando”, e disse: "Cala-te lá com essa cantiga que não faz qualquer sentido, por favor arranja outra canção ou liga o rádio e, já agora, tira daí os pés, ou então abre mais a janela, pois creio que estavam melhor dentro das sandálias.

Passávamos próximo da estrada estadual número 278, que depois de algum tempo atravessando algumas planícies, quase desertas, seguindo a direcção de uma placa de informação, entrámos numa estrada rural, em terra batida, que nos levaria ao que é hoje o Parque Nacional de Bannack, que fazia parte do nosso roteiro daquele dia e, que hoje, roubando algum espaço ao nosso blogue, não resistimos em mostrar algumas fotos.


Tal como outras aldeias, tem uma história que começa por volta do ano de 1862, recebendo este nome dos índios locais, que eram os Bannack, que por aqui viviam como uma nação, numa comunidade pacífica, cuja sobrevivência era a caça ou a pesca, até que neste local aconteceu um fenómeno por volta do ano de 1862, que foi a descoberta de ouro, que tornou esta aldeia na capital do Território de Montana por alguns anos, até que essa capital foi transferida para Virgínia City. Hoje a capital do estado de Montana é a cidade de Helena, onde está situado um majestoso edifício, o “Montana State Capitol”.


Era, e ainda é, um lugar extremamente remoto, apenas ligado ao resto do mundo por uma estrada de terra batida, é um lugar abandonado, “uma aldeia fantasma”, ainda lá estão algumas dezenas de históricas estruturas, que teimam em permanecer de pé, algumas bastante bem conservadas. Hoje, a aldeia de Bannack é considerada distrito histórico, sendo declarada Património Histórico Nacional e actualmente tem o nome de “Bannack State Park”, sendo visitado particularmente por historiadores, muito popular entre os turistas, é um dos lugares favoritos, principalmente para os nativos daquela região. Mas a história para nós começa a ter algum interesse quando soubemos que tudo por aqui começou quando um tal Dr. Erasmus Darwin Leavitt, um médico nascido no estado de New Hampshire, que desistiu de praticar medicina por um tempo, para se tornar num mineiro, pesquisador de ouro, pegando numa pá e numa picareta, mas depressa verificou que apesar de algum sucesso a coroar o seu trabalho, logo descobriu que tinha mais reputação como médico do que como pesquisador de ouro, não se identificando com todos aqueles aventureiros, alguns fugitivos de outras aldeias de Montana, como o xerife Henry Plummer, que chefiava uma quadrilha responsável por mais de cem assassinatos nos campos de ouro de Virginia City, Bannack e nos trilhos para Salt Lake City, no estado de Utah, no entanto, apenas oito mortes são historicamente documentadas, alguns historiadores modernos têm posto em causa a natureza exata desta quadrilha, enquanto outros negam a sua existência completamente.


Em qualquer caso, o xerife Plummer e dois dos seus ajudantes foram enforcados, sem julgamento, em Bannack em Janeiro de 1864, um largo número de companheiros da sua quadrilha foram mortos a tiro de pistola ou outra arma, durante uma luta, quando descobertos, sendo outros banidos sob pena de morte se voltasem a Bannack. Uns anos depois, já com alguma civilização, vinte e dois indivíduos foram acusados informalmente, julgados e enforcados pelo Comité de Vigilância de Bannack e Virginia City, que era composto por homens considerados honestos, dos quais fazia parte um tal Nathaniel Langford Pitt, que foi o primeiro superintendente do Parque Nacional de Yellowstone, e que era membro dessa comissão de vigilância.


No seu auge, Bannack, considerada uma aldeia mineira, onde todas as estruturas foram construídas de troncos, algumas com falsas frentes decorativas, em algumas épocas a sua população chegou quase a uma dezena de milhar de habitantes, tinha três hotéis, padarias, lojas de ferragens, estábulos, mercados de carne, restaurantes, muitos salões de divertimento e uma escola onde ainda lá se encontra o quadro preto, onde estão escritos os regulamentos dos alunos e professores, que não resistimos em traduzir algumas das regras, cá vai:


Regras para o aluno, 1872

1 - Respeita o teu mestre-escola. Ouve-o e aceita as suas punições.
2 - Não chames nomes, nem provoques os teus companheiros e não lutes com eles. Ama-os e ajudem-se uns aos outros.
3 - Nunca faças ruídos ou perturbes os teus companheiros quando eles estudam.
4 - Está silencioso durante a aula. Não fales a menos que seja absolutamente necessário.
5 - Não deixes o teu assento sem permissão para ir lá fora, para comer ou qualquer outra coisa que perturbe a tua classe.
6 - No final da classe tens de lavar as mãos, o rosto, e talvez os pés, se for necessário.
7 - Traz lenha para a sala de aula sempre que o professor te pedir.
8 - Sai calmamente para fora da classe, seguindo as normas.
9 - Se o mestre-escola chamar pelo teu nome após a aula, responde imediatamente.

Regras para o Mestre-escola, 1872.

1 - O mestre-escola tem de encher as candeias, (as luzes) e limpá-las todos os dias.
2 - O mestre-escola tem que trazer um balde com água e um rolo de erva, (devia de ser para esfregar as mãos ou os pés), todos os dias da época.
3 - O mestre-escola tem que ter sempre as canetas, (deviam ser lápis de pedra, para escrever na lousa), em muito boas condições, sempre ao gosto dos alunos.
4 - O mestre-escola, que seja mulher, que se casou ou envolveu, mas com uma conduta imprópria, será imediatamente demitida.
5 - Cada mestre-escola deve deixar de lado uma soma considerável de seus ganhos, que serão economias para usar durante a sua aposentadoria, para que não seja um “fardo” para a sociedade.
6 - Qualquer mestre-escola que fume, use licor, frequente salões de prazer, ou até vá para a barbearia, falar mal dos habitantes, ou qualquer outra boa razão que mostre não ser um bom cidadão, será imediatamente demitido.
7 - O mestre-escola deve saber montar e tratar o seu cavalo, pode e deve usar arma para defesa, mas nunca entrar armado na sala de aula.

Estas são algumas regras que nos fazem recordar o bom que foi, termos nascido nos anos quarenta e cinquenta do século passado.

Tony Borie, Outubro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15312: Libertando-me (Tony Borié) (41): O passado é o início do futuro

Guiné 63/74 - P15339: (In)citações (77): "O boato fere como uma lâmina", lia-se em cartazes nos corredores da Máfrica... Qual teriam sido, camaradas, os maiores boatos que ouvimos durante as nossas comissões ? (Vasco Pires, ex-alf mil art, cmdt do 23º Pel Art , Gadamael, 1970/72; bairradino na diáspora lusitana do Brasil desde 1972)

1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires 

[, foto atual, à esquerda do grã-tabanqueiro Vasco Pires, que no passado século, por volta de 1970/72, lá no cu de Judas, na África profunda, em terras de Tombali, num sítio chamado Gadamael,  foi bravo artilheiro, comandante do 23.º Pel Art, numa guerra que já se varrei da memória dos povos;  bairradino até à medula, é outro camarada da diáspora lusitana: vive no Brasil esde 1972]

Data: 13 de outubro de 2015 às 14:41
Assunto: BOATO


Bom dia Luis e Carlos, cordiais saudações.

Tenho acompanhado essas perguntas "online"; sem dúvida estão dinamizando o blog, e, quem sabe, ajudando a afastar o Dr. Alemão.

Tempos atrás, lendo uma matéria, lembrei de cartaz que vi em um dos quartéis por onde passei, talvez "Máfrica" [, EPI, Mafra]. Dizia: "O boato fere como uma lâmina " (se não falha a memória).

Quantos boatos não passaram na nossa vida militar?

Muitos fabricados pela contra-informacão, outros gerados pelos nossos medos. Logo propagados nos "jornais da caserna".

Guiné 63/74 - P13357: (Ex)citações (235): A 'Máfrica' (EPI, Mafra) dos nossos verdes anos (Vasco Pires,  camarada da diáspora lusitana no Brasil; ex-alf mil art, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72)

Aqui fica a minha modesta sugestão para mais uma pergunta "online": Qual o maior boato que ouviste  na tua comissão?

Forte abraço

VP

2. Comentário de LG:

Obrigado, Vasco, pela tua sugestão, para mais vinda do outro lado do Atlântico, o grande oceano que tivemos de domar e vencer para poder chegar ao Índico e criar a autoestrada da globalização... Vencendo mil e um medos, mitos,  lendas, boatos, pragas, perigos...

Sei dúvida que o boato (para mais em, tempo de guerra e de fim de uma época) é tema que se presta a um bom debate... Concordo que o boato (nas nossas organizações, comunidades e sociedades) é uma uma lâmina que fere... Mas é uma lâmina de dois gumes, usada por uns e por outros sobretudo em situações de luta pelo poder, marcadas pela ambiguidade, a incerteza, a conflitualidade...

Mas, tal como formulas a pergunta, não  podemos  pô-la no nosso inquérito "on line"... Por razões técnicas, o nosso servidor, o Blogger, só nos deixa fazer um pergunta de cada vez... E essa pergunta tem de ser fechada, isto é, tem de ser seguida das várias respostas hipotéticas à pergunta...  

Explicando-me melhor: a uma pergunta como a que formulas "Qual o maior boato que ouviste  na tua comissão?", teremos que ter uma meia dúzia (no máximo) de situações ocorridas, no TO da 
Guiné, entre 1961 e 1974, e que poderíamos designar como "grandes boatos"... 

Num período de tempo tão grande (1961-1974), e passado já um meio século, é difícil fazer esse exercício de memória... Mas fica aqui a tua ideia louvável e o teu desafio estimulante... Houve pequenos e grandes  boatos, ao longo da guerra, e sobretudo no início e no fim, afetando o nosso estado de espírito (individual) e por certo o moral da tropa... 1973 (Guidaje, Guileje, Gadamael, assassínio de Amílcal Cabral,  aparecimento do Strela nos céus da Guiné, o medo do MiG, a saída de Spínola, o Marcelo Caetano refém dos "ultras" do regime...) deve ter ido sido um ano fértil em boatos... Mas também o de 1970 (massacre do chão manjaco,  morte - física - de Salazar, invasão de Conacri,...).

Enfim, fica aqui um espaço para a produção de textos sobre o boato "cá e lá", na metrópole e na Guiné!... Venham eles!

Lembrei-me que tenho um texto, com mais de dez anos, sobre "o país-do-diz-que -disse"... Com a amavável complacência dos nossos leitores, volto a reproduzi-lo aqui. Foi publicado originalmente no meu blogue que antes de ser o blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné" (sobretudo a partir da II Série, 1/6/2006), chamava-se simplemente Blogue-Fora-Nada (I Série)... No final, em 31/5/2006 tínhamos um tertúlia com 111 membros... O blogue nesse épcoa apresentava-se assim:

"blogue-fora-nada. homo socius ergo blogus [sum]. homem social logo blogador. em sociobloguês nos entendemos. o port(ug)al dos (por)tugas. a prova dos blogue-fora-nada. a guerra colonial. a guiné. do chacheu ao boe. de bissau a bambadinca. os cacimbados. o geba. o corubal. os rios. o macaréu da nossa revolta. o humor nosso de cada dia nos dai hoje.lá vamos blogando e rindo. e venham mais cinco (camaradas). e vieram tantos que isto se transformou numa caserna. a maior caserna virtual da Net!"


13 FEVEREIRO 2005

Socio(b)logia - XIII: O país-do-diz-que-disse

Não há pachorra!...
Abre-se a televisão
Ou sintoniza-se a rádio
E corre-se um sério risco
De ouvir a mesma notícia
Ad nauseam:
Alguém
(Um candidato a primeiro-ministro,
Um candidato a candidato,
Um amigo do candidato,
Um amigo do amigo do candidato,
O seu assessor de imagem,
O primo da terra,
A ex-amante...)
A dizer que não disse o que disse,
Ou melhor: Não disse, meus senhores,
O que os jornais disseram
Que ele disse
Ou o que o jornalista achava
Que ele deveria dizer.

Este estilo comunicacional
Tem muitos cultores,
E ficou defintivamente consagrado
Com a seráfica Zezinha:
"Você sabe que eu sei
Que você sabe".
Há uma variante tropical
Deste estilo de não-assertividade
Inventada pelos portugas:
"Eu sei que você sabe
Que eu sei que você sabe
Que é difícil de dizer",
Diz a brasileira Marisa Monte,
Na sua canção "Eu sei"...

No país-do-diz-que-disse
Impera a lei da fofoca,
Do boato pidesco,
Da intriga palaciana,
Das bruxas feias e más,
Dos meninos birrentos e queixinhas,
Dos santinhos de pau carunchoso,
Do título de caixa alta,
Da delacção inquisitorial,
Da saloiice do Zé Povinho.
Faz-se do boato notícia,
Da insinuação verdade
E da anedota tese doutoral.

Não tenho pachorra,
Ponto final!
_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 1 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14955: (In)citações (76): Fiquei chocado com a Guiné que conheci em 17 de Janeiro de 1967 (Mário Vitorino Gaspar)

sábado, 7 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15338: Inquérito 'on line' (16): Para 42% dos respondentes (num total de 69), "100 pesos" era de facto dinheiro, era bastante patacão... Segundo a Companhia Seguros Douro, que oferecia na época um "seguro militar", cobrindo o risco de morte ou de incapacidade (total ou parcial) em teatro de guerra, cem contos (pouco mais de 28 mil euros, hoje) era quanto podia valer a vida de um herói!

1. Inquérito de opinião que decorreu na semana que findou: 

"NO MEU TEMPO, CEM PESOS ERA MANGA DE PATACÃO"


1/2. Era muito  (n=3) ou bastante dinheiro (n=26) > 29 (42,0%)


3. Era assim-assim, nem muito nem pouco  > 19 (27,6%)


4/5. Era pouco (n=12) ou muito pouco dinheiro  (n=5) > 17  (24,6%)


6. Não sei / não tenho opinião  >  4 (5,8%)

Votos apurados: 69 (100,0%)

Votação fechada: 5/11/2015. 14h30

2. Comentário do editor:

Segundo o nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), havia no mercado um seguro militar, dos Seguros Douro, que cobria o risco de morte e invalidez nos TO da Guiné, Angola e Moçambique. O capital seguro era de cem contos (100 mil escudos), o que daria hoje qualquer coisa como pouco mais de 28 mil euros (, usando o conversor de escudos para euros, disponibilizado pelo portal Pordata - Base de Dados Portugal Contemporâneo).

Houve quem pagasse 200 contos para livrar um filho ou um neto da "subida honra" de servir a Pátria no ultramar... Em face disto, convenhamos que 100 pesos, para a generalidade dos nossos militares (os de 1ª e os de 2ª classe),  eram bastante patacão!... (**)
____________

Notas do editor:

(*) 4 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15328: Inquérito 'on line' (15): quatro em cada dez respondentes acha que uma nota de 100 pesos era muito ou bastante patacão... Votação termina 5ª feira, dia 5, às 14h30

Guiné 63/74 - P15337: Os nossos seres, saberes e lazeres (126): Seguro Militar Especial, quem sabia da existência deste Seguro de Vida para Combatentes? (António Tavares)

1. Em mensagem do dia 23 de Outubro de 2015, o nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), fala-nos de algo que a maioria de nós desconheceria, a existência de um seguro de vida para combatentes. 
Cabe aqui informar que o nosso camarada Tavares foi funcionário da agência de Matosinhos de uma grande Companhia de Seguros, na qual curiosamente tive seguro de automóvel durante dezenas de anos. Muitas das vezes que precisei de tratar de assuntos relacionados com o seguro, fui atendido pelo Tavares. Curiosidades.


SEGURO MILITAR - ESPECIAL 

Camarigos,
Quem se lembra deste tipo de seguro?


E porquê um Seguro Militar Especial?
Com certeza por ser indicado aos Oficiais e Sargentos mobilizados para o Ultramar. Era comercializado pela Companhia de Seguros Douro.


O seguro militar, com pequenas diferenças, também era comercializado por outras seguradoras. Comercialmente era um produto não rentável e de pouca adesão quer pelo preço quer pelo desconhecimento de eventuais subscritores.

Penso que o efeito psicológico da palavra MORTE, para um militar que ia combater numa das três frentes da Guerra Colonial, teria sido o principal motivo do fracasso deste seguro na indústria seguradora.

Recordo que a sede da Companhia de Seguros Douro era no Largo de São Domingos, no Porto, no edifício que foi construído para sede da Ordem de São Domingos no séc. XIII. O edifício em 1832, durante o Cerco do Porto, foi quase totalmente destruído por um incêndio.

O Banco de Lisboa (actual Banco de Portugal) adquiriu-o, reconstruiu-o e instalou uma filial, até que o Banco de Portugal decidiu adquirir os terrenos que hoje ocupa na Praça da Liberdade.



A construção do actual edifício teve início em 1917 e concluída em 1934, ano da inauguração.

O edifício DOURO esteve durante décadas abandonado. O seu nome deriva do facto de ter sido, entre 1934 e 1989, sede da Companhia de Seguros Douro. Posteriormente foi recuperado pela Câmara Municipal do Porto. Actualmente no edifício está instalado o Palácio das Artes – Fábrica de Talentos.


Com um abraço,
António Tavares Foz do Douro,
Quarta-feira 23 de Outubro de 2015


2. Comentário do editor:

Utilizando o conversor de escudos para euros, disponibilizado pelo portal Pordata - Base de Dados Portugal Contemporâneo, um jovem de 22 anos, mobilizado para o ultramar, pagaria em 1970 de prémio de seguro, no acto do embarque, a importância de 3.795$00 (o equivalente hoje a 1.076,04 €), a que acrescia no primeiro ano a sobretaxa de 1.000$00 (283,54 €)...  Cem contos (100 mil escudos = 28.354,16 €) era quanto valia a vida de um homem!... Não faço ideia de qual era o capital seguro, em média, nessa época, no ramo vida...

Talvez o Tavares se lembre ainda desses valores, já que trabalhou em seguros... E, já agora, e por mera curiosidade, gostava de saber se ele, Tavares, chegou a subscrever este seguro militar que, provavelmente, era único, na época... Ou haveria mais Companhias de seguro a oferecer este tipo de seguro aos militares que partiam para a guerra de África, cobrindo o risco de morte e de invalidez (total ou parcial)? E o militar que fosse mobilizado para a Guiné, estava sujeito a algum agravamento do prémio? (LG)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15331: Os nossos seres, saberes e lazeres (125): Obras escultóricas urbanas de Armando Ferreira, ex-Fur Mil da CCAV 8353 (2)

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15336: FAP (93): O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné - III e última Parte (José Matos, historiador e... astrónomo)


Guiné > Zona Leste > Bafatá > ambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > O célebres e velhinho caça-bomradeiro T6 G, tanbémk conhecido por "ronco", na pista de aviação de Bafatá, Em primeiro plano, o fur mil at nf, da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)  Arlindo T.Roda, autor da foto. Os T 6G vão desempemhar um importante papel no final da guerra...


Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: LG].




1. Terceira (e última) parte do artigo do nosso grã-tabanqueiro José Matos sobre a "arma que mudou a guerra", o míssil terra-ar Strela, de origem russa, introduzido na Guiné depois da morte de Amílcar Cabral, na sequência da escalada da guerra. 

Recorde-se que o José [Augusto] Matos, formado em astronomia em 2006 na Inglaterra [ University of Central Lancashire, Preston, UK ], é especialista em aviação e exploração espacial desde 1992, e faz parte da Fisua - Associação de Física da Universidade de Aveiro.

Tem-se dedicado, como investigador independente, à história militar, e em particular à história da guerra na Guiné (1961/74). 




SA 7- Grail (designação NATO), 
míssil terra-ar, de origem russa (9k 32 Strela 2), desenhado por volta de 1964 e operacional em 1968. 

Caraterísticas técnicas do SA- 7 «Grail» / 9K32M Strela-2 | Míssil antiaéreo:


Fabricante: KB Machinostroyenia; função principal: defesa antiaérea próxima; alcance: até 4,2 km; velocidade: 1300 km/h; tipo de ogiva : alto Explosivo / pré-fragmentada; peso da ogiva : 15 kg.; peso total: 10 kg; comprimento: 1.47 m; diâmetro: 72 mm; sistema orientação: infravermelhos. O Strela 2 foi concebido e testado por volta de 1964. Foi dado como operacional em 1968. Com um alcance máximo de 3,7 km e problemas com o sistema de orientação, as prestações do míssil não foram consideradas satisfatórias. Rapidamente foi lançada a versão Strela-2M, em 1971. A versão melhorada podia atingir em teoria alvos a distâncias de até 4,2 km. Era eficaz contra alvos a mais de 50 metros de altura e menos de 1500 metros.

Foto: Cortesia de Wikipedia. Imagem do domínio público.



O impacto do Strela na actividade aérea 
na Guiné (III e última parte),
  por José Matos



A evolução da guerra colonial na Guiné tomou um rumo dramático em 1973-74, quando o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) adquiriu a última versão do míssil soviético terra-ar SA-7 (Strela-2M). A utilização desta arma pela guerrilha provocou profundas alterações no emprego da aviação e na eficácia das operações aéreas. Aproveitando os efeitos tácticos do míssil, que tiveram reflexos estratégicos, os guerrilheiros lançaram várias operações de grande envergadura e a guerra entrou numa fase muito delicada. Surpreendida, inicialmente, a Força Aérea tomou rapidamente várias contramedidas que reduziram a eficácia do míssil. Que impacto teve, verdadeiramente, na actividade aérea e qual o efeito das contramedidas adoptadas é o que se pretende analisar neste artigo.

(Continuação) (*)


O efeito das contramedidas


É inegável que o aparecimento do míssil na Guiné teve consequências nas operações aéreas e no uso do poder aéreo, mas as várias contramedidas adoptadas, ao longo do ano, surtem efeito, pois mais nenhum avião volta a ser abatido até ao final de 1973, embora as equipas de mísseis continuem activas dando cobertura às acções no terreno. 

Desde finais de abril até dezembro de 1973, são referenciados 15 disparos contra aviões Fiat, mas nenhum avião é atingido [36].  Este indicador mostra que os pilotos da BA12 conseguiram, ao longo do resto do ano, contornar a ameaça antiaérea e recuperar o controlo sobre a generalidade das acções de apoio que prestavam às forças terrestres.

O único abate acontece em 31 de janeiro de 1974, quando o G.91 5437,  pilotado pelo Tenente Castro Gil,  é atingido por um míssil perto da fronteira com o Senegal, numa missão de apoio a Canquelifá. O piloto consegue ejectar-se e escapar à guerrilha, regressando no dia seguinte ao quartel de Piche, à boleia numa bicicleta de um habitante local.

No relatório de análise ao incidente verificou-se que as normas de segurança foram cumpridas, mas que “o adiantado da hora (17h30), dificultando a visibilidade, contribuiu para que não fosse possível ao nº 1 detectar o lançamento do míssil” e que “o avião ainda não tinha sido pintado com tinta de baixa reflexão de infravermelhos" [37].

Nesta altura, a Força Aérea tinha já efectuado contactos em França para comprar uma tinta de baixa reflexão, de tonalidade verde escura capaz de evitar o míssil. Mas só em março de 1974 é que chegam a Bissalanca as primeiras aeronaves pintadas com a nova tinta anti-reflectiva: o Fiat 5401 e o Alouette III 9401 [38].


As acções aéreas de ataque em 1974

A análise da actividade operacional, em 1974, mostra que as acções aéreas de ataque aumentam nos últimos meses da guerra (com excepção de março), como se pode ver no gráfico seguinte.




As acções aéreas de ataque em 1974

 Este incremento deve-se, essencialmente, ao T-6G, que passa a voar com mais frequência neste tipo de missões, nomeadamente, a partir de março, em missões ATIP [39]. Uma análise deste tipo de missões, por aeronave, permite perceber que o T-6 tem um papel importante na fase final da guerra, como se pode ver no gráfico seguinte.





Este desenvolvimento resulta, em parte, da experiência adquirida no C-47. Do famoso “Flecha de Prata”, passou-se para experimentações nos “Roncos”, como eram conhecidos, na época, os T-6G. Num destes aviões, foi aplicado um derivómetro-visor. Houve que conceber e aplicar na “aeronave artilheira”, uma pala, para evitar que o pouco óleo pulverizado, que sempre sai do escape do motor, não ofuscasse o campo de visão e o retículo de pontaria do visor. Preparou-se a indispensável tabela de tiro e executaram-se, durante o dia, alguns bombardeamentos em voo horizontal, com 4 aviões em formação. Desta forma, os “Roncos” começaram a ser usados em bombardeamentos diurnos de área a 10 000 pés, servindo o “avião artilheiro” de guia para os bombardeamentos. Nestas missões, os T-6G eram armados com 6 bombas de 15 kg e voavam em formações de 4 aviões [40].

No entanto, com a excepção de janeiro de 1974, a actividade do GO1201, baixa nos derradeiros meses da guerra, como se pode ver no gráfico 9 [41].


Em busca de sistemas antimíssil

Fiat G-91, camuflado... Hoje é peça de museu...
É também na fase final da guerra, que a FAP procura equipar os Fiat com um sistema antimíssil doflare, a comprar nos EUA. Logo no início de fevereiro de 1974, um grupo de técnicos americanos da firma TRACOR desloca-se às Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA), em Alverca, com o propósito de estudar a possibilidade de instalação de contentores para ejecção de flares nos G.91. Os técnicos americanos concluem que é possível a instalação de 4 contentores do tipo TBC-72, lateralmente, junto ao bordo de fuga dos pylons internos do Fiat e capazes de fornecer uma protecção contínua entre 4,5 a 6 minutos, conforme a cadência de disparo dos flares [42].
tipo

Pouco tempo depois, em meados de fevereiro de 1974, o novo ministro da Defesa, Silva Cunha, dá ordens para que se iniciem rapidamente as diligências conducentes à aquisição do equipamento em causa [43].  Os custos da aquisição ascendem a 19 mil contos  [, equivalente hoje  3.062.558,26 €
(LG)] e prevê-se que esta verba possa ser suportada por conta de um empréstimo de 150 milhões de rands (6 milhões de contos) [967.123.661,80 € a preços de hoje, usando o conversor da Pordata (LG)] que Portugal fez junto da África do Sul [44]. O dinheiro sul-africano destinava-se, principalmente, a reforçar o poder aéreo com a aquisição de novas aeronaves para usar nas três frentes de guerra.

Como o TBC-72 é um equipamento de origem americana e como Portugal está sujeito a um embargo de armas, tanto o Ministério da Defesa como dos Negócios Estrangeiros tentam saber se a aquisição é possível. A 22 de abril, o embaixador português em Washington recebe instruções para apurar qual a melhor forma dos americanos venderem o equipamento, embora não devendo revelar às autoridades americanas que os flares se destinam a equipar aviões em serviço na Guiné [45].  Mas, o diplomata português já não tem tempo de fazer nada, pois, em poucos dias, dá-se o golpe militar de 25 Abril e a situação político-militar em Portugal e nas colónias muda radicalmente.

No entanto, apesar da Revolução de Abril, os responsáveis militares portugueses continuam a manter, durante algum tempo, a intenção de comprar os flares e outros sistemas antimíssil. A 21 de junho de 1974, na primeira reunião do Comité de Assistência África do Sul/Portugal (POSAAC), em Pretória, é decidido incluir na lista do material a financiar por conta do empréstimo sul-africano, 167 kits anti-Strela para os helicópteros Alouette III (kits a fornecer pela África do Sul), além do sistema TRACOR.46.  Os kits para os helicópteros eram constituídos por dois escudos térmicos sobre o motor e um deflector na tubeira do escape para desviar o fluxo de ar quente proveniente do motor. Tanto a África do Sul como a Rodésia usaram estes kits nos seus Alouette III. Nesta altura, porém, a guerra na Guiné já tinha terminado e estas aquisições deixavam de fazer sentido. A guerra do Strela tinha chegado ao fim.

José Matos (2015)

O autor agradece ao Arquivo da Defesa Nacional, ao Arquivo Histórico-Militar e à Torre do Tombo, as facilidades concedidas para esta investigação. Ao General José Lemos Ferreira, ao TGen Fernando de Jesus Vasquez, ao TGen António Martins de Matos, ao MGen António Martins Rodrigues, ao Cor Miguel Pessoa, ao TCor José Pinto Ferreira e ao Ten Jorge Vasco Moura pela leitura e comentários, bem como pelas informações prestadas.

[Fixação de texto, imagens e links: LG. Temos cerca de meia centena de referências, no nosso blogue, aos mísseis Strela]
_______________

Notas do autor:

[36] Correia, José Manuel, Strela: A Ameaça ao Domínio dos céus no Ultramar Português, 2ª parte, Mais Alto n.º 393 Setembro/Outubro 2011, p. 28.

[37] Informação n.º 462 da 2ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Avião abatido por míssil terra-ar em 31 Jan 74, 7 de Junho de 1974, ADN Fundo Geral Cx. 5074.

[38] Correia, op. cit., p. 31.

[39] Análise dos Sitreps Circunstanciados n.º 1/74 a 17/74 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/89 e AHM/DIV/2/4/295/3.~

[40] Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vazquez.

[41] Análise dos Sitreps Circunstanciados n.º 1/74 a 17/74 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/89 e AHM/DIV/2/4/295/3.

[42] Informação n.º 65-Pº 4.1.5/GAB do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Medidas anti-míssil Strela (Sistema TRACOR), 6 de Fevereiro de 1974, ADN/F3/7/13/5.

[43] Informação n.º 355 da Secretaria de Estado da Aeronáutica, Assunto: Equipamento antimíssil Strela (TRACOR), 18 de Abril de 1974, ADN/F3/7/13/5.

[44] Memorando de 20 de Maio de 1974 do Gabinete do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, ADN Fundo Geral Cx. 833/9.

[45] Nota secreta do Director Geral do MNE para o Embaixador de Portugal em Washington, Assunto: Aquisição de equipamento antimíssil Strela, 22 de Abril de 1974, ADN /F3/7/13/5.

[46] Acta da 1.ª reunião da Comissão Executiva da POSAAC, Pretória, 21 de Junho de 1974, ADN SGDN/7554.3.
_________________

Nota do editor:

(*) Postes anteriores da série > 6 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15333: FAP (91): O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné - Parte I (José Matos, historiador e... astrónomo)

Guiné 63/74 - P15335: FAP (92): O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné - Parte II (José Matos, historiador e... astrónomo)

1. Continuação da publicação do artigo do nosso grã-tabanqueiro José Matos sobre a "arma que mudou a guerra", o míssil terra-ar Strela, de origem russa, introduzido na Guiné depois da morte de Amílcar Cabral, na sequência da escalada da guerra.

Recorde-se que o José [Augusto] Matos, de acordo com o portal Linkedin,   é  especialista em aviação e exploração espacial ["instructor, lecturer, and media commentator on Astronomy and Space Exploration since 1994"]. Faz parte da Fisua - Associação de Física da Universidade de Aveiro, tendo-se formado em astronomia em 2006 na University of Central Lancashire, Preston, UK...

Tem-se dedicado, como investigador independente, à história militar, e em particular à história da guerra na Guiné (1961/74).


SA 7- Grail (designação NATO), 
míssil terra-ar, de origem russa (9k 32 Strela 2), desenhado por volta de 1964 e operacional em 1968. 

Caraterísticas técnicas do SA- 7 «Grail» / 9K32M Strela-2 | Míssil antiaéreo:

Fabricante: KB Machinostroyenia; função principal: defesa antiaérea próxima; alcance: até 4,2 km; velocidade: 1300 km/h; tipo de ogiva : alto Explosivo / pré-fragmentada; peso da ogiva : 15 kg.; peso total: 10 kg; comprimento: 1.47 m; diâmetro: 72 mm; sistema orientação: infravermelhos

O Strela 2 foi concebido e testado por volta de 1964. Foi dado como operacional em 1968. Com um alcance máximo de 3,7 km e problemas com o sistema de orientação, as prestações do míssil não foram consideradas satisfatórias. Rapidamente foi lançada a versão Strela-2M, em 1971.  A versão melhorada podia atingir em teoria alvos a distâncias de até 4,2 km. Era eficaz contra alvos a mais de 50 metros de altura e menos de 1500 metros.

Foto: Cortesia de Wikipedia. Imagem do domínio público.


O impacto do Strela na actividade aérea na Guiné (Parte II),
  por José Matos



A evolução da guerra colonial na Guiné tomou um rumo dramático em 1973-74, quando o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) adquiriu a última versão do míssil soviético terra-ar SA-7 (Strela-2M).  A utilização desta arma pela guerrilha provocou profundas alterações no emprego da aviação e na eficácia das operações aéreas. Aproveitando os efeitos tácticos do míssil, que tiveram reflexos estratégicos, os guerrilheiros lançaram várias operações de grande envergadura e a guerra entrou numa fase muito delicada. Surpreendida, inicialmente, a Força Aérea tomou rapidamente várias contramedidas que reduziram a eficácia do míssil. Que impacto teve, verdadeiramente, na actividade aérea e qual o efeito das contramedidas adoptadas é o que se pretende analisar neste artigo.



(Continuação) (*)

A redução da actividade aérea 


Além da perda de aviões e de pilotos, o míssil afecta também a actividade aérea da FAP. Através da análise dos SITREPS (relatórios de situação) da época verifica-se que a actividade aérea na Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG) sofre uma redução muito acentuada na segunda semana de abril (57% em termos de exploração operacional), embora depois se assista a uma progressiva normalização [26].  Como se pode ver pelo gráfico 1 relativo à exploração operacional, no final do mês de abril, as várias aeronaves da ZACVG atingiram já os níveis de actividade do começo do mês, o que significa que a FAP se adaptou à nova ameaça, embora com uma série de restrições operacionais, como se viu anteriormente. Pelo gráfico podemos ver que a viragem acontece na 3.ª semana de abril, quando as medidas cautelares começam a ser aplicadas.




A Directiva 20/73

As novas normas de voo e as tácticas defensivas adoptadas são então objecto de uma directiva do Comandante-Chefe da Guiné, General António Spínola, que, a 29 de maio, emite a Directiva 20/73, que estabelece definitivamente todos os procedimentos antimíssil a tomar, bem como as normas para os pedidos e acções de apoio aéreo [27].


De uma forma geral, todos os meios aéreos da ZACVG passavam a operar com novos parâmetros de segurança e de voo. Nos procedimentos de voo de carácter geral, todas as aeronaves deviam seguir as seguintes regras:

  • Altitudes de voo – acima de 6 mil pés e abaixo de 200 pés;
  • Entre aquelas altitudes, todas as aeronaves manobram constantemente (mudanças bruscas de rumo e altitude);
  • Todas as subidas e descidas sobre as pistas do interior do TO são executadas em espiral, com inversões frequentes de sentido;
  • As rotas são variadas de modo a que as aeronaves, sempre que possível, não sobrevoem os mesmos pontos, pelo menos dentro de períodos curtos de tempo;
  • Todas as aeronaves actuam, no mínimo, em parelhas.
Heli Alouette II. Bambadinca. c. 1969/71.
Foto de Humberto Reis
Além destas medidas gerais, a directiva estabelecia também medidas de carácter específico, que passavam pelas seguintes restrições:

  • Redução do número de pistas utilizáveis pelos aviões de transporte médio (Noratlas e C-47), além destes terem igualmente limitações na carga transportável;
  • Restrições nas missões de controlo (DCON), com PCV ou PCA (posto de comando volante ou posto de comando aéreo de operações usando DO-27), que ficavam também restringidas tanto pela redução de pistas utilizáveis, como pelo número de descolagens por missão e ainda pela limitação de horas de voo e pela altitude de operação (acima dos 6 mil pés);
  • Alterações nas missões de ataque ao solo, os T-6 deixavam de actuar a este nível ficando estas missões atribuídas apenas aos Fiat G.91, mesmo assim, com limitações nos parâmetros de voo e de ataque;
  • Limitações na utilização de helicópteros, condicionados também nas missões de transporte e evacuação, além de ataque e escolta armada [28].
Em suma, como se admite na própria directiva, a utilização de mísseis terra-ar pela guerrilha tinha provocado profundas alterações no emprego da Força Aérea e na eficácia das operações aéreas.

O impacto do míssil nos diferentes tipos de missões


Através da análise dos SITREPS da ZACVG podemos ver a evolução dos diferentes tipos de missões ao longo de 1973, bem como a actividade operacional da FAP [29]. Para uma melhor compreensão dos gráficos apresentados de seguida e elaborados a partir dos dados disponíveis nos SITREPS, faz-se aqui uma pequena explicação das abreviaturas utilizadas nos mesmos:

  • ATIP – Ataque Independente Preparado;
  • ATIR – Ataque Independente em Reconhecimento;
  • ATAP- Ataque de Apoio Próximo;
  • AESC – Ataque em Escolta;
  • RVIS – Reconhecimento Visual;
  • RFOT – Reconhecimento Fotográfico;
  • TMAN – Transporte de Manobra;
  • TGER – Transportes Gerais;
  • TEVS – Transporte de Evacuação




Começando pelas missões de ataque, podemos observar no gráfico 2 das acções aéreas de ataque, que há alguma quebra em abril e nos três meses seguintes, com excepção de maio, em que se regista um pico de actividade provocado pela crise militar de Guidage e Guileje. De facto, maio é um mês crítico na Guiné com fortes ataques da guerrilha contra estes dois quartéis.

No entanto, como se pode ver pelo gráfico 2, a partir de agosto, as missões de ataque da FAP aumentam de forma visível atingindo níveis superiores aos de Março. Este aumento deve-se, principalmente, ao uso mais intensivo do Fiat G.91 a partir de agosto, que desempenha um papel importante na resposta à guerrilha. De salientar também o pico de actividade em outubro, um mês em que a guerrilha esteve pouco activa.

Convém também referir que, em finais de novembro, o novo Comandante-Chefe da Guiné, General Bettencourt Rodrigues, emite uma nova directiva para o apoio aéreo, que permite algumas excepções às directrizes definidas na Directiva 20/73 de 29 de maio. Nesta nova directiva, os ATAP em G.91 com foguetes e metralhadoras passam a ser possíveis por decisão do Comando da Zona Aérea ou do chefe de formação de voo empenhada, o mesmo acontecendo com as missões ATIR-ATID dos Fiat, o que dá maiores possibilidades de acção aos “Tigres”. De resto, a nova directiva mantém em vigor as orientações definidas em maio [30].

Intetior de um C-47. Foto: cortesia de Wikipedia. Imagem
do domínio público.
Além do Fiat G.91, um C-47 é adaptado para missões de bombardeamento horizontal podendo levar 80 bombas de 15 kg, que são depois atiradas à mão por uma abertura na fuselagem usada habitualmente para instalar máquinas fotográficas. As missões nocturnas do C-47 (conhecido por Flecha de Prata) eram feitas tanto em corredores usados pela guerrilha, como no apoio a aquartelamentos sob flagelação.  Embora fossem missões de bombardeamento de área a 10 000 pés, ou seja, com pouca precisão, tinham um efeito psicológico grande sobre a guerrilha.

No caso das missões de reconhecimento, a quebra é mais significativa e o nível de actividade só recupera de forma manifesta no final do ano, como se pode ver no gráfico seguinte.



As missões RFOT são as mais afectadas, mas, a partir de outubro, o maior empenho de várias aeronaves (G.91, DO-27 e C-47) em RVIS e RFOT faz aumentar o número de missões. No entanto, é evidente a relação causa-efeito entre o míssil e o decréscimo deste tipo de missões. O DO-27 é claramente limitado pelo Strela nas missões RVIS e o C-47 é também desviado para outras missões, embora possa fazer fotografia vertical a 10 mil pés. As missões RFOT a baixa altitude ficam assim, praticamente, só para o Fiat e para objectivos pontuais.



Quanto às missões de transporte no gráfico 4, a quebra é evidente até setembro aumentando a partir daí, embora nunca se alcance o número de acções registado em março. A redução é mais significativa nas missões TGER, importantes no abastecimento das diversas unidades do Exército espalhadas pela colónia. Relativamente às missões TEVS de evacuação de feridos, convém referir que atingem o pico máximo em maio, durante a já referida crise militar que ocorreu nesta altura. Os Alouette III desempenham, neste âmbito, um papel importante com 102 acções TEVS no mês de maio, sendo seguidos pelo DO-27 (87 acções) e pelo Noratlas (26 acções) [31].

No entanto, apesar deste pico de actividade em maio, as unidades mais atacadas pela guerrilha neste período ficam sem evacuação aérea, pois os Alouette III experimentam severas dificuldades em actuar nessas zonas, devido à proximidade entre as forças em confronto, que não permite que as forças portuguesas assegurem pequenas áreas de aterragem para os helicópteros, livres de tiroteio ou da queda de granadas de morteiro. 

Além disso, quando os guerrilheiros detectam a presença dos helicópteros, bombardeiam os quarteis ou as pistas. Os aviões ligeiros como o DO-27 também não podem actuar neste cenário, o que provoca graves dificuldades às unidades atacadas, nomeadamente em Guidage e Guileje, onde a guerrilha efectua ataques de grande magnitude e durante um longo período [32].

O mesmo acontece, em Gadamael Porto, um quartel no sul da Guiné que é fortemente atacado pelo PAIGC, em junho de 1973 e onde os helicópteros ficam impedidos de actuar, devido aos bombardeamentos da artilharia em consequência de, como posteriormente se soube, os guerrilheiros terem montado um posto de regulação de tiro, num local fronteiriço ao aquartelamento, na outra margem do rio Cacine [33]. A utilização de helicópteros é assim interdita na área, obrigando que as evacuações sejam feitas a pé, até ao quartel, e depois de barco, pelo rio Cacine [34].



Desta forma, a Força Aérea vai-se apercebendo de que as missões TEVS, em situações desta natureza, mesmo com a presença de um helicóptero armado, são muito perigosas. A solução passou por aumentar a protecção armada aos helicópteros TEVS que começaram a ter dois Alouette III armados, de escolta (AESC). A análise das missões TEVS e AESC do Alouette III, ao longo de 1973, no gráfico 5, revela que o número de acções de evacuação diminuiu, mas que as acções de escolta aumentaram de forma clara [35].

Por último, podemos analisar a exploração operacional das várias aeronaves da ZACVG, através do gráfico 6. O efeito do míssil é evidente, principalmente, nos aviões de hélice e menos significativo no Alouette III e no Fiat G.91. O caça italiano é mesmo o único meio aéreo que aumenta a sua actividade operacional ao longo do ano em análise. No fundo, a Força Aérea usou mais intensivamente o único meio aéreo que podia representar alguma capacidade de resposta face à ofensiva da guerrilha. No saldo final, todavia, a exploração operacional do GO 1201 ressente-se com o míssil ao longo do ano, ficando sempre abaixo dos níveis de março de 1973.





(Continua)

[Fixação de texto, imagens e links: LG. Temos cerca de meia centena de referências, no nosso blogue, aos mísseis Strela]
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Notas do autor:

[25] Relatório Imediato nº 5641/73/DI/3/SC da DGS sobre o míssil solo-ar Strella-2, 31 de Outubro de 1973, ADN/F3/1/1/1. 

[26] Análise dos SITREPS Circunstanciados n.º 14, 15, 16 e 17/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/SSR.002/87.

[27] Directiva 20/73 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 29 de Maio de 1973, AHM/DIV/2/4/228/2.

[28]  Directiva 20/73 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 29 de Maio de 1973, AHM/DIV/2/4/228/2.

[29] SITREPS circunstanciados do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/SSR.002/87 e 88.

[30] Directiva para o Apoio Aéreo do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 30 de Novembro de 1973, ADN/SGDN/Cx.1666.

[31] Análise dos Sitreps Circunstanciados n.º 18/73 a 22/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/88.

[32]  Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vasquez.

[33] Calheiros, op. cit., p. 535.

[34] Ibidem., p. 542.

[35] SITREPS circunstanciados do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/SSR.002/87 e 88.

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15334: Notas de leitura (773): “Dois Amigos, Dois Destinos”, por José Alvarez, Âncora Editora e DG Edições, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Janeiro de 2015:

Queridos amigos,
Não hesito em dizer-vos que é um romance que merece a vossa atenção, uma trama muito bem urdida. Só lamento que lá bem perto do final o autor se tenha cansado e precipitado os acontecimentos deixando-os na orla da inverosimilhança, tudo, nesse final, tem acordes operáticos, isto quando vem numa larga sequência de episódios trabalhados na base de uma certa realidade histórica, condimentados, como é óbvio, pelo poderio da ficção onde se agitam esplendorosos afetos.
Um estreante a merecer o nosso aplauso.

Um abraço do
Mário


Dois amigos, dois destinos, por José Alvarez (2)

Beja Santos

“Dois amigos, dois destinos”, por José Alvarez, Âncora Editora e DG Edições, 2014, é uma obra de sabor autobiográfico, explora com engenho o drama clássico de uma nobre e fortíssima amizade que prometia desabar num confronto de contra guerrilheiro e guerrilheiro. O autor assenta o travejamento do seu romance histórico em várias gerações, tudo começa em Cabo Verde, depois um menino mestiço que medra na Guiné e vem estudar para Portugal e viverá pungentemente a sua adesão militante que o afastará dos amigos e da mulher amada, tudo se irá passar no contexto da crise académica de 1962. De um lado, Tomás, o amigo que estuda no Técnico e Joana, a universitária apaixonada por Eduardo, o militante do PAIGC que foge de Portugal e se torna assessor de Amílcar Cabral. Há mais protagonistas, a mãe de Joana, o pai de Tomás, que um dia mais tarde estreitarão afetos. Tomás está desencantado com os estudos, oferece-se para a Marinha, parte para a Guiné. Joana dá luz o fruto da sua relação com Eduardo, Eduardo Tomás.

Amílcar Cabral confia a Eduardo uma importante missão: “Terás de percorrer todo o cenário de guerra, a fim de elaborares um quadro com os efetivos das tropas portuguesas, respetivos locais de aquartelamento e, se possível, as suas deslocações sistemáticas. Essas informações ser-nos-ão preciosas para que a nossa direção militar atue segundo um plano global”. Eduardo começa por falhar a missão que é incumbido em chão Felupe, mas não desanima. Ainda em Lisboa, começa a dar-se um desenvolvimento afetivo entre Joana e Eduardo.

Estamos na Guiné, em 1969, Tomás foi colocado numa lancha de fiscalização pequena, a F 1151, aqui encontrou com imenso agrado o seu adversário direto da equipa de râguebi da Agronomia, Manuel Lima. Entretanto, Eduardo dá conta da sua missão, cruzou vezes sem conta os trilhos e as picadas da Guiné, atravessou todos os cursos de água em canoas. “Espiara dúzias de aquartelamentos da tropa portuguesa, perdidos na mata, recolhera informações dos movimentos militares, estudara o trânsito fluvial, conhecera as horas de patrulhamento das unidades da Marinha portuguesa”. Eduardo fizera-se homem, cedo se apercebeu da existência de tensões entre cabo-verdianos e guineenses. A lancha portuguesa está sempre em movimento, o autor descreve os contactos dos marinheiros com a tropa na quadrícula, em Empada. O encontro entre Nino Vieira e Eduardo ficou muito longe do cordial. A base do PAIGC fica em Sare Tuto, Eduardo é integrado no pelotão de Salin Bari, uma relação que vem desde a Casa dos Estudantes do Império, há para ali rancores velhos, Salin “rachara” na PIDE. Prepara-se um grande ataque a Buba, a lancha de fiscalização percorre o rio à procura de indícios dos guerrilheiros. O autor pincela a atmosfera de tensão que paira em Buba, sabe capturar o leitor. A professora primária, Lara, informa Nino sobre o que se passa em Buba, este esboça um plano que leva ao rapto de um alferes, destinado a diminuir o moral das tropas portuguesas. Enquanto isto se passa, os fuzileiros detetam uma cambança do IN na foz do rio Sahol, a jusante de Buba, apreendem muito material e uma canoa com o motor fora de bordo, mais um prisioneiro. Como nos dramas clássicos, a aproximação física de Eduardo e Tomás é cada vez maior. O plano para sequestrar o alferes português é bem-sucedido. Os fuzileiros interrogam Lar, ela é suspeita de passar informações, nisto explode o grande ataque a Buba. E os fuzileiros partem à procura do IN, vão a caminho de Sare Tuto, é a vez de Tomás ser capturado, aqui enfrenta Eduardo que prepara um plano para libertar o seu grande amigo. Os acontecimentos precipitam-se, a ação é descrita vertiginosamente, Tomás recupera no Comando de Defesa Marítima da Guiné onde conversa com Alpoim Calvão, conta-lhe a verdade dos acontecimentos. O bi-grupo comandado por Salin Bari fica numa total confusão após aquela estranhíssima fuga de Tomás. Mais furioso fica Nino Vieira, Eduardo é acusado de traição. Enquanto aguarda a sua transferência para prisão em Conacri, Amílcar Cabral vem visitá-lo, e veio a grande confissão: “Pode ter a certeza que nunca o trairia; por isso lhe conto a verdade, ainda que ela me seja fatal. Esse tenente português era o meu melhor amigo. A ele devo a libertação da prisão do Aljube e a fuga do país. É como se se tratasse de um irmão. Quando dei conta que o tinha prisioneiro no grupo de combate, encontrei-me perante o dramático dilema: entregá-lo e não trair a causa ou libertá-lo traindo. Pesei as duas situações e a amizade foi o que mais pesou”.

Chegou a hora da Operação Mar Verde, assim quer o destino que Tomás vá até La Montagne, em Conacri, onde Eduardo se encontra numa situação deplorável e no ponto mais baixo do desalento. Os amigos reencontram-se, Eduardo relembra a Tomás que não tem para onde ir, em Portugal será sempre um terrorista e ali é um prisioneiro de guerra. Fala-lhe no filho que está em Lisboa, Eduardo é transportado, chegara a hora da retirada, mas antes de chegarem à embarcação há uma flagelação em que Eduardo fica moribundo e depois morre. O epílogo da obra decorre no estado universitário, Eduardo Tomás é um vitorioso e há para li dois casais felizes, Tomás e Joana, José e Maria João. Final feliz.

Estamos diante de um romance histórico raro, há muita investigação, preocupação no desenho dos retratos e dos ambientes. Mas fica-se com um sabor de deceção na medida em que o autor a certa altura se cansou do que estava a escrever, começou a acelerar e a fuga de Tomás roça o inverosímil, faltou aqui o expediente alquímico que podia ter transformado este romance numa obra inexpugnável, vencido que fora o desafio de encontrar uma arquitetura que superasse o convencional drama clássico do confronto entre dois grandes amigos. A despeito desta fragilidade, estamos perante um livro que é referencial: pela pesquisa de laboratório, pela força dos sentimentos, pelo pendor luminoso da sua mensagem. Por tudo isso, “Dois amigos, dois destinos” é obra coroada da literatura luso-guineense, um passo seguro para o melhor conhecimento de povos irmãos.
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Nota do editor

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