quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15351: Tabanca Grande (476): Carlos Valente, ex-1.º Cabo do Pel Mort 2005 (Guiné, 1968/69), 705.º Grã-Tabanqueiro

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Carlos Valente (ex-1.º Cabo do Pel Mort 2005, Bafatá, 1968/69), com data de 29 de Novembro de 2015:

Camarada Carlos Vinhal:
Obrigado por contactar-se comigo e poder assim reviver memórias de outros tempos, nem todas boas, mas também nem todas más.
Aqui vai uma historia das muitas que todos temos.

Que bom seria saber alguma coisa de velhos camaradas. O nosso Pelotão (Pelotão de Morteiros 2005), composto de 48 homens (1 Alferes, 1 Sargento e 2 Furriéis) embarcou no Uíge em Lisboa no dia 10 de Janeiro de 1968, com destino a Bafatá.

O nosso Pelotão era independente e estava dividido em Esquadras compostas por um cabo e dois municiadores que ofereciam apoio aos vários destacamentos, tais como: Banjara, Cambajú, Sumbundo, Sare Ganá, Cantacunda e Sare Banda, que rodavam a cada dois meses, regressando a Bafatá.



Ao chegar a Bafatá, logo no primeiro dia, a minha Esquadra (eu, o André - rapaz de Alcobaça - e o Gaspar) fomos destacados para Banjara com as seguintes indicações do nosso Alferes Piçarra:
- Quando chegares a Banjara tens que ver as condições do armamento e das munições. Se por acaso uma das granadas não sair, diriges-te ao Alferes do pelotão (Pelotão de Atiradores da Companhia de Geba), já que ele tem um Furriel especializado em minas e armadilhas que se encarregará de tirar a granada do morteiro.

Lá fomos e quando chegámos  fizemos o que nos mandou o Alferes Piçarra. Experimentámos um morteiro de 81 com uma granada de grande potência, e tivemos má sorte, a maldita não saiu, um problema geralmente causado pela humidade no cartuxo da granada.

Dirigi-me ao Alferes e expliquei-lhe a situação. Este desentendeu-se do problema e não quis envolver ninguém no assunto. Perante esta resposta tive eu que resolver o problema.

Eu tinha sido treinado, no Batalhão de Caçadores 10 em Chaves, para desenrascar casos como este, mas nunca esperava ter que o resolver. Eu estava bem consciente de que esta operação era perigosa, mas quando reparei que o Pelotão de Atiradores da Companhia de Geba, ao ver-me a mim e ao André resolvidos a desalojar a granada do morteiro, começarem a distanciar-se a uns duzentos metros do morteiro e a esconderem-se por detrás das árvores, é que eu vi que o caso era mais complicado do que imaginava. Certamente pensavam: “Estes periquitos vão já voar”.
Graças a Deus, e ao treino que recebi, conseguimos desarmar o morteiro.


Ironicamente, o mesmo Pelotão de Atiradores da Companhia de Geba, que se salvou da nossa intervenção, não teve a mesma sorte em Cantacunda em Abril de 1968(1), estando eu e a minha Esquadra em Sare Ganá. Parte deste Pelotão foi capturado pelos “turras”, salvando-se só 5 o 6 que conseguiram fugir do quartel. O ataque, e as explosões de morteiro, ouviam-se no destacamento de Sare Ganá. Quando chegámos a Cantacunda a cena que encontrámos foi triste.
Esta é uma historia para outro dia.

Os prisioneiros estiveram em Conacri (República ex-francesa, ao sul da Guiné), e só dois anos depois, em 1970, é que foram resgatados.

(Clicar nas imagens para mais fácil leitura)

Fico hoje por aqui amigo, as fotos seguem.
Qualquer pergunta, estou às ordens.

Um abraço,
Carlos Valente
1.º Cabo do Pelotão de Morteiros 2005
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Nota do editor:

(1) - Vd. poste do nosso camarada Marques Lopes, ex-Alf Mil da CART 1690:

Guiné 63/74 - P21: O ataque e assalto do IN ao destacamento de Cantacunda (1968) (Marques Lopes)

"No dia 10 do corrente cerca das 00H00, o destacamento de Cantancunda foi atacado por numeroso grupo IN."
 

"Devido à hora a que o ataque foi realizado, a guarnição do destacamento encontrava-se quase toda a dormir na caserna. Devido à configuração do terreno (do lado Norte do destacamento existe uma floresta que dista, no máximo de 5 metros do arame farpado; do lado Poente essa floresta prolonga-se e verifica-se que havia 2 aberturas no arame farpado: uma que durante a noite era fechada com um cavalo de frisa, outra que devido às obras e construção da pista de aterragem se encontrava aberta; do lado Sul existia a tabanca cujas moranças confinavam com o arame farpado; do lado Nascente existe uma bolanha), e devido também à falta de iluminação exterior, o IN pôde aproximar-se do arame farpado sem ser detectado pelas sentinelas e abrir fogo com bazookas e lança rocketes sobre a caserna, tendo em seguida atacado pelos lados Norte, Poente e Sul: pelo lado Norte o IN atirou com troncos de árvores para cima do arame farpado tendo em seguida ultrapassado o mesmo; do lado Poente afastou o cavalo de frisa e penetrou por essa abertura, e pelo lado da pista; pelo lado Sul infiltrou-se pelas tabancas que queimou e em seguida penetrou no aquartelamento."
 

"Devido à simultaneidade com que os movimentos foram efectuados (os mesmos foram comandados do exterior por apitos), verificou-se que as NT não puderam atingir os abrigos e foram surpreendidos no meio da parada. Note-se, contudo, que alguns elementos das NT ainda conseguiram atingir os abrigos (por exemplo os 1°s. Cabos Esteves E Coutinho e os Soldados Areia e Aguiar, tendo este último sido morto no local e os restantes conseguido escapar)."

"Devido ao numeroso grupo IN não foi possível contudo organizar uma defesa eficaz pelo que as NT foram obrigadas a abandonar o destacamento. No entanto só 9 elementos é que conseguiram escapar, tendo 11 desaparecido (provavelmente feitos prisioneiros) e 1 morto."


"Possíveis causas do insucesso das NT:
- O poder de fogo do IN;
- O grande numero de elementos que constituíam o grupo IN;
- A violência com que o ataque foi desencadeado;
- A pontaria certeira do grupo IN, que acertou os primeiros disparos na caserna das NT;
- O comando eficaz do grupo IN;
- A falta de iluminação existente no destacamento;
- Possível insuficiência de abrigos;
- As proximidades da mata do arame farpado;
- As proximidades da tabanca do arame farpado;
- O reduzido efectivo das NT;
- Possível abrandamento das condições de segurança;
- Longa distância deste destacamento à Sede da Companhia (cerca de 50 kms)"

[...] 

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2. Comentário do editor:

Caro amigo Carlos, bem-vindo à nossa Tabanca.
Muitos parabéns porque és o primeiro combatente do Pel Mort 2005 a juntar-se a esta comunidade de combatentes da Guiné, que nesta tertúlia têm a nobre missão de deixar um registo de memórias escritas e em imagens, tendo estas a forma de fotografias ou documentos da época, já desclassificados, que ficarão a fazer parte de um espólio público, acessível a outros camaradas, estudiosos, etc.

Estás desde já ciente da tua responsabilidade enquanto elemento único da tua Unidade. Fotos que guardes, memórias quase esquecidas, é o que esperamos de ti para melhor conhecermos o percurso do Pel Mort 2005 por terras da Guiné.

Estamos ao teu dispor para qualquer dificuldade ou dúvida.

Para acabar, fica aqui um abraço da tertúlia e dos editores deste Blogue, com a certeza de que a partir de hoje estás mais rico, porque aderiste a um grupo de amigos que está disposto a ouvir-te e a partilhar aquela amizade que só os combatentes da Guiné sentem uns pelos outros.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15287: Tabanca Grande (475): Armando Ferreira, ex-Fur Mil Cav da CCAV 8353 (Cumeré, Bula e Pete, 1973/74)

Guiné 63/74 - P15350: Ser solidário (188): Parabéns, Bambadinca!... Serviço Comunitário de Energia de Bambadinca (SCEB) que conta com a minirrede híbrida mais ampla do mundo: notícia e vídeo (Belarmino Sardinha)





Sinopse: 

A inauguração do Serviço Comunitário de Energia de Bambadinca (SCEB), que conta com a minirrede híbrida mais ampla do mundo, decorreu no dia 4 de Março de 2015 com a participação do Primeiro-Ministro e de outros membros do Governo da Guiné-Bissau, bem como do Embaixador da União Europeia em Bissau e do Comissário da CEDEAO para Energia e Minas.

O SCEB permite aos 8 mil habitantes de Bambadinca ultrapassar os constrangimentos no acesso à electricidade, beneficiando de um abastecimento permanente de energia renovável, garantido por uma inovadora central fotovoltaica híbrida de 312 kW de potência.


Sobre a promotora do vídeo:

TESE - Associação para o Desenvolvimento: é uma ONGD criada em 2002, que foca a sua intervenção numa abordagem positiva e inovadora, encontrando nas necessidades sociais oportunidades para atuar.

Sede: Av. do Brasil 155 A | 1700-067 Lisboa
Contactos: (+351) 213 868 404 | info@tese.org.pt | http://tese.org.pt


1. Mensagem, com data de ontem, do nosso amigo e camarada Belarmino Sardinha [ (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74; trabalhou na Sociedade Portuguesa de Autores; vive hoje no Cadaval]:


Luís e Carlos,

Através de um antigo companheiro de trabalho e amigo, chegou-me a informação de uma central fotovoltaica em Bambadinca. Julgo interessante, e não tendo visto no blogue nenhuma referência à mesma, admito que poderá ter sido por desatenção minha, parece-me tratar-se de matéria com interesse e envio o endereço do vídeo [, reproduzido acima].


Posso acrescentar que a esposa deste meu amigo viveu na Guiné durante os anos de guerra, o seu pai era militar, andou na escola primária em Gabú.

Vem tudo isto a propósito porque um dos elementos da equipa que integrou o projecto é filho deste casal, não sei se não será o responsável, é engeheiro e a sua especialidade é a energia fotovoltaica, mas não tive ainda tempo nem vi interesse em aprofundar.

Tenho feito tentativas no sentido de colaborarem com o blogue, parece-me haver agora essa disposição, esperemos, pois regressaram recentemente da Guiné-Bissau, onde estiveram em gozo de férias e têm imensas fotos de vários locais.

Um abraço,
BS

2. Resposta do editor LG:

Ótimo, Belarmino, mantemos sempre uma especial relação de carinho pelos sítios da Guiné onde vivemos durante a comissão ou parte da comissão. É o caso de Bambadinca, onde alguns de nós, membros da Tabanca Grandem  estiveram e dela guardam boas recordações.

Por acaso essa central híbrida fotovoltaica, de base comunitária, já aqui foi referida no nosso blogue em março passado, no poste P14322 [, clicar aqui].

Mas saúdo a tua louvável iniciativa, vamos publicar o teu texto. Diz aos teus amigos que serão bem vindos à nossa Tabanca Grande e esperamos,  com interesse e apreço, as notícias que eles trouxeram dessa terra verde e vermelha que nos une a todos, portugueses e guineenses, de ontem e de hoje.

Um abraço fraterno do Luís

PS - No passado dia 4 de março de 2015, ouvi a notícia da inauguração, através da Antena 1 e deixei este apontamento no blogue:

(...) "Com um clique e faz-se luz por Bambadinca!", relata Sara Dourado, uma "portuguesa no mundo", em entrevista à Antena 1, a 'minha rádio'. Por ela fico a saber do trabalho da ONGD TESE e do projeto-piloto, na Guiné-Bissau, de uma central híbrida fotovoltaica em vias de ser inaugurada, e e pssar a fornecer eletricidade a 6 ou 8 mil pessoas, em Bambadinca...

Hoje, de manhã, na 2ª circular, a caminho do trabalho, ouvi deliciado esta entrevista com esta portuguesa que se deixou encontar pela gente boa de Bambadinca (de maioria mandinga e fula, com núcleos balantas)... Oito mil habitantes, quatro ou cinco vezes mais do que há 45 anos, no meu tempo!

É trabalho de seis anos, se bem percebi, trabalho de gente solidária, muito jovem e qualificada, para quem vão as nossas palmas!... Hoje gostava de estar em Bambadinca para ser testemunha da felicidade dos seus habitantes!... Mesmo não falando, a maior parte, em português (, o que é pena!), é uma delícia ouvi-los em crioulo e ler a felicidade estampada no seu rosto!... Não é preciso muito para os seres humanos serem felizes, na Guiné-Bissau... Basta que sejam donos do seu destino e possam participar na resolução de problemas e na tomada de decisão, relevantes para a melhoria das suas vidas !... Vou querer saber mais sobre o trabalho desta ONGD TESE - Sem Fronteiras" (...)


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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15068: Ser solidário (188): Conseguimos! Campanha de "crowdfunding" completada com sucesso!.. Dinheiro (c. 2 mil euros) para investir em material para a escola e o hospital de Cumura (João Martel e Ana Maria Gala)

Guiné 63/74 - P15349: História do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (António Duarte): Parte XXVII: Alguns números sobre a atividade operacional e a ação psicossocial: 32 mortos (IN), 4 prisioneiros, 113 moranças e 8 toneladas de arroz destruidas ao IN; 132 elementos pop recuperados, 1 mesquita e 9 escolas construídas, 4 reordenamentos iniciados, 2 tabancas reocupadas...


Mapa referente à distribuição geográfica inicial do contingente do BART 3873 (1972/74), na zona leste,  setor L1: Bambadinca (comando e CCS), Xime e Enxalé (CART 3494),  Mansambo (CART 3493) e Xitole (CART 3492).  Detalhe da carta da província da Guiné, escala 1/500 mil (1961)

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015).

1. Continuação da publicação da História do BART 3873 (que esteve colocado na zona leste, no Setor L1, Bambadinca, 1972/74), a partir de cópia digitalizada da História da Unidade, em formato pdf, gentilmente disponibilizada pelo António Duarte (*)

[foto atual à esquerda: António Duarte, ex-fur mil da CART 3493, a Companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e onde esteve em rendição individual até março de 1974); economista, bancário reformado, formador, com larga experiência em Angola; foto atual à esquerda].


Da História do BART 3873, publicam-se as duas últimas páginas, correspondentes ao "Último fascículo", que sucede ao capítulo III (Baixas, punições, louvores, condecorações, 21 pp.).

Alguns números sobre a atividade operacional e a ação psicossocial do batalhão: por exemplo, 32  baixas mortais provocadas à guerrilha (mortos confirmados) e 4 prisioneiros; 113 moranças e 8 toneladas de arroz destruídas ao IN; 132 elementos pop recuperados; 1 mesquita e  9 escolas construídas, 4 reordenamentos iniciados, 2 tabancas reocupadas...

O batalhão teve vários baixas mortais (incluindo por acidente), mas apenas duas em combate, é o que se conclui desta súmula... É de destacar, a existênciam em Bambadinca, do Centro de Instrução de Milícias (CIMIL), que funcionavam com  4 turnos anuais, e cada turno com 3 a 4 pelotões de milícias... Três desses pelotões destinaram-se ao setor L1.







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terça-feira, 10 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15348: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (28): De 01 a 7 de Abril de 1974

1. Em mensagem do dia 8 de Novembro de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a 28.ª página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

28 - De 1 a 7 de Abril de 1974

Quando nos parecia que o mês anterior seria inultrapassável em intensidade de emoções, com empolgamentos e apreensões, surge-nos um Abril ainda mais emotivo, com factos marcantes e históricos a par de uma actividade operacional exigente e sensível.

Um dos acontecimentos locais mais importantes foi, por certo, o encontro das duas frentes de trabalho da estrada Aldeia Formosa-Buba, ainda que demorasse a ficar transitável em pleno devido à useira falta de alcatrão. Acho que todos vivemos este momento como se fôssemos co-autores da obra, pelo acompanhamento e protecção permanentes desde o início da desmatação, com muito empenho, dedicação e, diga-se, com muito risco.

Como suspeitávamos e temíamos, a actividade da guerrilha recrudesceu, tentando-nos estragar a obra e sua prossecução. Levaram a cabo várias acções e tentaram outras que a nossa tropa frustrou. Tanto apareciam na estrada entre Nhala e Buba como, do outro lado, entre Nhala e Mampatá, tendo conseguido sabotar a estrada uma vez, cortando-a, e emboscarem-nos pelo menos uma vez e tentando outras. Daí que se vivesse uma certa intranquilidade, sobretudo quando tínhamos que dormir no mato mesmo em cima do “carreiro” de Uane, em protecção às máquinas ali recolhidas, por estarem muito afastadas dos aquartelamentos.

Abril seria também o mês das visitas ao Sector, dos mais diversos comandantes incluindo o Comandante-Chefe, General Bettencourt Rodrigues.

Como é evidente, a nível local e nacional, o acontecimento do mês e do ano, (de 1974 e dos seguintes), foi, sem dúvida, a Revolução de Abril, que pôs fim a uma ditadura velha de muitos anos. Sob o efeito da surpresa, a maioria, creio, não teve a percepção plena do alcance do acontecimento e, ainda no desconhecimento das intenções de quem o promovia, tomando o poder, apenas acalentou a esperança de que acabasse a guerra para poder regressar a casa.

 Os mais esclarecidos, poucos, perceberam que uma revolução assim, com tais protagonistas, só podia ser de consequências irreversíveis para a guerra colonial, sendo eles, os protagonistas, parte interveniente nessa guerra e, esta, porventura a maior chaga nacional à época. Mas, como poucas coisas são assim tão singelas e lineares, (apenas a preto e branco, não é?), muito tempo passaria até que o caldo estabilizasse e se começassem a reconhecer os ingredientes. 

Logo, os efeitos do 25 de Abril no terreno não foram imediatos, longe disso, e trouxeram incertezas, ansiedades e situações ambíguas, assim como a penosa busca de soluções para problemas novos e muito sensíveis. Alguns nunca completamente resolvidos, como a segurança e a vida dos guineenses que combateram ao nosso lado. 

Esta foi a minha leitura pessoal e superficial na época, apenas corrigida pontualmente, mais tarde, pela posse de dados que, então, eram quase nulos. Para a maioria, nunca tive dúvidas, indiferentes às consequências políticas (ou que nem sequer descortinavam), a grande alegria que lhes trouxe a revolução foi pensarem que, se escapei até agora, com o fim da guerra irei para casa de certeza. Como se sabe, isso não foi assim para todos, infelizmente.


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

(...)

ABR74/02 – O Exm.º Comandante Militar Brig. BANAZOL, acompanhado do seu Chefe do Estado-Maior, Coronel VAZ; Comandante do BENG, Ten-Coronel Maia e Costa; Comandante da Companhia de Engenharia, Cap. Branquinho e Ajudante de Campo do Exm.º Comandante Militar, visitaram A. FORMOSA. Após um briefing no Gabinete de Operações, e acompanhados pelo Comandante e 2.º Comandante do Batalhão, visitaram o aquartelamento de A. FORMOSA, onde apreciaram as obras em curso, assim como posteriormente se deslocaram à frente de estradas. Quando do regresso ao aquartelamento o Exm.º Comandante Militar reuniu-se com os Oficiais e Sargentos presentes na Unidade a quem dirigiu algumas palavras, regressando seguidamente a BISSAU.

(...)

ABR74/07 – Pelas 11h30 os dois Destacamentos de Engenharia uniram as duas frentes da estrada, com grande regozijo de todo o pessoal, que manifestaram uma grande alegria pelo facto.
O Exm.º Comandante deslocou-se à frente de estradas a fim de observar o local de união das duas frentes.


Das minhas memórias:

7 de Abril de 1974 (domingo) - A estrada: os trabalhos e a união das frentes de trabalho numa selecção de algumas fotografias, sem grandes pretensões mas tentando mostrar um pouco da azáfama da Engenharia no local.

Foto 1 - 1974, Abril - Frente de trabalhos da estrada Aldeia Formosa-Buba, troço de Nhala-Mampatá. Uns dias depois, ao fundo, há-de surgir a frente que vem de Mampatá, unindo-se as duas. 

Foto 2 - 1974-04-07 - Frente de trabalhos: Elementos do meu 4.º GComb/2.ª CCAÇ/BCAÇ4513, fazem a picagem a caminho da frente de trabalhos que avança na direcção de Mampatá. 

Foto 3 - 1974-04-07 - Frente de trabalhos: Chegada do GComb à frente de trabalhos. Ao fundo vê-se uma pequena zona de luz na mata escura. É a frente de trabalhos oposta e já próxima, lado de Mampatá. 

Foto 4 - 1974-04-07 - Frente de trabalhos em actividade plena. A frente oposta é agora mais visível ao fundo à direita.

Foto 5 - 1974-04-07 - Frente de trabalhos: Através da galeria ao centro, vê-se claramente o seguimento da estrada para Mampatá. 

Foto 6 - 1974-04-07 - Frente de trabalhos: Com grande perícia, o operador da máquina sacode a palmeira e derruba-a. 

Foto 7 - 1974-04-07 - Frente de trabalhos: A palmeira é enfiada pela mata dentro. 

Foto 8 - 1974-04-07 - Frente de trabalhos: Imagem colhida na frente de trabalhos de Mampatá, vendo-se o seguimento da estrada para Nhala. Uma pequena fileira de árvores separa as duas frentes.

Foto 9 - 1974-04-07 - Frente de trabalhos: O derrube das últimas árvores. 

Foto 10 - 1974-04-07 - Frente de trabalhos: Concluída a ligação das duas frentes de trabalho e a jornada do dia, as máquinas recolhem a lugar seguro. Está feita a ligação Aldeia Formosa-Buba em termos de desmatação. Algures do lado de Nhala (e de Mampatá, creio), avança a construção da sub-base, base e alcatroamento da estrada.

(Continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

Poste anterior da série de 3 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15320: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (27): De 01 a 31 de Março de 1974

Guiné 63/74 - P15347: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte XVII: Bambadinca, um quartel onde há homens, bichos e flores...



Foto nº 1 > Bambadinca, tabanca, vista do depósito de água do quartel: lado norte / nordeste: tabanca, estrada para o rio Geba Estreito e picada de Finete/Missirá e acesso, à direita,  à estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá


 Foto nº 2 > Bambadinca, depósito de água que abastecia o quartel, e instalações civis (o posto administrativo, a casa do chefe de posto, a escola, a casa da professora, a capela, etc.)... A tabanca tinha um fontenário... Havia outra tabanca, do lado sul, Bambadincazinho, um reordenamento


Foto nº 3 > Bambadinca,o refeitório das praças (1):  ao fundo, o Jaime Machado que estava de oficial de dia


Foto nº 3A > Bambadinca,o refeitório das praças (2)


Foto nº 4 > Bambadinca, escola e centro da parada, pau da bandeira e monumentos evocativos das várias unidades e subunidades que estiveram aqui sediadas (antes de 1968/70): 


Foto nº 5 >  Bambadinca, o Jaime Machado, "visto de cima"...


Foto nº 6 > Bambadinca, um papagaio (não sei de que espécie nem a quem pertencia)...


Foto nº 7 > Bambadinca, flores (1)


Foto nº 8Foto nº 7 > Bambadinca, flores (2)


Foto nº 9 > Bambadinca, o Jaime Machado nas proximidades do quartel... Parece-nos ser  Bambadincazinho a tabanca, por detrás... Não, diz o Jaime, é Ponta Brandão, uma "ponta" (exploração agrícola, com destilaria de cana de açúcar) que ficava nas imediações de Bambadinca, a caminho de Bafatá, na margem esquerda do Rio Geba Estreito...


Foto nº 10 A > Bambadinca > s/d (c. 1968/69) > c, fevereiro de 1970 > Aspeto parcial do quartel de Bambadinca,  visto do lado sudoeste... Porta de armas, posto de vigia, e à direita o edifício do comando, instalações de oficiais e sargentos... O aquartelamento (e posto administrativo) ficava num promontório, sobranceiro à grande bolanha de Bambadinca (à direita).


Foto nº 10 A >  Bambadinca > c. fevereiro de 1970 > Aspeto parcial do quartel de Bambadinca,  visto do lado sudoeste... Porta de armas, posto de vigia, e à direita o edifício do comando, instalações de oficiais e sargentos... O aquartelamento (e posto administrativo) ficava num promontório, sobranceiro à grande bolanha de Bambadinca (à direita).


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > BCAÇ 2852 (1968/70) > Pel Rec Daimler 2046 (1968/1970) > s/d >

Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição  e legendagem complementar: LG]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, maio de 1968 / fevereiro de 1970, ao tempo dos BART 1904 e BCAÇ 2852) (*).  

Estas imagens, de um lote de mais de centena e meia, resultam da digitalização de "slides" do autor.  Obrigado ao Jaime por as querer partilhar connosco, e dando com isso um bom exemplo a muitos camaradas da Guiné que têm, no fundo dos baús, dezenas e dezenas,  senão centenas e centenas, de "diapositivos" que se estão a deteriorar com o tempo e que um dia irão parar, infelizmente,  ao caixote do lixo...

[foto acima, atual:  o Jaime Machado, que  reside em Senhora da Hora, Matosinhos; a sua avó paterna era moçambicana; mantém com a Guiné-Bissau uma forte relação afetiva e de solidariedade, através do Lions Clube; voltou à Guine-Bissau em 2010]




Guiné > Zona leste > Bambadinca, a porta do leste > Carta de Bambadinca > Escala 1/50 mil (1955) > Detalhe, posição relativa de Bambadinca, posto administrativo do concelho de Bafatá, com as várias direções: a norte,o regulado do Cuor (Finete e Missirá, Fá Mandinga); a nordeste, Bafatá; a sul, Mansambo, Xitole, Saltinho; a sudoeste, Xime; a oeste, Enchalé, Portogole...  A única zona a que ainda não tinha chegado a guerra era a leste e imediatamente a sul de Bambadinca, abrangendo o regulado de Badora... Todos os outros regulados (Enxalé e Cuor, a norte do Geba), Xime e Corubal (a sul) estavam em guerra...

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)

2. Mensagem (posterior) do Jaime Machado:

Caro Luis, obrigado por tamanha deferência.

Às legendas destas fotos pouco posso acrescentar. Não as tenho datadas.

Posso apenas acescentar que na foto 3 e 3A estava de ofical de dia com braçadeira junto à porta do refeitório.
As fotos das flores (7 e 8 ) foram tiradas no quartel.

Foto 9,  diz Ponta Brandão.
As duas últimas fotos julgo que foram tiradas quando saíamos para o Xime,  rumo a casa . Se assim for terão sido tiradas em fevereiro de 1970 [, ao tempo do BCAÇ 2852, 1968/70].

Um grande abraço, Jaime.

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Guiné 63/74 - P15346: Parabéns a você (984): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2790 (Guiné, 1970/72) e Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Esp da CART 3494 (Guiné, 1971/74)


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Nota do editor

Último poste da série > 9 de novembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15342: Parabéns a você (983): António da Costa Maria, ex-Fur Mil Cav do Esq Rec Fox 2640 (Guiné, 1969/71) e Ernesto Ribeiro, ex-1.º Cabo At Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15345: Agenda cultural (434): espectáculo musical solidário, "Vida, Memória, Cidadania", promovido pela ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas, Lisboa, dia 13, 6ª feira, às 21h, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa




1. Cartaz e mensagem da ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas:


Participa na construção da história da Associação!

O teu contributo é importante para a preparação do Livro dos 40 anos da ADFA!

Com o patrocínio da Fundação Montepio, a ADFA vai realizar um espetáculo musical solidário intitulado “Vida, Memória, Cidadania”, que decorrerá no próximo dia 13 de Novembro, às 21h00, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, na Alameda da Universidade.

Este evento cultural, para além da angariação de fundos para o livro dos 40 anos da ADFA, constituirá, também, um momento de afirmação solidária e de cidadania da ADFA e dos Deficientes Militares que, passados mais de 40 anos sobre o fim da Guerra Colonial, continuam ativos e empenhados na preservação das memórias e dos valores que abraçamos desde 14 de maio de 1974.

O espetáculo está a ser divulgado nas Redes Sociais e Media, especialmente na RDP e RTP.

O ingresso para este espetáculo terá o custo de 10,00 euros, estando os bilhetes à venda na Ticketline, FNAC, Worten, Sede Nacional e Delegações, adiantando-se que os associados mediante a apresentação do bilhete terão um desconto de 30% na aquisição do Livro dos 40 Anos da ADFA, a publicar.

Na ADFA, os ingressos deverão ser solicitados à colaboradora da Sede Nacional, Sónia Cerejo, através do telefone- 217 512 638.

Vem participar com a tua família!

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Nota do editor:


Último poste da série > 9 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15344: Agenda cultural (433): lançamento do livro de Joana Ruas, "Os Timorenses: 1973-1980", da Sextante Editora: Lisboa, 11 de novembro, 4ª feira, às 18h00, no auditório da Fundaçãio Mário Soares

Guiné 63/74 - P15344: Agenda cultural (433): lançamento do livro de Joana Ruas, "Os Timorenses: 1973-1980", da Sextante Editora: Lisboa, 11 de novembro, 4ª feira, às 18h00, no auditório da Fundaçãio Mário Soares




Convite que nos foi enviado pessoalmente pela autora, Joana Ruas


Título: Os Timorenses – 1973-1980
Autor: Joana Ruas
Editora: Sextante (Grupo Editora)
Local: Lisboa
Ano: 2015
Págs.: 616
PVP: € 19,90


Sinopse: 40 anos depois da independência e da invasão indonésia, Joana Ruas apresenta a História de Timor como nunca a conheceu. Aos factos e aos protagonistas reais de Os Timorenses – 1973 - 1980, a autora acrescentou uma brilhante ficção histórica.

Em 1975 Timor preparava-se para ser independente e uma grande nação, mas a invasão pela Indonésia adiou esse sonho e foram vários os anos de luta e pobreza. É precisamente sobre esse período, e o que o antecedeu, que se debruça Os Timorenses – 1973-1980, o mais recente livro de Joana Ruas, que a Sextante Editora  acaba de publicar.

Para além de todos os dados, documentos e imagens incluídos no livro – fruto de uma exaustiva pesquisa – a autora acrescentou uma história ficcionada que acompanha toda a componente documental, fazendo desta uma obra única e essencial sobre Timor contemporâneo, desde o período que precede o 25 de Abril e a primeira independência até à invasão indonésia.

Desde os anos 60 ligada a Timor, Joana Ruas tem vindo a dedicar grande parte da sua investigação e escrita à História do país. Este novo livro insere--se na série A Pedra e a Folha, que conta já com dois livros, que se debruçam sobre os anos 1870 a 1910 e sobre a ocupação japonesa.

Este romance é sobre um processo histórico único no mundo e uma das mais solitárias guerras de libertação nacional. Neste período, a FRETILIN travou contra o invasor indonésio uma guerra de independência e uma guerra social numa metade de uma ilha isolada do resto do mundo pelo invasor e sem qualquer espécie de retaguarda para se refugiar ou para se abastecer. Na sua terra invadida, a pátria estava na presença social, física e sentimental dos seus guerrilheiros liderados por Nicolau Lobato. Os homens e mulheres das FALINTIL deixaram de existir no presente para se continuar no futuro. Eram homens e mulheres de coração poderoso cujos olhos pareciam olhar para o fundo do futuro, homens e mulheres que permaneciam livres mesmo na prisão e que mesmo nus morriam de pé.

O testemunho dos sobreviventes desta etapa, que vai de 1973 a 1980, repõe a memória concreta dos episódios então vividos pela nação timorense mas nada nos é revelado da vida dos seus heróis e heroínas. Até à restauração da independência a 20 de Maio de 2002, a morte é a paisagem que absorve os elementos humanos e a vida material dos seus guerrilheiros e de toda a nação. O que impressionou vivamente a escritora Joana Ruas foi essa experiência ao mesmo tempo religiosa e laica que através do cimento do seu sonho de liberdade coletiva, da sua fé e da força da linguagem venceu a angústia da morte e a certeza da destruição.


A autora

Joana Ruas nasceu, em 1945,  na Quinta do Pinheiro em Freches, no distrito da Guarda. Trabalhou como jornalista cultural e tradutora na Radiodifusão Portuguesa e no jornal Nô Pintcha da República da Guiné-Bissau. Participou na causa da Libertação do Povo de Timor-Leste, tendo feito várias conferências sobre a Língua Portuguesa em Timor-Leste, sua história e cultura. Entre poesia dispersa e ensaios é autora dos romances, Corpo colonial, O claro vento do mar e A pele dos séculos. Participou na IV Feira do Livro de Díli onde apresentou o romance A batalha das lágrimas e o livro de contos Crónicas timorenses respetivamente o 1.º e o 2.º volume da tetralogia A pedra e a folha sobre cem anos de Resistência Timorense.

(Fonte. Cortesia da editora Sextante, Grupo Porto Editora)




Lisboa > Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella > 2º Ciclo de Conferências 'Memórias Literárias da Guerra Colonial' > 4 de Junho de 2009 > Apresentação de livro de contos Cambança - Guiné, Morte e vida em maré baixa  do nosso camarada Alberto Branquinho  -  A escritora Joana Ruas (n. 1945), autora de A Pele dos Séculos (Lisboa, Ed. Caminho, 2001) dando testemunho da sua vivência, na Guiné-Bissau, no pós-25 de Abril, como simpatizante do PAIGC (acompanhou a guerrilha nas 'regiões libertadas' e integrou, como jornalista cultural, os quadro do Nô Pintcha, desde o seu nº 1).

Guiné 63/74 - P15343: Notas de leitura (774): “Nos Celeiros da Guiné”, por Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves, Chiado Editora, 2015 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
É um livro bem distinto do que vai aparecendo sobre histórias de unidades militares, neste caso o álbum fotográfico é de grande importância.
O General Ramalho Eanes prefacia a obra e detém-se sobre todos aqueles que combateram e hoje regressam à Guiné, e então escreve: "As populações acolhem-nos com o carinho de outrora, mas vivendo conformadas na mesma miséria ou em miséria maior, porque, agora, se destruíram matas, se lhes retiraram bolanhas, se matou a fraterna igualdade então existente. Esta obra interpela-nos sob a metamorfose sofrida pelos jovens que foram transplantados das suas terras". E elogia a importância documental de todo este acervo, contemporâneo da fase perturbante da implantação militar, psicológica territorial do PAIGC.
Temos aqui um livro raro e um caso de solidariedade que não desfalece entre septuagenários que aportaram à Guiné e não a esquecem e não se esquecem do que devem uns aos outros.

Um abraço do
Mário


Nos Celeiros da Guiné, por Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves (1)

Beja Santos

Há cerca de 50 anos, a CCAÇ 413 partiu para a Guiné. Do seu mourejar vem agora a público um livro que aparenta ter um título intrigante: “Nos Celeiros da Guiné”, por Albano Dias Costa e José Jorge Sá-Chaves, Chiado Editora, 2015. Não se trata de uma convencional história de companhia independente, recheada de depoimentos e reprodução de relatórios, é um poderoso documento que, digo-o sem hesitação, se configura num indispensável material auxiliar para compreender a Guiné entre 1963 e 1965. Quanto ao título, os autores mostram uma imagem, conhecida de todos, e explicam aos seus leitores, poderá acontecer que haja leitores que não passaram pela Guiné: “Em quase todas as pequenas localidades, havia, junto do edifício do posto administrativo, um celeiro da administração, desocupado na sequência do início das hostilidades, que veio a ser utilizado como caserna pelos destacamentos militares entretanto instalados nessas povoações”. Dias Costa fica incumbido de justificar o enquadramento da CCAÇ 413 no contexto social e militar da Guiné. Companhia dada como “pronta” no Batalhão de Caçadores n.º 5, em Lisboa, e colocada em Faro, no Regimento de Infantaria n.º 4, a aguardar o embarque, sem data nem destino ainda definidos. Estão em Faro quando eclode a guerrilha na Guiné. A 3 de Abril embarcam ao som de “Angola é nossa”, num velho paquete da companhia colonial de navegação, o “Índia”.

Lá vão a caminho de Mansoa, têm à sua espera os camaradas da CCAÇ 91, estes rejubilam pela rendição. Conduzidos à caserna, adaptada de um celeiro aqui vão passar a primeira das 751 noites que têm pela frente na Guiné, ainda têm à sua espera os celeiros de Safim, Nhacra, Porto Gole, Encheia, Bissorã, Mansabá, Olossato, Barro, Bigene, Farim e Cuntima. As hostilidades estão no início, estes militares vão assistir ao separar das águas, à perseguição das populações, ao aparecimento dos santuários, à necessidade de ocupar posições. A CCAÇ 413 era constituída por cerca de 170 homens, distribuídos por quatro pelotões, três de caçadores e um de acompanhamento bem como pela Formação, adstrita ao Comando, constituída pela Secção de Saúde, sob a responsabilidade do oficial médico, pela Seção administrativa, pela intendência, pela seção de condutores e manutenção auto e pela secção de Transmissões. O equipamento era o próprio da época, o armamento já incluía a G3 mas havia também pistolas-metralhadoras UZI e FBP. Em 1963 não houve férias, foram canceladas todas as licenças.

Gente feliz em Mansoa

O autor espraia-se sob a infraestrutura dos celeiros e depois descreve a organização dos aquartelamentos, nesta época as valas em ziguezague tinham a primazia. Encheia e Olossato cedo dispuseram de uma pista de aviação rudimentar. Durante a sua permanência em Mansoa, a CCAÇ 413 prestou apoio à povoação de Cutia, na estrada para Mansabá e nas imediações do Morés, aqui decorria a primeira experiência de povoação em regime de autodefesa. O Morés já fervia, o Brigadeiro Louro de Sousa, ainda no decurso de 1963, reforça o dispositivo tático de Mansoa, fica aqui a sede do BCAÇ 512. O aquartelamento de que dispõe a CCAÇ 413 estava instalado na Escola das Missões, e englobava o celeiro, transformado em caserna uma construção rudimentar onde estava instalado o posto de transmissões, o posto de socorros, a arrecadação dos mantimentos e algo mais.

A psicossocial fazia-se com engenho e arte, a dedo e sem esquadro, diretivas era coisa que ainda não existiam, faziam-se almoços, encontros, compareciam o médico e o enfermeiro e os mais curiosos começavam a trautear termos em crioulo, aprendiam-se os usos e costumes, dava-se ajuda aos civis no transporte de alimentos e matérias-primas. Os ex-militares da companhia procederam, em 1992, à constituição da Associação de Ex-Combatentes da CC 413 – Guiné, 1963-65, com o objetivo de “fomentar e desenvolver laços de camaradagem e de solidariedade entre os seus membros e as suas famílias”. José Jorge Sá-Chaves dedica muita atenção à vida operacional da Companhia. Ficaram inicialmente dependentes de um batalhão sediado em Bula, comandado por Hélio Felgas. Foi-lhe atribuído um setor operacional com uma área aproximadamente de 5100 km2, abrangendo a região do Oio, a região a norte do rio Cacheu, com toda a faixa entre aquele rio e a fronteira com o Senegal, de Barro a Cuntima. A Companhia espraiava-se por quatro destacamentos: Barro, Bigene, Farim e Cuntima, recebendo apoios de outras unidades para guarnecer as localidades de Bissorã, Olossato, Mansabá e para reforçar Farim. Estamos no início da guerra e era então possível ainda acontecer o que aqui se descreve: “Quer Barro, quer Farim, destinos das colunas, distavam aproximadamente 50km de Mansoa, distâncias que levaram cerca de hora e meia a percorrer (…) Aproximadamente a meio do percurso, localizavam-se, respetivamente, as povoações de Bissorã e de Mansabá. Os últimos troços da estrada até à margem do rio Cacheu, onde se fazia a cambança para a margem Norte apresentavam-se num estado deplorável (…) Transposto o rio, os últimos 3,6km até ao destino, em que a estrada cruza a bolanha, permitiu apreciar a beleza da paisagem que se abria à sua frente”. Temos igualmente uma descrição cuidada das povoações de Barro e Farim e mais adiante de Bigene e Cuntima.

Porto Gole, Casa do Chefe do Posto, que fez parte do aquartelamento, conjuntamente com o celeiro 

Mas tudo estava a mudar. Em 5 de Maio de 1963, o “Setor Norte” desencadeia a primeira ação militar flagelando Bigene. Em Maio, iniciam-se as patrulhas de reconhecimento. Em Junho, um dos grupos de combate da Companhia a patrulhar em Talicó sofreu uma emboscada, e em Julho temos nova emboscada no trilho de Madame. A tropa verificava que de mês para mês evoluía o armamento do inimigo. Em Julho, o Morés começa a revelar-se um objetivo difícil, as emboscadas sucedem-se umas às outras, surgem os primeiros mortos e feridos graves, tanto na Companhia como na Milícia. As abatizes aparecem na estrada Mansabá Bissorã e nas picadas para o Morés. É em Agosto que chega a Mansoa o BCAÇ 512, e nesse mês um grupo de combate da companhia sofre uma emboscada quando se dirige a Fajonquito.

Estamos perante um documento que dá que pensar: como se passou da aparente acalmia para a guerrilha dura e pura, tanto no Morés como à volta do Cacheu, em escassos meses a liberdade de movimentos deu origem a deslocações sempre com riscos de minas e emboscadas; surgiram as milícias, as populações em autodefesa, a ação psicossocial improvisada, iam-se distribuindo armas pelas populações e procurava-se, a todo o transe, fixar os destacamentos onde havia população. Como se sabe, continua a descer um manto de silêncio sobre o período de 1963 a 1968, às vezes até se insinua que não houve capacidade de resposta e que se espalharam abusivamente as tropas por todo o território. Enquanto o período do General Spínola está largamente documentado, os tempos correspondentes ao Brigadeiro Louro de Sousa e General Arnaldo Schulz permanecem na neblina. Deixa-se aqui o recado aos historiadores da guerra da Guiné.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15334: Notas de leitura (773): “Dois Amigos, Dois Destinos”, por José Alvarez, Âncora Editora e DG Edições, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15342: Parabéns a você (983): António da Costa Maria, ex-Fur Mil Cav do Esq Rec Fox 2640 (Guiné, 1969/71) e Ernesto Ribeiro, ex-1.º Cabo At Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)


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Nota do editor

Último poste da série de 6 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15332: Parabéns a você (982): Jorge Cabral, ex-Alf Mil Art, CMDT do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71)