segunda-feira, 11 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P15960: Nota de leitura (828): “A Marinha em África, Angola, Guiné e Moçambique, Campanhas Fluviais, 1961-1974”, por John P. Cann, Academia da Marinha 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Maio de 2015:

Queridos amigos,
Este distinto investigador norte-americano tem uma observação muito peculiar sobre os trâmites da nossa guerra colonial, é rigoroso nos factos e atrativo pelo seu olhar refrescado.
Temos agora a Marinha e vemos como a partir de 1961 esta arma passou a prever a sua intervenção com barcos apropriados, com o armamento mais adequado, em 1962, quando já é patente a subversão no Sul chegam os fuzileiros no DFE n.º 2. John P. Cann escreve as grandes divergências que se instalaram entre o Exército e a Marinha, acabando por diminuir as duas.
Trata-se de uma obra de referência que a Academia da Marinha reeditou o ano passado.

Um abraço do
Mário


A Marinha na Guiné, 1961-1974

Beja Santos

A obra intitula-se “A Marinha em África, Angola, Guiné e Moçambique, Campanhas Fluviais, 1961-1974”, por John P. Cann. Entre 1987 e 1992, John P. Cann foi oficial da Marinha no Estado-Maior do Comando da NATO, na Área Ibero-Atlântica, em Oeiras. Fascinou-se pelo estudo da nossa guerra colonial. Começou por escrever “Contrassubversão em África. O modo português de fazer a guerra". Com a Marinha em África, John P. Cann ocupa-se da componente naval, como esta se antecipou ao conflito, como se preparou e travou esta luta nos rios de África. Este livro foi inicialmente editado pela Prefácio, em 2009, uma edição com erros clamorosos, em boa hora a Academia da Marinha o reeditou em 2014. Vejamos no essencial como ele contextualiza o desempenho da Marinha e o seu comportamento na Guiné.

Considera que a Armada cumpriu exatamente o que tinha originalmente planeado alcançar e é elegante na crítica: “As falhas na sua utilização poderão ser atribuídas ao primado do Exército e à falta de compreensão por parte dos seus chefes sobre o modo como uma Marinha fluvial poderia ser utilizada como maior eficácia num ambiente de contrassubversão".

Estamos agora na Guiné e o capítulo intitula-se “Um sinistro e tórrido trecho de pântano e selva”. A Guiné foi o mais importante teatro de operações para a Marinha, cerca de 80% de toda a carga e pessoal movimentava-se por mar ou via fluvial. O transporte através dos rios e braços do mar era também importante para o PAIGC, daí a premência de policiamento do tráfego fluvial pela Marinha. Em termos estratégicos, procurava-se a combinação de lanchas de fiscalização e desembarque e a operacionalidade dos fuzileiros. John P. Cann renova a sua apreciação de que a Marinha correspondeu ao desafio “mas foi em parte inibida por uma diferença não resolvida na aproximação ao objetivo com o Exército”.

E explica a questão de fundo: “Desde o início da guerra que havia um debate sobre a melhor estratégia militar a ser empregue na Guiné, havia diferenças significativas no pensamento do Exército e da Armada. Esta era a favor de um conceito estratégico de estrangulamento do inimigo, exercendo-se estrito controlo sobre as diferentes vias fluviais a partir de uma posição central”. Tratava-se obviamente de uma estratégia que tinha limites de exploração, não era aplicável nas áreas despovoadas e periféricas.
O autor faz o reparo de que permanece um enigma porque é que o PAIGC nunca se posicionou para tornar a vida nos rios e rias um inferno para as nossas tropas.

Nos primeiros anos de guerra, cerca de 60% do transporte no rio era assegurado por uma frota comercial de 60 embarcações. Era vital que essa linha de abastecimento fosse protegida. A Marinha entra de facto no cenário da Guiné em Maio de 1961 com a chegada de duas LFP. Em Junho de 1962, chega a hora dos fuzileiros, o DFE n.º 2 chega a Bissau a bordo de dois aviões militares. Em Outubro de 1962, a situação na Guiné deteriorou-se progressivamente, o PAIGC procurou isolar o Sul. A primeira experiência de confronto teve lugar em Dezembro de 1962 aquando do reconhecimento de Cachil, na ilha de Caiar. Foi a primeira experiência de operação conjunta entre o Exército e a Marinha da Guiné.

Os fuzileiros até ao final da governação de Schulz entraram em operações conjuntas, mas gozando sempre um estatuto de autonomia. A utilização e o controlo de fuzileiros mudaram com a chegada de Spínola.

O autor tece considerações sobre o armamento e a resistência dos navios que operavam nas rias e rios e explica como houve necessidade de os robustecer protegendo-os no casco e na superestrutura para serem resistentes aos projéteis do inimigo. Refere as quatro rotas principais da Marinha a partir de Bissau: de Bissau para Farim ou para o rio Cacheu; de Bissau para Bissum, no rio Armada; de Bissau para Catió; e de Bissau para Bedanda. Estranho é a inexistência de referências à proteção que a Marinha dava ao Geba, designadamente o acompanhamento que as lanchas faziam das embarcações civis no Geba estreito, no início da guerra, o PAIGC mostrou-se operativo em dois pontos fulcrais: à entrada do Geba estreito: perto do Xime, em Ponta Varela, o local tinha a propriedade, na correnteza, de fazer aproximar as embarcações da margem, os RPG2 e RPG7 eram francamente demolidores; e na outra margem, no Cuor, em Mato de Cão, daí a fiscalização e patrulhamento da área até Novembro de 1969, altura em que o porto do Xime entrou em pleno funcionamento.

Falando de operações, John P. Cann destaca as façanhas de Alpoim Calvão na região Sul e a operação Tridente. E reserva uma referência especial à operação Via Láctea, que se desenrolou em Junho de 1968, em que capturaram dez toneladas de armas e munições. Spínola, logo que chegou, interrompeu este tipo de ações e implementou uma linha operacional distinta da anterior. Mesmo de forma muito polida, John P. Cann faz sentir de que houve um claro desentendimento entre o Exército e a Marinha que subtraiu as potencialidades a esta última. Em dado momento, Spínola desloca fuzileiros para Ganturé, a missão era suster a passagem de guerrilheiros no Cacheu. E os fuzileiros ficaram na posição de viver em destacamento, vivendo mesmo as consequências de todas as flagelações a que estavam sujeitas as unidades do Exército, e policiando o rio.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15955: Nota de leitura (827): "Eusébio - O romance biográfico", de Sónia Louro (Lisboa, Editora Saída de Emergência, 2016)

Guiné 63/74 - P15959: Parabéns a você (1063): Jorge Félix, ex-Alf Mil PilAv Alouett III da BA 12 (Guiné, 1968/70); Jorge Picado, ex-Cap Mil CMDT das CCAÇ 2589 e CART 2732 - CAOP 1 (Guiné, 1970/72) e Manuel Marinho, ex-1.º Cabo At Inf do BCAÇ 4512 (1972/74)



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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Abril de 2016 Guiné 63/74 - P15952: Parabéns a você (1061): Jorge Canhão, ex-Fur Mil Inf do BCAÇ 4612/72 (Guiné, 1972/74); Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659 (Guiné, 1967/68) e Miguel Pessoa, Coronel PilAv Ref, ex-Tenente PilAv da BA 12 (Guiné, 1972/74)

domingo, 10 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P15958: Blogpoesia (443): "Quando no céu...", de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728



1. Em mensagem do dia 8 de Abril de 2016, o nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), enviou-nos este de sua autoria:


Quando no céu...
tudo esgaça e parece desabar,

Eis que, duma simples nesga,
um mar de sol irrompe
e tudo sorri, de calor e luz.

Refulgem de branco os cumes mais altos,
se vestem verdes as encostas,
florescem as pradarias,
e os rebanhos famintos
correm das suas cercas,
montanhas acima.

De novo a passarada, em cardumes extensos,
percorre os céus,
cantando alegres.

Em grandes baforadas,
as chaminés dos lares
expelem toda a fumarada
que fazia arder os olhos.

Se ouvem os sinos,
tilintando as horas,
agora, de esperança.

Hossana! 
A tormenta negra passou, enfim...


ouvindo Finlândia de Sibelius

Bar Caracol, arredores de Mafra,
8 de Março de 2016
8h45m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes
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Notas do editor

Foto: Com a devida vénia a MYGUIDE

Último poste da série de 2 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15927: Blogpoesia (442): "Castelo da Pena", de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 63/74 - P15957: Atlanticando-me (Tony Borié) (12): Um mau dia

Décimo segundo episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Um mau dia

Sem te fazer um “Ultra-Som” e um “MRI” a essa perna, não te posso curar. Pode por aí haver um qualquer tumor ou até cancer, vais fazer esses testes, quero ver o resultado depois falamos de novo. - E “virou-me as costas”, saindo do consultório, com cara de amargura, tal como quando entrou. Ficámos desolados, possivelmente antes tinha consultado outro paciente que mostrava todos esses sintomas.

Todos os dias nem sempre é o melhor dia, mas quando isso acontece, temos que ter o poder de transformar tudo ao nosso redor, é nossa responsabilidade livrar-nos do mau humor, passando para outros horizontes, ver as coisas de outra maneira, uma maneira mais agradável.

Tudo tinha começado uns dias antes, nas nossas habituais “caminhadas”, tínhamos sentido uma “dorzita”, ao fundo da perna, quase onde começa o pé, parecia quase nada, mas chegados a casa começou a aumentar o volume tanto nas dores corporais, como na dimensão da perna. Porra, temos que ir ver o “fdp do doutor” e, foi o que fizemos.

Tudo isto companheiros, acontece porque já não somos jovens. Na nossa juventude, quantas vezes, caminhamos, algumas descalços, por vales, pequenas montanhas, calcando mato e “tojos”, lama, areia, terra batida, riachos, mais tarde, savanas e bolanhas lá na Guiné e, sempre sem qualquer dor, se nos arranhávamos, esfregava-se com álcool, ou mesmo aguardente, amarrava-se um qualquer “trapo”, continuando a nossa rotina, hoje é diferente, o doutor não faz nada sem os tais “testes”, pois não quer assumir responsabilidade de qualquer “azar” nas suas decisões.


Continuando com o mau humor que por vezes, pelo menos na nossa idade, nos visita e nos tortura, temos que resistir, temos que mandar “esse dia cão”, para longe, temos que ir buscar forças, a tal força de combatente e, pensar em outras coisas, iniciar um fluxo de energia positiva, cantar, ligar a música de que gostamos, às vezes bem alto de maneira que nos entre “na pele”, dançar em pijama, ter um romance de juventude no pensamento, convidar o “mau humor” para que dance connosco, perguntar-lhe se quer ter uma festa de pijama, dizer-lhe que por mais que nos queira atormentar, só nos dará força, até para dançar.

Passámos as duas últimas semanas com algumas dores e algum constrangimento, não nos podendo deslocar para outras paragens, mas também foi agradável, sentados, ver as fotos antigas, onde aparecem familiares ou amigos que podemos lembrar dizendo: "Oh meu Deus, não me lembro. Quando fizemos isto?”. Depois no pensamento, começamos histórias grandiosas, mesmo dizendo, "deixa-me ver, este “gajo” era fodi.., fazia coisas do caral.. ". Hoje, já andamos melhor, cremos mesmo que está a passar, mas no futuro vamos ter cuidado, embora pensando que as nossas pernas são o melhor meio de transporte com que o “criador “ nos contemplou, pois podem levar-nos a lugares que qualquer outro meio de transporte nunca conseguirá.

Tony Borie. Abril de 2016.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15878: Atlanticando-me (Tony Borié) (11): Simplesmente, um ovo

Guiné 63/74 - P15956: Dando a mão à palmatória (29): Corrigindo o nome do comandante do BCAÇ 4612/74, ten cor Américo (e não António) da Costa Varino, um dos nossos oficiais superiores presentes na cerimónia de entrega do quartel de Mansoa ao PAIGC, em 9 de setembro de 1974



Guiné > Mansoa > 9 de setembro de 1974 > Cerimónia da transição da soberania nacional, aquando da entrega do aquartelamento de Mansoa ao PAIGC, e troca de cumprimentos entre o Comandante do BCAÇ 4612/74, ten cor  Américo da Costa Varino e os comandantes do PAIGC presentes na cerimónia.

Guiné > Região do Óio > Mansoa >  9 de setembro de 1974 > Da esquerda para a direita: (i) comandante do BCAÇ 4612/74, ten cor Américo da Costa Varino;  (ii)  comissário político do PAIGC; (iii) 2º  comandante do batalhão, major Ramos de Campos;  e  (iv) o representante do CEME/CTIG, o major Fonseca Cabrinha.

Fotos do álbum do nosso coeditor Eduardo José Magalhães Ribeiro,  ex-fur mil op esp/ ranger,  CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré, Mansoa e Brá, 1974.

Fotos (e legendas): © Eduardo José Magalhães Ribeiro (2009). Todos os direitos reservados.


  1. Mensagem do nosso leitor Pedro Oliveira Varino:

Data: 15 de março de 2016 às 00:22

Assunto: Correcção de nome


Exmos. Srs.

Após leitura do vosso blogue  que retrata parte da nossa História, infelizmente pouco divulgada, agradecia a correcção do nome do meu avô,  comandante Américo da Costa Varino, que procedeu à cerimónia de transição de soberania da Guiné no ano de 1974.

No vosso blogue, nomeadamente no poste P9335, de 26 de fevereiro de 2012,  encontra-se erradamente como "António C. Varino".

Muito agradecido e com os melhores cumprimentos,

Pedro Varino
(a pedido do coronel inf ref Américo da Costa Varino) [ex-comandante do BCAÇ 4612/74, Mansoa, 1974]

2. Mensagem emitida pelo nosso editor, na volta do correiro:

Pedro, obrigado, um alfabravo (abraço), de camarada para camarada, do editor Luís Graça para o seu avô... Já corrigimos a "gralha", de que pedimos desculpa, com conhecimento ao autor do poste (*), o Luís Vaz Gonçalves. E não só nesse, como também nos postes P7404 e P7388 (**), do nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro... Américoo da Costa Varino era na altura tenente coronel, comandante do BCAÇ 4612/74. Não é um erro de palmatória, mas é um erro factual, de que pedimos desculpa. No nosso blogue, prezamos a verdade e o rigor.

Diga ao seu avô que este espaço também é dele, é de todos os camaradas, ex-combatentes, que passaram pelo TO da Guiné, entre 1961 e 1974. 

Saudações. Luís Graça.

3. Comentário do nosso amigo e grã-tabanqueiro Luís Gonçalves Vaz, autor do poste P

Caro Pedro Varino:

Antes demais, peço-lhe para apresentar as minhas desculpas ao senhor seu avô, sr coronel Américo da Costa Varino pelo erro no meu artigo. 

Gostava também de lhe agradecer o seu pedido de correção, que já foi realizado pelos Editores do Blog. Assim o artigo "Retirada Final, os últimos militares portugueses a abandonar o TO da Guiné" (*), ficou mais fiel à nossa história relativa a este capítulo da transição da soberania nacional na Guiné, para o PAIGC. 

Aproveito para lhe enviar os meus melhores cumprimentos para o sr. coronel Américo da Costa Varino, que com certeza conheceu bem o meu falecido pai, coronel CEM Henrique Gonçalves Vaz.

Cumprimentos, Luís Gonçalves Vaz

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Guiné 63/74 - P15955: Nota de leitura (827): "Eusébio - O romance biográfico", de Sónia Louro (Lisboa, Editora Saída de Emergência, 2016)


1. Mensagem de Margarida Damião, diretora de comunicalção da editora Saída de Emergência:

Data: 1 de abril de 2016 às 15:04
Assunto: Eusébio - O romance biográfico

Boa tarde!

A figura de Eusébio desperta admiração em todo o mundo.

Para homenagear a sua vida e carreira, Sónia Louro escreveu um romance biográfico (nas livrarias a 15 de Abril) que retrata não só uma história de vitórias e glória mas também derrotas dolorosas, um joelho destroçado que nem seis cirurgias salvaram e o medo do dia em que irá pisar o relvado pela última vez.

Se quiser falar com a autora e descobrir mais sobre a vida deste grande homem, contacte-me.  Obrigada!

SINOPSE


Vindo do bairro pobre do Mafalala, em Moçambique, Eusébio aterrou em Lisboa numa noite fria de Dezembro de 1960. O seu sonho era jogar no Benfica, mas a disputa entre os encarnados e o Sporting quase o impediram de jogar em Portugal. Quando finalmente o fez, a sua velocidade, técnica e remate imparável mudaram o futebol português para sempre.

Mas a história de Eusébio não é apenas uma história de vitórias e glória. Para além dos mais de 800 golos, Botas de Ouro, Bolas de Prata, campeonatos e título de melhor do mundo, há a história de um menino assustado que apenas queria jogar futebol. E algumas derrotas dolorosas, um joelho destroçado que nem seis cirurgias salvaram e o medo do dia em que irá pisar o relvado pela última vez.

Sónia Louro, com a mesma mestria com que nos contou a vida de Aristides de Sousa Mendes ou Fernando Pessoa, relata-nos agora a vida do homem que, durante os anos cinzentos do Estado Novo, conseguiu, com o seu talento, fazer dos portugueses um povo orgulhoso.


SÓNIA LOURO

Nasceu em 1976 em França. Desde cedo apaixonada pelas Ciências e pela Literatura, acabou por optar academicamente pela primeira, mas nunca abandonou a sua outra paixão. 

Licenciou-se em Biologia Marinha, mas não perdeu de vista a Literatura, à qual veio depois aliar um outro interesse: a História. Fruto desse casamento, já publicou entre nós A Vida Secreta de Dom Sebastião, O Cônsul Desobediente, A Verdadeira Peregrinação, Amália – O Romance da Sua Vida, Fernando Pessoa – O Romance.

Sofisticada e minuciosa, além de apaixonada pelas obras que escreve, Sónia Louro traz-nos agora Eusébio, uma obra que fazia falta no panorama literário português.


Margarida Damião
Dir. de Comunicação
margarida@ed.saidadeemergencia.com
tel. 96 344 19 79


Rua Adelino Mendes, 152, 
Quinta do Choupal, 2765-082 S. Pedro do Estoril, Portugal
Tel: +351 214 583 770 / www.sde.pt


2. Comentário do editor:

Não sei qual o mérito do livro. Não  o li. Mas é um livro sobre o "nosso Eusébio", o Eusébio que é (ou foi)  um dos "mitos" da nossa geração de combatentes da guerra colonial,

Não falamos de futebol, política e religião no nosso blogue. Ou não devemos falar, de acordo com o nosso "livro de estilo". Mas o  Eusébio está hoje acima do futebol e sobretudo  acima das "paixões" clubísticas. Daí a razão de ser deste poste que é mais promocional do que de "nota de leitura" ou de "recensão bibliográfica". (Essa fica para quem a quiser fazer, depois de compar e ler o livro). (*)

Como escrevemos na altura da sua morte, o Eusébio da Silva Ferreira (1942-2014)  é um ídolo da nossa geração, e  uma imagem de marca de Portugal. Ainda o é, infelizmente não temos muitas "marcas" ou "ícones" como o Eusébio...  Daí a singela  homenagem, que foi feita  entrão,  no blogue da Tabanca Grande  (**),  a um  dos grandes desportistas de todos os tempos, o primeiro futebolista português e africano, por exemplo,  a ganhar a Bola de Ouro (1965), prestigiado galardão criada pelo jornal desportivo France Football.  

Alguém lhe chamou o primeiro herói negro português... Filho de pai branco, angolano, e de mãe, negra, moçambicana, Eusébio entrou no Olimpo, espaço etéreo, mitológico, só reservado aos deuses e aos heróis. Em termos simbólicos e físicos, pelo menos quisemos pô-lo no nosso Panteão Nacional, logo um ano depois da sua morte.

Embora eu não seja muito dado às emoções futebolísticas, muito menos clubísticas, e  tenha sempre alguma relutância em alinhar no fácil (e muitas vezes hipócrita) unanimismo que a morte das figuras públicas desencadeia em Portugal, com os meios de comunicação social (e em particular a TV) a explorar, sem pudor e até à exaustão, as emoções dos vivos, achei que foi justa a homenagem que os portugueses fizeram ao "pantera negra" na altura da sua despedida da "terra da alegria"...

Sim,  foi bonita a homenagem de despedida que os portugueses lhe fizeram... Independentemente da origem, da cor da pele, da geração, do clube, do credo religioso, da opção político-ideológica, dos ódios de estimação, dos preconceitos de cada um. 

Também achei, na altura, que estávamos a fazer, de algum modo, a catarse de muitas das nossas perdas, nestes últimos anos ou até décadas, a começar pela perda de entes queridos, de amigos, de valores, de memórias, de líderes, de figuras de referência, e até de lugares do mundo que os portugueses ajudaram a pôr no mapa, desde Quinhentos...(Num desses lugares, Moçambique, nascera Eusébio).

No mínimo, espero que o livro da Sónia Louro nos ajude a perceber melhor o homem, o jogador de futebol, o português e o moçambicano que foi o nosso Eusénio. LG

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 8 de abril de 2016 >  Guiné 63/74 - P15951: Notas de leitura (826): “A Guerra na Picada, Moçambique 1970”, por Rodrigues Soares, Chiado Editora, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

(**) Vd. postes de:

5 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12547: (In)citações (59): Homenagem a Eusébio da Silva Ferreira, o "pantera negra" (Lourenço Marques, 1942 - Lisboa, 2014)



19 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12603: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (30): Só os diamantes são eternos... Ou: hoje ainda se esconde se são os "restos mortais" do Império ou do Eusébio que se votaram no parlamento, para o Panteão.

sábado, 9 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P15954: Inquérito 'on line' (53): XI Encontro Nacional da Tabanca Grande: num total de 63 respondentes, 31 (49 %) já se increveram, 23 (36,5%) dizem que infelizmente não podem ir por razões de saúde, monetárias ou outras... E o prazo de inscrição termina domingo, 10, às 12h


Poilão de Maqué. 2006. Foto de Paulo Salgado
INQUÉRITO: XI ENCONTRO NACIONAL DA TABANCA GRANDE, 16/4/2016: EU VOU...


1. Eu vou e já me inscrevi  > 31 (49,2%)


2. Eu vou mas ainda não me inscrevi  > 2 (3,2%)


3. Ainda não sei se posso ir  > 3 (4,8%)


4. Infelizmente não posso ir por razões de saúde  > 6 (9,5%)


5. Infelizmente não posso ir por razões monetárias  > 1 (1,6%)


6. Infelizmente não posso ir por outras razões >16 (25,4%)

7. Não estou interessado em ir  > 4 (6,3%)

Total= 63 (100,0%)

Votos apurados: 63

Sondagem fechada, 4ª feira, dia 6, às 7h07

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15953: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - VIII Parte: VI - Por Terras de Portugal: (ii) Elvas...

Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por  Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô.


Continuação da publicação do cap. VI - Por Terras de  Portugal. Depois de Tavira (CISMI), o Vagabundo é colocado em Elvas (BC 8), antes de passar por Oeiras e partir para o TO da Guiné.

Texto e foto: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados.

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Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > VI - Por Terras de Portugal: Tavira, Elvas, Lamego, Oeiras...
> Elvas (pp. 29-30)

por Mário Vicente [, foto  à esquerda, março de 2016, Oitavos, Guincho, Cascais]

Oh Elvas! Oh Elvas! Badajoz à vista!.

Velha praça cer­cada de belas e antiquíssimas muralhas, sua segunda terra,  aqui veio parar (recordar Vagabundo. Voltou a casa de seus tios, voltou a casa de seus segundos pais,
vivendo)

Torna a subir ao fortim da Srª. da Conceição. Entra na capela e contemplativo, olha para a imagem da Santa e vê quão diferente se tornou, desde os tempos de estudante quando por ali passava. É gratificante por vezes ficarmos assim sós e repensar tudo o que se passou regredindo, ou sonhando tentando na futurologia adivinhar o amanhã.

Como antigamente, sobe às ameias, por sobre as muralhas da Cisterna e do Jardim das Laranjeiras, revê as eiras onde tantas vezes jogou futebol. Espraiando a vista pela cidade, fica tempos deliciando-se com os píncaros das igrejas e as pontas do forte de Santa Luzia em cujas grutas com Picolo, Orelhas de Camurça e outros, caçavam morcegos.

Alongando mais a vista pela planí­cie, extasiava-se vislumbrando lá longe o fio de prata do Guadiana. Desce pela muralha, pára na velha Cisterna que resistente, continua a dar de beber à cidade. Revê a fonte ao fundo da rua dos Cavaleiros e o recanto onde tantas vezes jogou ao berlinde com Picolo. Vê a porta velha e os degraus da casa do Tio Pinga, e tem saudades dos seus tremoços. Enquanto desce até ao jardim das Laranjeiras, vai recordando os pregões típicos:
–  "Queijo assente Requeijão! Oh queijo assente", "Água da Plata, água fresquinha", "Quem qué boiinhas, há bolo fesquinho", "Caramelo americano!... arvelhana torradinha… chora minino chora qui o Rodas si vai embora".

Relembra outros tempos de infância, e tantas figuras típicas desta sua segunda terra. Zé da Lorca, o Tio Pinga, Isidro, Alcides e a sua galinha debaixo do braço, o Ica do Monte, o tio Rodas, o Matias à frente da Banda 14 de Janeiro, lançando fo­guetes em tardes de Pendões, a Sali Pompa na garagem do Painho, levantando as saias para a estudantada dar um tostão, e outros tantos mais, pessoas simples, desta maravilhosa cidade.

Que saudades!... Pontapeando as pedrinhas que encontrava, dava a volta até entrar novamente lá em cima nas Portas da Esquina e aí, então, admirava a magnificência do Aqueduto da Amoreira feito a custas do povo, pagando o selo real de imposto durante três gerações.

Demoradamente olhava!... por detrás do horizonte, sentia a sua terra e as terras do lado do norte. Endurecido resis­tia, mas no coração tinha um "bypass" não na veia mas de gra­vação: Tânia.


Elvas > Março de 2014 >  Antiga Sé Catedral
 e praça da República. Foto de LG.
No fosso das velhas muralhas, tendo como fundo o belo Forte da Graça, os recrutas são ensinados, de uma forma humana e preparados para a guerra. Não é necessário tratá-los como animais. Há sã convivência e respeito mútuo. O pelotão tem como instrutores João Bar, Vagabundo e João Uva, que formam o trio "Locos". O pessoal pode rir quando a "égua" Luz aparece na muralha e João Bar alerta o cabo Monforte. Este raspa as botas da tropa na terra transformando-as em cascos e relincha como um garanhão com cio, enquanto a "égua" Luz se desmancha toda e bamboleia o traseiro.

O Tlinta e Tlês é aplaudido, quando se baba todo como um chibo, ao perder a virgindade com vinte anos. O trio paga todas as despesas da festa, e o Tlinta e Tlês quer mais! Faça-se a sua vontade, e a malta bate palmas e dá vivas ao herói nas casas próximo do Castelo.
– Nandinha! Sempre atenciosa e fogosa, foram tão simpáticas as noites e os momentos na tua casa. Nunca pensei que o João Uva ganhasse a aposta.

O trio não pára, de mota ou carro. Nos arredores da própria cidade, não há poiso certo. Os três são adorados pelos soldados básicos, na maioria do Baixo Alentejo. Não conseguem dar resposta aos convites para festins e patuscadas. Derivado dos transportes e ligações para as suas terras, toda a gente vai de fim-de-semana, com ou sem dispensa assinada, não interessa pois o código de honra é que manda. Segunda-Feira de manhã todos têm de estar presentes na chamada do pequeno-almoço. Não houve uma única falta em dezenas de homens! Felizes ficavam João Bar, Uva e Vagabundo.

Retorna a terras do norte mas clandestinamente. Fala sobre Tânia, mas mantêm-se firme. Os "Locos" mantêm-se unidos e convivem com as professoras de terras do Norte. Voltam os convívios com as miúdas da sua EICE - Escola Industrial e Comercial de Elvas. Os três entram nas brincadeiras. Há uma professora que se vê atrapalhada com as armadilhas, mas tudo na sã convivência. A professora cai no ardil montado pelo trio. As bonecas para a Mariazinha, pederasta, soldado lerdo das ideias e com a mania que era mulher, eram executadas na pró­pria aula da Formação Feminina com conhecimento da professora.

No Luso colégio das freiras, Vagabundo arranja uma "girl friend".
– Fomos loucos,  não fomos, Tuxa? Mas com a ajuda da Gény foram tempos agradáveis!

Tinha de resistir aos ventos que sopravam dos lados do Norte, que tomavam o coração tão fraco, tão fraco, que a luz da candeia de ténue chama de resistência, várias vezes tremeu e o enfarte do miocárdio esteve eminente.
– Atenção cabo miliciano Vagabundo, tem uma chamada telefónica!
– Atenção cabo miliciano João Uva, tem uma chamada telefónica!
– Atenção alferes miliciano João Bar, tem uma chamada telefónica!

Os microfones do BC 8 ecoavam pelo quartel. Os sargentos Correeiro e Serralheiro, nas suas oficinas comentavam:
– Lá estão eles outra vez! Passam mais tempo ao telefone do que a dar instrução. Juntou-se ali uma trempe e peras! Não param na “canastra”. E depois o capitão ainda lhes dá apoio!... Deram volta aos soldados, mas pelo menos aqui anda tudo cer­tinho. Vá lá a gente entender estas coisas?!...

Loucuras de Vagabundo, sã amizade:
– Cély, foste simplesmente impecável, obrigado pela canção com o nome de Vagabundo. Foste recordada nos dias tristes de solidão e guerra.
– Teresinha da Praia, porquê?! Deliciosos tempos de gandulo, maravilhosos já de Vagabundo, fiquei em dívida para contigo por aquele lenço perdido no Circo.
– Tuxa! criança das loucuras! As contas dos bilhetes do cinema ficaram certas? Perdi-te a pista nas areias da Costa da Caparica. Fizeste bem em teres efectuado a substituição logo a seguir. A vida de Vagabundo também não valia muito.

Bons momentos, mas que iam cavando mais fundo a fossa em que o militar se afundava. A vida não pára e mais uma instrução básica, agora com o con­terrâneo e amigo Zé Luís, do Rossio de Cima como aspirante miliciano a comandar o pelotão. Belos tempos!...

Este cabo miliciano tem boa pele para se lhe tirar, por­tanto o melhor é mandá-lo para Lamego para as Operações Especiais. Vai dar um bom Ranger. Segue as pegadas de João Uva que já tinha partido.

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de abril de 2016 > Guiné 63/74 - P15950: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - VII Parte: VI - Por Terras de Portugal: (i) Tavira...

Guiné 63/74 - P15952: Parabéns a você (1062): Jorge Canhão, ex-Fur Mil Inf do BCAÇ 4612/72 (Guiné, 1972/74); Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659 (Guiné, 1967/68) e Miguel Pessoa, Coronel PilAv Ref, ex-Tenente PilAv da BA 12 (Guiné, 1972/74)



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Nota do editor

Último poste da série de Guiné 63/74 - P15949: Parabéns a você (1060): José Augusto Ribeiro, ex-Fur Mil Art da CART 566 (Guiné, 1963/65)

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P15951: Notas de leitura (826): “A Guerra na Picada, Moçambique 1970”, por Rodrigues Soares, Chiado Editora, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Maio de 2015:

Queridos amigos,
Este livro de um furriel sapador a viver em Nangololo, no Planalto dos Macondes tem várias surpresas: gera uma atmosfera asfixiante com o relato destes picadores que "pescam" minas anticarro e minas antipessoais em quantidades astronómicas, não sei se houve outro teatro de operações com tanta mina semeada; ele irá passar férias com a família, a viver não muito longe de Quelimane, e apercebeu-se que aquela guerra do Cabo Delgado chegava completamente filtrada, indolor, às populações civis; e quando regressa de férias vai substituir um colega morto, e finda a história, ficamos de boca aberta sem perceber o que aconteceu para o autor se ter desenvencilhado de que o lia tão atentamente.
São mesmo coisas desta literatura memorial, o autor cansa-se e manda-nos às malvas...
Adeus, até ao meu regresso!

Um abraço do
Mário


Parece que todas as minas do mundo se juntaram no Cabo Delgado (2)

Beja Santos

Não escondo que entrei um pouco contrafeito nesta leitura, tem um arranque muito parecido a tantíssimo outros livros de guerra: os preparativos, a família, o namoro e os amigos, as andanças pelos quartéis até partir para África. Mas quando o Furriel Sapador Rodrigues Soares, do BART 2901, chega a Mocímboa, o relato ganha vibração, as minas tomam conta do autor e do leitor. Daqui até ao reencontro da família, em Moçambique, as minas preponderam no altar da guerra. Os picadores têm medo, chegam a chorar, o exército não preparara profissionais para andar na picada. E picar até à exaustão também requer um espírito de equipa e uma certa forma de destreza, como o autor testemunha:
“Logo que comecei a manobrar o ancinho, percebi que aquele manejo precisava de força física e eu não a tinha de sobra: mal bastava para me aguentar a mim e à espingarda que transportava comigo. Para além disso não conseguia manter-me vigilante ao rodar da picada e esquecer o que acontecia à minha volta. O facto de ter que avançar com atenção ao chão que penteava, bulia comigo. Temia, a qualquer momento, que caíssemos numa emboscada e eu com a arma às costas”. E lá vão naquele para arranca desgastante com os homens do ancinho a esforçarem-se. Os reabastecimentos decorrem nesta atmosfera infernal. E há as capinagens, o trabalho nunca falta.

Temos aqui um relato de um furriel sapador do Planalto dos Macondes. A vida no aquartelamento de Nangololo espelha a vida que qualquer quartel, as tensões da espera, os ruídos medonhos que emergem da mata, os trovões que parecem saídas de morteiro ou de obus, a vida dentro dos abrigos. É na picada que o autor modela com maior perícia as descrições enervantes que cabem no melhor thriller, mesmo quando se socorre de uma prosa acalmada:
“Uma coluna saída de Mueda para reabastecer o batalhão. O pelotão que partiu de Miteda para a ir buscar ao posto 14, a meio caminho entre Mueda e Miteda, sofreu uma emboscada e neutralizou um fornilho onde descobriu uma bomba de avião lançada pela Força Aérea. No que dizia respeito à plantação de minas, aquela pecada disputava a supremacia com a zona do Chindorilho, no percurso que ligava Mueda a Sagal.
No dia seguinte, o pelotão de sapadores foi incumbido de ir buscar o grupo a meio caminho entre Nangololo e Miteda.
Seriam seis horas da manhã quando abandonámos o aquartelamento e entrámos na picada formando duas filas indianas. Os ancinhos e as picas marcavam a passada, pareciam estandartes. Na cauda do grupo, preocupava-me o que se passava na frente do pelotão: era importante que tudo corresse bem.
De vez em quando lançávamos uma granada de morteiro na esperança de obter resposta do grupo proveniente de Miteda. Mas não havia sinal de vida. Ao final da manhã chegaram-nos ecos do ribombar de rebentamentos, sinal que o grupo de Miteda estaria ainda distante de nós”.

Foi logo à espera, regressaram extenuados e desiludidos, tanto esforço para nada. De manhã regressaram, caía uma chuva diluviana. E surgiram as minas, depois da descida de um morro:
“Manhosamente colocada na berma do charco, a mina parecia esperar a sua presa, uns metros à nossa frente. Aquela era mesmo uma mina, uma PMD 6 com duzentos gramas de explosivo dentro de uma caixa de madeira. Estávamos perto do local onde sofrêramos as primeiras baixas. Dei uns passos em frente e mirei atentamente a berma do charco. Temi a aproximação: aquela mina podia estar rodeada da sua corte”. Com prudência, irá fazê-la explodir. São as minas, a tensão permanente na picada, que captam o leitor. As minas são o avassalador sinal da morte nestas colunas de reabastecimento. E as descrições a certa altura tornam o macabro plausível: “Até ao posto 14, os homens detetaram e neutralizaram duas minas anticarro e quatro antipessoais, reforçadas. Entre os postos 14 e 15, foram desativadas dez minas anticarro e duas antipessoais”.
O planalto parecia uma sementeira de morte, ouvem-se os gritos dos sinistrados, barafusta-se com o rádio que não trabalha e a demora nas evacuações pode significar a morte do ferido.

Os meses vão passando até que um dia o nosso autor vai de férias, vai se encontrar com a sua família em Moçambique, vai de Nangololo até Porto Amélia, depois Nampula, escalando Nacala, parece uma viagem interminável, e chega a Mutuali, tem os pais e o irmão Manuel à espera. É um reencontro muito difícil, terá acarretado desilusões. O furriel sapador vai-se apercebendo que os civis se esquivam a falar da guerra: “Mal informados, liam e ouviam dizer que o inimigo se resumia a um bando de bandoleiros, coisa pouca, apesar da guerra todos os dias produzir as suas vítimas, durar há seis anos, movimentar milhares e milhares de homens". Em Moçambique, os brancos apresentavam em relação ao negro uma postura de superioridade. Percebia-se isso, embora os colonos portugueses fossem tolerantes e demonstrassem uma maneira singular de cativar os nativos, coisas com que os seus vizinhos da África do Sul não se preocupavam. Um sábado, depois de jantar, o pai fez questão de o levar a arejar as ideias, terá considerado que ele necessitava de mulher, o que irá acontecer. Recebe uma carta de Nangololo dando-lhe tristes notícias. E regressa via Nampula. Estivera ausente 48 dias, vai encontrar Nangololo em estado febril, com bulldozers a movimentarem-se desventrando a mata, aumentando o comprimento da pista, chegaram mais peças de artilharia. Confirmam-lhe a morte de um querido amigo, o Coutinho, ia numa Panhard, acionou uma mina anticarro, morreu assado entre a picada Miteda-Nangololo. E é no quartel que lhe comunicam que iria substituir o falecido Coutinho até chegar um substituto.

E abruptamente, este relato que se encaminha para as 500 páginas suspende-se, o leitor não compreende o que se passou, porque se põe termo a esta guerra na picada, mesmo que o autor diga na nota final que optara por relatar os acontecimentos tal qual decorreram. É coisa intrigante mas não é incomum, não são poucos os livros de memórias que se suspendem quando é suposto haver muito mais para dizer. Há mesmo autores que escrevem um livro sobre um ano da comissão e anos depois surge outro livro respeitante ao segundo ano da comissão, sem se dar uma explicação ao leitor. Enfim, ínvios são os caminhos da literatura de guerra…
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Nota do editor

Poste anterior de 7 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15948: Notas de leitura (825): "A Descolonização da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães", de Jorge Sales Golias (a lançar na 5ª feira, dia 14, em Lisboa): pré-publicação de um excerto por cortesia do autor: A perda da supremacia aérea – Março de 1973

Guiné 63/74 - P15950: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - VII Parte: VI - Por Terras de Portugal: (i) Tavira...

Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], o nosso querido camarada Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67, e cofundador e "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô.

Esta edição é uma segunda versão, reformulada, aumentada e melhorada, do livro "Putos, gandulos e guerra" (edição de autor, Estoril, Cascais, 2000). E tem prefácio do nosso camarada António Graça de Abreu:

(...) "No seu livro Pami na Dondo (2005) a partir de uma história verídica Mário
Vicente ficciona as agruras, desventuras e algumas alegrias de uma jovem guerrilheira do PAIGC, capturada pelas tropas portuguesas em meados das décadas de sessenta. Pami na Dondo, o nome da guerrilheira, acabaria por gradualmente se inserir no seio da população africana na aldeia controlada pelos portugueses e por ter um relacionamento singular e extremado com alguns militares estacionados no pequeno mas importante aquartelamento de Cufar.

"O outro título saído da inteligência e da pena de Mário Vicente é Putos, Gandulos e Guerra (2000). Reformulou, aumentou e melhorou esse texto e publica-o agora como Do Alentejo à Guiné, Putos, Gandulos e Guerra.

"Com laivos e tintas biográficas, este livro fala-nos de um menino nado e criado na aldeia de Vila Fernando, no Alentejo profundo, Calças de Palanco – este o original nome do puto – que será o gandulo e o homem na esteira e por dentro da guerra na Guiné. Eram as malhas que o então estertor do Império entretecia. Na preparação como militar, o rapaz faz o curso de sargentos milicianos em Tavira e depois conclui a especialidade de Ranger em Lamego. A aprendizagem para a guerra é impiedosa e dura. Mas necessária, em África o conflito agudiza-se." (...)

A pré-publicação desta versão, no nosso blogue, em formato digital, está devidamente autorizada pelo autor.  Neste cap VI,  ele, o Vagabundo, revisita as terras de Portugal por onde passou, na tropa, antes de ser mobilizado para o TO da Guiné: Tavira, Elvas, Lamego, Oeiras... Recorde-se,  por outro lado, que o nosso Vagabundo é natural de Vila Fernando, Elvas. A Colónia a que ele se refere no texto a Colónia Correcional de Vila Fernando (instituição de internamento de jovens delinquentes que ali funcionou entre 1895 e 20079. Era também uma herdade agrícola com mais de mil hectares de suiperfície (em 1967). No período de 1955 a 1976 foi seu diretor o engº Manuel Joaquim da Silva Rente.


Texto e foto: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados



Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra

VI - Por Terras de Portugal: Tavira, Elvas, Lamego, Oeiras... 

Tavira (pp. 27-28)

por Mário Vicente [, foto atual à direita]

Tavira!... Oh!... doce Tavira! Terra linda!... Montes cobertos de amendoeiras, de figueiras e alfarrobeiras, com os teus belos vales enfeitados de laranjais, és mesmo um encanto!... Apenas um senão te rouba a encantadora beleza, terra de lindas capelas e igrejas: o nauseabundo cheiro expelido pelos esgotos do teu belo e sinuoso rio Gilão, quando a maré vazante os deixa a descoberto.

A tua bela ilha de fina areia branca, afagada por salgadas ondas transparentes, onde nas dunas se espreguiçam lindas mulheres de tez escura, sangue mourisco e olhos amendoados, como moiras encantadas que de quando em vez se transformam em sedutoras sereias, deixando presos incautos marinheiros, melhor dizendo militares, atirados para a escola do CISMI, onde se perde a vergo­nha e se aprende a vivência no "Canil da Vida". Terra de loucuras e de prazer.

Chegou aqui criança, menino de coro virgem para a safadice! Daqui saiu sem vergonha e malandro, perfeitamente enquadrado com a vida militar, como Vagabundo. Confirmando, em pouco tempo, aquilo que o professor da Colónia lhe tinha aconselhado:
– Rapaz,  olha e tem calma! Nem bom cavalo, nem bom soldado!... Se és bom cavalo, todos te querem montar. Se és bom soldado, todos te querem mandar.

Verdade matematicamente confirmada: dois mais dois, igual a quatro. A arte de como aprender a roubar foi facílima! Primeira revista à companhia de instrução. O protector de boca, da Mauser, tinha-se misteriosamente evaporado: foi ao ar. Para além de o pagar e comprar outro na Feira da Ladra, levou um corte de fim-de-semana. Nunca mais voltou a acontecer. Como os gatos, um olho aberto outro fechado o militar aprendeu a caçar. Protector de boca sempre no bolso, só na hora da revista apare­cia na espingarda. Mas, mesmo assim numa ida aos balneários quase em cima da revista, ficou pela segunda vez sem o famige­rado protector. Meus amigos, paciência, outro terá de arder!... Vagabundo roubou o que mais a jeito estava e na revista, a sua arma estava completa. Resultado: tudo mais fácil, limpo, sem grande trabalho e nada dispendioso!...

Aprendeu nas salinas a mergulhar na lama! Desgraçados do cabo Baidalo, do Churro, e outros, já homens de certa idade, cabos aprovados que para singrarem na Guarda [Nacional] Republicana ou no Exército tinham de tirar a especiali­dade, assim eram integrados no Curso, juntos àquela malandragem toda. Coitados, já não tinham idade para entrar naquilo!
– O quê?
– Os gajos não querem? Malta a eles!

Incitava o Suiças, acabadinho de sair do tirocínio em Mafra. A malta lançava-se sobre os desgraçados como alcateia de lobos sobre a presa, e eram obrigados pela matula a chafurdarem tam­bém na lama das salinas.

Na Atalaia muitas coisas aprendeu para além da ordem unida e armamento. Aprendeu vendo! Como se destrói um ho­mem,  despersonalizando-o e  transformando-o em farrapo. O tripeiro Pintainho com fobia das alturas, ser obrigado a subir ao muro alto, mão direita erguendo os restos de velha vassoura transformada em facho, lágrimas de raiva contida rolando pela face ser obrigado a gritar:
– Eu sou o Maior, eu sou o Melhor!

Degradante!... Vergonhoso, não só por ver um miúdo homem bom, sincero e honesto ser obrigado a descer tão fundo, anulação completa da sensibilidade humana!
– Não!

Com o ex-seminarista Clemente, frequentou nos primeiros tempos as belas igrejas de Tavira aos domingos. Entretanto, viu o Doutor,  vindo do Instituto de Reeducação (onde esteve internado) metido nisto, fazendo leituras na missa misturado com a alta sociedade da terra. Achou demais para tal figurão e infelizmente acertou. Pouco tempo depois falou com o Doutor  pelas grades da prisão e verificou que estaria com graves problemas. Só que ali já não seria a transferência para Leiria, mas sim o Forte da Graça em Elvas, ou outro presídio militar, o que seria bem mais complica­do. Vagabundo teve pena do Doutor.

Na sua metamorfose constante, Vagabundo transforma-se em abutre. Monte Gordo! Marie Luise! Filha de mãe france­sa e de pai emigrante português. Treinou um pouco o francês e não só. Momentos de loucura! A menina de Lyon, em férias e o militar Vagabundo, rolaram nas areias finas da praia e mergulharam nas quentes águas do Atlântico,  influenciadas pelo Mediterrâneo. A sensibilidade de Marie Luise transformou Vagabundo,  aprendeu comme il faut doucement. L´étalon! Pourquoi être mâle latin!? [, O garanhão ! Porquê ser macho latino ?!].

Em pouco tempo as reservas que tinha levado, evapora­ram-se. Houve que mandar um SOS para os velhotes, solicitando papel. Neste espaço de pede e recebe, é apanhado por um fim-de-semana, completamente limpo. Com Abledu, saiu dando umas voltinhas pelos cafés junto ao jardim e um saltinho ao outro lado do Gilão, para visitar uns familiares do camarada e amigo elvense. Sábado à noite regressa sem dispensa de fim de semana e de recolher à sua caserna.

Conversa com Clemente, vai aos balneários e vê uma banca de batota montada. Lá estavam os amigos madeirenses doidos pelo jogo. Completamente limpo, volta para o beliche, e tenta cravar o ex-seminarista. Este adivinha do que se trata. Nega e dá-lhe um sermão. Insiste! Bondoso, Clemente acede e passa-lhe cinco “croas”. Vai direito aos balneários e troca a massa para durar mais tempo. Atira cinquenta centavos para um montinho. O banqueiro vira as cartas, debaixo dos cinquenta centavos estava um rei. Negoceia a banca por vinte paus. Já dá para fazer umas jogadas e passar o tempo. Agora arrisca cinco coroas e perde três vezes seguidas, mais cinco coroas e novo rei. Aqui faz bluff, cem paus pela banca ou fica banqueiro. Jogo de alto risco. Ele sabe que não tem dinheiro no bolso para suportar a banca. Arrisca mas pode dar bronca e pancadaria. Fica banqueiro e as coisas começam a correr bem. Vai ganhando e perdendo a banca. Meia noite, já à luz da vela, levanta-se e diz que para ele termina. Conta o dinheiro. Tem no bolso mil quatrocentos e cinquenta escudos, mais uns trocados. Vai-se deitar. Acorda Clemente e dá-lhe um rolo de cinco notas de vinte.
– Toma lá as cinco “croas”. Amanhã vamos almoçar a Vila Real, O.K.?

Tavira, o antigo CISMI. Fevereiro de 2014. Foto de LG
Universidade Aberta, vai aprendendo a sobreviver, no mundo cão. Razão tinha Niotetos (in "Pássaro fora da Gaiola"):
– Eu não devo nada ao cabrão do meu pai! Se sou o que sou, foi porque estudei. O gajo limitou-se a fazer-me numa noite de gozo.

Aula de táctica, mesmo com o estômago vazio, Vagabundo sentiu vómitos e uma forte dor no estômago. As entranhas embrulharam-se-lhe todas. Nunca tinha ouvido tal. Seria possível um indivíduo falar assim do próprio pai? Mais!... passeando com a mulher pela rua, virava-se para trás e, directamente para a malta, dizia:
– É boa, não é!? Mas é minha!

Assim, com estes professores, ia sendo formado um futuro furriel miliciano do Exército Português, em África. Quando em Dezembro de 1963 o já cabo miliciano Va­gabundo recebeu a guia de marcha para se apresentar no Bata­lhão de Caçadores n.º 8 em Elvas, onde tinha sido colocado, não ficava com muitas saudades do CISMI, antes pelo contrário criou uma certa alergia ao próprio Algarve.

 (Continua)
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Guiné 63/74 - P15949: Parabéns a você (1061): José Augusto Ribeiro, ex-Fur Mil Art da CART 566 (Guiné, 1963/65)

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Nota do editor

Último poste da série de 7 de Abril de 2016 Guiné 63/74 - P15945: Parabéns a você (1059): António Rocha Costa, ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2539 (Guiné, 1969/71); Fernando Manuel Belo, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 8323 (Guiné, 1973/74) e Mário de Azevedo, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 6 (Guiné, 1970/72)

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P15948: Notas de leitura (825): "A Descolonização da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães", de Jorge Sales Golias (a lançar na 5ª feira, dia 14, em Lisboa): pré-publicação de um excerto por cortesia do autor: A perda da supremacia aérea – Março de 1973


Guiné > Pós 25 de abril > Primeiro encontro entre as NT e o PAIGC > O Cap Silva Ramalho, companhia de Saré Bacar [, na fronteira com o Senegal, a 39 km a nordeste de Contubole], sentado à direita, de óculos escuros, a falar com um representante do PAIGC, através de um intérprete.

Foto (e legenda): © Jorge Sales Golias (2016). Todos os direitos reservados



Capa do livro de Jorge Sales Golias, "A descolonização da Guiné-Bissau e o movimento dos capitães" (Lisboa, Edições Colibri, 2016), a ser lançado no próximo dia 14 deste mês, 5ª feira, às 18h, na CPHM - Comissão Portuguesa de História Militar, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, 11, Lisboa. (*)


1.  Mensagem de Jorge Sales Golias, do dia 5 do corrente:

Boa noite, camarada Luís,

Agradeço-lhe as suas palavras e, bem assim, toda a explicação detalhada sobre a perfomance do blogue.

Não lhe vou prometer grande colaboração porque estou envolvido numa teia de compromissos que me esgotam os tempos livres. Mas quem corre por gosto não cansa.

E para prestar a minha homenagem a este site extraordinário que o camarada  coordena.  vou então mandar-lhe para pré-publicação um extracto do texto do  livro "A Descolonização da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães". 

Mando  também uma foto não publicada sobre o 1º Encontro NT-PAIGC.

Abraço do Jorge Golias,

Jorge Sales Golias,  transmontano de Mirandela, nascido em 1941, ex-cap eng trms, licenciado em engenharia electrónica pelo IST - Instituto Superior Técnico, membro do MFA, Bissau, adjunto do CEME, gen Carlos Fabião em 1974/75, cor trms ref, administrador de empresas].



2. Excerto do livro "A Descolonização da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães" (Lisboa, Edições Colibri, 2016).  Cortesia do autor (**)


(...) A perda da supremacia aérea – Março de 73

As comunicações mais críticas no TO eram, sem dúvida, as de pedido de apoio aéreo (APAR). A rede de APAR de VHF funcionava nas frequências exclusivas de 49,0 e 51,0 MHz. Em combate, as ligações faziam-se entre os E/R AVP-1 e os E/R ARC-44 do aéreo (59).

Esta ligação era dificultada pela não total compatibilidade dos rádios do Exército e da Força Aérea, mas sempre se fazia satisfatoriamente, o que era vital, pois em situações de combate, nomeadamente de emboscadas, o apoio aéreo era prestado em poucos minutos, dadas as curtas distâncias em jogo.

Tal status garantia às NT que as situações de confronto eram relativamente curtas, pois os guerrilheiros do PAIGC sabiam que rapidamente ficavam sob fogo aéreo dos aviões T-6 e Fiat G-91 e retiravam, dispersando antecipadamente.

Outro apoio vital era o das evacuações por helicóptero (Allouette) directamente do mato para o Hospital Militar de Bissau (HMB). Os pedidos de apoio aéreo feitos para a Base Aérea Militar eram em HF, com os AN/GRC-9 (60) e os RACAL TR-28.

No entanto, o status da supremacia aérea, determinante para as NT desde o início da guerra em 1963, viria a perder-se em 1973, dez anos depois, com a introdução no campo de batalha, pelo IN, dos mísseis terra-ar SAM-7 (STRELA), de fabrico soviético. Estes eram portáteis a dorso e actuavam orientados por raios infravermelhos e visando a fonte quente do aéreo.

Registo a este respeito os primeiros abates no TO de FIAT G-91, em Março de 1973, um com o tenente Miguel Pessoa em Guileje (61)  que se ejectou e foi recuperado pelas NT (através de uma operação especial no dia seguinte) e outro, dias depois, pilotado pelo tenente-coronel Almeida Brito, no Sul, que foi a primeira vítima desta nova arma.

Dos vários aviões alvejados, cito o do capitão piloto aviador Pinto Ferreira, do meu curso da AM [, Academia Militar], que viu sair o míssil e através de uma acrobacia o conseguiu despistar.

O comandante da Zona Aérea era o coronel piloto aviador Lemos Ferreira, que nesta altura, em face da recusa de alguns pilotos em voar, ele próprio desempenhou algumas missões. (...)

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Notas do autor:


(59) Também havia pedidos de APAR pelas redes de HF, High Frequency, Alta Frequência, de 3 a 30 Mhz, que permitia uma comunicação a maiores distâncias, mas cuja ligação na Guiné nem sempre era possível.

(60) Army Navy/Ground Radio Communications, de origem Americana.

(61) O PAIGC usou aqui pela 1ª vez o Strela. Para tal atacou de dia a guarnição para a obrigar a pedir apoio de fogos. Apoio pedido, foi o avião atacado logo que chegou e deu-se o 1º abate no território.




de que o Jorge Sales Golias é coborador


3. Nota do editor:

Agradecemos a gentileza do camarada Jorge Sales Golias, que não conhecemos pessoalmente, e a quem saudamos pelo lançamento do seu livro. Oportunamente, será feita a  devida "nota de leitura" ou recensão bibliográfica a cargo do nosso colaborador permanente Mário Beja Santos ou por iniciativa de qualquer outro dos leitores do livro que o queiram comentar publicamente, aqui no nosso blogue.

Apraz-nos registar que os camaradas da Guiné, independentemente da época em que lá estiveram, da sua condição militar (arma, especialidade, posto, etc.) têm vindo a escrever e a publicar livros sobre os acontecimentos em que participaram, nesta antiga província (ou colónia) portuguesa, entre 1961 e 1974. 

Nunca é demais recordar  que o nosso blogue não tem nenhum bandeira, a não ser a da camadaragem e da verdade. Somos um blogue de memórias e de afectos. E é importante que todos os camaradas da Guiné  se sintam aqui tão confortáveis, neste espaço plural, a Tabanca Grande,  onde todos cabemos com tudo aquilo que nos une e até com aquilo que nos pode separar.  

Jorge, parabéns, boa sessão de lançamento e boa sorte para o livro. LG

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de 


3 de abril de 2016 > Guiné 63/74 - P15932: Agenda cultural (472): sessão de lançamento do livro de Jorge Sales Golias, "A descolonização da Guiné-Bissau e o movimento dos capitães" (Lisboa, Edições Colibri, 2016, 385 pp.), dia 14 de abril de 2016, 5ª feira, às 18h, na Comissão Portuguesa de História Militar, Palácio da Independência, largo de São Domingos, 11, Lisboa. Prefácio: cor Carlos Matos Gomes; apresentação: cor Aniceto Afonso

Guiné 63/74 - P15947: Os nossos seres, saberes e lazeres (147): O ventre de Tomar (11) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Março de 2016:

Queridos amigos,
Como se pode ver há ventres pançudos, de gente abastada, não falo de obesidade mórbida, este interior de casarão que vos mostro é uma casa cheia de requinte, mas lembra-me as obras de Santa Engrácia, vi um andar com apartamentos turísticos que devem ter custado um balúrdio, mas tudo para acabar, terá sido o proprietário anterior a quem faltou o fundo de maneio para ultimar espaços tão luxuriantes, o atual proprietário é bem capaz de não estar abonado para levar por diante este projeto faraónico. Mas dá que pensar como é que se investem milhões e não se leva até ao fim os trabalhos elementares. Como todos nós sabemos, não só uma pecha de Tomar...

Um abraço do
Mário


O ventre de Tomar (11)

Beja Santos

Foi num daqueles passeios à beira do Nabão, ali para os lados da Pedreira que o olhar se alanceou para uma vasta e imponente construção, via-se à légua que se tratava de edificação histórica, talvez uma daquelas quintas que nasceu convento, e que se foi tornando vistosa e aformoseada ao longo dos séculos. Espevitado pela curiosidade, dei com o caminho que leva até ao portão, ninguém atendeu à chamada. Como quem tem boca vai a Roma, teimei em perguntar, até que cheguei a alguém que preparou encontro com o proprietário que franqueou as portas, esclarecendo detalhes já que o visitante trazia língua de perguntador. História longa de contar, nas últimas décadas intervieram vários proprietários, há para ali sonhos inconclusivos, projetos dilatados na ambição de um turismo singular em casa tão senhorial. O que para o caso interessa é confessar como o viajante se rendeu a tão rico património, mais uma peça a juntar a outras que fazem de Tomar um caso muito sério da cultura portuguesa.


Este é um grande salão, propício a festas, e com um toque de mistério, dizem que ali houve celas destinadas a que os monges se apercebessem que há muitas formas de cilícios, o que parece inacreditável pois viver numa cela com esta bela vista não é castigo nenhum.


Quem fez esta intervenção das ditas celas respeitou materiais ancestrais, o visitante pasma com a forma como se argamassam os tijolos presos num lindo madeirame que lhe dá tanta leveza. Se eram celas de castigo, os monges seguramente conversavam pelas paredes ou faziam coro pelas matinas e vésperas, devia ser bonito de se ouvir este cantochão pelos campos fora. Tenho para mim que estas paredes de tabique foi golpe de asa de arquiteto. Para quê, não sei, nunca vi celas abertas para salão de festas ou de cerimónias, se de convento falamos, é inimaginável ter havido sala capitular. Mas é bonito de ver, a parte e o todo, e a vista é deslumbrante, sai-se deste longo corredor e tem-se balcão virado para a natureza. Em séculos que já lá vão, ali se devia rezar a oração e ouvir murmurejar o Nabão. Quão felizes terão sido estes monges e estes lautos proprietários agrícolas!


É um pormenor, chama-se graciosidade e bom gosto, uma azulejaria que assinala uma época e uma floreira que quebra a austeridade na passagem para uma escadaria. Nem só da espetacularidade vive o homem, são estes sinais de cuidado estético que tornam a visita mais prazenteira.


Para falar com franqueza, não sei como era no passado, mas que há preocupações legítimas em garantir que este edifício tenha requinte ancestral ninguém duvida. Belo chão de tijoleira, e quando aqui entrei, não sei exatamente porquê, lembrei-me da capela dos Portocarreiros, no Convento de Cristo, uma estrutura típica de um severo maneirismo, aqui deslumbra espaço desafogado e, vamos lá, pela luminosidade.


O viajante saiu daquelas entranhas, regressou ao casco histórico, faz agora um percurso mundanal, vai lavar os olhos em artes decorativas, muito estima deambular por estas vitrinas, bem pensadas na altura, profundidade e largura, dá para ver cá de fora e entusiasticamente entrar, a luz ajuda muito e a severidade do fundo torna a porcelana um desejo para decorar qualquer tipo de mesa.



Direi até à saturação que a viagem nunca acaba os viajantes é que desfalecem, são instáveis nos seus amores pelos lugares. Não foi por acaso que as livrarias de novos e usados sempre criaram a noção de intimidade, aqui se entra nalguns casos com prazo e receita, mas o ideal é ser apanhado desprevenido, pegar num livro e ter um assento confortável, uma boa luz, estabelecer conversa com o livreiro, não é crime não comprar, às vezes até nos inclinamos para livros caros, o importante, o mais importante de tudo é saber que não se pode viver sem estes livros. Outro aspeto curioso é o fundo musical, de há muito que o viajante constatou que as livrarias têm uma música suave de fundo, que vitamina a serenidade da leitura. Abençoados espaços que aguardam o passado e o presente, não há nada como o contacto físico do livro, amar uma capa ou uma encadernação, acariciar um formato, estar repimpado a ler e ter o olhar sardónico do Eça de Queiroz a vigiar-nos sem darmos por isso.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 30 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15917: Os nossos seres, saberes e lazeres (146): O ventre de Tomar (10) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15946: Fotos à procura de... uma legenda (72A): "As bajudas do Senegal e os rapazes de Cuntima"... (Foto de Vitor Silva)





Guiné > Região do Oio > Setor de Farim > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > "Todas as manhãs, bem cedo, Cuntima tinha visitantes do Senegal. Uns para fazerem comércio, outros para partir mantenhas com familiares e amigos e muitos outros para serem assistidos no Posto de Socorros pelo Médico e Enfermeiros da Companhia. Estas duas bajudas senegalesas prestaram-se para a fotografia, à distância conveniente, da máquina e dos militares". (*)

Foto (e legenda): © Vitor Silva (2008). Todos os direitos reservados.


1. Cada um de nós olha para as fotos que vamos publicando no nosso blogue (e já são mais de 50 mil!), com um certo olhar, seguramente único, já que a íris de cada de nós (pelo menos a sua forma) é única... 

Nenhum ser humano "vê" a mesma coisa da mesma maneira... Muitas das fotos que aqui publicamos retratam a mesma "realidade", quase até à exaustão: a maminha da bajuda, o pilão, o rio, o Niassa, os bu...rakos onde nos metemos, o obus 14, a G3, o Unimog 411 feito num oito... Outras chamam-nos a atenção pela sua singularidade... Esta, por exemplo, obrigou-me a usar "vários óculos" (incluindo os de ver ao perto)... E comentei:

"Vitor, a cena, com as bajudas senegalesas, que vocês estão a 'galar', é um espanto!... Merece destaque num poste à parte... Podia ser um fotograma de... um filme do faroeste, um filme de cowboys!... Eu acho é uma imagem com um grande carga erótica... Há aqui alta voltagem de erotismo!... Podíamos chamar-lhe 'As bajudas do Senegal e os rapazes de Cuntima!'... Elas, púdicas mas vaporosas, e vocês a mirá-las, a despí-las de alto a baixo... Qem terá sido o feliz fotógrafo ?"...


2. E depois é verdade: não há recanto nenhum da Guiné, do "nosso tempo", que não esteja mininamente documentado pelo nosso blogue, graças a uma rede, fantástica, de gente generosa que vai tendo a paixão, a carolice, a pachorra, a infinita paciência de ir compondo as peças de um  "puzzle" sem fim...

Por outro lado, há uma coisa que nos preocupa, amigos e camaradas da Guiné: é o destino a dar a todo este já imenso património memorialístico, reunido ao longo de doze anos... E que já não pertence apenas aos seus autores, ao Vitor, ao Humberto, ao Arlindo, ao Tony, etc., é de todos os nossos leitores, portugueses, guineenses, e por aí fora, que nos procuram e acarinham, que leem os nossos postes, veem as nossas fotos, e comentam ou não...

De qualquer modo, muitas terras da Guiné, pura e simplesmente, não existiriam "no mapa", se não fora o nosso blogue... Se calhar Cuntima é um delas!... (E façam a experiência: vão ao Google Imagens e procurem por um topónimo da Guiné: por exemplo, Bambadinca, Bafatá, Cacine, Fulacunda, Xime, Guileje... A maioria das imagens que o Google exibe são "nossas"...). Na realidade, o nosso blogue presta um serviço público de grande alcance, modéstia à parte!..

E depois vem o "nosso mais velho", o António Rosinha, ainda "armar mais confusão":

"Há quem diga que não fomos colonizadores (Sérgio Buarque da Holanda lido por Norton de Matos), fomos apenas uns aventureiros. As fotos do nosso blogue, com a Guiné em fundo, parece que pode comprovar isso mesmo a muita gente. Andámos ali 500 anos a fazer o quê?, perguntou-me um dia um engenheiro italiano em Bissalanca, na construção da Rotunda onde agora tem a estátua de Amílcar Cabral. Dizia aquele italiano que aquela terra tinha tão pouca graça... E de facto, cá para nós, aqui nesta altura do campeonato, em que até alguns estiveram nos 'Cus de Judas', outros 'além da Taprobana', é difícil explicar a estranhos o nosso 'gosto tão estranho'...

"Talvez este blogue ainda ajude a explicar a 'aventura colonial', além de explicar a nossa guerra em que contámos com Amílcar Cabral do outro lado".  (*)


... E acrescentaria eu: "e cercados por todos os lados, a norte pelo Senegal, a leste e a sul pela Guiné-Conacri, a oeste pelo Atlântico e o resto do mundo"... LG

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(**) Último poste da série > 30 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15915: Fotos à procura de...uma legenda (72): Três anos e meio separam estas duas fotos, tiradas no mesmo lugar, no destacamento da ponte do Rio Udunduma, estrada Xime-Bambadinca... Ou melhor, num sítio de nenhures... (Jorge Araújo, 1973 / Humberto Reis, 1970)

Guiné 63/74 - P15945: Parabéns a você (1060): António Rocha Costa, ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2539 (Guiné, 1969/71); Fernando Manuel Belo, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 8323 (Guiné, 1973/74) e Mário de Azevedo, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 6 (Guiné, 1970/72)



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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Abril de 2016 Guiné 63/74 - P15942: Parabéns a você (1058): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1971/73)