sexta-feira, 29 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16031: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (4): O segredo do Jorge, um conto do José Teixeira (régulo da Tabanca de Matosinhos)

O segredo do Jorge

por José Teixeira


O Jorge viveu a infância e os primeiros anos da sua juventude no mundo do “nós”. Nós, os portu­gueses, os melhores do mundo; nós, os portugue­ses, os descobridores e senhores de grandes possessões em África, na Índia e na Oceânia; nós, os portugueses, uma plêiade fantástica de heróis, de aventureiros e de santos; nós, o homem branco, senhor do mundo.

Na ciência, pontificavam os ilustres brancos. Na religião, o “deus” era branco, e os seus seguidores eram brancos. Tinham ido, nos tempos de anta­nho, para África, para a América e para a Índia levar a “boa nova” de paz e amor aos “outros”, os selvagens, coitados.

Quem caminhava a passos largos para con­quistar a Lua eram os homens brancos. Na polí­tica, sabia, apenas, que, em Portugal, havia um famoso branco, adorado e temido por todos os “outros” brancos.

No início da sua vida, neste espaço terrestre onde nasceu, foi descobrindo que ali também ha­via o “outro”; ou, melhor, “outros” que se dife­ren­ciavam pela casta: os iguais, pobres e humildes, que tiravam o chapéu e se curvavam respeitosa­men­te perante o “outro”, o senhor das terras e ha­veres, de quem dependiam para sobreviver, pelo trabalho, de sol a sol, que lhe prestavam em troca de uma tijela de caldo e uns tostões para matar a fome aos filhos.

A sua grande descoberta, e que o marcou para toda a vida, aconteceu quando desvendou que ele existia porque existia o “outro” e lhe servia de es­pelho vivo. Porque o “outro” andava de pé, come­çou a tentar pôr-se de pé e viu que podia dar pas­sos – os primeiros passos, a grande novidade. Depois foi toda uma vida a olhar para o “outro” e a imitá-lo, para o bem e para o mal. Deste modo, construiu o seu “eu”, a sua personalidade; desco­briu as suas capacidades e potencialidades e a for­ma de as pôr em prática. Se o “outro” não exis­tisse, o Jorge seria apenas um animal, dife­rente dos outros animais pelo dom de saber pensar, mas nunca seria, na realidade, o homem que é e de que se orgulha de ser.

Ao encontrar-se no cosmos, protegido por um deus branco, sentiu que, afinal, era um privile­gia­do. Era branco, e havia os brancos, e os “ou­tros”, pobres coitados, incultos, selvagens, incivi­li­zados, que era preciso salvar para o seu deus branco. Os europeus dos tempos de outrora, capitaneados pelos “nossos”, os heróis portugue­ses, tinham em­pre­en­dido grandes expedições para localiza­rem os “outros”, conquistarem as suas terras, explorarem as suas riquezas e converterem-nos à sua religião. Agora, continuavam a “protegê-los” com as suas armas e a enviar os seus missionários para os converterem ao seu deus, porque os deuses dos “outros” eram falsos. Estranhamente, só muito mais tarde desvendou que, afinal, “nós”, os europeus, ganhávamos fortunas colossais com a escravização, humana e económica, dos “outros”, os tais coitadinhos que precisam de ser salvos…

O “nós”, Portugal, encheu-se, assim, de orgulho pelas “descobertas” de terras que fez, como se elas não existissem desde sempre; pelas riquezas que explorou e roubou aos “outros”, e que aliava à “salvação” das suas almas, aqueles “outros” que tinham história e culturas e projetos de vida pró­prios, terras para cultivarem, e famílias estrutura­das à sua maneira.

Um dia, Jorge, a mando dos dominadores do “nós” – os senhores do mundo –, foi até África para mostrar aos “outros” que quem mandava éramos “nós” – os brancos –, com todo o poder na ponta das suas armas de guerra, e sofisticadas estratégias militares. Aterrou numa aldeia cheia dos “outros”, os selvagens, de quem se afirmava que não aceitavam ser portugueses. Contudo, ao internar-se pela tabanca (1) dentro, armado de uma potente arma, viu-se rodeado por um grupo de simpáticas crianças negras que, disputando-lhe os dedos das mãos, gritavam, alegremente, “beran­co! beranco!” (2),  numa atitude de boas-vindas, o que confundiu e perturbou profundamente o seu espírito.

Tocavam-lhe com as suas mãozitas e, depois, examinavam-nas atentamente, como que para comprovar se, por acaso, não tinham ficado bran­cas. Deliciavam-se a massajar-lhe o cabelo louro, liso e macio, e riam-se, riam-se…

Ali, embalado pela música das crianças, encon­trou uma sociedade aparentemente muito pobre, para
os seus padrões de vida, mas rica de valores humanos, em que o conceito de solidariedade e respeito pela pessoa era igual, ou até superior, ao que ele tinha aprendido no meio do “nós”, os senhores do mundo. Estranhamente, pela primei­ra vez, sentiu que era branco e um branco no meio dos “outros”, os pretos.

Que grande desco­berta cultural a que fez, nesse fim de tarde! Observou a cor da sua própria pele e a importância que esse pormenor tinha no seu próprio destino. Nunca o tinha feito. E foi uma nova luz para a sua própria história.

Jorge sentia-se o “outro”, e registou na sua mente que, afinal, não há brancos nem pretos; há, apenas, pessoas de pele diferente, com capaci­dades e potencialidades, com culturas e religiões, com sonhos e ambições, mas pessoas que mere­cem ser respeitadas. Sentiu, perante a reação das pessoas, que a cor da sua pele, aliada ao poder da arma, que trazia à tiracolo e o acompanhava sem­pre, eram fatores de separação ou talvez de medo. E ficou triste.

Estava no meio de um povo que amava a vida, tanto quanto ele, e que tinha uma estrutura familiar
bem definida, com as suas crianças cheias de vida e com direito a um futuro promissor, me­tido no meio de uma guerra que não queria, mas suportava com estoicismo e esperança.

As pessoas que o compunham cantavam e dançavam as suas modinhas, como ele, na sua terra longínqua. Saíam de madrugada para a lala (3), para amanhar as terras e colher o pão, como também ele o fizera tantas vezes.

Sentavam-se à sombra das árvores no calor da tarde para conversarem, o que lhe recordava, com saudade, os tempos em que ele se aninhava na borda do campo, à sombra das videiras carre­gadas de cachos de uvas doiradas, para saborear a merenda – quantas vezes –, uma sardinha frita com um naco de boroa e um copo de vinho. Eram um pouco preguiçosos, pensava, sem se aperceber de que o calor era abafante e de que o suor lhe escorria pelo peito, mesmo quando estava sentado à sombra do embondeiro a jogar às cartas ou a escrever uma carta para a namo­rada.

E tinham medo, um terrível medo da morte, que espreitava pelos canos das armas a todo o momento, tal como ele.

Deixaram-no entrar no seu ciclo de vida e nas horas vagas da guerra. Jorge embrenhava-se na tabanca, como se fosse na sua aldeia. Discutia-se futebol com emoção ou jogava-se, tantas vezes, com uma bola de trapos. Criou amizades e até se apaixonou pela bajuda (4), que, segundo ele, foi a mulher mais bela que conhecera em toda a sua vida.

Sobre essa paixão, escreveu uns tempos mais tarde:

“Tinha uma pele de uma suavidade intensa, pigmentada com laivos do sangue vermelho que a impregnava e lhe dava vida, transformando o negro, negro, numa coloração rosada; divinal para os meus olhos sedentos. Assim era a pele daquela jovem africana, de corpo esbelto e seios firmes, que avistei ao pôr o pé naquela tabanca, pela primeira vez. O Sol, ao fazer incidir sobre ela os seus raios doirados, dava ainda mais beleza àquele corpo talhado por mão divina em noite de lua cheia.

Os meus dedos, agilmente, tatearam os pomos ardentes que lhe saltavam do peito descoberto, atraídos pelo sorriso cativante e acolhedor que me devorou as entranhas, na ânsia de neles encontrar a chave da porta do futuro, que me esperava na­qu­ele chão vermelho.

Um olhar, profundo e firme, vindo de uns olhos amendoados e de um negro fascinante disse-me que estava a ser ousado em demasia, enquanto duas mãos firmes me retinham o gesto, ficando entrelaçadas nas minhas mãos atrevidas.

Tal como o olhar, as mãos daquela jovem de 18 anos, calejadas pelo duro trabalho da labuta na “lala”, deixavam passar um calor humano de boas-vindas que me encadeou o coração àquela terra e às suas gentes.


A Fatmata, assim se chamava a deusa que penetrou tão docemente no meu coração, foi, de ora em diante, a luz que me iluminou o caminho por entre a floresta da vida que trilhei, ao longo do tempo que se seguiu a este encontro feliz com a sua comunidade.

Estávamos na flor da juventude. Provínhamos de lugares e culturas tão diferentes, tanto quanto é diferente a cor da água e a cor do vinho tinto. Uma coisa, nós tínhamos em comum: a vida. E a vida merece ser vivida com garra e doação, o que fizemos nos seis meses que convivemos. Aprende­mos a conhecermo-nos melhor como pessoas e a respeitarmos a essência de cada um. Pela sua mão penetrei na comunidade local e na sua cultura an­cestral, que desconhecia inteiramente. Foram li­ções de cultura, saberes e práticas, por vezes es­tranhos, mas com sentido para a vida da sua etnia e do seu mundo, localizados no espaço e no tempo histórico. Aprendi a ser um deles – Perdi-me na prisão dos seus braços, encandeado pelo seu olhar cativante e desafiador, e fizemos das nossas vidas o mais belo templo do amor.

Da louca corrida do tempo, ficou apenas a sua imagem, colada à suavidade da sua pele.”



Gerou-se, então, uma tremenda desordem na sua mente. Foram meses de interrogações a si próprio, com respostas confusas; meses de silên­cios e sofrimento.

Tinha o poder das armas do seu lado. Havia uma população autóctone que nem por sombras era hostil ao seu país, bem pelo contrário, dava mostras de uma extrema fidelidade a Portugal, e havia um inimigo na mata a combater. Um povo ras­gado ao meio. Irmãos contra irmãos. As ordens superiores do “outro”, e que mandava nele, eram no sentido de destruir o inimigo e de assegurar o bem-estar da população que lhe era fiel. Mas, do outro lado, nas tabancas dos “outros” que sonha­vam com a construção de um país novo, liberto das peias do colonialismo, havia irmãos dos seus amigos africanos, havia esposas, havia mulheres, crianças e velhos.

O Kebá, seu amigo, disse-lhe, um dia, que uma das esposas e dois filhos tinham optado por com­bater pelos “outros”. Era mais uma razão para se recusar a pegar numa arma, o que não era muito bem visto pelos “senhores” dos galões doirados que mandavam em “nós” e não sabiam o seu segredo, pois, se o soubessem, rotulavam-no de amigo dos “outros” e enviavam-no para a Ilha das Galinhas (5).

Os duros combates sucediam-se. A morte en­tra­va ruidosamente e ceifava as vidas daquela gente. Choravam-se os mortos. Os de cá, ex­pres­sando a dor, mas, quando os mortos eram irmãos do outro lado, abafava-se a dor no silêncio e talvez no ódio.

As crianças saltavam-lhe para os braços, puxa­vam-lhe pela pera, tiravam-lhe os óculos. Ele corria atrás delas e, se caíam no chão, curava-lhes as feridas. Ao cair da noite, sentava-se à porta das moran­ças (6) com os mais velhos em amena cavaqueira. O velho Samba, com as suas histórias, mitos e lendas do povo e, os fatos reais de uma vida rica de expe­riências e a defesa do Corão como livro sagrado e do Islamismo como a religião única e verdadeira, era um homem culto e experiente. Tinha sido durante muitos anos cozinheiro num hotel, na cidade. Quando a guerra eclodiu, decidiu abandonar a profissão e regressar para junto do seu povo, para o organizar na defesa contra o ini­migo, a quem ele chamava o “irmão que andava enganado”.

O Abdulai, com as suas perguntas numa preo­cupação
contínua de apreender novos saberes e conhecimentos da cultura do seu irmão beranco, aprendera a ler e “devorava” tudo o que lhe apa­recia, fossem jornais, revistas de quadradinhos, ou livros.

Um dia, lera algo que o perturbou profun­da­mente: “Os horrores do holocausto”. Descarregou em Jorge todas as questões que tal leitura lhe levantara e transformou uma noite de esplendo­roso luar na noite mais escura que Jorge viveu na sua vida. Às perguntas: Por que aconteceu o holocausto, como puderam matar tanta gente que não andava na guerra, por que as mataram, e tantas outras questões que o Abdulai levantou, ele não foi capaz de responder e, sobretudo, encontrar a mínima justificação. Nessa noite, pela primeira vez, sentiu vergonha de ser branco; sentiu-se cúmplice dos crimes cometidos.

Aliu, o homem que detinha o poder gentílico, bamboleando-se na sua rede à porta do seu harém, e Jorge, sentado no banquinho de três pernas, perdidos pela noite dentro e trocando conhecimentos entre duas culturas tão díspares, tanto quanto a sua forma de ser e estar na vida, ou discutindo religião, em que o Islamismo se aproximava do Cristianismo, e vice-versa, no que respeita ao amor de Deus pelos homens e no res­peito que o homem deve ter pelo seu semelhante.

Outras vezes, eram as bajudas, a sua tentação noturna. Perdia-se com elas nas conversas de amor e paixão, sempre em tom baixo, à porta do abrigo e de ouvido atento aos sinais do “outro”, os da outra banda. De vez em quando, aparecia o velho Samba com um sorriso maroto a lembrar o perigo e a mandar recolher.

Nunca a vida tivera tanto valor como naqueles tempos, os melhores tempos da sua juventude. Jorge deixou que o seu sangue embebesse o sofrimento, as alegrias e as esperanças daquele povo e sentiu-se perdido. Ele tinha de ser um dos “outros”, os verdadeiros donos da terra perdidos nas duas frentes da guerra, sem deixar de ser ele, próprio. Mas como?

Havia ainda muito tempo para penar naquela inóspita terra vermelha, regada de sangue e lágrimas por ordem do “outro” que mandava na Metrópole ou “pátria-mãe”, como gostava que se chamasse ao Portugal europeu.

Sabia o rigor das regras militares a que estava submetido, desde que se tornou mancebo e en­trou no quartel, tinha vinte anos. Sabia que, numa vivência em estado de guerra, como aquela em que estava envolvido, há momentos em que “ou matas ou morres”, como diz o povo, na sua sabe­doria popular. Sentia que não tinha o direito de matar, tal como tinha aprendido na catequese que uma velha e rabugenta, mas muito querida, lhe tinha ministrado em criança.


O dilema bailava-lhe dentro da sua mente em sofrimento, e foi crescendo, crescendo, quase o coibia de pensar. A sua consciência impedia-o de agir com a violência das armas, pelo perigo de matar alguém. Impedia-o, também, de desertar ou, de algum modo, de mostrar o seu desacordo quanto às regras e ordens que lhe eram impostas. A morte de camaradas brancos e africanos, caídos por balas ou estilhaços assassinos, perturbava-o e obrigava-o a um estado de alerta e tensão perma­nentes. Isolava-se dos camaradas, fechava-se em si, e resistiu à tentação do álcool, mas já não era o mesmo rapaz alegre e comunicativo. Se o queriam ver feliz, era acompanhá-lo nas suas idas à ta­banca.

Um dia, caiu numa emboscada. Atirou-se para o chão, protegeu-se atrás de uma árvore e deixou-se estar de arma calada. Mandado avançar numa tentativa de envolver o inimigo, seguiu os seus ca­maradas de arma em posição de ataque, sem dar fogo. Descobriu, então, que se podia “fazer guer­ra” de uma forma passiva, não intervindo: to­mou a decisão. Guardou ciosamente o seu segredo durante o resto da longa comissão.


E quantas vezes, perante as situações de morte e de sofrimento que, à sua volta, grassavam na sequência das duras lutas travadas, a tentação de reagir pela força da sua arma teve de ser repelida pela consciência, num combate constante entre o coração e a razão!

Os camaradas foram-se apercebendo da mu­dan­ça que nele se operou. Tornou-se, de novo, um
companheiro alegre e comunicativo. Participa­va nas animações que, esporadicamente, os ca­ma­radas promoviam a pretexto de um aniversá­rio, de uma remessa de iguarias que alguma mãe enviara, numa tentativa de aliviar o isolamento e o sofrimento do filho querido, perdido na guerra. Deliciavam-se com os fadinhos de Coimbra, que Jorge tão bem cantava, mas, quando saíam para o mato, em missão, dita de soberania, à procura do inimigo, Jorge transmudava-se. Fechava-se em si próprio, no silêncio e na atenção aos movimentos que podiam vir da traiçoeira mata.

Terminada a comissão de serviço, regressou à sua terra natal – o Porto –, onde o esperava a família para lhe fazer uma viva e calorosa receção. Recorda-se que só se sentiu liberto do fantasma da guerra quando, ao chegar à estação de Gaia, avistou o seu Porto. Do que resta do primeiro encontro com a família, só se lembra de abraçar a mãe e dizer-lhe ao ouvido: “consegui”.

Ele conseguira cumprir a promessa que fizera à sua mãe na hora da partida para a guerra. Não matar!

José Teixeira



O Zé Teixeira: (i) tem cerca de 300 referências no nosso blogue;

(ii)  foi 1.º cabo aux enf, CCAÇ 2381, "Os Maiorais", Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70; 

(iii) está reformado como gerente bancário; 

(iv) vive em São Mamede de Infesta, Matosinhos; 

(v) é dirigente no movimento nacional escuteiro, onde é conhecido o "esquilo sorridente";

(vi)  é um dos régulos da Tabanca de Matosinhos e continua a ser um dos nossos grã-tabanqueiros mais solidários e inquietos; 

(vii)  como eu gosto de lembrar, o Zé foi talvez dos poucos de nós que, graças ao seu papel de enfermeiro (e também por mérito pessoal, pela sua generosidade, coragem, inteligência emocional e demais qualidades humanas), conseguiu saltar a 'barreira da espécie': ele, tuga e cristão, foi aceite e amado pela população fula e muçulmana, e ainda hoje tem verdadeiros amigos, fulas, lá Guiné-Bissau profunda... Ele é amado, mimado, adorado quando lá volta (e já lá voltou não sei quantas vezes!] (LG)

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Notas do autor

(1) tabanca – aldeia

(2) beranco - branco

(3) lala – campo

(4) bajuda - rapariga casadoira

(5) Ilha das Galinhas – ilha do arquipélago dos bijagós na Guiné-Bissau – antigo campo de prisioneiros no tempo da guerra colonial.

(6) morança – casa típica da Guiné-Bissau coberta com palha de capim.


Fotos do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

28 de abril de  2016 > Guiné 63/74 - P16026: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (3): Imagens com história... separadas por 44 anos: Xime (1972) e Monte Real (2016) (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)

26 de abril de 2016 > Guiné 63/74 - P16019: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (2): Dez comentários aos primeiros 1500 postes

26 de abril de 2016 > Guiné 63/74 - P16018: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (1): Heróis de uma guerra que nunca existiu e que por isso, não vão ficar para a história: o Paranhos, o Pimentel, o Peniche, o Pinto e eu (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P16030: Agenda cultural (477): Ciclo de conferências 2016: "A censura na Ditadura Militar e no Estado Novo (1926-1974)": Museu Bernardino Machado, V. N. Famalicão, hoje, às 21h30, entrada gratuita



CONVITE

O Museu Bernardino Machado tem a honra e o prazer de convidar V. Ex.ª para assistir à conferência A Censura do Estado Novo sobre o Jornal de Notícias , no âmbito do Ciclo de Conferências de 2016, que se realizará no próximo dia 29 de abril (sexta-feira), pelas 21h30, no Museu Bernardino Machado, em Vila Nova de Famalicão.
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Guiné 63/74 - P16029: Parabéns a você (1071): Giselda Pessoa, ex-2.º Sarg Enfermeira Paraquedista da BA 12 (Guiné, 1072/74)

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Nota do editor

Último poste da série > 27 de abril de 2016 >  Guiné 63/74 - P16022: Parabéns a você (1068): Hugo Guerra, Coronel DFA Reformado, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 55 (Guiné, 1968/70) e Humberto Nunes, ex-Alf Mil Art, CMDT do 23.º Pel Art (Guiné, 1972/74)

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16028: (In)citações (89): Reflexão sobre a oportunidade (a falta dela) decorrente do MFA (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

1. Texto do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviado ao Blogue em mensagem de 23 de Abril de 2016, subordinado ao título:


Reflexão sobre a oportunidade (a falta dela) decorrente do MFA

Caros Luís e Vinhal,
Cantou-se durante antigamente que o tempo voltasse para trás. Não volta, nem há volta a dar-lhe. É passado, e pesam as consequências do que ficou por fazer, como do que foi feito. Este texto, na minha opinião, pode seguir-se ao último que enviei durante o mês passado e aguarda publicação, se tal for o vosso entendimento. Em vésperas de novo aniversário sobre o golpe volto a referir a descolonização, no pressuposto do abandono do ultramar. Em anteriores comentários já tive ocasião para mostrar alguns índices do desenvolvimento económico e social de Angola, que era o motor português para a sustentabilidade do modelo integracíonista prosseguido pela política de Salazar, que viria a passar por alterações com Caetano no reconhecimento da autonomia crescente daquela "província", dadas as diferenças entre elas de circunstâncias sócio-económicas.

"Já em pleno período terrorista, o problema do futuro do ultramar português foi posto, pelos próprios portugueses, no quadro destas quatro teses:

1.ª - O ultramar integrado no todo nacional - Portugal - com o qual ele constitui um território indivisível.

2.ª - A autonomia progressiva dos territórios ultramarinos (tese de Caetano).

3.ª - A autodeterminação, em cada território, decidindo livremente a integração no todo nacional (indivisível, ou federal, etc), ou a independência (tese de Spínola, mais apressada por ele próprio nas comunicações oficiais decorrentes da sua condição na Guiné, apesar da impreparação de algumas das províncias, designadamente a que governava).

4.ª - O abandono, puro e simples, dos territórios, aos movimentos terroristas, que se auto-intitulavam "movimentos de libertação".

A primeira tese ... ignorava as mais diversas realidades geo-étnicas ... sucedeu e opôs-se à política representada pelo Acto Colonial (1930) ... cada uma delas possuindo legislações próprias - política muito discutível, sem espírito de previsão salvo no que respeita uma eventual tentativa de redistribuição internacional dos territórios coloniais; porque ... as descolonizações começaram a realizar-se alguns anos depois, exigindo uma estratégia completamente diferente.
A tese da "integração" ... não tanto como estratégia de momento, mas sobretudo realidade histórica (foi) retomada apressadamente (1951) em substituição do Acto Colonial ... continuando a política de Paiva Couceiro ... seguida também por Norton de Matos. O engrandecimento de Portugal - diz N.M. - só se conseguirá pela Unidade da Nação - Todas as nossas leis se têm de basear na unidade nacional ... em primeiro lugar a unidade territorial ... haverá para tanto um organismo único - orientador, propulsor e fiscalizador, onde estejam representados todos os interesses nacionais. (...) a nossa dupla missão em Angola devia ser, segundo Norton de Matos, a de introduzir nesse território elementos demográficos metropolitanos, e a de civilizar a raça negra . (...) o elo essencial ou, pelo menos, indispensavelmente complementar desta "unidade", era a língua: "Enquanto os habitantes de Angola, Moçambique, Guiné, Índia e Timor não falarem todos correctamente o português, a Unidade Nacional não será perfeita e a civilização desses povos poderá fazer-se, mas conduzirá fatalmente a nacionalidades diversas. (...) tratava-se de uma "Unidade" que garantisse, em caso de independência, como no Brasil, a língua e o génio da cultura portuguesa". Mas até 1961, a política de integração ... foi mais retórica do que de realizações governamentais. A verdadeira colonização eram os colonos que a faziam; e foram os colonos que se opuseram aos terroristas em Angola, antes que as primeiras forças militares ... chegassem a África. Não se tratava de uma sublevação de populações, mas apenas de um movimento conduzido por aventureiros e ajudado por potências estrangeiras.

Foi nestas condições que Caetano tomou as funções de Presidente do Conselho (1968), já com a ideia da autonomia progressiva (2.ª tese), isto é, a autonomia administrativa e financeira. (...) as províncias ultramarinas "deviam reger-se por legislação própria, com respeito das culturas e dos usos e costumes das populações nativas". Em 1972 foram publicados a nova lei orgânica do ultramar português e os estatutos das suas diversas províncias (que consagravam a ideia de autonomia progressiva e participada). Economicamente, cada província mantinha o seu próprio sistema monetário e de câmbio, mas as saídas de divisas não podiam exceder as entradas - o que limitando as importações (equipamentos e bens de consumo), estimulou a criação de novas industrias em Angola e em Moçambique. Esta tese estava ... entre a de Norton de Matos (no que diz respeito à fixação do elemento branco português em Angola e Moçambique, e à mestiçagem) e o método de colonização do Brasil . " (...) "como não era admissível o abandono do Ultramar nem a proclamação de independências prematuras, sob o domínio de minorias brancas que teriam de assentar na força o seu governo ou entregando a aventureiros africanos a vida, os bens e o destino de fortes núcleos civilizados dotados de infra-estruturas e equipamentos técnicos modernos, tinha de se procurar uma via intermédia" (Caetano).

A colonização portuguesa foi, no seu conjunto histórico - reabilitando-se do do que ela pôde ou teve que ser cruel, para tornar-se a mais humana de todas - autodescolonizadora no próprio processo das relações humanas estabelecidas entre colonizados e colonizadores. Portanto, o neologismo "autodescolonização"... designa uma descolonização que se faria pela própria iniciativa dos colonos e da metrópole, obedecendo a essa força de relações humanas entre metropolitanos e autóctones, determinando a promoção destes à mesma cidadania daqueles, para uma mesma consciência nacional. (...) (tal autodescolonização) ... deve desenvolver-se pela mestiçagem. Se não houver mestiçagem, não se pode falar de autodescolonização, porque haverá, então, um apartheid ou separação pura e simples, em que uma das partes continua a colonizar a outra (ou então as duas comunidades tornar-se-iam independentes uma da outra)".

Para entendimento das boas intenções deste parágrafo, vou repetir a evolução demográfica registada em Luanda, no período de 1960 a 1970, que já divulguei em posts anteriores:
Em 1960 havia 55.567 brancos, que em 1970 já eram 126.817; no inicio do mesmo período, eram 13.593 mestiços, que passaram a 37.974; enquanto em 1960 os pretos que eram 155.325, passaram a ser em 1970, 312.290. Com outras origens, em 1960 eram 55 indivíduos, que em 1970 passaram a ser 247 (não se especifica onde foram integrados os indivíduos de origem asiática). Assim, constata-se que o número de brancos e pretos, de per si, quase duplicou, e os mestiços quase triplicaram, o que vem dar razão aos que afirmam o bom ambiente na cidade, e o crescente número de relações de paternidade entre brancos e pretos. Era porque a população se sentia à vontade e sem preconceitos. Depois do golpe, e antes da independência já se verificava a instilação de ódios racistas, que o MFA não se coibia de incrementar, conforme revela o General Silva Cardoso, "Angola, anatomia de uma tragédia", Oficina do Livro, que ainda pode ser encontrado em livrarias, mas mais barato e frequente em alfarrabistas.

Assim, desta breve análise a textos da autoria de Amorim de Carvalho, "O Fim Histórico de Portugal", Porto, 1977, que inclui passagens de Norton de Matos em "Memórias e Trabalhos da Minha Vida", e de Marcelo Caetano no seu livro "Depoimento", obras só disponíveis em alfarrabistas, podemos constatar que o MFA não passou de um conjunto de oficiais (depois alargado a milicianos e a sargentos e praças) de nula ou escassa formação política orientada para o bem e integridade das populações como compete a quaisquer forças armadas (revelou-se prestimoso em serviços para potências estrangeiras), não mostrou conhecimento sobre a estrutura da nação (os que, de início, eventualmente tenham acreditado nas boas intenções e justiça da atitude desencadeada), e que no espaço de um ano, através de reuniões e mensagens mais ou menos clandestinas, evoluiu de uma motivação profissional reivindicativa, para uma justificação de mudança e transformação nacional. Eram imberbes, podem agora arguir, e não se deram conta dos alcances da iniciativa.

As consequências já as conhecemos; pobreza, por falta de aparelho produtivo, destruído o anterior; perda da soberania, pela adopção obrigatória de normativos legais provenientes da Comunidade, susceptíveis de impedir ou obrigar a adopção de diferentes meios legislativos, para além de condicionarem medidas de carácter económico, financeiro, laboral, diplomático e outros; e indignidade de um povo que há 40 anos estende a mão à caridade (ainda os empréstimos que nos iludem e permitem alguma qualidade de vida), em consequência das demagógicas mentiras políticas, do que resulta o risco do banimento da independência, pela integração em nacionalidade mais forte, ou no ostracismo miserável de uma região abandonada pelos credores (tipo Albânia dos anos 70 com Enver Hoxha), que podem fartar-se de alimentar "projectos" revelados egoístas e insaciáveis a favor da plutocracia nacional estribada na subvenção dos partidos, ou na dúvida sobre a capacidade de retornos dos elevados montantes emprestados, que, neste momento, e pelo andar da carruagem - comum a todos os governos anteriores, é o que se afigura de mais viável. De facto, peço a alguém mais inteligente, que me demonstre como as sucessivas execuções orçamentais, sem expressão no aumento do produto, ou na expectativa sobre a capacidade produtiva, podem contribuir para a melhoria de vida dos portugueses, e permitir que a classe política continue a desbaratar verbas só justificadas no papel, a usufruir de rendimentos e privilégios desadequados à "democrática" condição nacional, e a cometer esse desaforo traiçoeiro de vender património público e sobrecarregar a população com os excessos de endividamento, vendas que não revelam quaisquer melhorias, quer das instituições, quer do equilíbrio económico-financeiro (amortizações e redução da dívida pública, que a privada deveria ter outras implicações.

Aqui chegados, já vimos por alto como a Descolonização foi um fracasso, sem termos recordado as infames traições aos africanos que integraram as FA; nem aos civis, brancos, pretos e mulatos que foram mortos ou desapossados dos seus bens e modos de vida; quanto ao Desenvolvimento, também é permanente a sensação de caducidade de uma sociedade que não se mostra auto-sustentável; e, por fim, sobre a Democracia, fica também demonstrado o livre arbítrio do MFA, que nunca pôs à consideração popular a avaliação dos seus procedimentos, antes, deu perseguição a muitos dos que clamavam contra a destruição das instituições e dos abusos cometidos sobre a vida normal das populações, sem nunca ter evidenciado a humildade de reflectir sobre os actos praticados ou estimulados, nem sobre as consequências registadas. Sobre o programa dos 3 dês, ficam desmascarados os benefícios do 25 de Abril, em oposição com a estrutura económica e social que garantia meios para o desenvolvimento português, apesar das previsíveis independências poderem alterar as situações de cada parcela, que deveriam contar com períodos de preparação e solidariedade, com vista à consolidação das respectivas autonomias.

Ter promovido eleições como o fez, equivaleu a dar (pseudo) escolha à população ainda "impreparada", crédula da bondade dos partidos, que não se deu conta do tabuleiro onde se disputou uma partida da guerra-fria, que influenciou as estratégias em África e na Península Ibérica; e sobre os partidos e os actos eleitorais, basta constatarmos a tradicional demagogia dos candidatos, contraditada logo que chegam ao poder e estabelecem os tradicionais esquemas e alianças, alicerçadas em despudorada impunidade. Como se diz popularmente, quem parte e reparte, e não fica com a melhor parte, ou é tolo, ou não tem arte. Pertenço ao grupo dos que não querem ser tolos, e tenho a ideia de que as boas empresas, são-no, porque fazem boas e frequentes auditorias. O que é o Estado senão uma grande empresa, a maior de cada nação, e quem deseja vê-la na falência?

Como não sou dono da verdade, chamo a atenção para a necessidade de interpretar o que deixo, daí suscitando uma de duas reacções: a adesão total ou parcial, ou a contestação. Lanço o repto aos contestatários para divulgarem os seus pontos de vista, e, daí, criarmos a possibilidade de podermos beneficiar de interessantes e construtivas trocas de impressões.

Abraços fraternos
JD

Notas:
- As frases entre comas referem-se a citações referenciadas no texto principal. As aspas abrem e fecham os períodos retirados do livro "O Fim Histórico de Portugal". Onde não há aspas nem comas, corresponde a textos da minha autoria, princípio e fim do texto.
- O presente texto destina-se a publicação no blogue www.blogueforanadaevaotres.blogspot.pt, de Luís Graça e Camaradas da Guiné.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P16021: (In)citações (88): Reflexão sobre o inicio da decadência nacional (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

Guiné 63/74 - P16027: Os nossos seres, saberes e lazeres (151): Mário Serra de Oliveira sugere uma visita a Alcaide, Fundão, na época das cerejas... (Por que não uma excursão da Tabanca Grande, a partir de Lisboa, uma, e outra do Porto?)

Alcaide Foto: São Esteves. Com a devida vénia


1. Mensagem do nosso camarada Mário Serra de Oliveira (ex-1.º Cabo Escriturário, Bissau, 1967/68):

Olá Carlos:

Com votos de boa saúde, gostaria de começar por dizer que adorei estar no convívio em Monte Real.

Entretanto, não sei se sabes que aqui na minha zona, há muita cereja e de qualidade. Por meu lado, tenho uma mista de olival e cerejal, com 5500 m2. No entanto, não sou de andar a colher nem uma coisa nem outra.

O que aqui muita gente faz... é organizar excursões de gente de fora, que goste de cerejas. Então aqui vêm, uns de carro e outros de autocarro, colhem as suas próprias cerejas, comem as que quiserem e pagam €5 - levando 1kg. O extra, pagam ao preço de mercado.

Alguns almoçam por aqui... (temos cá um restaurante que normalmente está fechado... chamado Cunha Leal, político famoso e filho adotivo do Alcaide).

Bem, neste ponto, há que acertar agulhas antecipadamente,  para alguém organizar o almoço. Ementa e quantas pessoas.

Assim, se considerares que valeria a pena, poderias divulgar e quem estivesse interessado, contactaria comigo ( telem 968 173 329), para coordenar tudo.

Se for um grupo razoável, poderiam vir de autocarro.
Tenho a certeza que iriam gostar do passeio e do convívio.

Que acham da ideia-convite?

Abraço a todos.
Mário S. de Oliveira

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2. Aqui fica o Convite do camarada Mário Oliveira para um dia diferente, passado em Alcaide, sua freguesia natal, do concelho de Fundão.

CV 
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P16024: Os nossos seres, saberes e lazeres (150): A pele de Tomar (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16026: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (3): Imagens com história... separadas por 44 anos: Xime (1972) e Monte Real (2016) (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)



Mensagem do Jorge Araujo  com data de ontem,


Caro Camarada Luís,

Os meus melhores cumprimentos.

No âmbito da celebração do 12.º Aniversário do BTG [Blogue da Tabanca Grande], no qual se inclui a minha participação no seu XI Encontro Nacional, tome
i a iniciativa de escrever mais uma pequena narrativa histórica onde recordo, com algumas imagens, tempos passados na Guiné e tempos recentes separados por mais de quatro décadas.

PARABÉNS!

Um forte abraço de amizade a todo o colectivo da Tabanca

Jorge Araújo.
ABR 2016















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Nota do editor:

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16025: Álbum fotográfico do Fernando Andrade Sousa, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) - Parte II: O meu amigo Abibo Jau, o "bom gigante" da CCAÇ 12, fuzilado pelo PAIGC, ainda em 1974


Foto nº 1 > O Fernando Andrade Sousa, junto ao memorial dos mortos de Bambadinca, em plena parada, frente à escola primária. [O sold com auto Manuel Guerreiro Jorge, da CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70, morreu na 16/10/1969, numa  mina A/C, seguida de emboscada, quando uma força do Pel Caç Nat 52, comandandada pelo alf mil Mário Beja Santos, regressava a Missirá, ao fim da tarde, com coluna de reabastecimento.



Foto nº 2 > O Abibo Jau e o Fernando Sousa no quartel de Bambadinca, sobranceiro à grande bolanha que se estendia a sul... É a primeira que aparece do Abibo ao fim destes anos todos!


Fotos: © Fernando Andrade Sousa (2016). Todos os direitos reservados.


1. Mais duas fotos que nos mostrou, em Monte Real, no passado dia 16, por ocasião do XI Encontro Nacional da Tabanca Grande, o Fernando Andrade Sousa, o último camarada sentar-se sob o nosso sagradado e mítico poilão, com  o nº 714.

Foi 1º cabo aux enf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, entre maio de 1969 e março de 1971), e mora na Trofa.   Era seu superior hieráquico o fur mil enf João Carreiro Martins, membro, também ele, da nossa Tabanca Grande.

Na foto nº 2 vê-se, de perfil,  o Abibo Jau (, o gigante do 1º Gr Comb da CCAÇ 12, fuzilado pelo PAIGC, ainda em 1974, em Madina Colhido, juntamente com o Abdulai Jamanca, cmdt da CCAÇ 21, oriundo da 1ª CCmds Africanos.

2. Comentário do editor LG:

Meu caro Fernando: mais outra foto que me emociona: tu com o Abibo Jau, fula, soldado arvorado nº mec. 82 107 469 Abibo Jau, da 1ª secção, 1º Grupo de Combate, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), grupo de combate de que era comandante o alf mil op esp Francisco Magalhães Moreira, teu vizinho de Santo Tirso, e que eu não vejo desde 1994, desde o nosso primeiro encontro em Fão, Ermesinde.

O Abibo era o nosso bom gigante, um poço de energia!... Era ele que transportava às costas os restos dos nossos mortos ou até os nossos feridos... Estou ainda vê-lo a levar  às costas o cadáver do malogrado Cunha, do meu amigo furriel Cunha. da CART 2715,  cuja seção  foi massacrada no decurso da emboscada que apanhámos, a CCAÇ 12 e a CART 2715,  no decurso da  Op Abencerragem Candente...  Tu estavas lá e eu também, andei a juntar os restos, macabros, dos nossos mortos, alguns dos quais cabiam numa improvisada trouxa que fizemos com os nossos impermeáveis. É uma daquelas cenas da Guiné que ainda me consegue tirar o sono...

Mas o Abibo também era o "nosso torcionário":  ele fazia por nós o "trabalho sujo" de obter informações dos prisioneiros, sob tortura... Nós fomos embora da Guiné, em março de 1971, repressámos a casa e dormimos, hoje, tranquilos (?), em camas com lençóis lavados, e com ar condicionado para climatizar os nossos pesadelos...

É certo que, pelo menos no nosso tempo, travámos alguns dos impulsos de morte do Abibo... Mas, que sei eu ? Ele interrogava os nossos prisioneiros (o Malan Mané, o Jomel Nanquitande, o Festa Na Lona...), e a essas cenas eu poupei-me, nunca assisti (ou não quis assistir) ... Eu e todos (ou quase todos) nós, os milicianos, os "gajos decentes" da CCAÇ 12 e das outras unidades estacionadas em Bambadinca...

Depois de passarem pelo "espremedor" da tropa, os prisioneiros eram entregues à PIDE/DGS de Bafatá... Imagino o pó que os gajos do PAIGC  tinham a militares como o Abibo Jau... O Abibo há muito que apodrece em Madina Colhido. Mas não podemos ignorar ou escamotear que o Abibo foi uma "criatura nossa", uma peça da nossa máquina de repressão... Hoje ele teria ficado livre da tropa: sofria de epilepsia e de elefantíase, tanto quanto me lembro... Tinha ataques frequentes. Era preciso meia dúzia de homens possantes para o segurar. Um dia vi o diagnóstico da doença dele numa ficha médica, no nosso posto clínico, e fiquei indignado; como foi possível dá-lo como apurado para o serviço militar ?

A sua generosidade e a sua bravura mas também o seu  mau génio e o seu corpo de gigante foram postos ao serviço do exército português. Nunca houve um cabrão de um miliciano (médico, alferes, furriel...) ou de um oficial do quadro do exército (civilizado) do meu país (civilizado) que dissesse: "este homem é um doente, não pode ser soldado!"... Eu sabia que algo estava errado no comportamento, bipolar, do Abibo Jau... Simplesmente, também eu me calei... Todos nós gostávamos do lado bom do Abibo, do bom gigante do Abibo...

Na altura, foi uma trágica notícia a que o José Carlos Mussá Biai me deu (**),  confirmando os meus piores receios!... De facto, não era nada que eu não temesse...  Escrevi-lhe na altura: "Fizeste bem, Zé Carlos: é assim, falando - mesmo com o coração apertado - que a gente, tu e nós, o teu povo, os guineenses, os fulas, os mandingas e os demais povos da Guiné, vamos fazendo as contas com passado que nos atormenta, a todos, de uma maneira ou de outra... É assim que vamos exorcizando os nossos fantasmas, libertando-nos dos diabos da floresta"...

Abibo, mais uma vez, paz à tua alma (, tu que eras fula e crente e nosso camarada de armas)!... Que a tua morte não tenha sido totalmente em vão, para que os meninos do Xime e de Madina Colhido e de Bambadinca, livres de todos os pesadelos, possam hoje ouvir contar outras estórias, as dos bons gigantes da floresta, expulsos os diabos que um dia os atormentaram...

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(...) Texto do nosso querido amigo José Carlos Mussá Biai (outrora, o nosso menino do Xime):

Caro Luís:

Acabo de ler depoimentos muito impressionantes que me fizeram recuar a minha infância em Xime, que você e muitos outros tertulianos bem conhecem de outros tempos.

Aquilo que o António Duarte escreveu e que lhe foi transmitido por um estudante guineense no ISEG  (***) é pura verdade.

Eu (com os meus quase 11 anos) e muitos outros, em 1974, vimos os militares do PAIGC, em dois camiões de fabrico russo, um deles completamente tapado de toldo. Passaram por Xime, de manhã, para Madina Cudjido (Colhido, como vocês dizem). Passados uns 30 minutos ouvimos muitos tiros. Só que por volta da hora do almoço ouvimos [dizer] que foram lá fuzilados 8 pessoas. E das pessoas que nós ouvimos que tinham sido fuzilados - não sei se corresponde a verdade ou não - um deles era o tal Abibo Jau (...) que esteve na CCAÇ 12 em Xime. A outra pessoa seria o Tenente Jamanca, da CCAÇ 21 que estava em Bambadinca.

Mas tudo isso não me espanta porque os meus irmãos e primos que cumpriram o serviço militar no exército português, em Farim e depois em Bissau e Bambanbadinca, também foram presos, mas felizmente não lhes aconteceu o pior.

Um abraço, José Carlos Mussá Biai (...)



(***) Vd. poste de  11 de maio de 2006 >  Guiné 63/74 - P745: Ex-graduados da CCAÇ 12 também foram fuzilados (António Duarte)

(...) Sou o António Duarte, ex-furriel atirador da CART 3493 e da CCAÇ 12 (...).Tenho escrito muito pouco, porque o tema ainda me incomoda, mas gostava de dar duas notas (...).

A primeira prende-se com o programa [da RTP 1, Órfãos de Pátria, que passou na 3ª feira]. Partilho das opiniões já expressas, traduzidas pela expressão muita parra e pouca uva. Foi pobre na forma e no conteúdo. Foi superficial e não quis ser politicamente incorrecto.

Sem querer alongar-me, gostava de apresentar um exemplo. O programa foca-se exclusivamente nos comandos africanos e, tanto quanto sei, os graduados das CCAÇ africanas, de origem local, foram também fuzilados.

Esta informação foi-me prestada por um estudante guineense, meu contemporâneo no ISEG - Instituto Superior de Economia e Gestão (ex-ISE). Referia esse jovem, que era natural de Bafatá, que grande parte dos graduados da CCAÇ 21 foram fuzilados.

Ora, para nós, ex-militares da CCAÇ 12, esta situação toca-nos profundamente, pois em 1973 esta companhia [a CCAÇ 21], que ficou em Bambadinca, comandada pelo Ten Jamanca [ex-comando africano], foi constituída, tendo por base furriéis que eram ex-cabos da CCAÇ 12 (na época colocada no Xime).

Com a ausência de referências aos outros fuzilamentos, fica a ideia de que se tratou de uma mera perseguição aos homens dos Comandos Africanos, o que realmente não foi. Foi muito mais do que isso. (...)

Guiné 63/74 - P16024: Os nossos seres, saberes e lazeres (150): A pele de Tomar (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Dezembro de 2015:

Queridos amigos,
Prossegue a itinerância pelos garbosos exteriores da vetusta Tomar.
É necessário percorrê-la em várias direções, à cata de preciosidades. Consola o que se restaura e bem, magoa o que se degrada e parece inexoravelmente abandonado. Como se dirá no fim desta viagem, houve um atropelo em se passar do exterior para o interior, o viajante foi literalmente seduzido por uma amena cavaqueira dentro de uma barbearia, espaço de serviços, aliás, com imensos pergaminhos para tertúlias e difusão de rumores.
O viajante andava desorientado à procura de beirais de outras eras, ouviu gralhar, entrou, cumprimentou, pediu licença, e registou uma lembrança invulgar, convenhamos que aquele barbeiro é galã de cinema ou de teatro, mais à-vontade não pode haver. Esperem-lhe pela pancada, há muito mais pele para esticar, mais Tomar para vagabundear.

Um abraço do
Mário


A pele de Tomar (2)

Beja Santos

Quantas vezes passamos, anos e anos, por aquela rua e subitamente acordamos para um detalhe insuspeitado? Por aqui tenho andado com bastante frequência e só agora aqui me quedei com este lance de escada que é deslumbrante, quem remodelou o edifício explorou magistralmente o contraste entre a pedra e alvenaria, e há este pormenor gracioso de poder congelar a imagem e ficar a supor que ninguém usa aquela escada, é como se não houvesse saída. Aqui se deixa o leitor a interrogativa para esta ilusão da ótica.



A ermida possui uma enorme harmonia, cheira muito a bafio, não se podem esconder as cargas de humidade, é rastejante e capilar. Detenho-me nesta fachada de uma grande sobriedade renascentista, paro muitas vezes diante deste portal, é para mim uma das grandes preciosidades tomarenses, daquelas que podem concorrer com o que de melhor temos pelo país fora. Se outra razão não houvesse, por aqui passo dando hossanas a Santa Iria.


Exatamente deste lugar foram vendidos dezenas e dezenas de postais que a minha avó recebeu em Luanda, Malange, Lucala, Vila Salazar (hoje N’Dalatando). Postais que foram pretexto para esta avó me falar das delícias nabantinas, misturava as filarmónicas com as mulheres a lavar roupa no rio Nabão, abria os olhos e o rosto transfigurava-se quando falava do convento e da charola, não sabia esconder a saudade, por estar entrevada, de não poder voltar a assistir à Festa dos Tabuleiros.


Tomar, de certo modo, está aberta à imprensa mundial que se exprime em inglês, francês e castelhano, já encontrei esta imprensa em três pontos, mas captei esta imagem porque aqui prima o mundo anglófilo, devem andar espalhados pelo concelho, conversei com um casal inglês em S. Simão, estão felizes da vida, são o bilhete turístico ao vivo de que a região tem belezas, tem repouso, tem segurança e não está muito distante da Portela de Sacavém.


Ah, pudesse eu e comprava este belíssimo imóvel, tem toda a estamparia da Arte Deco, até esta publicidade em azulejos, gritante, me impressiona, veio do tempo em que havia mais papelarias/livrarias. Questiono como é que é possível deixar expetante o que é verdadeiramente património, num local histórico. Ainda se irá a tempo para a sua reabilitação, está abandonado mas não está completamente degradado. Este edifício ombreia com o que há de melhor na nossa arquitetura Arte Deco. Por favor, não o deixem degradar mais, deem-lhe uso, nem que seja para um hotel de charme, hoje apresentado como panaceia para todo a edificação que requer investimentos chorudos.



Sempre que posso, venho aqui farejar um livro esgotado, uma pechincha, uma inutilidade que me dá prazer à vista. Por cautela, os vendedores abrigaram-se nas arcadas, a chuva miudinha assim o aconselhava. Há objetos para todos os gostos, felizmente. Mesmo com o tempo sombrio, por aqui andava muita gente à espera da sua hora de sorte. Oxalá que estes mercados se expandam, têm a ver com a recuperação e não com a destruição de bens, são ambiental e socialmente desejáveis.


Andava no casco histórico, à cata de uma varanda muito bela, esquecera o local. É nisto que topei com uma barbearia, não resisti a dar as boas tardes, e fiquei paralisado com a franca e amena cavaqueira ali instalada. Sei muito bem que a imagem ficaria melhor naquelas andanças de interiores a que chamo o ventre de Tomar. Mas que imagem melhor para me despedir até à próxima que ver gente tão bem disposta e um garboso barbeiro, um quase artista de cinema? Então adeus, até ao meu regresso.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 14 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15974: Os nossos seres, saberes e lazeres (148): A pele de Tomar (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 20 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15995: Os nossos seres, saberes e lazeres (149): O ventre de Tomar (12) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16023: Fotos do álbum da minha mãe, "Honra e Glória" (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Nova Lamego e Paunca, 1969/70) - Parte V: A FAP no Gabu


Foto nº 1 >  Uma parelha de Fiat G-91 na pista de Nova Lamego


Foto nº 2 >  O Dakota na pista de Nova Lamego


Foto  nº 3 > O Abílio Duarte junto a um T6


Foto nº 4 > O Abílio Duarte "vendo os estragos num T6", em Canquelifá

Guiné > Zona leste >  Região de Gabu> 

Fotos (e legendas): © Abílio Duarte (2016). Todos os direitos reservados.  


1. Continuação da publicação de fotos do Abílio Duarte [, ex-fur mil, CART 2479, mais tarde CART 11 e, finalmente, já depois do regresso à metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa Companhia de “Os Lacraus de Paunca” (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)] (*).

Trata-se do "álbum que a minha saudosa mãe criou com fotos que eu lhe enviava".

Desta feita, apresentam-se quatro fotos relacionadas com a FAP no Gabu (**).
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 12 de abril de 2016 > Guiné 63/74 - P15968: Fotos do álbum da minha mãe, "Honra e Glória" (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Nova Lamego e Paunca, 1969/70) - Parte IV: saudades de Contuboel

(**) Sobre o destacamento da FAP em Nova Lamego,. vd.  alguns dos nossos postes, escritos por camaradas da FAP

17 de fevereiro de  2011 > Guiné 63/74 – P7807: FAP (60): O destacamento de Nova Lamego ou Recordando o Tcor José Fernando de Almeida Brito (António Martins de Matos)

16 de abril de 2011 >  Guiné 63/74 - P8111: FAP (65): Falando do nosso destacamento em Nova Lamego (Gil Moutinho)

Guiné 63/74 - P16022: Parabéns a você (1070): Hugo Guerra, Coronel DFA Reformado, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 55 (Guiné, 1968/70) e Humberto Nunes, ex-Alf Mil Art, CMDT do 23.º Pel Art (Guiné, 1972/74)


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Nota do editor

Último poste da série > 24 de abril de 2016 >  Guiné 63/74 - P16004: Parabéns a você (1067): David Guimarães, ex-Fur Mil Art MA da CART 2716 (Guiné, 1970/72)

terça-feira, 26 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16021: (In)citações (88): Reflexão sobre o inicio da decadência nacional (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

1. Texto do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviado ao Blogue em mensagem de 8 de Abril de 2016, subordinado ao título:

Reflexão sobre o inicio da decadência nacional

O texto que segue não é da minha autoria, e o que faço é apenas juntar umas pontas. Também não sou salazarista, por várias razões, embora não possa negar-lhe algumas obras que levou a cabo, de que destaco, apesar de um reduzido quadro fiscal, a recuperação para o património público de empresas como a CRGE, os TLP, e a Carris, que a 1.ª República havia vendido aos ingleses durante o fervor revolucionário e desbaratador. Esta última frase faz lembrar-me de algo que acorre ao meu espírito, que de tão massacrado, não consegue identificar. Estabilizou as finanças, embora mantendo uma economia simplória que marcou uma "décalage" relativamente à Europa.
Quero ainda dizer que eu sou saudosista, e posso esclarecer, que ainda não se me esgotou a memória dos tempos em que Portugal registava progressos, e não tinha nem parecenças com as condições hoje aparentemente disponíveis. Assim, só por grande absurdo de gestão colectiva, é que dispondo de condições o país regride. Constato isso, mas não me atrevo a balbuciar as soluções, porque tenho a noção da minha falta de competência, todavia nunca demonstrada, ao contrário das sucessivas demonstrações de políticos cá da praça, devidamente acolitados por grandes cabeças das economias e finanças, que ao longo dos anos já disseram coisas e o seu contrário. Eles "andem" aí e, aparentemente, de boa saúde, com bons ares, e o dom da palavra fácil.

Vamos ao que interessa:
"A evolução autonómica do ultramar;
Só em desespero de causa e com total desprezo das populações nativas, dos colonos e dos superiores interesses de Portugal se poderia caminhar de imediato no sentido da descolonização outorgada, sem garantias, sabendo-se que os respectivos territórios iriam ser, como foram após a expulsão dos colonos, campos de batalha e as respectivas tribos postas umas contra as outras, avivando-se ódios ancestrais que levaram séculos a fazer esquecer e a superar. Havia antes que estar preparado para o "momento de compromisso negociador", na expressão de Salazar. Era por isso que Salazar fora bem claro ao dizer na entrevista à revista Life, de Maio de 1962; "O facto de um território se proclamar independente é fenómeno natural nas sociedades humanas e, por isso, representa hipótese sempre admissível, mas em boa verdade não se lhe pode nem deve marcar prazo". No entanto ia-se progredindo, até constitucionalmente, no sentido autonómico.
(Revista Ultramar, n.º 11, 1963 n.º 43 e 44 colaboração do autor, Álvaro da Silva Tavares).

Antecipar a descolonização seria um crime tanto maior quanto, se para os outros a expansão ultramarina não passou duma ambição de engrandecimento e de rivalidade entre eles, para Portugal ela constituiu a base da própria independência nacional, o que, por isso mesmo conduziu ao já referido relacionamento entre colonizadores e colonizados. Lembra ainda o Dr. Amorim de Carvalho "o inegável progresso social e cultural na auto-determinação da Guiné portuguesa, de Angola e de Moçambique, que se imprimiu durante o governo de Marcello Caetano, o qual levaria necessariamente ao resultado seguinte; far-se-ia um pouco mais tarde o que o General Spínola queria fazer mais cedo, o que os militares estupidamente impediram". E desenvolvendo o tema, argumenta que "uma independência antecipada pela qual a maioria negra tribal vota, é, no seu íntimo, a liberdade das suas crenças e tradições tribais". (...) Assim, da aplicação falsa do voto democrático numa determinação decidindo a independência, passa-se a uma nova fraude: a que faz prevalecer a cor da pele sobre a noção democrática e humana da terra de todos (Jacques Binet)".

E Amorim de Carvalho, depois de recordar os três caminhos possíveis (simultâneos ou sucessivos) para a auto-descolonização - a mestiçagem, o crescimento demográfico da etnia branca e a promoção da evolução das etnias pela formação de uma consciência nacional na multirracialidade, ajudando-as a realizar a síntese das suas tradições e da contribuição ocidental - demonstra que a tese de Marcello Caetano - a autonomia progressiva - se ajusta à da auto-descolonização (pouco importa que não tenha usado o termo), tendente para uma unidade nacional, tal como a via Norton de Matos. (...) Chegado que fosse esse momento, que efectivamente se verificou com o derrube do muro de Berlim e a derrota, tanto do ponto de vista político como económico da União Soviética, a negociação tornar-se-ia viável. (...) Daí decorreria o "momento negociador" - ou o resultante da guerra por tentação da União Soviética, ou o que decorreria da paz por derrube do regime comunista. Em qualquer caso, era esse o momento, se outro não surgisse antes, por que haveria que aguardar, "aguentando". Trágico foi que Portugal não tivesse sabido ou podido esperar pelo"momento de compromisso negociador"."
Extraído de "A Entrega do Ultramar Português", de Álvaro da Silva Tavares, que foi Governador da Guiné e Governador-Geral em Angola.

Aqui vos deixo estas ideias para conhecimento da Tabanca, e para eventuais reflexões sobre a matéria, condições muito diferentes das que são apresentadas para justificar a descolonização e os tumultos iniciados em Abril/74, que persistem até hoje e não se lhes vislumbra o fim.

JD
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P16005: (In)citações (87): Breve interpretação sobre a entrega do Ultramar Português (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

Guiné 63/74 - P16020: Efemérides (222): O nosso camarada Carlos Cordeiro, na qualidade de aluno, investigador e professor da Universidade dos Açores, foi homenageado no passado dia 14 de Abril por esta academia, a que esteve ligado durante 40 anos (José Câmara / Carlos Vinhal)

O nosso camarada Carlos Cordeiro, na qualidade de aluno, investigador e professor da Universidade dos Açores, foi homenageado no passado dia 14 de Abril por esta academia, a que esteve ligado durante 40 anos.
Do evento damos notícia, alertados pelo nosso outro camarada açoriano, José Câmara, que nos enviou a notícia publicada no jornal Correio dos Açores, que aqui transcrevemos com a devida vénia.

O Professor Carlos Cordeiro no dia em que foi homenageado pela Universidade dos Açores onde estudou e leccionou

1 - Com a devida vénia ao Jornal Correio dos Açores, na pessoa do seu Director Américo Natalino Viveiros e à Chefe de Redacção Nélia Câmara, autora da reportagem, reproduzimos as páginas 18 e 19 daquele prestigiado diário açoriano, referentes à Homenagem da Universidade dos Açores ao nosso camarada e amigo Carlos Cordeiro.





Texto inserto na página 18 acima apresentada

Reconhecimento do trabalho enquanto investigador ultrapassa as fronteiras do país

Carlos Cordeiro homenageado pela escola que desenvolveu na Universidade açoriana

Autonomia e regionalismos estiveram sempre presentes na sua investigação e o seu trabalho enquanto historiador fez escola na academia açoriana 

Professor aposentado da Universidade dos Açores, Carlos Cordeiro foi ontem homenageado na academia onde estudou e leccionou durante 27 anos, tendo sido professor de várias gerações tanto do ensino secundário como universitário, de vários cursos, que ontem, e hoje, o recordam com carinho, pela amizade que dispensa a todos. Mas muitos foram também os mestrandos e doutorandos que o Professor Auxiliar com Agregação da Universidade dos Açores, onde concluiu o doutoramento e prestou provas de agregação, acompanhou como orientador no ramo de História. E como foram tantos os estudantes que receberam os seus ensinamentos, o anfiteatro C da Universidade encheu por completo, também com a presença de familiares, colegas, amigos e autoridades militares e civis. Uma homenagem de reconhecimento muito sentida, com Carlos Cordeiro visivelmente emocionado, acompanhado da mulher e filhas.

Mas quem melhor para falar do trabalho do historiador micaelense [um autonomista convicto], do que quem sempre esteve a seu lado a nível académico senão o orador da sessão, seu orientador, Luís Reis Torgal, da Universidade de Coimbra, que ao nosso jornal teceu rasgados elogios ao homem e à obra do homenageado. “Esta é uma homenagem justa, que me muito me orgulha participar, porque é uma homenagem a alguém que esteve sempre ligado a mim, do ponto de vista científico, institucional e pessoal. Desde o início da carreira de Carlos Cordeiro que estou ligado a ele. É uma figura que me marcou como colega, como meu orientando, nem sempre fácil, mas é certo é que ele levou sempre tudo a bom termo e, por isso mesmo, acho que é uma figura significativa da História e da história da universidade”.

Com a grandiosidade do trabalho académico feito por Carlos Cordeiro, Luís Reis Torgal, que é professor catedrático, lamenta que o homenageado não tenha “ultrapassado, devido a condicionalismos da Universidade, a categoria de Professor Auxiliar. Uma pessoa com a ca- Sessão de Homenagem: Carlos Cordeiro, João Luís Gaspar, Susana Serpa Silva e Luís Reis Torgal tegoria do professor Carlos Cordeiro merecia ser catedrático. Eu estive em todas as provas dele desde as provas iniciais para assistente, quando não havia ainda mestrado, e depois nas provas de doutoramento e agregação, e lamento que tenha terminado a carreira sem que a Universidade, não a Universidade dos Açores, mas no geral, porque não sabe agradecer aos professores que estiveram sempre nela, com ela e para ela, como é o caso de Carlos Cordeiro”.

Sobre isso Carlos Cordeiro remeteu-se ao silêncio, embora emocionado pelas palavras daquele que foi o seu mestre proferidas ao nosso jornal e a uma vasta plateia. Quanto à homenagem, declarou que o significado da mesma “é ter aqui os meus colegas, os meus alunos, os meus orientandos, os meus camaradas (antigos combatentes no ultramar), o meu Reitor… Pois quiseram vir demonstrar a sua amizade e reconhecimento pelo meu trabalho”.

Reitor reconhece a obra de Carlos Cordeiro 

João Luís Gaspar, enquanto Reitor da academia açoriana, ao Correio dos Açores não quis personalizar a questão de a Universidade, no geral, não reconhecer, como disse Torgal, o trabalho profícuo dos seus docentes-investigadores, mas opinou: “Sem querer particularizar, posso dizer apenas que as universidades necessitam de rejuvenescer. Temos pessoas extraordinárias que trabalharam connosco e precisamos de sangue novo. Esse é um dado que o Ministério [Ensino Superior], hoje em dia, reconhece e que nós esperamos ver efectivado nos próximos anos, uma vez que o Ministério já disse que vai, com uma política diferente, dar a oportunidade à universidade para que possa fazer escola. E o professor Carlos Cordeiro, como outros, fez escola na casa. É preciso gente nova que os siga, com novos projectos e novas ideias”.

O Reitor da Universidade dos Açores admitiu ser “com todo o gosto” que marcava presença na cerimónia de homenagem a uma figura ligada à História açoriana. “Não tive o privilégio de trabalhar com o professor estes anos, mas a qele reconheço uma actividade científica muito grande, acima de tudo na construção do edifício universidade que somos hoje. Celebramos agora 40 anos de existência e o professor Carlos Cordeiro, como aluno e como professor, está aqui desde o princípio e, portanto, por este facto, o nosso reconhecimento”.

Nélia Câmara

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Texto inserto na página 19 acima apresentada


A História da Região foi escrutinada sob o ponto de vista histórico por Carlos Cordeiro
O legado do homenageado é uma investigação sólida sobre os Açores

Na cerimónia foi também lançada a obra “História, Pensamento e Cultura – Estudos em homenagem a Carlos Cordeiro”, com coordenação dos historiadores Manuel Sílvio Alves Condes e Susana Serpa Silva. E é esta historiadora da academia açoriana a primeira responsável pelo evento que faz questão de dizer que “esta organização foi uma decisão da área de História do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores que decidiu homenagear quem, durante 27 anos, deu muito de si não só ao ensino superior, formando gerações de alunos e orientando numerosos mestrandos e doutorandos – fazendo escola – como também é uma figura marcante no domínio da História dos Açores em temas que são essenciais à nossa História, como a questão da Autonomia e dos Regionalismos. Esta cerimónia é, digamos, de uma área científica a um dos seus elementos e que também foi, durante quatro anos, Director do Departamento”.

Questionada Susana Serpa Silva sobre as características que diferenciam o homenageado, sublinhou que “o professor Carlos Cordeiro tem o valor que não desmerece o dos outros colegas, mas ele sempre foi uma pessoa que soube granjear uma relação de grande amizade e abertura com os seus alunos e com os colegas. Teve, de facto, um papel, muito importante como professor, como investigador e deu muito à história contemporânea dos Açores”.

Já no que toca ao legado, a professora não tem dúvidas de que Carlos Cordeiro “tem toda uma obra publicada que é bastante significativa”, garantindo que os colegas usam os trabalhos publicados pelo homenageado, pois ele é “uma pessoa reconhecida a nível nacional e internacional e é, de facto, uma pessoa marcante na história da própria universidade e esta universidade insular e atlântica foi construída com o esforço de todos os docentes, dos alunos, das equipas reitorais mas também pelo professor Carlos Cordeiro”.

Carlos Cordeiro como historiador tem trabalho reconhecido nos Açores, em Portugal continental, nas comunidades mas também a nível internacional, com incidência na sua investigação sobre autonomia e regionalismo. As suas obras de investigação e artigos publicados na imprensa regional e ensaios nas revistas de especialidade também revelam o seu pensamento. É autor de “Insularidade e continentalidade: os Açores e as contradições da Regeneração 1851-70” (1992), “Na Senda da Identidade Açoriana”, (Antologia de Textos do Correio dos Açores), (1995), “Nacionalismo, Regionalismo e Autoritarismo nos Açores durante a I República”, (1999) (coord.) , “Autoritarismos, Totalitarismos e Respostas Democráticas”, (2011).

Do seu vasto currículo refira-se, a saber: “investigador integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra e Director do Centro de Estudos de Relações Internacionais e Estratégia da Universidade dos Açores”.

Coordenador do Mestrado em Relações Internacionais da Universidade dos Açores, integrou a Comissão Científica do Dicionário da República e o Comité Organizador do Congresso Histórico Internacional “I República e Republicanismo”.

Nélia Câmara


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Comentário do editor:

Confidenciou-nos o Carlos:
"Foi uma sessão muito bonita mesmo. Tive lá a família, colegas da Universidade (mais trabalhadores do que docentes, segundo me pareceu), colegas da escola primária e industrial, antigos alunos e orientandos, camaradas Antigos Combatentes, amigos de todo o lado mesmo. 
Foi uma prova imensa de amizade e de, sei lá, carinho, camaradagem. 
A sala cheia. O reitor fez uma intervenção muito simpática, oferecendo-me a medalha dos 40 anos da Universidade, porque lá estou, como aluno ou professor há 40 anos, tirando três em que fui professor do ensino secundário. 
Foi isto: amizade!"

Quanto ao livro:
"O livro está muito bom mesmo. São 27 colaborações de colegas, a maior parte do centro de que faço parte da Universidade de Coimbra. 
São 594 páginas."

A tertúlia do Blogue congratula-se por esta homenagem ao Homem e ao Professor Carlos Cordeiro, que temos a honra de contar como camarada e amigo desde há alguns anos.
Para ele vão os nossos parabéns e os votos de que continue a fazer o que mais gosta, investigar e ensinar História.

CV
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P16017: Efemérides (221): Tempos passados ou como recuar a 24 de Abril de 1970, data de embarque do BCAÇ 2912 com destino à Guiné (António Tavares, ex-Fur Mil)