segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16908: (In)citações (105): Inimigos de ontem, amigos de hoje? (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil da CART 2732)

Nhala, Junho de 1974 - Guerrilheiros do PAIGC
©: Com a devida vénia a António Murta


A propósito do poste Guiné 61/74 – P16905: Fotos à procura de… uma legenda (80): Inimigos de ontem, amigos de hoje… (José Teixeira), dei comigo a pensar em quantos de nós, os que passámos pela guerra do ultramar, tinham na altura alguma actividade política e consequentemente consciência formada sobre a justeza daquela guerra. Sabíamos que estávamos num sítio praticamente desconhecido e hostil, mas que era Portugal segundo os ensinamentos da geografia e da história.

Era inegável que não éramos o único país que ainda possuía colónias em África ou noutros pontos do planeta, embora houvesse já uns quantos países africanos independentes, e Portugal queria manter intacto, tanto tempo quanto pudesse, o seu império. Tivemos sérios problemas na ONU, fomentados principalmente pelas grandes potências, que estando em plena guerra fria, tinham todo o interesse em ter amigos em África. Naturalmente os países emergentes eram seus naturais aliados.

Lembremo-nos do assédio às nossas antigas colónias de Angola e Moçambique pelos alemães durante a I Grande Guerra, originando já na altura uma mobilização em força para esses territórios. Entre 1914 e 1918 perdemos ali cerca de 4800 homens, além dos mais de 5000 desaparecidos.

Um dos meus tios foi expedicionário em Moçambique nos anos 40 do séc XX, julgo que numa altura coincidente com a II Grande Guerra. Havia que manter a ocupação dos territórios africanos.

O nosso esforço em África entre 1961 e 1974 mais não foi que, à luz da política vigente, a continuação da defesa dos territórios que tanto sangue já tinham custado.
E agora chegamos ao que aqui me traz, o inimigo de ontem, amigo de hoje.

Os movimentos de libertação foram criados e dirigidos por africanos portugueses que adquiriram formação académica universitária na capital do império, onde nas barbas do poder se organizaram. Apoiados por potências com ambições estratégicas em África, e acompanhando os ventos e marés que se faziam sentir, não foi difícil começarem a guerra que iria desgastar uns e outros quase até à exaustão. Portugal mobilizou metropolitanos e locais, e os grupos de libertação tentaram localmente arranjar simpatizantes para a sua causa. Os seus quadros tiveram formação de luta de guerrilha principalmente nos países do leste da Europa, acabando por terem no terreno a colaboração activa de especialistas cubanos e o apoio material desses mesmos países e outros.

Dizia Cabral que não lutava contra os portugueses mas contra o colonialismo, logo os quase 9000 mortos do nosso lado foram vítimas dos chamados efeitos colaterais. Alguns dos guineenses, amigos de portugueses e de Portugal, ao passarem-se legitimamente para o lado do PAIGC, movimento pelo qual lutaram, tornaram-se naturalmente nossos inimigos. Pergunto eu: e agora, acabada a guerra, voltaram a ser nossos amigos? Maneira muito romântica de ver a coisa.
Aquele guerrilheiro, que no calor da luta não me matou por caso, é agora meu amigo, também por acaso, digo eu. Se me tivesse acertado, lá se tinha ido a nossa amizade do pós-guerra.

Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732
Mansabá
1970/72
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16729: (In)citações (103): Um texto elucidativo... Onde se fala do Restaurante Bar Pelicano, de Momo Turé, do Tarrafal, da PIDE/DGS, do PAIGC... (Mário Serra de Oliveira)

Guiné 61/74 - P16907: Notas de leitura (916): “Guiné, Crónicas de Guerra e Amor”, da autoria de Paulo Salgado, Lema d’Origem Editora, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Dezembro de 2016:

Queridos amigos,
Estas crónicas do confrade Paulo Salgado desobedecem às narrativas convencionais de um barco a partir, de um contingente a chegar, o choque das culturas, os desatinos da guerra, até à hora em que se dá a missão por cumprida. O autor pretende pôr ao espelho, de forma sincopada, a presença portuguesa até aos alvores da luta pela independência, umas vezes é um alferes combatente no Olossato, outras vezes cooperante, e neste caso a narrativa tem dois tempos e dois olhares ao espelho. Dir-se-á que uma guerra nunca acaba, são sulcos profundos e as memórias desaguam quando, no mesmo palco, e num outro quadro político, se dá um doloroso confronto: fez-se tanta guerra, usou-se de tanto heroísmo para que quem venceu ficasse tão apoucado?

Um abraço do
Mário


Guiné, crónicas de guerra e amor, por Paulo Salgado (2)

Beja Santos

“Guiné, Crónicas de Guerra e Amor”, Lema d’Origem Editora, 2016, de Paulo Salgado, faz parte da literatura de regressos, tem trama imaginativa: um alferes que combateu no Olossato e que regressa 20 anos depois; um entremeado de enredos com arco histórico amplo, desde a chegada à Senegâmbia até uma quase atualidade.

Vimos, em trecho anterior, que o alferes Alberto combate na região do Morés, Ponte de Maqué e Olossato são aquartelamentos que conhece na perfeição, as narrativas desdobram-se sob emboscadas, patrulhamentos, homens de carne e osso, brancos e pretos, há desejos de mulheres e há mulheres prisioneiras que depois voltam para o Morés.

Intui-se que o autor pretende dar-nos uma grande angular desses Descobrimentos, das relações interétnicas e cruzar a história de Portugal com a da Guiné, antes e depois da luta armada. Nesta literatura de regressos é bem possível, e não há que contestar, que se socorra da retórica e de uma verbosidade que supere distâncias e cronologias. Assim, se deve entender a filípica de Meireles, um subordinado de Alberto, quando diz:

“Apercebi-me em Santa Margarida que poderia resistir. A vacina era coletiva, envolvia todos, tomava todos pela mesma medida. Mas apercebi-me, ainda lá, que seria possível resistir sem quebrar todos os sentimentos de decência e de humanidade que cada um tem à sua medida; apercebi-me que alguns companheiros de sorte, ou de má sorte, contribuiriam para passarmos este cabo de tormentas. Mas tanto vilipêndio, tanta degradação, nunca imaginei!”.

Alberto interroga-o:

“Vais dizer-me o que efetivamente tens calado bem no fundo do teu ser, vais contar-me o que verdadeiramente te preocupa”. E Meireles soluça: “Meu alferes, o meu maior amigo, que brincou comigo na escola, na minha rua e o no meu bairro; que namorou as mesmas garotas; e com quem, já crescido, percorri as praias e as montanhas de Sintra nas nossas motas; aquele que considerava um irmão morreu numa emboscada em Guileje…”.

E termina o trecho, interrogativamente: “Os homens, os militares, também choram?”. Nesta literatura de regressos pode haver uma retórica que ajude a relevar as dores inultrapassáveis, as perdas afetivas irremissíveis.

É uma história de Portugal onde se fala da epopeia da construção da fortaleza de S. José ou de Amura, também da epopeia da missionação, e daí Frei Cipriano que andou por Caió, e dá-se toda a ênfase à visita ao Morés, 20 anos depois de por ali, nas fímbrias, se ter combatido. Descreve-se o modelo daquela base que nunca se conquistou a despeito de bombardeamentos contínuos, do uso maciço das forças especiais, de por ali terem tentado entrar vários batalhões. Um ancião combatente descreve a Alberto a vida no Morés, o seu hospital, a mudança permanente das casas de mato. Aquele ancião é um homem de convicções, mas não esconde o seu desalento:

“Estou velho, cansado, com mil dificuldades. O Partido prometeu; mas agora o governo não cumpre; não temos nada de nada. Os olhos entristeciam-se-lhe”.

A narrativa move-se numa corrediça entre o passado e o presente: fala-se das urnas que estavam em Bissorã e que os do Olossato recusaram; numa atualidade que nos é próxima, o cooperante Alberto encontrou um caçador que vive há décadas na Guiné, um autêntico “lançado”; o mesmo cooperante Alberto ouve desabafos do médico no Hospital Simão Mendes, um médico que não tem recursos para mitigar sofrimentos e salvar vidas… E dentro deste arco histórico, o autor destaca páginas onde é patente a frágil presença colonial portuguesa é o caso da carta enviada pelo governador de Cabo Verde, Maldonado de Eça, ao ministro da Fazenda, Marquês de Ponte Lima, estamos nos fins do século XVIII, diz cabalmente:

“A Praça de S. José está em estado de desgraça, pois as construções estão em ruínas, a guarnição de 190 soldados sem pagamentos e sem vestuário, andando os homens trajando como os nativos, e a população católica sem serviço religioso. A Praça de Cacheu está quase abandonada, a artilharia sem reparos, os soldados como os de Bissau, o serviço religioso nesta dita Praça e na de Ziguinchor não é celebrado, pois o padre se refugiou na povoação, em concubinato, os soldados e os poucos particulares são obrigados a vender escravos para comprar mantimentos”.

E há os medos, sempre enleantes, no crescendo de ansiedade antes das operações, apresentam-se pretextos para não participar, ter medo não é desumano. Fala-se de um lançado célebre, Ganagoga, de nome João Ferreira, perdido de amores por Kali. E depois aquele cooperante na área da saúde, que já foi Alberto, o combatente do Olossato, sobe à Pensão Central, que descreve e vê-se que tem uma memória intacta:

“Subiu as escadas íngremes exteriores, em ferro forjado, antiquíssimas, talvez dos anos 30 do século passado, e acedeu, já no patamar, a um amplo piso, onde, à maneira colonial, uma larga varanda circunda todo o prédio. Ao cimo das escadas, numa sala de jantar mais reservada a clientes especiais, um grupo de comensais vai no fim da refeição”. E aparece D.ª Berta: “Depara com a proprietária, sentada diante da mesa comprida e larga, coberta por uma toalha asseada, aguardando, de forma amistosa, convivial, simpática, maternal, os seus clientes”.

Vai ser o tempo da guerra civil, e daí se salta para um episódio das campanhas da pacificação, recorda-se que a cólera se reacende décadas depois da independência e por fim, quando a guerra praticamente acabou para Alberto, prova uma dura flagelação em Mansabá, onde permanece na atividade de realização de exames de quarta classe a soldados e milícias.

Vivera-se o nervosíssimo da espera do embarque, houvera patrulhamentos, emboscadas, um golpe de mão falhado algures em Amina Dala ou em Iracunda ou em Consonco ou Bissancage ou Ionfarim ou em Changue Bedeta, houvera muita coisa, e agora este imprevisto em Mansabá. Assim se põe termo a estas crónicas de guerra e amor e não será por acaso que se evoca o poema Liberdade por Sophia de Mello Breyner Andresen, que assim culmina: Aqui o tempo apaixonadamente/Encontra a própria liberdade.
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Nota do editor

Poste anterior de 30 de Dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16894: Notas de leitura (915): “Guiné, Crónicas de Guerra e Amor”, da autoria de Paulo Salgado, Lema d’Origem Editora, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P16906: Parabéns a você (1187): Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil da CART 2339 (Guiné, 1968/69)

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16900: Parabéns a você (1186): Margarida Peixoto, Amiga Grã-Tabanqueira

domingo, 1 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16905: Fotos à procura de... uma legenda (80): Inimigos de ontem, amigos de hoje... (José Teixeira)




Fotos: © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]


1. Mensagem de José Teixeira, um dos régulos da Tabanca de Matosinhos, 

Data: 25/12/16



 Assunto: Uma legenda para esta fotografia

O que estarão estes dois combatentes a planear?

Um, português, alferes miliciano, comandante em exercício da Companhia algures na Guiné. Outro, combatente do PAIGC. Reencontraram-se em 2013. Localizaram pontos comuns de convivência em barricadas opostas e toca a desenhar no terreno as suas posições estratégicas no passado ano de 1970 em que se enfrentaram em Jumbembem... Conversa amena que solidificou feridas e terminou num abraço.

Infelizmente o africano, funcionário da AD em Iemberém,  já faleceu. Quem reconhece o nosso camarada, membro da nossa Tabanca Grande ?

Abraço

Zé Teixeira

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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16893: Fotos à procura de... uma legenda (79): Adoradores do sol ?...Adivinhem onde foram tiradas estas fotos!... (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P16904: Facebook...ando (43): Brindando ao futuro (Paulo e Conceição Salgado)


Guiné-Bissau> Região do Oio > "A caminho do Olossato, 1991"> Dentro de breves dias, terão passado 26 anos sobre a nossa primeira viagem, de muitas outras, ao Olossato". 

Foto de perfil, na página do Facebook, do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp,  CAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), , que publicou em 2016 o livro "Guiné - Crónicas de Guerra e Amor".




Vila Nova de Gaia >  1 de janeiro de 2017 > Paulo e São Salgado . Foto de perfil da página do Facebook do Paulo Salgado

Fotos (e legendas): © Paulo Salgado (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camão aradas da Guiné] 


1. Mensagem do Paulo Salgado, na sua página pessoal do Facebook e na página da Tabanca Grande:


Aos nossos familiares, amigos, colegas 
e a todos que, de forma diversa, fomos encontrando 
no nosso percurso de cumplicidades múltiplas feito, 
desejamos um Ano de 2017 com saúde e prosperidade, 
e exercendo uma cidadania activa 
neste mundo conturbado 
em que cada "um" tem um papel de dignificação face ao "outro". 

Um abraço da Maria da Conceição e do Paulo Salgado.


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Guiné 61/74 - P16903: Blogpoesia (487): "Ele vem aí..." e "Abeirei-me da varanda e vi...", poemas alusivos ao Ano Novo, de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. O nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), a quem desejamos um excelente 2017, vai-nos enviando ao longo da semana belíssimos poemas da sua autoria, dos quais publicamos estes dois alusivos à quadra que atravessamos:


Ele vem aí… 

À velocidade do sol.
Já passou na Austrália.
Avançou para a China.
Falta-lhe as alturas da Índia.
Depois, a descer, passa aos Urais
E, num saltinho,
Vai palmilhar a Europa,
Mergulhando no mar.
Que será que ele traz?
Viagem astral.
Paquete gigante,
Cargueiro da História…
É sempre uma incógnita.
Pois, saibam os astros, tiranos e reis!
A vida é só uma!…
Este mundo cansado,
Carregado de medo,
Não nasceu para a fome.
Está farto de guerra.
Aposta na paz.
Só quer ser feliz…

Jlmg

************

Abeirei-me da varanda e vi : 
Um novo dia que nascia. 
O primeiro em correria. 
Ali vai. 
Não olha. Segue e vai. 
Que traz em si? 
Se há-de ver… 
Oxalá paz e bem 
Que de mal chegou… 
Aquele que se passou. 
De tudo teve. 
Alegria e guerra. 
Tanta tormenta, 
Em casa e fora. 
Tanto dia de sombra negra. 
Para sempre fique oculto 
E outro venha 
De brilho e esperança. 
Paz e amor. 
Olhar ao alto, 
Com um olhar igual 
Para toda a gente. 
Não importa a cor e credo. 
Somos irmãos. 
Viageiros no mesmo barco. 
O mesmo destino. 
A mesma sorte. 
Seja por bem. 
Nunca por mal… 
Deixe saudades… 
Lá no final. 

Ouvindo Hélène Grimaud em concerto nº 2 de Rachmaninov
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16880: Blogpoesia (486): "Para lá das cortinas..." e "Suave milagre...", poemas de Natal de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P16902: Manuscrito(s) (Luís Graça) (107): As janeiras da tabanca da Madalena: vivó 2017!... (E saudando todas as tabancas e todos/as os/as tabanqueiros/as da Tabanca Grande: AD - Bissau, Ajuda Amiga, Algarve, Bandop do Café Progresso - Porto, Bedanda, Candoz, Centro - Monte Real, Ferrel, Guilamilo, Lapónia, Linha - Cascais, Maia, Matosinhos, Melros - Gondomar, Oeste, Ponta de Sagres - Martinhal, São Martinho do Porto, Setúbal, e por aí fora, que o mundo afinal é pequeno!)




Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 27 de dezembro de 2016  > Os bugalhos dos carvalhos



Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 27 de dezembro de 2016  > O sobreiro grande... com 50 anos!









Vila Nova de Gaia  > Madalena  >"Tabanca da Madalena" > 24 de dezembro de 2016  >  Algumas das coisas boas do Natal português nortenho... Os arranjos de azevinho (de Candoz), as rabanadas, os bolinhos de chila, o arroz doce (prós "mouros", que a aletria é que é prós "morcões"...), a lareira, e sobretudo o calor humano, a amizade, a arte de ben receber... coisas que não têm preço e nem se vendem nas grandes superfícies!


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné] (Com a devida vénais aos donos da casa da Madalena, Gusto e Nitas)


As janeiras 
da tabanca da Madalena 

> Vivó 2017

por Luís Graça





O dois mil e dezasseis
Já lá vai e deixa saudade,
Depois da festa dos Reis,
Ficamos mais velhos de idade.


Ficamos mais velhos de idade,
Todos  aqueles que aqui estão,
Uns com mais ruindade,
Outros jurando que não.


Outros jurando que não,
Tão frescos que nem um pêro,
Mente sã em corpo são,
Cuidando de si com esmero.



Cuidando de si com esmero,
E nós cultivando a  esp’rança,
Por mim, este ano só espero
Que não nos falta a confiança.


Que não nos falta a confiança,
E nos aguentemos nas canetas,
Vivendo com temperança,
Sem ter que andar de muletas.


Sem ter que andar de muletas,
E sermos uns coitadinhos,
Mas pior é ir de carretas
Lá pró mundo dos anjinhos.


Lá pró mundo dos anjinhos,
Quanto mais tarde melhor,
Tratem bem desses corpinhos,
Que eu a todos desejo amor.


Que eu a todos desejo amor
(e paz nesta terra querida),
Traz mais cor e melhor sabor
A uma vida bem vivida.


A uma vida bem vivida,
Neste ano que chega agora,
Dêmos  à má sorte uma corrida,
A tristeza mandemos embora.


A tristeza mandemos embora,
Que a vida é que vale a pena,
Aqui é que ela não mora,
Nesta casa da Madalena.


Nesta casa da Madalena.
Há o melhor “réveillon”,
Tia Nitas, mulher pequena,
Toca tudo, menos “acordéon”.


Toca tudo, menos “acordéon”,
Do cavaquinho à panela,
Sabe receber, é um dom,
Que, dizem, nasceu com ela.


Que, dizem, nasceu com ela,
É o marido que nos garante,
Enquanto por todos nós zela
E nos serve o espumante.


E nos serve o espumante,
Formam os dois um belo par,
Obrigado a este restaurante
Por este rico jantar.


Por este rico jantar,
Fica desde já prometido,
Pró ano nós cá voltar,
Fica escrito e fica dito.


Madalena,  V. N. Gaia,

Guiné 61/74 - P16901: O nosso querido mês de Natal de 2016 e Ano Novo de 2017 (24). um ano de saúde, 31 milhões e meio de segundos de felicidade (Mário Vitorino Gaspar)

 2017 > Feliz Ano Novo


Caros Camaradas do BLOGUE, desejo-vos:

- 1 ano de saúde,
- 52 semanas de paz e amor,
- 365 dias de alegria,
- 8 760 horas de satisfação,
- 525 600 minutos de prosperidade,
- 31 536 000 de segundos de felicidade

Boas entradas com SAÚDE para todos vós e FAMÍLIA

VOTOS de Mário Vitorino Gaspar


Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, 

Guiné 61/74 - P16900: Parabéns a você (1186): Margarida Peixoto, Amiga Grã-Tabanqueira

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Nota do editor

Último poste da série de 31 de Dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16897: Parabéns a você (1185): Adelaide Barata Carrelo, Amiga Grã-Tabanqueira

sábado, 31 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16899: O nosso querido mês de Natal de 2016 e Ano Novo de 2017 (23): Que seja realmente um "Bom Ano Novo"... Se continuarmos a ser espectadores (e "reclamadores passivos") não vai acontecer nada, mais correctamente, vai acontecer o que 'os outros' determinarem para nós, por nós (Hélder Sousa)


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 27 de dezembro de 2016 > O sobreiro de Candoz... Em terra roubada à floresta de castanheiro, a 300 metros acima do nível do mar, o sobreiro  adapta-se bem; cresce em altura, mas não dá cortiça de jeito... Este tem 50 anos, ainda me lembro dele, pequeno mas com vontade de vingar, aproveitando as condições de clima favoráveis à vida vegetativa (calor e humidade no verão. temperatura não muito baixa no inverno)... Há alguma analogia com a mensagem do nosso camarada Hélder Sousa: não basta estarmos vivos e ativos, é preciso sermos...proativos! (Ativo= Que exerce ação, oposto de passivo; proativo=Que não se baseia na reacção a algo, mas toma iniciativa de acção.)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso colaborador permanente Hélder Valério de Sousa (ex-fur mil trms TSF, Piche e Bissau, 1970/72, ribatejano a viver em Setúbal):

Data: 29 de dezembro de 2016 às 10:37
Assunto: Que seja um "Bom Ano Novo"

Meus caros amigos e amigas

Já passou o período do "Bom Natal". Aproxima-se rapidamente o momento de se brindar ao "Ano Novo"... Estão então quase a serem consumados os votos de "Festas Felizes", na esmagadora maioria dos quais esses 'votos' são mera formalidade e rotina.

Este ano não vos incomodei com as minhas más recordações de Natal mas também por isso não fui distribuidor de votos para os quais não me sentia motivado.

Mas agora estamos quase no despertar de um novo ano. É certo que a passagem de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro é idêntica a tantas mudanças de mês no calendário, mas aqui a psicologia funciona
de tal maneira que nos impele a formular desejos, propósitos, 'determinações'.

Então, associando-me ao momento, também eu vos desejo saúde, sorte, prosperidade, longevidade, sucesso...
É claro que se não nos comprometermos com esses propósitos, tais votos não passarão de intenções ou mesmo até de simples 'palavras'. Será preciso que nos empenhemos de modo sério e activo na construção das nossas vidas: pessoais, familiares, profissionais, sociais, grupais.

Se continuarmos a ser espectadores (e "reclamadores passivos") não vai acontecer nada, mais correctamente, vai acontecer o que 'os outros' determinarem para nós, por nós.

Desejo-vos então um "Bom Ano Novo".

Abraços e beijinhos, conforme as circunstâncias.
Hélder Sousa
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Guiné 63/74 - P16898: Memória dos lugares (355): Matosinhos, e a cantiilena de caserna "Oh! Xenhôr dos Matosinhos, / Oh! Xenhôra da Boa-Hora, / Ensinai-nos os caminhos / P'ra desandarmos daqui p'ra fora!",,, (Fotos de Luís Graça)



Matosinhos > 27 de dezembro de 2016 > Passeio atlântico: vista da praia e do porto de Leixões



Matosinhos > 27 de dezembro de 2016 > Passeio atlântico: entrada de um navio petroleiro no porto de Leixões


Matosinhos > 27 de dezembro de 2016 > Passeio atlântico:



Matosinhos > 27 de dezembro de 2016 > Passeio marítimo: Placas informativas da responsalidade da CM de Matosinhos.


Matosinhos > 28 de dezembro de 2016 > Av Serpa Pinto, onde se situa o "ventre da cidade",,, ou seja, a avenida dos restaurantes de peixe e marisco.


Matosinhos > 28 de dezembro de 2016 > A Marisqueira dos Pobres, no nº 33 da Av Serpa Pinto...


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]


1. Para além dos muitos amigos e camaradas da Guiné que aqui vivem,  na cidade e no resto do concelho, e de ser a sede da nossa querida Tabanca Pequena, Matosinhos (*) vinha-nos sempre à lembrança quando, cacimbados, apanhados do clima, velhinhos (leia-se: com pelo menos seis meses de comissão), costumávamos gritar, alto e bom som, em Buba, em Bambadinca, em Guileje, por todos os buracos da Guiné, em "noites palúdicas":

"Oh! Xenhôr dos Matosinhos,
 Oh! Xenhôra da Boa-Hora, 
Ensinai-nos os caminhos 
P'ra desandarmos daqui p'ra fora!"  (**)

Não sei se o santo e a santa cumpriram a sua obrigação ante tão veementes súplicas, a verdade é que nem os matosinhenses regressaram... Houve pelo menos 65 que morreram, em combate, ou por acidente ou por doença, na guerra do utramar / guerra colonial.

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Guiné 63/74 - P16897: Parabéns a você (1185): Adelaide Barata Carrelo, Amiga Grã-Tabanqueira

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Nota do editor

Último poste da série de 27 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16886: Parabéns a você (1184): José Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Especiais da CCAÇ 4745/73 (Guiné, 1973/74)

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16896: Memória dos lugares (354): Matosinhos é uma terra de gente laboriosa, que merece uma visita com tempo e vagar e que tem a sua importante quota-parte na nossa história trágico-marítima...É também sede da famosa e hospitaleira Tabanca Pequena (Fotos de Luís Graça)







Matosinhos > 27 de dezembro de 2016 > "Tragédia do mar" (grupo escultórico de José João Brito, evocando uma série de naufrágios de embarcações de pesca, na noite de 1 para 2 de dezembro de 1947, que vitimaram, 152 pescadores, deixando na então vila piscatória 72 viúvas e 154 órfãos). (*)

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]


1. Matosinhos é uma terra de gente laboriosa, que merece uma visita com tempo e vagar. A cidade tem cerca de 30 mil habitantes e o concelho 175 mil, segundo o último censo. 

A autarquia é dinâmica, tem forte sentido de responsabilidade social  e tem vindo a valorizar os nossos grandes arquitetos da Escola Porto, através de obras, públicas e privadas,  onde estão representados dois Prémios Pritzker da arquitetura, o equivalente ao Nobel (Siza Vieira, 1992; Eduardo Souto Moura, 2011)... 

Em 2017 Matosinhos vai inaugurar um centro de referência, a Casa da Arquitectura: Centro Português de Arquitectura.

Para além da gastronomia, ligada aos produtos do mar, Matosinhos é também terra com história, lendas, narrativas, tragédia e magia... Faz parte integrante da nossa história trágico-marítima e está ligada ao culto de Santiago.

Sem esquecer que é aqui, na cidade de Matosinhos, que tem também sede a famosa, amiga, hospitaleira e solidária  Tabanca Pequena, ou simplesmente Tabanca de Matosinhos. Desde há largos anos que os nossos camaradas desta Tabanca (a primeira a surgir, oriunda do universo da Tabanca Grande) se reúnem todas as quartas-feiras, no restaurante Milho Rei (R Heróis de França 721, 4450-159 Matosinhos,  telef 22 938 5685), para almoçar, conviver e angariar fundos para ações de solidariedade para com os nossos amigos e irmãos da Guiné-Bissau.


Matosinhos > 27 de dezembro de 2016 > Porto de Leixões > Terminal de Cruzeiros, visto do passeio marítimo.
Foto (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]

Estive aqui num fim de tarde de 27 de dezembro de 2016, vinha com ideia de conhecer de perto o Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões... Ainda meti uma "cunha" ao Carlos Vinhal... mas ele disse-me que agora, reformado ou aposentado, já não manda nada, o que não é verdade, ele manda no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné...

O Carlos, como é sabido, trabalhou uma vida inteira na Administração dos Portos do Douro e Leixões... Há um dia por ano, o Dia do Porto de Leixões, em que se organizam visitas guiadas ao belíssimo terminal de cruzeiros... Este ano que está a terminar foi a 16 de setembro...

No dia seguinte, 28 de dezembro, 4ª feira, fui almoçar à Tabanca de Matosinhos, que é ali mesmo, a escassos 200 metros da praia, do posto de turismo e do grupo escultórico a que nos referimos acima, "Tragédia do Mar"... Obrigado ao Zé Teixeira e ao Eduardo Moutinho pela hospitalidade... Obrigado aos novos camaradas que conheci como o António Vale (ex-alf mil, CCAÇ 2464 (Biambe, Encheia, Bula, Binar, Nhala, Nhamate,  Mangá, 1969/70): é de Vila Real e trabalhou no Banco de Portugal. Convidei-o  a integrar a nossa Tabanca Grande. Tivemos uma longa conversa sobre o seu/nosso tempo de Guiné. Desta companhia é o nosso grã-tabanqueiro António Nobre.

Obrigado pelos vossos comentários, Carlos, Henrique e Felismina...
Boas saídas, e melhores entradas (*)...
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Guiné 63/74 - P16895: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (37): 1 - O amigo Mohammed de Canquelifá

1. Em mensagem do dia 26 de Dezembro de 2016, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), autor do Livro "Memórias Boas da Minha Guerra", enviou-nos esta história destinada à sua série com o mesmo nome:

Caros amigos.

Junto a história de "O amigo Mohammed".

Trata-se da primeira das quatro que tenciono publicar. Esta, a primeira, relaciona-se com o Mohammed da Guiné. A segunda será dedicada ao Mohammed da Mauritânia, a terceira ao Mohammed de Marrocos e a quarta ao Mohammed de Santa Maria da Feira.

Espero que todas elas mereçam a vossa habitual atenção.

Grande abraço

José Ferreira Silva


Memórias boas da minha guerra

37 - O amigo Mohammed

1 - Da Guiné

Nos primeiros dias de Agosto de 1968, voltámos a passar por Fá Mandinga, primeiro local onde pernoitámos na chegada à Guiné (1 de Maio de 1967). Desta vez seguíamos lá mais para o norte, para Canquelifá, onde prevíamos passar pacificamente os últimos meses da nossa guerreira missão.


Vista do aquartelamento de Fá Mandinga

Todavia, o meu pelotão ficaria no Destacamento de Dunane, cerca de 2 meses, portanto afastado dos outros camaradas da Companhia. Se, por um lado, manteria uma forte ligação permanente ao meu grupo, por outro, ficava afastado dos camaradas mais chegados, especialmente dos outros graduados, com quem convivia mais de perto.

Por isso, quando segui para Canquelifá, levei uns dias a actualizar as conversas e a retomar aquele relacionamento intenso a que estava habituado.

Uma das coisas que me surpreenderam foi o facto do Furriel Enfermeiro ter passado a dormir na Enfermaria. Mas, como se dizia que o “Dotô” passava o tempo a atender os doentes, era evidente que pouco tempo lhe sobrava para relaxar/descansar na cama, perto dos outros Furriéis. Aliás, só o víamos a comer e a jogar um pouco às cartas, logo após o almoço.

Tive a oportunidade de verificar a fila de doentes que se estendia diariamente, logo de manhã, por boas dezenas de metros, junto da Enfermaria, à espera de serem atendidos. Também me apercebi de que, em pouco tempo, o “Dotô” ultrapassara tudo que era normal e razoável na competência e capacidades de um Furriel Enfermeiro a gerir a assistência a milhares de pessoas dispersas por uma zona num raio de várias dezenas de quilómetros.

Pois o “Dotô Berguinhas” era incansável e, após várias intervenções na salvação de casos perdidos, adquiriu o estatuto de santidade (ou de bruxedo). É que os milagres aconteceram mesmo!

Naquela região eram inúmeros os casos de lepra, uns mais avançados que outros, mas todos com o rótulo da previsível fatalidade. Mas o Berguinhas não se conformava. Ele esforçava-se, experimentava, arriscava. Mesmo que, porventura, tenha causado alguma morte antecipada, foi com boas intenções, pois gozava de uma reputação granjeada à custa dos seus vários “milagres”.

Eu sempre me relacionei muito bem com ele. Dizia-se que parecíamos “duas putas”, sempre unidos, sempre na brincadeira e sempre na procura de uma boa ambiência. Por isso, acompanhei bastante essa fase do melhor “Doutor” que jamais passou por Canquelifá.


O “Dotô Berguinhas” animava os serões com a sua teimosia em recitar o seu poema “A Formiga vai à Serra” (que nunca conseguia lá chegar)


Porém, um dia, após várias insistências, confessou-me a razão da sua quebra de alegria. Andava preocupadíssimo porque o filhote do amigo Mohammed estava muito doente e percebia que nada o iria salvar. Já tinha experimentado tudo e mais alguma coisa mas o miúdo não melhorava.



Funeral em Canquelifá

A criança morreu. Penso que consegui tirar alguma foto a esse funeral. Vi o Berguinhas a ser reconfortado pelo próprio pai do miúdo. Também vi, mais vezes, o Mohammed a inteirar-se da situação de outros doentes. Apesar de não ser habitual o meu envolvimento ou preocupação de maior com os nativos, esse Mohammed ficou-me “registado”.

Aproximou-se o final da comissão de serviço. Dali, de Canquelifá, iríamos viajar até Bissau, local que a maioria de nós nunca havia pisado. Estava a chegar a CArt 2439 para nos substituir, a fim de seguirmos para Bambadinca e aguardarmos o transporte fluvial até Bissau.

Foram dias de grande entusiasmo e alegria, contrastando com a tristeza e apreensão dos nossos substitutos. E para alegrá-los, lá surgiu a ideia do Berguinhas: - fazer uma recepção de “boas-vindas” aos graduados dessa Companhia.

No serão de 1 de Dezembro, vestimos os balandraus, com os gorros a preceito, enfiámos algum ronco nos braços e no pescoço e lá fizemos o nosso papel de simpáticos anfitriões. Virados para os periquitos, eu “lia” em “árabe” a mensagem desejada e o Cepa, que já, nesses tempos, evidenciava uma certa capacidade oratória, fazia a “rigorosa” tradução. E eu dizia:
- Shalalamagrramalgrraminchal ala grram… echegrram… (etc.,etc.)

O Cepa, traduzia:

"Caros amigos, colegas de infortúnio, 
nós compreendemos bem a vossa triste condição de periquitos.
 Já passámos por isso 
e sabemos quanto é doloroso aguentar as saudades dos nossos familiares, 
das nossas namoradas e dos nossos amigos.
Sabemos o que é sangrar do coração.
Sabemos também o que é chorar de raiva e desespero.
Isso terá que passar.
Alegrai-vos porque isto não vai durar sempre.
Não vai piorar e o tempo vai passar.
Procurai dar o vosso melhor, 
especialmente na camaradagem, na solidariedade e na compreensão.
Ajudai-vos mutuamente, para que o tempo passe o melhor possível.
Do fundo do coração, desejamos que tudo vos corra bem 
e, se possível, melhor do que correu a nós."

Abismados com tanta eloquência extraída de um escrito árabe, os periquitos interrogavam:
- Como conseguiram aprender árabe?

O Machado lá ia esclarecendo:
- Não é muito difícil. O maior problema é aspirar o “erre”, porque a malta tem tendência a escarrar sem querer. Além disso, juntando o AL às palavras, aprendemos muita coisa. Por exemplo: - Algarve, Almería, Algeciras, Almalaguês, Almeirim, Alcácer, Alfarroba, Alcagoitas… etc., etc.

E o Miranda acrescentava:
- É mesmo fácil. Vocês, ao fim de um mês, já podem manter conversa com os gajos.

No dia seguinte:
- Ó Silva, anda comigo devolver os balandraus que nos emprestaram - disse o Berguinhas.
- Mohammed, queremos agradecer-te o favor de emprestares este material. Aqui está.

O Mohammed aproveitou a oportunidade para tecer grandes elogios ao Berguinhas, a quem lhe disse:
- Foste o melhor “Doutor” que passou por Canquelifá. O pessoal deve-te muito e eu fico muito contente com teu trabalho.

Ia invocando o nome de Alá, ligando-o a esse trabalho e a esse sucesso. Encaminhou-nos para uma tabanca maior e mostrou-nos o seu interior. Era uma biblioteca impressionante. Ele era o responsável por ela. Além do Alcorão, mostrou-nos várias obras de grande interesse para ele e para o seu povo. Contou-nos que já tinha ido a Meca duas vezes e esperava lá voltar.

Explicou as origens do seu povo Mandinga e a sua ligação ao império Mali e do seu grande rei Sundiata Keita. Esse império, do grupo etno-linguístico Mandê, fundado no Século XIII, que se estendeu ao longo da costa da África Ocidental. Migraram para oeste a partir do Rio Niger. Dos conflitos com os Fulas, absorveram a sua ligação religiosa ao islamismo. Diz-se que hoje, cerca de noventa e nove por cento dos Mandingas seguem o Alcorão. Nos Séculos XVI, XVII e XVIII os Mandingas foram sendo capturados como escravos e vendidos para a América.

O Mohammed era um Senhor!


O Provérbio árabe

Quando nos despedíamos, pedi-lhe para nos dizer o que estava escrito naquele papel que eu “lera” aos periquitos. E ele leu-o pausadamente:

Provérbio árabe

Não digas tudo o que sabes
Não faças tudo o que podes
Não acredites em tudo que ouves
Não gastes tudo o que tens

Porque:

Quem diz tudo o que sabe,
Quem faz tudo o que pode,
Quem acredita em tudo o que ouve,
Quem gasta tudo o que tem;

Muitas vezes diz o que não convém,
Faz o que não deve,
Julga o que não vê,
Gasta o que não pode.
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Nota: - Vim a saber que o reconhecido apoio ao “Dotô Berguinhas” partira do Mohammed, quando fez destacar a “empregada da Enfermaria”, a tempo inteiro.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16641: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (36): O guerreiro da minha rua

Guiné 63/74 - P16894: Notas de leitura (915): “Guiné, Crónicas de Guerra e Amor”, da autoria de Paulo Salgado, Lema d’Origem Editora, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Dezembro de 2016:

Queridos amigos,
Fica bem começar com uma declaração de interesses. Conheci Paulo Salgado na cidade de Bissau, em 1991, ele cooperante no Ministério da Saúde, eu cooperante no Ministério da Indústria e Recursos Naturais. Fomos consolidando estima, e depois de muita conversa avulsa veio à tona de água a guerra de cada um. Levou-me ao Olossato, senti que estava em Sintra, tal o deslumbramento que me suscitou aquela verdura e o frescor, estávamos na época das chuvas. Falei-lhe do comandante do PAIGC da minha zona, agora coronel, Mamadu Jaquité, que me deixava na picada advertências extremosas, tais como "meu alferes de merda, se fores vivo para o teu país, será a minha vergonha".
Quis conhecer Mamadú Jaquité, e o Paulo Salgado levou-me ao Cumeré, foi cena inesquecível, dela já aqui falei, naquele local alguém que fora encarregado de me matar pedia-me ardentemente uns escassos pesos para comprar arroz, óleo e sabão, foi naquele preciso instante que me apercebi, graças à ajuda do Paulo Salgado, que nem sempre de uma vitória de libertação e independência saímos vitoriosos - nada mais custa que pedir ajuda a quem nos colonizou e a quem mandámos embora.

Um abraço do
Mário


Guiné, crónicas de guerra e amor, por Paulo Salgado (1)

Beja Santos

Creio tratar-se do livro de estreia nas lides espaçosas da literatura da guerra colonial de Paulo Salgado. O seu “Guiné, Crónicas de Guerra e Amor”, Lema d’Origem Editora, 2016, é o produto, como ele próprio observa, da sua comissão na Guiné entre 1970/1972, a sua experiência como cooperante na Guiné-Bissau por dois largos períodos e muitas interrogações sobre a presença portuguesa num local que se convencionou chamar Terra dos Negros, Senegâmbia, Rios da Guiné de Cabo Verde, nos primeiros séculos da chegada, da presença na orla, com tráfico de escravos e uma escassa missionação à mistura.

A estrutura da obra é de uma literatura de regressos: 20 anos depois de ali ter feito guerra, é tempo de relembrança de locais onde se experimentou a solidariedade e o sofrimento e que também dão pelo nome de Maqué ou Olossato ou Bissorã, por exemplo Paulo Salgado agora chama-se Alberto e comporta-se afim a quem aqui combateu, guarda imagens e odores que jamais se diluíram, na passagem do tempo: “os mil odores da floresta densa, do capinzal crescido, da bolanha encharcada, da terra lavrada aqui e ali; mas sempre a humidade levemente pegajosa. Redescobria o centro verde, intensamente verde das variadas árvores e arbustos, o constante castanho-avermelhado da terra; e remirava a estreiteza da picada longilínea sobre a qual pendiam os ramos frondosos de poilões soberbamente grandiosos; e vislumbrava estreitos carreiros semelhantes àqueles que calcorreara anos antes e que saíam da picada em direção aos longes”. É a relembrança de todos nós que tivemos a dita de ali voltar, décadas depois, impossível apagar aquele verde tropical, os sons da noite, o afogueado do amanhecer, a angústia daquele sol que cai a pique e nos deixa mergulhados no túnel da escuridão vegetal. Alberto interroga-se, como qualquer combatente na hora do regresso: “Com que direito venho aqui recordar factos, vasculhar misérias, relembrar horrores, levantar fantasmas, lembrar conflitos antigos e recentes?”. Então, as lembranças da guerra fazem caminho, fala-se de Bissancaje, surgem os primeiros nomes dos companheiros da guerra, Incanha é guia ou pisteiro do grupo de combate, é ali que surge a morte, a tão próxima morte, naqueles seis ou sete homens que eles vão foguear, um fica estendido no trilho, “dentro da bolsa, caída ao lado da espingarda, um passarinho morto, para dar sorte”. Há histórias como a de Bacar, que muitas vezes se sentia português, que faz frequentemente os longos 17 quilómetros do Olossato a Bissorã, a picar a estrada, é destro, parece não deixar um milímetro por picar até que se ouve um estrondo, um pedaço da sua perna esquerda voou. Por onde param os sonhos deste Bacar, tão diligente e tão companheiro?

Entremeiam-se episódios históricos, não há dúvida que a Crónica da Guiné, de Zurara, entusiasmou Paulo Salgado, seguir-se-ão outros autores, vêm ao de cima histórias avulsas de descobridores, de companheiros e de lugares, é o caso de a Ponte de Maqué, um local obrigatório a proteger, vários autores já classificaram esta referência, convém reter o que dela conserva a memória de Paulo Salgado: “No exterior, em largo amplo, que se destina a estacionamento das viaturas militares e a heliporto, separado do forte, um barraco para banhos e latrina. À volta, a cerca de 100 metros, duas fiadas de arame farpado, entre as quais armadilhas, minas e garrafas partidas servem para afastar ou ferir ou matar eventual intromissão. A estrada que vem de Bissorã para o Olossato atravessa o riacho, passando sob a pequena ponte e em frente do forte. A estrada é fechada, ao fim do dia, através de armadilhas, e com cavalos de pau, para ser reaberta, pela madrugada, desarmadilhando o que fora armadilhado. No destacamento, os soldados vigiam, os soldados armadilham e desarmadilham, indiferentes à guerra que se faz a 5 quilómetros, no Olossato, ou a 15 quilómetros em Bissorã, ou a 30 quilómetros em Mansabá, ou sabe-se lá onde por essa Guiné fora".

Sucedem-se os relatos em pequenos trechos: advertência do comandante de companhia quanto ao respeito que é devido às lavadeiras e nas aquisições de víveres, as ações psicológicas junto da população, os medos da mata, a história de um alferes que se afeiçoa por Rosa, uma bajuda de lábios carnudos perfeitos, de seios direitos e que bamboleava as cochas debaixo da pequena saia, a lembrança daquele rei de Bermoim que é trazido por Pêro Vaz da Cunha à Corte de D. João II, aqui batizado e que no regresso à Guiné o mesmo Pêro Vaz da Cunha matou à punhalada e que o monarca depois mandou enforcar, o interrogatório a Kadi, uma enfermeira do partido, na região do Morés, procedeu-se ao aliciamento, ela parecia anuir até que fugiu para a sua terra livre.

Há cartas de amor, há o soldado Julião, aparece o alferes Boaventura que, em 1917, se irá confrontar com o soberbo e delinquente régulo Abdul Indjai. Momentos há em que os retratos desses combatentes ganham um vigor inusitado, estou a pensar no que o autor nos descreve de Horácio, Moita, Zé Faquista e o Ratão, quedemo-nos neste último:  
“De doces era perfeito conhecedor, o rapaz. Transmontano de nascença, aos dez aos, feito o último ano da escola primária, que esperteza tinha o ganapo, o mandaram para a capital na mira de empreguinho em mercearia que um familiar lhe aprontara. Tinha tanto de esperto como de franzino e como de malandreco, o Ratão, como lhe chamavam os camaradas, fazedores de alcunhas. Em Lisboa, àquela data, empregos não faltavam a quem queria dar o corpo ao manifesto, a quem se sujeitasse a recados e mandiletes, a quem não custasse aturar patrão, capataz ou vigilante. Emprego aqui, emprego ali, sempre na busca de melhores dias. E quem porfia sempre alcança. Caiu finalmente no local certo: uma pastelaria onde aprendeu rapidamente a confecionar deliciosos doces, servidos a preceito no salão de chá, à hora do lanche, às madamas que acorriam e que os saboreavam acompanhados de chazinho cheiroso.
Calhou-lhe diversas vezes atender essas diversas senhoras, nas folgas dos empregados de mesa, algumas verdadeiras senhoras, outras nem tanto, e foi-lhe adivinhado as origens, descobrindo as fraquezas e os desgostos, e conquistando a sua amizade e estima e respeito, e até confidências. Não tardou que se travasse de relações com uma senhora, cinquentona da idade, queixosa do marido idoso e mais interessado nos negócios de ferragens na Baixa. Primeiro, foi no dia de folga, em casa da dona, que o recebia em roupão transparente, e, pegando-lhe na mão o transportava para a alcova adulta, deliciando-se com a carne tenra, virgem, do jovem imberbe. Depois, os encontros repetiram-se à hora em que ele, oferecendo-se ao patrão para tal tarefa, e entregar ao domicílio os bolinhos encomendados. Finalmente, o desejo tornou-se forte e exigente – foi então que o moço abandonou o ofício de pasteleiro para abraçar a profissão de amante.
Mas a carne mais velha enfastia, as exigências mútuas, cada qual com seu sentido, tornaram-se insuportáveis, a desconfiança do velho e atraiçoado marido cresceu, a dependência em relação à amante era grande, e o cansaço físico e espiritual, verdade seja dita, fizeram-no fugir para a zona de Alvalade onde um amigo o empregou em pastelaria aberta recentemente.
Franzino, traquina, vaidoso do seu passado femeeiro, gabarola bastante, o Ratão, não leva bolinhos ao domicílio, não atende as madamas na sua pastelaria. Transporta a G3 derreado, afogueado, de canseira que cansa”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16883: Notas de leitura (914): “Guiné-Bissau, das Contradições Políticas aos Desafios do Futuro”, por Luís Barbosa Vicente, Chiado Editora, 2016 (2) (Mário Beja Santos)