segunda-feira, 12 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17459: Consultório militar do José Martins (23): Sacavém na Grande Guerra - Os mobilizados e os tombados



1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70),  com data de 4 de Abril de 2017:

Boa tarde amigos
Não tenho a certeza de já ter enviado este texto - divulgação de monumentos existentes (ou não) - sobre monumentos de Sacavém e a Grande Guerra.
Na dúvida, aqui vai.

Abraço
Zé Martins

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Nota do editor

Último poste da série de 3 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17201: Consultório militar do José Martins (22): Em busca de informações sobre o local de sepultura do Fur Mil Raul da Conceição Severino da CART 527, falecido em campanha na Guiné em Junho de 1963 (José Martins)

Guiné 61/74 - P17458: Efemérides (257): A propósito do 10 de Junho, ainda os estranhos e excelentes portugueses no mundo... "Goa, um adeus no entardecer dos dias / e uma lágrima para sempre" (Poema e fotos de António Graça de Abreu)







India > Goa > Volta ao Mundo em 100 dias a bordo do mavio de cruzeiros "Costa  Luminosa" > 19 de novembro de 2016 > Lembrando o 10 de junho, "dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas... Lembrando ainda os portugueses e seus descendentes que ficaram nos antigos territórios portugueses de Goa, Damão e Diu. Nas duas últimas fotos, o autor e a esposa.

Foto: © António Graça de Abreu  (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

De: Antonio Graca de Abreu
Data: 12 de junho de 2017 às 17:02
Assunto: A propósito do 10 de Junho, ainda os estranhos e excelentes portugueses no mundo

Meu caro Luís

Ainda a propósito do 10 de Junho, lembrei-me de te enviar este poema meu,  escrito em Goa, Novembro 2016. Se achas que é de publicar, avança.  Fotos seguem noutro mail.

Abraço,
António Graça de Abreu
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Goa

por António Graça de Abreu




Goa, um pé em Mormugão,
todo o olhar em Vasco da Gama.

Goa, do velho Afonso de Albuquerque,
espadeirando pelas costas do Malabar,
na aventura insana de conquistar o Oriente.

Goa, dos grandes vice-reis e senhores de outrora,
hoje em lápides enegrecidas pelo tempo.

Goa, de Bardez a Salsete, o pó resplandecente da fé,
e sinuosos silêncios.

Goa, de cem mil cruzes diante de cem mil lares,
braços de Cristo abertos para o mundo,
cemitérios de cristãos unindo céu e terra.

Goa, uma Roma Oriental cintilando na basílica do Bom Jesus,
cinco séculos a acastanhar a pedra,
e São Francisco Xavier, benfazejo e amigo,
num túmulo de prata, pedrarias e cristal.

Goa, da velhíssima Sé Catedral,
maior igreja da Ásia, imaculadamente branca,
no altar-mor, dois jovens, mais uns tantos amigos,
todos humildemente descalços,
um casamento em língua portuguesa.

Goa, da igreja de S. Caetano,
semelhante à basílica de S. Pedro,
para enlevar corações, levá-los a Roma
ou talvez ao paraíso.

Goa, da orgulhosa Pangim,
do bairro colonial das Fontaínhas,
onde se baila o corridinho,
e um cônsul português sorri e dança.

Goa, de especiarias e perfumes,
na carregação das naus,
para inebriar os dias e as noites.

Goa, da doce e formosa Manteigui,
nas palavras de Bocage "puta rafada",
cujos "meigos olhos, que a foder ensinam
até nos dedos dos pés tesões acendem".

Goa, dos breves companheiros de jornada,
o André, o Edgar, a Maria, o Reis,
dos Gomes Market, do Faria Heaven, do Santosh Garage,
tantos ramos florescendo da cepa lusitana
entretecidos pelo perpassar dos séculos.

Goa, das últimas famílias indo-portuguesas
entrecruzando sangue e afectos,
laboriosas gentes nas confusões do presente,
com as pedras e o coração do passado, construindo o futuro.

Goa, dos fortes de Tiracol ou da Aguada,
velhos canhões, há séculos disparando pedaços de nada,
para a águas do Mandovi, para o vazio,
e um velho farol, o primeiro iluminando os mares da Ásia.

Goa indiana, pois claro,
com templos hindus para venerar os deuses,
Shiva, Brama, Vishnu, Krishna,
e pequenas divindades descansando no fundo do vale,
no recato sombreado dos palmares.

Goa, das praias de infindáveis areias,
Calangute, Dona Paula, ou Benaulim,
para humedecer o corpo e respirar o sol.

Goa, um adeus no entardecer dos dias,
e uma lágrima, para sempre.

António Graça de Abreu



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Nota do editor:
Último poste da série >  7 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17440: Efemérides (256): Faz agora 75 anos que foi afundado a oeste da Gronelândia o lugre bacalhoeiro ilhavense "Maria da Glória" por um submarino alemão... Dada o forte simbolismo da data, foi já proposta a Assembleia da República a instituição do dia 5 de junho como "O Dia Nacional do Bacalhau"...

Guiné 61/74 - P17457: Notas de leitura (967): Honório Pereira Barreto (Notas para uma biografia), por Joaquim Duarte Silva (Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
É bem verdade que quem muito procura sempre alcança. De há muito que andava a vasculhar em prateleiras e caixotes a ver se encontrava este documento, singelo mas de uma enternecida admiração pelo pai fundador do território da Guiné. Nele vem a imagem do seu túmulo em Bissau, desconheço como ele é tratado e sentido pelos guineenses, por acasos interpretativos do anticolonialismo, enviesadamente Honório Pereira Barreto foi tratado e exprobado como agente de colonialismo, coisa mais tola não pode ser dita por quem olha para a História como um retrato do momento, ignorando as mentalidades e o sentido do amor pátrio. Tenho para mim que a República da Guiné-Bissau teria tudo a ganhar no preito a este político admirável que comprou do seu bolso território e foi um político desinteressado, sempre a fustigar os mandriões e corruptos.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


Honório Pereira Barreto, por Joaquim Duarte Silva

Beja Santos

Creio tratar-se da primeira biografia do notável político guineense. Surgiu na Coleção pelo Império em 1939, editada pela Agência Geral das Colónias. Não vale a pena aqui repetir-se o que tem sido amplamente difundido sobre o retrato do ilustre político guineense, usando o texto de Joaquim Duarte Silva retomemos a argumentação brilhante deste esforçado que quis defender intransigentemente a Senegâmbia com que ele sonhou. Primeiro, a exortação a favor de Ziguinchor, logo na sua primeira passagem pelo governo da Guiné. Por política enviesada de Lisboa, a Convenção de 12 de Maio de 1886 ofereceu de mão beijada o antifo presídio e toda a margem esquerda do Rio Casamansa e toda uma larga faixa de terreno situado a um Norte do paralelo do Cabo Roxo aos franceses. Vejamos o que ele escreveu:
“Os franceses, em Abril de 1837, não atendendo ao protesto que, segundo minhas instruções, fez o comandante de Ziguinchor, passaram este presídio e foram comprar terrenos aos Mandingas de Sejo, para fundar uma feitoria. Eu, que era governador destas possessões, oficiei ao governador de Gorêa, queixando-me de tal procedimento, e declarando muito positivamente que jamais reconheceria aquele estabelecimento, que fora feito por meio da força; e dirigi-me ao governador da Gâmbia, confiando no Tratado de 1661, um navio de guerra para a ir a Casamansa fazer valer os direitos de Portugal. O governador de Senegal, respondendo ao ofício que eu enviei ao governador de Gorêa, me disse que aquela feitoria fora colocada por ordem do governo francês e baseada nos tratados celebrados entre Portugal, França e Inglaterra; e o governador da Gâmbia me escreveu asseverando-me que não podia anuir ao meu pedido, sem ordem expressa do seu governo. Vendo eu que nada podia fazer, porque só tinha à minha disposição um mal lanchão de governo, remeti ao governador-geral toda a correspondência que houve a este respeito, e ele a transmitiu à Corte; e até agora nenhum resultado tem havido, e creio que nunca o haverá.

. . . . . . . . . . .

Tenho passado pelo desgosto de ver invalidar (ainda que indiretamente, mas com bastante clareza), o protesto que eu então fiz em nome da Rainha e da Nação; pois aos meus sucessores tem ordenado aos comandantes de Cacheu e de Ziguinchor que oficiem ao oficial francês, que está no Sejo, dando-lhe o título de comandante do Estabelecimento francês em Sejo; este título importa virtualmente, a meu ver, o reconhecimento da legalidade daquela usurpada feitoria.
Desde o dia em que li o discurso de um senhor deputado, cujo nome me não lembra “por que não merece ser lembrado pelos habitantes destas possessões”, em que dizia que as câmaras não se deviam ocupar do negócio de Casamansa, por ser um nome bárbaro, e que não vi os ministros levantarem-se como uma só pessoa para combater tais expressões, desde esse dia fiquei persuadido que os estrangeiros podiam, quando quisessem, roubar as nossas possessões; e que os habitantes de Ziguinchor, sendo-lhes impossível sustentar a concorrência nos mercados gentios, ver-se-iam obrigados a abandonar o presídio que têm defendido com o seu sangue e dinheiro. Eis o prémio daqueles que prestam serviços relevantes nestas possessões!”.

E escreve Joaquim Duarte Silva:
“Esta questão de Casamansa perdemo-la por não terem sido fornecidos ás autoridades da Guiné os meios indispensáveis para a execução das patrióticas determinações de Sá da Bandeira. Perdemo-la por indiferença da Metrópole, por não terem sido estudados convenientemente os nossos direitos e por não termos tomado em face da França a mesma atitude decidida e enérgica que, poucos anos depois tomámos em face da Inglaterra e nos evitou a perda da Ilha de Bolama”.

Ratifica a nossa soberania em Bolama. A 25 de Dezembro de 1837 assinou com o régulo Ondontô, de Bissau, um acordo que equivale a um auto de vassalagem e em Novembro do ano seguinte comprou ao referido régulo o Ilhéu do Rei e parte do Rio de Bissau. Escreve então ao Governador-Geral de Cabo-Verde, Brigadeiro Marinho, uma carta memorável:
“Tenho a glória de incluir juntos dois autos da compra do Ilhéu denominado do Rei, fronteira a esta praça, e de parte do rio pertencente ao Rei. Eu excedi as ordens de V. Ex.ª, porém com vantagem para a Nação; incluía também na compra a parte do rio pertencente ao Rei de Bissau, para estorvar a entrada dos franceses por ele dentro. Tendo dado conta da minha melindrosa comissão, está acabada a condição com que continuei neste governo, e, portanto, está a chegar o tempo de V. Ex.ª cumprir a sua palavra de honra, dando-me minha demissão”.
Honório Pereira Barreto desembolsara 440 mil réis fortes nas aquisições e ofereceu-as ao Estado. Tempos depois, Barreto voltou a instar pela sua exoneração, assim escrevendo:
“V. Ex.ª muito bem sabe que eu aceitei o posto de Tenente-Coronel, Comandante do Batalhão de Voluntários Caçadores Africanos e o cargo do Governador Civil e Militar de Bissau com a expressa condição de servir enquanto V. Ex.ª governasse esta província: no exercício do meu cargo fiz todos os serviços que podia só em atenção a V. Ex.ª, porque quando uma província é governada por um homem como V. Ex.ª todos os cidadãos devem ajudá-lo; cedi metade do meu ordenado além dos oferecimentos pecuniários de que tenho dado participações a V. Ex.ª; ao menos despertei o zelo e atividade dos governadores daquelas possessões até agora dormentes, e os meus sucessores devem decerto acabar a obra que me glorio ter começado”.

Barreto vai ainda confrontar-se seriamente com o Tenente da Marinha de Guerra inglesa Arthur Kellet, Comandante do Brigue Brisk, e deixa nova prosa memorável:
“O comandante do Brigue Brisk, desembarcado nesta ilha (Bolama) foi, junto com 19 marinheiros pelo mato dentro e aí tomou uma porção de escravos que se ocupavam na lavoura, e depois à força de pancadas fizeram embarcar outros que estavam dentro da casa do Major Nosolini, querendo levar até gente livre, e dirigindo-se ao ponto onde estava o destacamento militar desta ilha cortaram com machados o mastro da bandeira, e chegaram ao ponto de tirarem a bandeira portuguesa das mãos de um soldado nosso, cuspindo nela e metendo-a depois dentro de uma caixa de vinho, a levaram para bordo, ação esta nunca vista entre nações civilizadas. Exijo de V. Ex.ª uma satisfação completa, sem a qual ficará a dúvida a equidade da vossa nação" (Ele dirige-se ao comandante da colónia inglesa da Serra Leoa).

Seguir-se-á a peça fundamental de Honório Pereira Barreto, o opúsculo publicado em 1843 intitulado "Memória sobre o estado atual da Senegâmbia Portuguesa, causas da sua decadência e meios de a fazer prosperar” que noutro texto aqui nos mereceu largo desenvolvimento(*). Um dado secundário: nunca quis fotografar-se, dizendo: “Sou muito feio e não quero que mais tarde as senhoras da minha família metam medo aos filhinhos, apontando-lhes o meu retrato”.


Os anos passam e continuo sem entender como é que em 2016 a Guiné-Bissau ainda não recuperou aquele que, de acordo com a regras do patriotismo do seu tempo ofereceu à República independente as suas fronteiras.
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Notas do editor

(*) - Vd. poste de 5 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14118: Notas de leitura (665): “Memória sobre o estado atual da Senegâmbia portuguesa, causas da sua decadência e meios de a fazer prosperar”, por Honório Pereira Barreto (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 9 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17449: Notas de leitura (966): Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 - Um documento histórico incontornável (2) (Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17456 (De) Caras (72): em outubro de 1972, vim de férias e uma vizinha meteu uma cunha à minha mãe para eu levar uma encomenda para o namorado da filha que era furriel e que eu não conhecia de lado nenhumm... Quando a encomenda chegou ao destino, já o namoro se tinha desfeito, como vim a saber 17 meses depois... (Juvenal Amado, autor de "A tropa vai fazer de ti um homem!"... Lisboa, Chiado Editora, 2016)

1. Texto enviado anteontem pelo Juvenal Amado (ex-1.º cabo condutor autorrodas, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74, e autor de "A tropa vai fazer de ti um homem!... Guiné 1972/74" (Lisboa, Chiado Editora, 2016):

Não lembro de ter recebido alguma encomenda mas lembro-me de ter levado. (*)

Em Outubro de 1972 vim de férias a casa e,  mal cheguei, a minha mãe passou a ser assediada por uma vizinha com um pedido para,  quando eu regressasse, levar uma encomenda para o namorado da filha que era furriel lá num sítio qualquer. 

Escusado será dizer que este tipo de "correio", retirava do saco da TAP, já si pequeno para nós próprios, coisas que nós queríamos levar para nosso consumo e dos amigos chegados . Era pois um favor prestado a quem não conhecíamos e com quem não tínhamos relação nenhuma, dadas as diferenças sociais em que navegávamos na altura. 

Mas, pronto, o que se havia de fazer? Na data próxima ao meu regresso à Guiné, lá veio o embrulho que eu meti custo no meu saco. Chegado a Bissau, enviei-o para onde me tinham dito que devia mandar e assim foi.

Mas não querendo correr o risco de que me acusassem de ter ficado com a encomenda, lá ia perguntado à minha mãe se o tal namorado da fulana tinha recebido o embrulho. A minha mãe pareceu-me, a mim, que rodeava a pergunta e nada de concreto me dizia. 

Entretanto ainda lá passei mais 17 meses e o caso perdeu o meu interesse. Quando regresso,  eis que, ao passar no café Portugal,  vejo a jovem que me tinha feito acarretar o embrulho e de quem nunca recebi o pequeno agradecimento, em alegre cavaqueira com várias amigas. Resolvi perguntar-lhe,  directamente e a cores, se o namorado tinha recebido ou não a encomenda. Ficaram todas com cara de caso a olhar para aquele desterrado a quem a cor de terra não sairia nos próximos meses, a quem nunca se tinham dignado a dirigir palavra. Ela,  um bocado atabalhoadamente como quem é apanhado em falso, que sim, que tinha recebido e muitos obrigados finalmente.

Entretanto fui para casa, contei à minha mãe o sucedido, ela fez um sorriso meio maroto e lá me contou finalmente o que se tinha passado. "Olha,  filho,  ainda tu não tinhas lá chegado, descobriu-se que ela andava metida com outro e o namoro escangalhou-se".

Finalmente percebi o estranho silêncio de 17 meses, a atrapalhação da dita cuja e das amigas, quando eu me dirigi a ela em pleno café Portugal.

2. Comentário do nosso editor:

A propósito das nossas redes de  "contrabando de ternura"... e desfazendo dúvidas: o SPM - Serviço Postal Militar também efetuava a entrega de encomendas  (livros, roupas, mantimentos...) remetidas pelas nossas famílias, e não apenas cartas e aerogramas... Recorde-se aqui um poste do Paulo Santiago, já com dez anos (**), e de que se reproduz a seguir um excerto:

(...) "A minha avó Clementina, avó materna, resolveu enviar-me, por encomenda postal, um bolo-rei, dirigido para o SPM de Bambadinca. Como chegou após o dia 24, reenviaram-no para o SPM 3948 (era do Pel Caç Nat 53). Chegou ao Saltinho, já tinha vindo eu para Bissau. Reenviaram a encomenda para Bambadinca, acabando por receber o bolo-rei em meados de Janeiro. Estava duríssimo, mas...foi o melhor bolo-rei que comi até hoje." (...)

Também temos notícia de entrega de salpições (e outros produtos do fumeiro), via SPM, iguaria de resto muito apreciada entre a malta do Norte. Veja-se aqui, a este propósito, um saboroso poste do nosso José Manuel Matos Dinis (***).  Mas também já apareceram camaradas nossos a queixarem-se do "extravio" de encomendas enviadas pelas famílias... Não sabemos como se fazia a articulação entre os CTT e o SPM, nem temos noção das tarifas que se praticavam na época.

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Notas do editor:

(*) Vd. último poste da série > 11 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17454: (De) Caras (78): Também eu fiz parte dessa rede de "contrabando de ternura" que permitia, aos nossos familiares, fazer-nos chegar a Bissau e ao 'mato' as suas "encomendinhas"... (Hélder Sousa, ex-fur mil trms TSF, Piche e Bissau, 1970/72; criado em Vila Franca de Xira e a residir hoje Setúbal)

(**) Vd. poste de 24 de dezembro de  2007 > Guiné 63/74 - P2378: O meu Natal no mato (11): Saltinho, 1972: O melhor bolo rei que comi até hoje, o da avó Clementina (Paulo Santiago)~

(***) Vd. poste de  25 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11002: História da CCAÇ 2679 (61): A vingança serve-se fria (José Manuel Matos Dinis)

domingo, 11 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17455: Blogpoesia (514): "Ponte do silêncio"; "Sarilhado de fios" e "Leitura das almas", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728



1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Leitura das almas

Perscruto nos olhos das gentes
suas almas ocultas.
Nuvens de angústia toldam seus rostos.

O peso dos anos é muito
e escassa a esperança de vida.
É brando o fogo que lhes arde lá dentro.

Aquele apelo de luta que o dia-a-dia exigia
extinguiu-se com a última saída dos filhos.

Agora, navegam sozinhos, ao longe,
no mar das distâncias.

Implacável é a lei que assim ordenou,
sem prévia consulta,
a ver se as almas queriam...

Bar do Reichelt em Berlim, 7 de Junho de 2017
8h47m
Jlmg

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Ponte do silêncio

Feriado nacional, depois do Sábado e Domingo.
Uma ponte com sabor a mel.

Seis da manhã.
Seria a hora do fervilhar da vida laboral.
Estradas e passeios cheios.
A caminho da escola e do trabalho.

Em vez disso, um deserto de silêncio.
Até os canitos são sacrificados
Sem passeio matinal.

Apenas os melros e os passaritos
Cirandam nas suas lidas.

E eu que não sou alemão
Me passeio só,
Com minhas canadianas,
Testemunhando a paz e a harmonia verde
Que por aqui reina.

Num placar ao alto,
Demarcando uns cem metros,
Há um aviso aos carros estacionados:
- "Proibido estacionar aqui,
de sete a dez de Junho,
para se cuidar das árvores"

Cada uma delas ostenta no tronco,
uma ficha com seu número de identidade!...

Berlim, Bar dos motocas, 5 de Junho de 2017
9h33m
Jlmg

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Sarilhada de fios

Para pôr o computador a carburar,
Há uma sarilhada de fios a desenlaçar.
É o da corrente que se esconde na mala enrodilhado.
É o rato ladino que se esgueira ao trabalho como um rato.

É o da net que se emaranha numa teia sem aranha.
E o dos fones para calar os megafones.

Só depois eu páro e acendo a combustão.

Depois, é o clarão do mundo que se abre e aproxima.
Vêm as boas e muitas más.

Uma a uma, se acende verde o facebook.
Vem a troca. Cada um com seu farnel.
Cada um o seu sabor.

Aqui se chora, ali se ri.
Há os sérios e meditabundos.
E os cegos que só a si se vêem.
Mas também os generosos.

Os que pintam e os que escrevem lindamente.
Cada um na sua língua.

Depois, é a debandada.

Valeu a pena a trabalheira...

Berlim, no bar do Reicheld, 6 de Junho de 2017
8h55m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17430: Blogpoesia (513): No Dia dos Amigos (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas do BCAÇ 3872)

Guiné 61/74 - P17454: (De) Caras (71): Também eu fiz parte dessa rede de "contrabando de ternura" que permitia, aos nossos familiares, fazer-nos chegar a Bissau e ao 'mato' as suas "encomendinhas"... (Hélder Sousa, ex-fur mil trms TSF, Piche e Bissau, 1970/72; criado em Vila Franca de Xira e a residir hoje Setúbal)

1. Comentário deixado no poste P17453 (*), pelo nosso colaborador permanente Hélder Valério de Sousa (ex-fur mil trms TSF, Piche e Bissau, 1970/72, ribatejano a viver em Setúbal, com página pessoal no Facebook)


Uma história deliciosa (não só por causa do bacalhau...) que demonstra bem a capacidade inventiva do 'português típico' que é capaz de descortinar uma saída qualquer para os 'milhentos' problemas com que muitas vezes se depara.

Essa cadeia de solidariedade, de boas vontades, funcionou. E funcionou bem.

Em Vila Franca de Xira, onde vivi até ir para a Guiné e ainda algum (pouco) tempo depois, havia (e ainda há) um rapaz do meu tempo (1 ou 2 anos mais velho),  o Orlando Levezinho, que julgo ser primo do Tony. Tocava num daqueles conjuntos que proliferavam na década de sessenta e acho que ainda hoje está ligado a actividades musicais.

Mas o que me levou a fazer este comentário foi o apelo do Luís para que aparecessem mais histórias de remessas de produtos que chegavam por diversas formas e meios.

É claro que para quem estava em Bissau as coisas eram muito mais facilitadas, mas no interior também chegavam coisas. Acontece é que para o Levezinho a cadeia de solidariedade era mais complexa mas, mesmo assim, não teve quebras...

Uma das formas como as coisas chegavam era pelo 'portador'.

Quando se regressava de férias lá havia umas 'lembranças', fosse em bacalhau, chouriços, queijos, etc.

Quando fui para a Guiné (já contei aquando da minha apresentação aqui) fui portador de um garrafão de água-pé, castanhas e outras coisas, pois calculava-se que chegaria lá a tempo para o S. Martinho e de facto assim aconteceu pois cheguei no dia 9 de Novembro.

Essa 'encomenda' foi para o meu conterrâneo José Augusto Gonçalves, colega de turma na EICVFXira [, Escola Industrial e Comercial de Vila Franca de Xira] que era Fur Mil no Pelotão de Transmissões (tratava da montagem dos rádios e assistência à aparelhagem),  cujo quarto (que ele partilhava com outros dois Fur Mil,  o Vítor Ferreira, também de Vila Franca e meu parceiro/competidor de bilhar na "Brasileira", e o já aqui várias vezes referido Pechincha, da CART 11) fui usufruir.

Mais tarde, também foi a minha vez de receber alguma coisa, desta vez por intermédio de um tripulante do T/T "Niassa". Era avisado por carta (ou aerograma) de que isso ia acontecer, estava atento à chegada dos navios, entrávamos em contacto e lá recebia a encomenda.

Também tinha a sorte de ter um primo (aí já em terceiro grau...) na Base Aérea [,BA 12, em Bissalanca], o Sargento Salgado Valério (acho que era Valério Salgado, não sei bem) e que também de vez em quando recebia coisas por via aérea e que me facultava parte quando calhava.

Mas a maior parte e mais interessante, eram as encomendas que o meu camarada das Transmissões e da Escuta, o Fur Mil Nelson Batalha,  recebia.

O seu pai era funcionário de um Despachante aqui de Setúbal, o Fernando Pedrosa, que foi dirigente do Vitória de Setúbal e também com responsabilidades federativas.

Algumas vezes foi possível enviar, já quando estávamos em Bissau, na Escuta, umas caixas isotérmicas em barcos que passavam por Setúbal, por exemplo o "Ana Mafalda". Nessas caixas iam imensas coisas variadas que o Nelson partilhava connosco. Fruta da época (lembro-me bem dos melões, que o pessoal nativo dizia ser "papaia da metrópole"), compotas, bolachas, enchidos, etc..

Havia também patês variados de coisas que não estava habituado, como veado, javali e outros (isso agora é corriqueiro mas na época o que havia eram os de sardinha e atum e de presunto) e também várias espécies de salsichas, da Baviera, suecas, etc, que provinham das amostras que os fornecedores deixavam na Alfândega e que,  pronto!,  lá seguiam até à Guiné.... para se fazer o teste e aprova de qualidade.

Quando estive no interior, no 'mato', em Piche, lembro-me que de vez em quando havia quem recebesse coisas da 'Metrópole' mas não me lembro qual o meio utilizado.

Abraços
Hélder Sousa

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Nota do editor:

Vd. poste de  10 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17453: (De) Caras (77): O "contrabando" da... ternura ou como o "fiel amigo", o bacalhau, chegava à Bambadinca, ao Tony Levezinho, utilizando uma vasta rede de intermediários, do navio-tanque da Sacor à Casa Fialho - Parte II

sábado, 10 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17453: (De) Caras (70): O "contrabando" da... ternura ou como o "fiel amigo", o bacalhau, chegava à Bambadinca, ao Tony Levezinho, utilizando uma vasta rede de intermediários, do navio-tanque da Sacor à Casa Fialho - Parte II




"António Eugénio da Silva Levezinho nasce a 24 de Novembro de 1947, em Lisboa. Do pai, António Levezinho, herda o nome e a vontade de "vestir a camisola" pela Sacor. Seu pai era o funcionário número 27 da Sacor, onde entrou como electricista em 1954. É com orgulho que refere: "Já não fui o primeiro Levezinho a entrar para a Sacor, porque o meu pai é contemporâneo ao primeiro dia de existência da Sacor e contribuiu com as suas capacidades e competências para a construção da Refinaria de Lisboa." Com 5 anos apenas, ia já à refinaria onde o porteiro, impecavelmente bem vestido, perguntava: "Vem ver o paizinho?" Desde essa altura que entende esta empresa como uma segunda casa. É aqui que, em 1968, é abraçado pelo petróleo como escriturário aspirante. Na Sacor faz todo o seu percurso profissional, em Aprovisionamento e Exportação, até chegar a director-adjunto, em 1990." 

(Fonte: Vidas Galp Museu Virtual > Família > {1967] Anrtónio Levezinho, com a devida vénia. Segundo o Tony Levezinho, o pai começou por trabalhar, em 1940, numa das empresas que estava a construir a refinaria da Sacor. E entrou a seguir para a Sacor. Quando se reformou já era o funcionário nº 1 e não o 27).


1. Mensagem do Tony Levezinho, ex-fur mil at inf, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71):

 Olá,  Luis

Tal como o prometido, aqui segue um pequeno texto, o qual, tanto quanto a memória me permite, tenta corresponder ao teu desafio (*)

Sabes que,  em "open space",  não me é particularmente grato falar na 1ª pessoa. Contudo, acho que neste caso, tinha que ser mesmo assim.

Agradecimentos, entre amigos são dispensáveis. No entanto, quero que saibas do meu reconhecimento pela tua referência ao meu pai, a qual, sei que é genuína.

Um grande Abraço e um Beijinho para a Alice.

Tony

P.S. - Na Net encontras um site,  Galp Vidas -Museu Virtual. Já na primeira década de 2000 (talvez 2005/6) fui convidado pela Galp para participar, no contexto da minha área (Aprovisionamento e Exportação). Se tiveres algum interesse...


2. A OPERAÇÃO “BACALHAU COM TODOS” 

por Tony Levezinho


O Bacalhau, mais do que um produto gastronómico comum à mesa portuguesa é, sem dúvida, uma herança cultural de gerações.

Fazendo honras, como nunca, ao seu título de “Fiel Amigo”,  foi companheiro de muitos de nós com a frequência possível, mas sempre com a virtude de confortar o estômago e de mitigar quer as saudades que sentíamos das nossas famílias, quer as vicissitudes e incertezas do nosso dia-a-dia.

Concretamente, acerca do Contrabando de Ternura, tal como o meu querido amigo Luis Graça lhe chama, aqui vão os contornos principais do esquema que fazia funcionar esta “rede de contrabando”, a operar a partir do Continente, sempre com o objetivo de nos fazer sentir um pouco mais próximos dos nossos locais de origem, de onde (ainda hoje não percebo bem porquê) nos tiraram.

Na empresa onde trabalhei, a Sacor (depois de abril,  integrou a Petrogal, que hoje pertence ao grupo Gal),  tive a sorte de ter um colega que por acaso também se chamava António Levezinho, pessoa muito estimada naquela organização, na altura, um dos poucos ainda no ativo, desde a sua fundação [. Chegaria a ser o nº 1, na altura em que se reformou.]

Acresce que este colega era o meu pai. Assim se justifica (ainda mais) a sua iniciativa de usar as boas relações que tinha com todos os setores da companhia para, junto da Sacor Marítima, empresa armadora do grupo (existe ainda hoje com a mesma designação) assegurar que os pacotes com o “precioso miminho” chegavam ao Parque de Armazenagem de Combustíveis de Bandim, em Bissau.
Para o efeito, os navios envolvidos neste tráfego eram o  “SACOR”, o “ROCAS”, o “CIDLA” ou o “BANDIM”, aqui apresentados, pela mesma ordem:







Chegada a mercadoria à Guiné, era então a vez de entrar em ação o chefe do parque da Sacor, o senhor Daniel Brazão, com quem ainda viria a trabalhar em Lisboa, após o meu regresso. Este cúmplice providenciava no sentido de que as encomendas com o "fiel amigo" fossem entregues na Casa Fialho, casa comercial à boa maneira colonial e com grande implantação no território, a qual, a partir da sua casa-mãe em Bissau, se encarregava de as fazer seguir até à sucursal de Bafatá, onde eu próprio ou alguém a meu pedido as recolhia, logo que possível.


O porquê do envolvimento da Casa Fialho nesta “liga de boas vontades”? [Não tenho a certeza se a foto à esquerda à da Casa Fialho ou da Casa Pintozinho em Bissau... Foi o TOny que ma mandou, sem legenda. LG]

Simplesmente porque o seu dono, o senhor Sérgio Fialho, era o líder de uma família abastada de uma aldeia chamada Sobrena, no concelho do Cadaval, onde uma tia minha (irmã do meu pai) vivia, por se ter casado com um natural daquela localidade.

Depois desta confidência sobre os detalhes de como funcionava, no terreno, a operação “Bacalhau Com Todos”, dou comigo a pensar se não será excessiva a fidelidade que atribuímos ao Bacalhau, a ponto de o tratarmos como o “Fiel Amigo”.

Da minha parte, garanto, a fidelidade é absoluta para com o Bacalhau, qualquer que seja a maneira como ele se apresente no prato.

Um Abraço Amigo

Tony Levezinho
(CCaç.12 - Bambadinca, 1969/71)

08/jun./2017

[Imagens enviadas pelo Tony Levezinho]



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Estrada Bambadinca-Xime > Ponte do Rio Udunduma >  Destacamento da CCAÇ 12 > 1970 > 2º Grupo de Combate >  Era um ponto estratégico esta ponte. Dormíamos em buracos. De dia, davam-se ums mergilhos, apanhava-se peixe à linha ou à granada, fazíamos uns petiscos...mesmo sem cozinha. O almoço e a janta vinham de Bambadinca. O Tony Levezinho deve ter comido aqui, com o seu pessoal, uns postinhas de bacalhau assado na brasa.

Na foto, o Tony e o Humberto estão sentados na manjedoura... Era ali, protegidos da canícula, que tomavámos em conjunto as nossas refeições, escrevíamos as nossas cartas e aerogramas, jogávamos à lerpa, bebíamos um copo, matávamos o tédio...O dia acabava cedo, mal o sol de punha. O Tony, à esquerda, segura  uma granada de LGFog, calibre 3.7. Também à esquerda, de pé, em segundo plano o saudoso 1º cabo José Marques Alves (1947-2013).


Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



3. Comentário do editor LG:

Tony, obrigado!... Tenho mesmo que te agradecer em nome da Tabanca Grande. Seria uma pena que esta história ficasse só no baú da memória... e acabasse por se perder!

Por outro lado, ninguém vai ter lata de pôr em causa ou contestar o esquema que o pai Levezinho arranjou para te fazer chegar o "fiel amigo"... Na realidade, este esquema é centenário e tipicamente português...Um amigo faz sempre um jeitinho a um amigo, e para mais quando a causa era "nobre".. 

Bolas, estávamos em guerra, e longe de casa, e o teu velho devia ter uma coração de manteiga... Daí me ter ocorrido a expressão "contrabando de ternura"... O que ele organizou foi apenas uma rede de suporte social informal que funcionou às mil maravilhas, com 5 mil quilómetros de comprimento, Bafatá, Bambadinca)... E repara: nem tu nem o teu pai lesaram ninguém, muito menos a companhia... A "encomendinha" chegava sempre a bom porto, graças a um série de boas vontades... Um esquema bonito, perfeito, bem português... (E que eu saiba, nunca  houve reclamações: o teu/nosso "fiel amigo" não se perdia nas águas do Geba, como o da Intendência...).

Agora diz-me outra coisa: sempre tiveste jeito para a cozinha e acho que davas um grande "chef" se te metesses por aí... Em Bambadinca chegaste a meter o bedelho na cozinha das  messes ? [A cozinha era comum à messe de oficiais e à messe de sargentos]. Quem fazia os petiscos ?

Continuo a gostar de bacalhau de todas as maneiras e feitios... Ontem a Alice fez um belo bacalhau, receita meio nortenha, metade dela,   para uns alemãos de Münster... e eu contei-lhes a história do "Maria da Glória", miseravelmente afundado pelo U-94...do 1º tenente Otto Ites, em 5/6/1942... Adoraram o bacalhau... E sobre o nazismo têm um discurso inatacável: os alemães eram todos nazis, filhos, pais, avós, até ao Hitler... Um sistema totalitário a que a judia alemã Hanna Arendt  (1906-1975) chamou o "mal absoluto"... Em conversa, entre brancos, tinta  e uma aguardente velha para acabar em beleza, concluímos que o filho da mãe do Salazar até foi um ditador "ligh"... Terá sido ?

Eu discordo: afinal, cada povo tem afinal o ditador que merece... O nosso, por exemplo, não queria que os portugueses soubessem que os "nossos amigos alemães" eram capazes de fazer tiro ao alvo contra os nossos valentes pescadores e marinheiros que, no meio da maior batalha marítima de todos os tempos, se esgueiravam até à Terra Nova e à Gronelândia para pescar o "fiel amigo".

Um xicoração, Luís


4. Resposta do Tony Levezinho, com data de 8 do corrente:

Luis
Confirmo o gosto pela cozinha que ainda hoje exercito com prazer, mas em Bambadinca não me lembro de ter entrado na cozinha de qualquer das messes.
Curiosamente, lembro-me de preparar alguns petiscos, mas não recordo em que circunstâncias.

Guiné 61/74 - P17452: Parabéns a você (1270): Alcides Silva, ex-1.º Cabo Estofador do BART 2913 (Guiné, 1967/69)

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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17448: Parabéns a você (1269): Ernesto Duarte, Fur Mil Inf da CCAÇ 1421 (Guiné, 1965/67)

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17451: (De) Caras (69): O "contrabando" da... ternura ou como o "fiel amigo", o bacalhau, chegava à Bambadinca, ao Tony Levezinho, utilizando uma vasta rede de intermediários, do navio-tanque da Sacor à Casa Fialho - Parte I


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71)  > 1970 > Furriéis milicianos Tony  Levezinho e [Luís Graça] Henriques, à civil... Dois amigos para a vida...


Foto: © António Levezinho (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Já aqui recordámos, neste blogue de antigos combatentes, a importância que tinha, no TO da Guiné, durante a guerra colonial, a presença do "fiel amigo" (*)... 

Para suprir as falhas da Intendência, eram as nossas próprias famílias que nos faziam chegar, aos aquartelamentos no mato, remessas do tão desejado bacalhau... sobretudo nas datas mais festivas e simbólicas, como o Natal ou o nosso dia de anos.

O "fiel amigo" vinha às postas, devidamente embalado, seco, salgado, e de preferência era do "especial", com a altura de 4 dedos... E ainda o João Alves, que é de Torrres Vedras,  não tinha inventado o "bacalhau demolhado, ultracongelado,  pronto a cozinhar",,, (A Riberalves aparecereá só em 1985, muito depois de ele vir da Guiné, onde estava quando aconteceu o 25 de abril) (*).

Estou-me a lembrar, isso sim, de um dos amigos que fiz, para a vida, o Tony Levezinho, meu camarada da CCAÇ 12, e um dos membros seniores da nossa Tabanca Grande, tal como o Humberto Reis (**).

É um gentleman, o Tony Levezinho,  tal como o pai, que eu ainda tive o privilégio de conhecer pessoalmente na sua casa da Amadora, nos primeiros anos da década de 1970, depois do regresso do inferno...  Pai e filho trabalharam na Sacor (mais tarde Petrogal, hoje Galp)... Quando o pai Levezinho se reformou era simplesmente o empregado nº 1 (!).

O Tony chegou mesmo a chefe de divisão (o que não era fácil a um self-made man como ele, numa empresa de engenheiros). Reformado, vive hoje com a sua querida Isabel na Tabanca,,,  da Ponta de Sagres - Martinhal...

Apesar da sua modéstia, o Tony foi (e continou a ser, mesmo depois de reformado da Galp) um perito na arte do import-export do petróleo e seus derivados... Mas, se eu evoquei aqui o seu nome, foi para contar o seguinte, a título de (in)confidência: graças às suas ligações à Sacor, nunca nos faltava o "fiel amigo" à mesa, em Bambadinca...

O bacalhau e outras iguarias chegavam-nos à Guiné, a Bisssau e depois a Bafatá e a Bambadinca, regularmente, transportado no navio-tanque da Sacor até Bissau e depois,  "à boa maneira portuguesa", encaminhado até ao seu destino final... A verdade é que o pai Levezinho nunca se esquecia do filho Levezinho e dos seus amigos e camaradas de Bambadinca...

Eu tenho que ter aqui um pensamento de grande ternura e gratidão para com esse homem, o pai Levezinho, que foi um dos nossos bons irãs poisados nos poilões de Bambadinca: o bacalhau que chegava ao Tony Levezinho, periodicamente, através do navio-tanque da Sacor ( ... e da Casa Fialho, no percurso final, de Bissau a Bafatá), não era comido às escondidas, sozinho, mas sim generosa e festivamente partilhado pelos amigos e camaradas mais próximos...

 E devo acrescentar que, se não nos matava a malvada (que era muita, aos 22 anos, e para quem palmilhava léguas e léguas pelos matos e bolanhas da Guiné), foi um suplemento de alma, e seguramente ajudou-nos a sobreviver e a regressar a casa, ainda com mais ganas de continuar a viver e a amar as coisas boas da vida, de que o "fiel amigo" fazia (e continua a fazer) parte,,,

2. Ao  escrever o poste P17440 (**) sobre uma efeméride ligada à história da pesca do bacalhau, de repente lembrei-me desta história do Tony Levezinho e do seu pai, e as remessas do "fiel amigo" que nos chegavam a Bambadinca através do navio-tanque da Sacor e, depois, da Casa Fialho...

Mas faltavan-me detalhes importantes, pelo que desafiei-o, no passado dia 7, nestes termos: "Tony, tens que me contar, agora por escrito, como é que se processava esse 'contrabando'... de ternura!"...

Embora ele não goste de falar de si, na primeira pessoa do singular, e nomeadaemente em público, logo na volta do correio, ele deu-me uma resposta afirmativa: "Viva Luis: apesar de já teres dito quase tudo, vou preparar um pequeno texto para corresponder ao teu desafio. Até já. Um Abraço .Tony".

É esse texto que vai ser publicado na II Parte, em poste a seguir. (***)

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Notas de leitura;

(*) Vd. Riberalves > Quem somos

(...) "A Riberalves produz 30 mil toneladas de bacalhau por ano, o equivalente a cerca de 8% a 10% de todo o bacalhau pescado no mundo. A capacidade produtiva da empresa conheceu um forte impulso a partir do ano 2000, após o investimento na unidade industrial da Moita, transformada naquela que é hoje a maior unidade mundial a operar exclusivamente no sector do bacalhau. Nesta unidade a Riberalves tem implementada tecnologia própria, desenvolvida para assegurar a produção do Bacalhau Demolhado Ultracongelado – Pronto a Cozinhar, uma categoria de produto que pela sua qualidade e carácter prático, tem vindo a permitir reinventar o consumo do “fiel amigo” e apontar a novos mercados".(,,,)

Vd, também Riberalves > Vídeos > Vídeo institucional 30 anos

(**) Vd. poste de 7 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17440: Efemérides (256): Faz agora 75 anos que foi afundado a oeste da Gronelândia o lugre bacalhoeiro ilhavense "Maria da Glória" por um submarino alemão... Dada o forte simbolismo da data, foi já proposta a Assembleia da República a instituição do dia 5 de junho como "O Dia Nacional do Bacalhau"...


(***) Último poste da série > 8 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17447: (De) Caras (75): Fausto Teixeira ou Fausto da Silva Teixeira, um dos primeiros militantes comunistas a ser deportado para a Guiné, em 1925, dono de modernas serrações mecânicas (Fá Mandinga, Banjara...) a partir de 1928, exportador de madeiras tropicais, colono próspero e respeitável em 1947, um dos primeiros a ter telefone em Bafatá, amigo de Amílcar Cabral, tendo inclusive ajudado o Luís Cabral a fugir para o Senegal, em 1960..."Quem foi, afinal, o meu avô?", pergunta o neto Fausto Luís Teixeira (nascido em Ponte Nova, Bafatá, onde viveu até aos três anos)...

Guiné 61/74 - P17450: Convívios (809): Encontro do pessoal da CCAV 2748/BCAV 2922, levado a efeito no passado dia 3 de Junho de 2017, em Almeirim (Francisco Palma)


COMPANHIA DE CAVALARIA 2748

COMBATENTES DA GUINÉ 70-72 

47 Anos da Partida de Lisboa e 45 do regresso de Bissau 

Levou a efeito mais um encontro, este ano no dia 03 de Junho em Almeirim, registando 75 presenças, onde foi um sem fim expressões de alegria e revivência do passado com alegrias, tristezas e até emoções, mas principalmente de alegria pelo reencontro e convívio.











Reportagem enviada pelo nosso camarada Francisco Palma (ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCAV 2748 / BCAV 2922, Canquelifá, 1970/72), nesta foto em primeiro plano,
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17444: Convívios (808): Encontro de RANGERS, alguns antigos combatentes na Guiné. Homens que cruzaram as suas vidas com a guerra colonial. (José Saúde)

Guiné 61/74 - P17449: Notas de leitura (966): Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 - Um documento histórico incontornável (2) (Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
Que ninguém espere encontrar aqui uma caraterização das etnias guineenses com o rigor antropológico e etnológico. Tudo aqui é observação de quem pensa que está a falar de primitivos, gente que precisa de ser civilizada, aculturada. Não que falte algum rigor em certas apreciações, mas neste documento o autor não esconde que fala de civilizado para indígena, os pobres coitados têm costumes bizarros, a cultura do branco ainda não os moldou para a cidadania. Só décadas depois é que o olhar do cientista se despiu de preconceitos raciais.

Um abraço do
Mário


Um documento histórico incontornável: Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 (2)(*)

Beja Santos

Estes anuários tinham a apresentação de um mostruário do território, dos seus transportes, da natureza da sua administração, fazia-se uma incursão pela cidades e vilas e depois passava-se para as atividades económicas, neste tempo ainda se falava pouco do turismo mas fazia-se sempre menção da fauna e flora, eram requisitos obrigatórios do feitiço africano; e por último, mostrava-se um pouco da história da pacificação e referiam-se os usos e costumes dos indígenas.

Deixei exatamente para este texto a descrição do anuário sobre as etnias existentes na Guiné. Não se perca de vista estamos em 1925 e a antropologia e a etnologia ainda não são consideradas ciências. De acordo com o anuário, na Guiné Portuguesa o tipo de raça dominante é o negro e o negroide e o hamita cruzado. Segue-se um pálido resumo dessas raças, os usos e costumes e o autor adverte que não há intuitos “de que nos tomem por senhores doutores no assunto”.

Fulas – a sua índole é boa, se bem que de feitio concentrado. Pouco robustos em geral, são bastante atreitos a doenças. Quase todos praticam a tatuagem, nos lábios, as mulheres e os homens no rosto. Devido a esta prática absurda, acontece vermos tipos de mulheres verdadeiramente cativantes, prejudicados em absoluto pela deformação dos beiços. O Fula usa lavar-se, mas nem todos empregam o sabão, por ser crença entre eles que tal emprego faz diminuir a virilidade. São supersticiosos à sua maneira. Logo que lhes morre um filho ou parente mudam em regra de povoação, transportando para longe os seus penates. Têm a vaidade de que são grandes progenitores.

Mandingas – têm boa índole, são alegres, expansivos, hospitaleiros e obedientes. São atraídos pelo comércio e a agricultura. Têm duas castas: a dos ferreiros e a dos sapateiros, não podem juntar-se com castas diferentes. Têm os Mandingas também a sua autoridade religiosa que denominam almarne (penso que o autor confundiu, a palavra própria é almani). Ele é ao mesmo tempo conselheiro político, goza de muito prestígio. É curioso como se transmitem entre eles as heranças: por morte do pai herdam os irmãos, começando pelo mais novo que tenha família. Os filhos e as mulheres fazem parte do legado, e neste caso elas ficam sendo pertença do herdeiro. Quando este tem mulheres a mais, a mulher herdada pode passar para o outro irmão, desde que ela concorde, e dividem-se os filhos entre os irmãos.

Felupes – são bem constituídos, robustos, musculados, sadios e resistentes. Quando novos e solteiros, usam várias contas nas pernas e diversas penas na cabeça. Quanto a trabalhar, não se matam muito, apenas produzem o suficiente para comer e pagar o seu imposto. Só depois dos 20 anos é que se casam e não se divorciam, separam-se do modo mais simples quando não se dão bem. Crêem em Deus e nos espíritos malignos.

Papéis – são muito vivos e espertos, musculosos e resistentes. Quase todos de caráter concentrado. Têm um costume interessante: deformar os dentes, tornando-os pontiagudos. Exímios montadores de bois ou de vacas, é costume passarem nos caminhos a trote, ou a galope. No que respeita a bebidas, apreciam o álcool e o vinho de palma. As raparigas Papéis, logo que nascem são pedidas em casamento por qualquer homem, que desde logo tem que auxiliar o pai dando-lhe aguardente e trabalhando na sua lavoura. Uma vez chegadas à idade 10 ou 12 anos, vão as raparigas para casa das mães dos seus futuros maridos e só se juntam com estes depois de atingida a puberdade.

Manjacos – são considerados como uma divisão dos Papéis, com que se assemelham fisicamente e até pelos costumes. Náuticos por temperamento, são os que mais contingente fornecem para o pessoal de embarcações. A mulher Manjaca é ordinariamente esbelta e agradável. Adora os lenços de cores vivas e ornamenta-se, como os ídolos, de bizarros colares de pontas e manilas. Os Manjacos constituem uma população densa e obedecem aos régulos, que são senhores absolutos.

Banhuns (Brames ou Mancanhas) – não crêem na alma, nem sabem o que isso seja, mas acreditam na transmigração. Há Banhuns que se caracterizam pelas horas mortas da noite em hienas e onças para exercerem pequenas vinganças. Para os Banhuns, a mulher não é bem um ser, um farrapo desprezível, sem vontade própria, que eles negoceiam como negociariam a vaca ou uma cabra. Reconhecem que precisam dela mas não se lhe dedicam. Por este facto estão sempre prontos a tê-la em casa e a recebê-la, mesmo que saibam que os filhos que ela lhes traz não lhes pertencem. Ela lavra a mancarra, corta o chabéu (cacho de coconote), lavra o milhinho, que é uma espécie de alpista ou painço; ela prepara os terrenos, sacha e monda as culturas, colhe a mancarra e quebra o coconote.

Balantas – as suas crianças, mal nascem, são lavadas e podem chorar à vontade. Hão de esperar que as mães tenham leite. Se estas morrem em resultado do parto, ou mesmo muitos meses depois, os filhos têm também de morrer por não haver quem os amamente. Quando nascem gémeos, um é abandonado junto de qualquer montículo de bagabaga e lá morre, tomando a mãe conta do outro. Aos mancebos (blufos) tudo é permitido. Praticam a circuncisão, para eles a maior festa. Escolhem as mulheres com que hão de casar. A mulher Balanta, é em geral, infiel ao marido, o que não admira, visto este normalmente ser muito mais velho do que ela. Há entre eles um costume muito curioso: se duas famílias são inimigas, fazem as pazes trocando os filhos em casamentos.

Beafadas – são uns verdadeiros amorosos de batuques. É a mulher que trabalha; é ela que trata da apanha dos produtos, ela que põe em fio o algodão, ela que o tinge, enquanto homem descansa à sombra da árvore.

Cassangas – são considerados uma espécie de Beafadas, havendo quem neles encontrasse muitas semelhanças.

Nalus – atingindo a idade de 18 anos, podem casar e terão tantas mulheres quantas forem as irmãs que tiverem. Praticam a circuncisão. As mulheres são consideradas, em geral, como escravas, não havendo nenhum cuidado com elas quando estão grávidas, chegando até a ser espancadas pelos maridos. Entre os Nalus herdam os filhos, e na falta destes, os sobrinhos.

Bijagós – são os únicos indígenas que não praticam a circuncisão. Untam os corpos com azeite de palma e, nas ocasiões das festas, juntam a este um barro branco. São bons nadadores. Alimentam-se de macacos, ratos, jibóias, cães ou outros bichos domésticos. As suas casas, em regra, são caiadas com barro branco. Algumas têm vários desenhos informes, feitos com barro vermelho e amarelo ou com uma tinta preta. Crêem todos numa entidade suprema.

E o artigo termina assim: acrescentaremos agora que, a par do Balanta, é talvez o Fula o mais corajoso na investida, de uma intrepidez mais calma.


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Nota do editor

(*) Poste anterior de 5 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17433: Notas de leitura (964): Anuário da Província da Guiné, ano de 1925 - Um documento histórico incontornável (1) (Beja Santos)

Último poste da série de 6 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17437: Notas de leitura (965): Guiné: um rio de memórias, "alegres e doridas"... Porque regressar é preciso: "costuma(-se) dizer que tem mais dores aquele que nunca regressa completamente"... E quem o reafirma é o Luís Branquinho Crespo, que lá voltou quarenta e tal anos depois...

Guiné 61/74 - P17448: Parabéns a você (1269): Ernesto Duarte, Fur Mil Inf da CCAÇ 1421 (Guiné, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17445: Parabéns a você (1268): Antero Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3566 e CCAÇ 18 (Guiné, 1972/74) e João Gabriel Sacôto, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 617 (Guiné, 1964/66)

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17447: (De) Caras (68): Fausto Teixeira ou Fausto da Silva Teixeira, um dos primeiros militantes comunistas a ser deportado para a Guiné, em 1925, dono de modernas serrações mecânicas (Fá Mandinga, Banjara...) a partir de 1928, exportador de madeiras tropicais, colono próspero e respeitável em 1947, um dos primeiros a ter telefone em Bafatá, amigo de Amílcar Cabral, tendo inclusive ajudado o Luís Cabral a fugir para o Senegal, em 1960..."Quem foi, afinal, o meu avô?", pergunta o neto Fausto Luís Teixeira (nascido em Ponte Nova, Bafatá, onde viveu até aos três anos)...




Anúncio da empresa, em nome individual, "Fausto da Silva Teixeira", dono de serração mecânica de madeiras, com sede em Bafatá, publicado em Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2.


[Foto  partir de cópia pessoal pertencente ao  nosso saudoso camarada Mário Vasconcelos (1945-2017), ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72, Mansoa, e Cumeré, 1973/74] (*)



Cartão pessoal, sem data, manuscrito, de Fausto da Silva Teixeira, encontrado no Arquivo Amílcar- Cabral. Tudo indica que seria dirigido ao "caro amigo" engº agrónomo Amílcar Cabral, nascido em Baftá em 1924, com "cumprimentos à sua senhora", a engª agrónoma, sua colega de curso do ISA - Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa,  Maria Helena [de Ataíde] Vilhena Rodrigues, transmontana de Chaves, com quem Amílcar Cabral casara em 1951, e com quem foi para a Guiné em 1952. Aqui nascerá a primeira filha do casal, Iva Cabral. Vão permanecer cerca de quatro anos na Guiné. Amílcar Cabral, encarregado pela administração da província de fazer o recenseamento agrícola,  vai percorrer a Guiné de lés a lés. Será nessa altura que conhece o Fausto Teixeira ,que devia viver em Bafatá ?... O casal adoece e tem de regressar a Lisboa. Em 1957 vão trabalhar para Angola. Mas em 1956e, 19 de setembrom, Amílcar já tinha participado na criação clandestina do PAI - Partido Africano para a Independeência, mais tarde PAIGC. O casal separa-se definitiavamente em 1966.

Este cartão deve ser, portanto, dos anos de 19652 a 1956.


Fonte: Portal Casa Comum, com a devida vénia

Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07063.036.115
Título: Cartão
Assunto: Cartão pertencente a Fausto da Silva Teixeira com nota manuscrita.
Data: s.d.
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Cartas de Bissau 1960-1961.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos

Citação:

(s.d.), "Cartão", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41709 (2017-6-8)


1. Mensagem do nosso leitor Fausto Luís Teixeira. com data de 4 do corrente:

Exºs Srs

Chamo-me Fausto Luís Teixeira, nasci em Ponte Nova, Bafatá (e vivi lá até aos 3 anos). Sou neto de Fausto da Silva Teixeira, que mal conheci, e de quem gostava saber algo mais.

Uma pergunta:
- Sabeis como ele foi parar à Guiné?

Muito obrigado
Cordial e atentamente

Fausto Luís Teixeira


2. Resposta do editor:

Obrigado, Fausto, pelo seu contacto. Do seu  avô, Fausto da Silva Teixeira ou Fausto Teixeira, sabemos pouco:

(i) seria um dos primeiros  militantes do PCP - Partido Comunista Português [, fundado a 6 de março de 1921] s ser deportado  para a Guiné, em junho de 1925, ainda portanto no tempo da I República (1910-1926),  juntamente com outros camaradas (Alexandre José dos Santos, Ferreira da Silva e Manuel Tavares, tendo este último, barbeiro de profissão,  morrido logo a seguir, já na Guiné, de doença) (*);

(ii) estabeleceu-se no leste da Guiné, onde terá fundado, em 1928, em Fá Mandinga, circunscrição (equivalente a concelho) de Bafatá, uma "serração mecânica de madeira", como se deduz do anúncio comercial publicado em Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2 e de uma notícia da agência Lusitânia, publicada no "Diário de Lisboa", de  9/2/1947;

(iii) devia ser um colono próspero e respeitável, ao ponte de a sua serração, em Fá Mandintga, entre Bafatá e Bambadinca, ter tido a honra de ser visitada pelo subsecretário de Estadod as Colónias, engº Rui Sá Carneiro, e comitiva, no dia 7/2/1947 (***):

(iii) terá sido dos primeiros moradores de Bafatá a ter telefone (o nº 10); tinha igualmente endereço telegráfico e caixa postal, o que era importante para u7ma "exportadoer de madeiras tropicais":

(iv) tinha, além disso, uma outra serração em Banjara, abandonada depois da guerra,mas cujas instalações eeram conhecidas das NT (***);

(v) terá conhecido  o engº agrónomo Amílcar Cabral e a esposa, portuguesa, Maria Helena,  logo quando o casal se estabeleceu na Guiné, no início dos anos 50, a avaliar por um cartão pessoal, manuscrito, de que encontrámos cópia digilitalizada no portal Casa Comum / Fundação Mário Soares, e que reproduzimos acima:

(vi)  devia ser, no mínimo, simpatizante da luta nacionalista encabeçada por Amílcar Cabarl ao ponte de ter ajudado o seu meio-irmão, Luís Cabral, a fugir da Guiné, em 1960, conforme testemunho do próprio Luís Cabral, no seu livro de memórias, "Crónica da Libertação" (Lisboa: Lisboa, O Jornal, 1984), citado pelo nosso camarada A. Marques Lopes (***);

(vii) mais concretamente, levou Luís Cabtalm,  no seu "Peugeot 203 pintado de cor azul forte" desde as Oficinas Navais do porto de Bissau até perto da sua serração [Banjara ou outra mais a norte ?], de onde Luís Cabral seguiu a pé até a uma aldeia senegalesa, passando por Fajonquito...

(viii) terá, mais tarde, sido identificado, seguido, vigiado e eventualmente preso pela PIDE [, que só abriu uma delegação em Bissau em 1954]... ou então, com a guerra, a empresa deve ter falido (é o que se deduz da homenagem que Luís Cabral lhe faz: "um velho democrata que amou profundamente a liberdade, lutou por ela e acabou por ser vencido pelas forças da repressão e do mal") (***).

O neto Fausto Luís Teixeira, nascido em Ponte Nova, em Bafatá (não diz em que ano, talvez em finais de 1950 ou princípios de 1960) pode agora cruzar esta informação com as memórias da família...

Um representante legal da família pode inclusive ir  ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, para consultar a  eventual informação constante do arquivo da PIDE, incluindo o da Delegação da Guiné (1956/74), respeitante ao seu familiar Fausto Teixeira ou Fausto da Silva Teixeira. (****)

Disponha sempre, caro Fausto,  do nosso blogue como fonte de informação e conhecimento.  Um abraço do editopr Luís Graça


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Notas do editor [, repo0nsável também pleos itálicos, negritos e realces a amarelos]:

(*) Vd. poste de 22 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14173: Historiografia da presença portuguesa em África (52): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte IV (Mário Vasconcelos): Há, pelo menos, 6 comerciantes libaneses em Bafatá: Jamil Heneni, Toufic Mohamed, Rachid Said, Fouad Faur, Salim Hassan ElAwar e irmão

(**) Vd. Casanova, José - O Partido na História - Os primeiros comunistas presos, Partido Comunista Português: Organização Regional de Lisboa.

(...) O último registo conhecido de prisões (e, no caso concreto, também de deportações – as primeiras de que há notícia) de membros do PCP no tempo da 1ª República é de 1925: em Junho desse ano são deportados para a Guiné, sem julgamento, os militantes comunistas Alexandre José dos Santos, Fausto Teixeira, Ferreira da Silva e Manuel Tavares. Este último, barbeiro de profissão, era membro do Secretariado da Comuna n º 1 «Tibério Graco», do Beato e Olivais (Lisboa) e viria a morrer, após dois meses de deportação, vítima dos rigores do clima tropical e da falta de assistência médica. Terá sido, muito provavelmente, o primeiro de uma longa lista de militantes comunistas assassinados nas prisões. (...)

(***) Vd. poste de 19 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17377: Historiografia da presença portuguesa em África (76): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte V: De regresso, de Bafatá a Bissau, sexta-feira. 7 de fevereiro, com passagem por Fá (Mandinga), Bambadinca, Xitole e Porto Gole


(..) às 8h30 desse dia [7 de de fevereiro de 1947, o subsecretário de Estado] despede-se de Bafatá e segue em cortejo automóvel até Fá (Mandinga) onde visita a serração mecânica do português, o "madeireiro" Fausto da Silva Teixeira, radicado na colónia há 20 anos; (no nosso tempo, meu e do "alfero Cabral", em 1969/71, já não havia vestígios desta serração mecânica, e muito menos do Fausto da Silva Teixeira)" (...)


(***) Vd. poste dwe 31 de março de 2009 > Guiné 63/74 - P4115: Os Bu...rakos em que vivemos (1): Banjara, CART 1690 (Parte I) (António Moreira/Alfredo Reis/A. Marques Lopes)


(...) O nosso camarada Fernando Chapouto sabe também como era Banjara. «Banjara fica situada a cerca de 40 Km de Geba e a cerca de 20 Km de Mansabá, na estrada Bissau/Bafatá. Fica no coração da mata do Oio, e teve, antes da guerra colonial, uma unidade industrial de serração de madeiras.
Pertencia, durante a guerra, à área de actuação da Companhia de Geba, do Batalhão de Bafatá.


(...) [Cabe aqui um parêntesis para dizer que aquela serração em Banjara pertenceu ao português Fausto Teixeira:

"Antifascista desde a sua juventude, via-se no comportamento de Fausto Teixeira toda a história de um velho democrata que amou profundamente a liberdade, lutou por ela e acabou por ser vencido pelas forças da repressão e do mal. No entusiasmo e dedicação que pôs no cumprimento desta arriscada missão, sentia-se todo o seu orgulho em poder participar na luta que então travávamos, também pela liberdade, contra os mesmos inimigos".  

Isto diz Luís Cabral no seu livro Crónica da Libertação, aí referindo também que a missão do Fausto Teixeira foi ajudá-lo na sua fuga para o Senegal, em 1960, levando-o no seu "Peugeot 203 pintado de cor azul forte" desde as Oficinas Navais do porto de Bissau até perto da sua serração, de onde Luís Cabral seguiu a pé até a uma aldeia senegalesa, passando por Fajonquito.] (...)


Vd. também poste de 28 de julho de 2005 > Guiné 63/74 - P128: Bibliografia de uma guerra (10): Segredos do PAIGC (Marques Lopes)

(****) Último poste da série >  2 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17424: (De) Caras (74): Almoço-convívio anual de 'Os Lacraus', CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche, Paunca, 1969-1970/71... Em Mem Martins, Sintra, em 27/5/2017... Para o ano será na Nazaré (Valdemar Queiroz)