quinta-feira, 15 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17475: Efemérides (258): O 10 de Junho no Porto e em Leça da Palmeira (Carlos Vinhal / Núcleo de Matosinhos da LC)

Leça da Palmeira, 10 de Junho de 2017
Homenagem aos leceiros caídos em campanha


Dado que este ano as comemorações oficiais do Dia de Portugal, presididas pelo Sr. Presidente da República, decorreram no Largo do Molhe, no Porto, as nossas cerimónias realizaram-se em duas fases. 

Pelas 11h00, no Porto, realizou-se um desfile militar ao longo das avenidas do Brasil e de Montevideu em que participaram 100 Combatentes de várias associações de combatentes, onde se incluíram 30 sócios do nosso Núcleo. 

Posteriormente, em Leça da Palmeira, pelas 12H45, foi dada continuidade à comemoração deste dia no cemitério local - Talhão Militar da Liga. 
Promovida pelo Núcleo, em colaboração com a União de Freguesias de Matosinhos e Leça da Palmeira, cumpriu-se mais uma vez uma tradição de há muitos anos perante algumas dezenas de sócios, combatentes e famílias. 

Depois de posicionados o Guião do Núcleo, pelo Vogal da Direção, José Trindade, e uma Guarda de Honra composta por sócios combatentes enquadrada pelo Vogal da Direção José Neto, iniciou-se a cerimónia com a chamada dos nomes dos combatentes leceiros mortos na Guerra do Ultramar, pelo 1.º Secretário da Mesa da Assembleia Geral do Núcleo, Carlos Vinhal. 
Seguidamente, procedeu-se à deposição de duas coroas de flores no Talhão, uma pelo Presidente da União de Freguesias, Dr. Pedro Sousa, e a outra pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral do Núcleo, Ribeiro Agostinho e pelo Presidente da Direção, Tenente Coronel Armando Costa. 
A cerimónia prosseguiu com um minuto de silêncio de Homenagem aos Mortos, seguindo-se uma evocação religiosa pelo Diácono Manuel Gonçalves e as alocuções alusivas ao ato pelo Presidente do Núcleo e pelo Presidente da União de Freguesias. 
As palavras ditas realçaram a importância de homenagear a memória de todos aqueles que, ao longo da nossa História, tombaram no campo da honra, nomeadamente na Guerra do Ultramar. 
Para terminar, todos os participantes cantaram o Hino da Liga dos Combatentes.


Porto, 10JUN2017 - Recepção ao senhor Presidente da Répública

Porto, 10JUN2017 - No momento da homenagem aos mortos

Porto, 10JUN2017 - Tenda/abrigo para os antigos Combatentes

Porto, 10 JUN2017 - Os antigos Combatentes do Núcleo de Matosinhos da LC com o senhor TGen Chito Rodrigues


Porto, 10JUN2017 - Cerca de uma centena de antigos Combatentes em desfile nas avenidas Brasil e Montevideu.

Após desfilarem, os antigos Combatentes na sua bancada assistindo ao resto do desfile.

Porto, 10JUN2017 - Findas as cerimónias, o Presidente da República cumprimentou os antigos Combatentes

Leça da Palmeira, 10JUN2017 - Cemitério n.º 1 - Deposição de coroas de flores no Talhão da LC

Leça da Palmeira, 10JUN2017 - Evocação religiosa pelo Diácono Manuel Gonçalves

Leça da Palmeira, 10JUN2017 - O TCor Armando Costa durante a sua alocução

Leça da Palmeira, 10JUN2017 - O Presidente da União de Freguesias de Matosinhos e Leça da Palmeira, Dr. Pedro Sousa, no uso da palavra.

Leça da Palmeira, 10JUN2017 - Os presentes entoam o Hino da Liga dos Combatentes

Texto e selecção de fotos: Núcleo de Matosinhos da LC
Fixação do texto, edição e legendagem das fotos: Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17458: Efemérides (257): A propósito do 10 de Junho, ainda os estranhos e excelentes portugueses no mundo... "Goa, um adeus no entardecer dos dias / e uma lágrima para sempre" (Poema e fotos de António Graça de Abreu)

Guiné 61/74 - P17474: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca ... é Grande (109): Na Lourinhã, fui encontrar o ex-1º cabo at inf Alfredo Ferreira, natural da Murteira, Cadaval, que foi o padeiro da CCAÇ 2382 (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, 1968/70)... e que depois da peluda se tornou um industrial de panificação de sucesso, com a sua empresa na Vermelha (Luís Graça)


Distintivo da CCAÇ 2382 (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, 1968/70).  Cortesia de Manuel Traquina que descreve o distintivo nestes termos:

"Este era o distintivo da Companhia. Continha na parte central, a figura de um militar com aspecto de veterano de guerra, já com o camuflado e botas um pouco danificados, e a sua inseparável G3.
"Na mão direita segura aquilo a que chamávamos a 'pica', que não era mais que uma vareta de aço afiada e que servia como o nome indica para picar o terreno susceptível de ocultar uma mina. Na extremidade da referida 'pica' encontra-se uma pequena caixa que representa uma mina anti-carro.
Sendo a CCaç 2382 uma Companhia Independente, nos quatro ângulos do distintivo encontram-se as iniciais dos comandos a que pertenceu: o primeiro é o Regimento de Infantaria 2,  de Abrantes,  onde a companhia se formou e foi mobilizada; o segundo é o COSAF -  Comando Operacional de Aldeia Formosa; o terceiro, Batalhão de Caçadores 2834,  ao qual a companhia esteva adida e o quarto, o COP4 (Comando Operacional nº4, sedeado em Buba).

"As duas inscrições laterais poderão levantar algumas interrogações: 'Por Estradas Nunca Picadas'. Esta pequena frase diz-nos que a companhia andou por locais até ali ainda não pesquisados; 'Por Picadas Nunca Estradas' aqui pretende-se dizer o que foi uma realidade, que os militares andaram pelo mato por caminhos que nunca foram estradas.

"Mas voltando à figura central, àquele a que chamámos 'o Zé do olho vivo', por ser uma figura mais ou menos engraçada, valeu-nos na Guiné o título da Companhia dos Palhaços. ".Manuel Batista Traquina".



1. Há dias, na Lourinhã, fui visitar uma das minhas irmãs, a do meio (tenho três, mais novas do que eu). A mana Z... tem um filho, o A..., que está num país árabe a tentar a sua sorte como talentoso adjunto de treinador profissional de futebol. A sua conpanheira, I..., é do Cadaval, concelho vizinho.

Manuel Traquina
Os pais da moça foram-me apresentados. Na hora do chá, conversa puxa conversa, verifico que o pai, Alfredo Ferreira, estivera na Guiné na guerra colonial:
- Quando?
- 1968/70.
- Somos contemporâneos, o meu amigo é mais velho um ano do que eu...
- Pois, sou de 46!
- E eu de 47!... E a sua companhia, já agora, ainda se lembra o número ?
- A 2382, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá, Contabane... Éramos a companhia do "Zé do Olho Vivo"! Companhia de Caçadores...
- Se me lembro!... Tenho gente dessa companhia no meu blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné... E o camarada foi operacional? Qual era o posto?
- 1º cabo atirador de infantaria... Mas, como era preciso alguém para
Carlos Nery [, o cap mil Araújo]
fazer o pão, fiquei eu, como padeiro.
- E o capitão?
- Carlos Nery Sousa Gomes de Araújo. Era miliciano.
- Incrível, é meu vizinho de Alfragide!... E quem mais, dos alferes e furriéis...?
- Olhe, o furriel mecânico Manuel Traquina que até escreveu o livro com histórias do pessoal da companhia. É de Abrantes.
- Já estive com ele num dos nossos encontros anuais...

... Emociona-se o ex-1º cabo Alberto Ribeiro C. Ferreira ao falar do ataque a Contabane e das colunas a Gadamael... E do ataque a Buba... E do monumento que foi edificado aos combatentes da sua terra, que regressaram todos, graças a Deus... Sessenta e seis!... Estamos a falar de Murteira, freguesia de Lamas, concelho do Cadaval... Ele escreveu (ou ajudou a escrever) as três quadras de homenagem que estão gravadas na pedra. Recita-me as quadras com um brilhozinho nos olhos. Fica exasperado por lhe faltar o primeiro verso da última quadra... Faz apelo à memória da esposa, a seu lado...

O meu cunhado, M...,   estava banzado com a nossa conversa e a familiaridade dos nomes das terras da Guiné, que ambos testemunhávamos, eu e o Alfredo: de Mampatá a Contabane, do Saltinho a Gandembel, de Buba a Quebo,  e ainda de João Landim a Bula, e o dia em que o Alfredo  ia morrendo afogado no rio Mansoa, agarrado a um frágil tronco de palmeira, ele que nem sabia nadar!...

Falei-lhe do blogue e das referências que temos à malta da companhia do "Zé Olho Vivo"... Não é pessoa de navegar na Net, mas vai todos aos anos aos convívios da CCAÇ 2382... Fala, com calor humano, dos tempos da Guiné e dos seus camaradas... Vê-se que a guerra e a camaradagem marcaram-no para sempre.

Fico a saber que, no regresso (ou ainda antes, logo em 1969), se estabeleceu por conta própria como industrial de panificação. Devido à lei do condicionamento industrial, na época,  o Grémio do setor só o deixou estabelecer-se em Alcoentre, no concelho próximo, Azambuja, transferindo-se mais tarde (presumo que depois do 25 de Abril) para a Vermelha, outra sede de freguesia do concelho de Cadaval. 

O negócio do pão prosperou ao ponto de a clientela se ter alargado a boa parte da região Oeste e à Grande Lisboa... Passou a condução dos negócios ao filho, líder hoje da Panificadora Regional da Vermelha, empresa que tem mais de meia centena de colaboradores e uma apreciável frota automóvel para distribuição diária de pão... que chega às nossas mesas através das redes de hipermercados  e supermercados  onde fazemos compras... Vê-se que sente orgulho na obra feita e na continuidade dada pelo filho (que "não quis continuar a estudar" e é hoje um empresário de sucesso)...

O Zé Manel Cancela
Falámos ainda de amigos do concelho do Cadaval, do Joaquim Pinto de Carvalho, hoje advogado, outro camarada da Guiné, natural do Cadaval, que tem um turismo rural em Vila Nova, a "ArtVila"... Falámos do Miguel Luís Evaristo Nobre, do Vilar, e da sua paixão pelos moinhos de vento... Falámos, inevitavelmente, da serra de Montejunto, e das terras ali à volta, como a "pitoresca" Pragança e o Pereiro (onde se cantam e pintam os Reis) ...

Prometemos, enfim, fazer um visita a Murteira, ao monumento local aos combatentes da guerra do Ultramar e, naturalmente, à casa deste camarada que já ficou avisado:
- Para a próxima, passamos a tratar-nos por tu, como camaradas que somos e continuamos a ser... Tratamo-nos por tu, na Tabanca Grande, do general ao soldado...

2. Não me ocorreu o nome do meu amigo e camarada de Penafiel, o Zé Manuel Cancela, ex-soldado apontador de metralhadora pesada, que também pertenceu à CCAÇ 2382... Na altura não tinha o portátil comigo, pelo que não deu para fazer pesquisas sobre a malta desta companhia que faz parte da nossa Tabanca Grande, e onde se incluem os nomes do Manuel Traquina (ex-furriel miliciano) e do Carlos Nery (ex-cap miliciano, por sinal meu vizinho de Alfragide), além do José Manuel Moreira Cancela e do Alberto Sousa e Silva (ex-soldado de transmissões) (e de quem não temos para já uma foto atualizada).

Apesar da máquina fotográfica andar sempre comigo, também não me ocorreu tirar uma foto... com o Alberto Ferreira e a esposa. A filha I... já a conhecia há uns tempos mas não assistiu a esta conversa. Também ela costumava acompanhar os pais nos convívios anuais da companhia. E conhece bem o Manuel Traquina.

De qualquer modo, pode-se dizer,  mais uma vez, e com toda a propriedade, que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca...é Grande!

Guiné 61/74 - P17473: Notas de leitura (968): Saiu o II volume de "Memórias Boas da Minha Guierra", de José Ferreira (Lisboa, Chiado Editora, 2017): Sabemos, desde Fernão Lopes, que não há História com H grande sem as pequenas histórias da arraia-miúda. Este é também um livro de homenagem à arraia-miúda (Luís Graça, prefácio)


Capa do livro, editado pela Chiado Editora, Lisboa


Próximas sessões de lançamento

Aqueles que souberam fazer a guerra e a paz, com “sangue, suor e lágrimas”… e uma boa pitada de humor de caserna


prefácio de Luís Graça

1. Não tenho a pretensão de ser um descobridor de talentos literários... Mas a verdade é que o nosso blogue (“Luís Graça & Camaradas da Guiné”) tem sido um verdadeiro seminário de vocações literárias... 


Ao José Ferreira da Silva (Zé Ferreira, “tout court”) já lhe tinha posto o olho em cima desde que entrou na Tabanca Grande e começou a escrever, há mais de seis anos, em 8/6/2010... Neste espaço de tempo, foi alimentando, com maior ou menor regularidade, uma curiosa série a que ele próprio chamou "Memórias boas da minha guerra"... 

Há quem só tenha "memórias más", o Silva da CART 1689, o ex-fur mil José Ferreira da Silva, que fez a guerra “pura e dura”, também terá as suas, mas no cômputo final são as boas (ou, talvez antes, agridoces…) que vêm ao de cima e que ele faz questão de partilhar connosco... 

Criaria depois outra série a que chamou "Outras memórias da minha guerra", onde a guerra e a sua (des)humanidade vêm mais ao de cima. No nosso blogue, ele conta já com quase um centena de referências.

Finalmente, o Zé Ferreira coligiu estes textos e publicou-os em livro, sob a chancela da Chiado Editora, para regozijo de alguns leitores do blogue que se tornaram seus fãs, e terão também, pelo apreço e incentivo manifestados, uma pequena quota parte de responsabilidade nessa feliz decisão de passar a papel as "memórias boas da (sua) guerra", de que se publica agora o 2.º volume.

O título pode ser irónico ou provocatório já que a sua companhia, a CART 1689, esteve longe de ter ido passar férias à então "província portuguesa da Guiné". Bem pelo contrário, teve uma intensa atividade operacional, tendo estado debaixo de fogo inúmeras vezes e deambulado por quase todo o território, de tal maneira que era conhecida por “Os Ciganos”.

Recordo-me lhe de ter dito, há uns anos, que “o humor é uma arte” e que esse  título, “Memórias boas da minha guerra”, era um achado, que me fazia lembrar as rábulas do saudoso Raul Solnado na sua ”guerra de 1908”. E até antevia que era um bom título para um possível "best-seller"... De qualquer modo, o mais espantoso é que no blogue ninguém o insultou por reivindicar o direito a ter também "memórias boas” da vida, da tropa e da guerra, de Lamego a Catió, do Porto a Gandembel, da Feira a Canquelifá.

2. A primeira impressão que eu retive deste camarada que se estreava na escrita, era a de um bom contador de histórias, às vezes até já mestre, exímio sobretudos nas “short stories”, nos relatos “claros, concisos e precisos”, no traço caricatural de personagens, mas onde nunca falta uma ponta de ironia, humor, brejeirice, malícia, cumplicidade ou compaixão. 

Tem, como os bons contistas, também a capacidade de saber “ler, parar e escutar”… Tem matéria-prima existencial para dar e vender, “tem mundo”, é "homem de vida", como se diz no Norte, e sobretudo um apaixonado pela vida, mas também um grande observador do "zoo" humano, e um grande escultor de corpos e almas.. 

O eacritor, José Ferreira
Basta, de resto, conhecer a sua biografia de homem que se fez a si próprio, e que começou muito cedo a trilhar a dura “picada da vida”. Revela também essa rara qualidade de saber ouvir os outros com perspicácia e empatia…

O que vem ao cima, desta espuma existencial, são todos os ingredientes que nos fazem, a nós, seres humanos (e portugueses), sermos como somos, humanos (e portugueses)...

Devo dizer que tive o grato prazer de conhecer, em carne e osso, o Zé Ferreira na Tabanca de Matosinhos, no nosso convívio de 29/12/2010... As circunstâncias não foram as melhores, para mim, devido a uma maldita ciática que me atormentou na última quinzena do ano de 2010... Reencontrei, entre muitos outros camaradas, o saudoso Jorge Teixeira (“Portojo”) (1945-2017), um verdadeiro cavalheiro, tripeiro, como deve ser, de fino humor e verbo fácil. O Zé Ferreira e o Portojo estiveram em Catió, no sul da Guiné, e "reconheceram-se" (!) ao fim destes anos todos... na Tabanca de Matosinhos que costumam frequentar, com maior ou menor regularidade.

Ficámos, no fim, eles, eu e mais um  ou outro camarada, a contar algumas histórias... Qualquer deles, são dois grandes contadores de histórias e camaradas divertidos... O “Portojo” mais expansivo, o Ferreira da Silva mais discreto... Uma das histórias que vem no livro (volume I) é do “Piteira, o ranger do Alentejo” (pp. 43-49), foi-me contada por alto por ele mesmo, Zé Ferreira... Achei-lhe um piadão e esqueci por uns largos minutos a maldita cialgia... Mas ao relê-la, agora em forma escrita, é que me ri que me fartei, sozinho… Ri com gosto, a bandeiras despregadas, ao lê-la com calma e com todos os detalhes...

Enfim, foi um momento alto do nosso "humor de caserna", que é bipolar (dizem os psiquiatras de fora)... Na realidade, a tropa e a guerra não foram feitos para “meninos de coro”... mas também um “ranger” (à força, como aconteceu com o Zé Ferreira e o Piteira) não era um homem que deixava a sua humanidade (e a sua cidadania) em Lamego para se transformar numa “máquina de guerra” nas matas e bolanhas da Guiné.

Outra história fabulosa, de resto contada em primeira mão numa roda de amigos, é a do soldado comando Dionísio, de Valbom, desertor e herói, em “É guerra, é guerra… (Será?)” (volume I, pp. 119-129).

Mas, enfim, não há só “mouros” e “morcões”, nesta galeria que ilustra bem a educação erótica, sentimental, cívica e militar, de toda uma geração, também há figuras femininas, com individualidade própria. Do ponto de vista socioantropológico, o Portugal aqui retratados, era muito diferente, nos anos 60/70, do país que conhecemos hoje... (Como era diferente, mas eu não tenho saudades!)... Era diferente, para o melhor e para o pior... a ponto de ter conseguido aguentar uma guerra durante 13 anos, em três frentes, a milhares de quilómetros de casa. Em todo o caso, era (e continua a ser) um país que é feito por grandes mulheres e grandes homens como, por exemplo, a Ilda e o Neca (volume I, pp. 91-99)... Cá está, esta é uma comovente história de amor em tempo de guerra!...

3. Leitor necessariamente indisciplinado e, muitas vezes distraído, fui escrevendo alguns comentários, ao correr das teclas, a alguns dos postes das séries "Memórias Boas da Minha Guerra" e “Outras memórias da minha guerra” e com isso fui assistindo ao "making of" deste livro em dois volumes, que não tem propriamente um “fio condutor”, é uma coleção de meia centena “sketches” ou pequenas histórias, uma escolha nem sempre fácil de um lote maior.

O Zé Ferreira conta-nos aqui históricas pícaras, verosímeis, reais ou fictícias, não interessa. Costuma-se avisar o leitor de ficção, de que "qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência"... Os textos do Zé Ferreira estão entre a ficção literária e a biografia, a crónica e a memória: as figuras que desfilam no seu ecrã são portuguesas e portuguesas de carne e osso (mas também guineenses)... E, nalguns até, com “chapa fotográfica”, podendo eventualmente, questionar-se se o autor tomou as devidas cautelas para salvaguardar o direito de cada um de dos nossos camaradas, ainda vivos, à "reserva da intimidade", ao sigilo, e até ao esquecimento… Mas também aqui parece haver uma evidente cumplicidade entre o artista e o modelo, o criador e a criatura.

Tive o privilégio de ser um dos primeiros a ler as suas "short stories", pequenos contos onde cabe sempre uma parte das nossas vidas, de quando éramos jovens e filhos devotados da Nação... Não sendo "meninos de coro", nem "virgens púdicas", cedo aprendemos que o "pícaro", o picaresco, fazia parte da(s) nossa(s) vida(s)... Ora o autor tem esse notável sentido do picaresco, do burlesco, do humor de caserna, e as suas histórias não nos deixam indiferentes, tocam-nos, justamente pela sua humanidade...

Quem o conhece sabe que é um homem afável, no trato e na linguagem. Quanto à linguagem eventualmente "inapropriada", bom, a reprodução da oralidade (incluindo o calão) é um recurso que decorre da liberdade narrativa e criativa... O Zé Ferreira fá-lo, em geral, com bom gosto, bom senso, ironia, sentido de humor...

O autor teve necessariamente de fazer um seleção dos seus escritos, não conhecendo eu ainda o índice definitivo do seu 2.º volume. Mas tenho pena que alguns possam ficar de fora, como o “Deixem-nos trabalhar”, um roteiro completo pelo Porto castiço, “lúmpen”, "underground", onde floresciam as “casas de passe”, ligadas à iniciação sexual da geração nascida nos anos 40, o Porto da adolescência e juventude do autor que não existe mais mas que é recriada, graças a uma fina sensibilidade socioantropológica que lhe permite descrever, com propriedade e humor, tipos e cenas que escapavam ao olhar distraído da maioria... Esse texto é bem o retrato social e humano da época a que ele se reportava (anos 50/60), que era de miséria e de pobreza... O Porto estava cheio de "ilhas" (zonas de habitação degradadas e degradantes), tal como Lisboa ("bairros de lata" e "vilas")...

Enfim, não é por acaso que os últimos textos são memórias da “guerra pura e dura”, do suplício de Sísifo que foi aquela guerra (, de que Gandembel é um símbolo,) mas também testemunhos da importância que têm os laços de camaradagem entre os antigos combatentes, a tal ponto que persistem para lá da tropa e da guerra, ao fim de meio século.

Em suma, este livro acaba por ser o autorretrato de uma geração de portugueses que fechou um ciclo de 500 anos, que soube fazer a guerra e a paz, com “sangue, suor e lágrimas” e uma boa pitada de humor de caserna, e que se recusa a ir para a “vala comum do esquecimento”… Não é a História com H grande, nem dos heróis com direito a Panteão Nacional. Mas sabemos, desde Fernão Lopes, que não há História com H grande sem as pequenas histórias da “arraia-miúda”. Este é também um livro de homenagem à “arraia-miúda”.

Luís Graça, 

editor do blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17457: Notas de leitura (967): Honório Pereira Barreto (Notas para uma biografia), por Joaquim Duarte Silva (Beja Santos)

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17472: Convívios (811): Operação na cidade de Tondela pela CART 3494 (Sousa de Castro)



1. O nosso camarada Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74), enviou-nos a seguinte reportagem do Encontro/Convívio do pessoal da sua Companhia, que decorreu no dia 11 de Junho, em Tondela – Viseu.


CONVÍVIO DA CART 3494


No passado dia 11 de junho de 2017 realizou-se o 32º encontro/convívio da CART 3494 do BART 3873 na Cidade de TONDELA (cidade dos Besteiros¹) junto da Associação dos Combatentes do Ultramar, onde fomos recebidos por alguns membros da direcção.


Decorreu com o brilho que já nos habituou ao longo dos anos. Esta Op com nome de código:

“XXXII encontro/convívio”, pautou pela boa disposição e muita alegria, obviamente.

Três novos camaradas que pela primeira vez se apresentaram ao serviço, nomeadamente o homem do Clarim (peço desculpa por não me recordar do nome), o ex. Sol. NM 14203071 - Jaime da Costa Latada e o ex. 1º cabo NM 14008971 Joaquim da Silva Oliveira. Para além destes, também um camarada da CCS/BART 3873 que fez questão de participar neste e nos próximos eventos, de seu nome: Ex. Fur. Milº Alim. NM 00832271 – Américo da Silva Santos Russa. 


Junto ao monumento dos Combatentes do Ultramar, seguiram-se actos de homenagem com a colocação de um ramo de flores na base daquela memória, guardamos um minuto de silencio aos que desencarnaram da vida terrena e fizemos a foto de família.

Rumamos de seguida em caravana auto para Quinta do Barreiro onde foi servido um excelente repasto.

Finalmente procedeu-se à nomeação do próximo organizador. Depois de alguns contactos com vários camaradas, o nosso camarigo das transmissões, José do Espírito Santo Vicente decidiu aceitar o desafio para a realização do “XXXIII encontro/convívio”, é pela 3ª vez que fica com esta responsabilidade de levar o pessoal até OLIVEIRA DO HOSPITAL ou
arredores. Avançou de imediato a data de 09 de junho de 2018 para o referido evento.

¹Tondela (Cidade de Besteiros); História

O actual concelho de Tondela compreende as freguesias que constituíam o antigo concelho de Besteiros, ao qual vieram a anexar-se, com o andar dos tempos e depois de múltiplas reformas administrativas, os antigos coutos, depois concelhos da Serra do Caramulo - S. João do Monte e Guardão. Também terra chã, os de Mouraz, Sabugosa, Canas de Santa Maria, S. Miguel de Outeiro e algumas freguesias que pertenciam ao termo de Viseu e a outros pequenos concelhos, Barreiro e Treixedo. Segundo documentos dos séculos X, XI e XII designava-se esta região por Terra de Balistariis. Esta designação tem por origem a palavra balista ou besta, máquina de guerra usada pelos besteiros na idade média. Fonte: Wikipédia

FOTOGALERIA 









Sousa de Castro
Junho 2017 
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

13 DE JUNHO DE 2017 > Guiné 61/74 - P17463: Convívios (810): STM - Almoço dos velhos com novos à mistura, assim foi no dia 3 de Junho de 2017, no Porto, no antigo Quartel de Arca d'Água (Belarmino Sardinha)

Guiné 61/74 - P17471: Fotos à procura de... uma legenda (86): um achado macabro em 23 de março de 1970, depois do ataque a Cabuca (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)



Foto nº 1


Foto nº 2 A 


Foto nº  2

Guiné > Região de Gabu > Cabuca > CART 2479 / CART 11 > 23 de março de 1970 >  Material do PAIGC abandonado (morteiro 82, completo, e granadas) e um morto


Fotos: © Valdemar Queiroz (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Valdemar Queiroz [, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70] 

Data: 4 de junho de 2017
Assunto: Muito mais que fotos à procura duma legenda ou o macabro acontecimento


Luís Graça:

Ando, desde que entrei para o nosso grande blogue/convívio da rapaziada que esteve na Guiné, para publicar/apresentar estas fotos de quando o meu 4º Pelotão da CART11 foi, de Nova Lamego a Cabuca, em 23 de março de 1970, acudir, ao que tinha sido um grande ataque a Cabuca, no dia, tarde ou  noite anterior, não sei ao certo, e levar munições e mantimentos.

Foi o meu 4º Pelotão que saiu muito cedo de Nova Lamego para Cabuca [, a sudeste de Nova Lamego, e a nordeste de Canjadude], já com a estrada picada pela milícia, era sempre assim, para podermos avançar, quem não se lembra destas picagens ?!

Lá fomos estrada/picada fora, nunca dantes vista por nós, deveria ter sido a nossa primeira intervenção, até Cabuca,  levar reforços em munições e mantimentos. Sem problemas chegámos a Cabuca que tinha sido fustigada no dia ou noite anterior.

Não conheço testemunhos descritos no nosso blogue do que aconteceu em Cabuca, no dia 21 ou 22 de março de 1970. [Sobre Cabuca há 3 dezenas de referências no nosso blogue.]

Quando lá chegámos, verificámos que tinha havido um grande ataque à tabanca e instalações da tropa e até a Capela tinha sido destruída com morteirada.

Não percebo, ou melhor eu agora não percebo, como é que foi feito o contra-ataque da tropa de Cabuca para o IN ter sido desbaratado, deixando grande quantidade de material de guerra (foto nº 1) e um morto no terreno (foto nº 2).

O que estas fotos, que remeto em anexo, têm de macabro, é eu a olhar para o homem do IN, morto em combate, atingido por vários tiros ou estilhaços e, também, ter ficado sem um pé (ver caixa metálica, em cima, com o pé dentro) (foto nº 2A).

Valdemar Queiroz



Guiné > Carta da Província (1961) > Escala 1/500 mil > Pormenor: o triângulo Nova Lamego - Canjadude > Cabuca.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


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Nota do editor:

Último poste da série >  7 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17326: Fotos à procura de uma... legenda (85): Nossa Senhora de Fátima de Guileje... a propósito do lançamento do livro de Luís Branquinho Crespo, "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017)

Guiné 61/74 - P17470: Manuscrito(s) (Luís Graça) (119): Parabéns, doutor Francisco Silva

Parabéns, 
querido Francisco!

por Luís Graça
(grato ao seu ortopedista, 
amigo e camarada)

Veio da terra da Laurissilva,
É camarada, amigo, solidário,
O afável doutor Francisco Silva
Tem hoje o seu dia de aniversário.


Mas não pensem que é dia de gazeta,
Ortopedista é sempre um guerreiro,
A idade, para ele, é uma treta,
Parabéns ao nosso grã-tabanqueiro.

Reformado está, mas não arrumado,
Tem mãos de artista e ainda opera,
Não gosta de ver ninguém aleijado.

Pela sua Maria e queridos filhos,
Tinha a Guiné em lista de espera,
Pois voltou, percorrendo os velhos trilhos!

Luís Graça
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Notas do editor:

Último poste da série >  20 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17381: Manuscrito(s) (Luís Graça) (118): o deus da guerra


9 de agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8651: Blogpoesia (157): Não sei qual é mais feio: / se o meu joanete, se a minha alma, se o mundo... (Luís Graça)

28 de junho de 2013 >  Guiné 63/74 - P11772: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (7): O Xitole e o "alfero" Francisco Silva (CART 3492, 1971/73), a emoção de um regresso

Guiné 61/74 - P17469: Os nossos seres, saberes e lazeres (217): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (6) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 3 de Março de 2017:

Queridos amigos,
A etapa seguinte ao Vale das Furnas foi um tanto frustrante, se é verdade que a vegetação luxuriante do Nordeste só por si dá vontade de regressar, caiu depois um dilúvio que tudo alagou, impediu o passeio, a partir da Achada, até ao Parque da Ribeira dos Caldeirões, também ficará para a próxima.
E regressou-se a Ponta Delgada, é a penúltima paragem, mete museus, uma longa tarde sem fastio, do Museu Carlos Machado se falará em próximo folhetim, tal e tanta é a sua riqueza.
E a seguir a derradeira viagem, com a Lagoa do Fogo, passar-se-á pela Ribeira Grande até se ser depositado no aeroporto, já cheio de saudades. A dado passo escrevi uma observação de José Tolentino Mendonça, tenho comigo que é verdade axiomática: "A verdadeira viagem é aquela que dura tanto que já não se sabe porque se veio ou porque se está".

Um abraço do
Mário


São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (6)

Beja Santos

Vamos agora viajar para o Nordeste, a ideia é conhecer toda esta região de autocarro, ficar na Achada, conhecer o Parque da Ribeira dos Caldeirões, ter algum deslumbramento com os oceanos de vegetação, o incenso a derramar-se sobre o oceano lá ao fundo, sentir a beleza edénica da Ponta da Madrugada, tomar o peso ao que se pode desfrutar da Serra da Tronqueira, há apreciadores da Ilha do Arcanjo que classificam esta região nordestina como mais genuína e variada. Gostos não se discutem, vem-se à descoberta, o busílis é que se anuncia o mau tempo, sente-se a temperatura a descer enquanto o autocarro sobe, já se avista a Tronqueira, alguém pergunta se conhecemos os pássaros únicos e solitários que são os priolos. O viajante quer pouca conversa, enfronhou-se neste anfiteatro vegetal, a natureza parece enrugar-se e abrir veredas, passa-se por miradouros, avistam-se pontes, há mesmo quem sugira que não se pode sair deste passeio sem ir ao Pico da Vara, o ponto mais alto da ilha de S. Miguel, paciência, fica para a próxima, a pé ou de carro ir-se-á ao Pico Bartolomeu, ao Planalto dos Graminhais, ao Salto da Farinha e depois à Ponta da Madrugada. E assim se chega à Achada, não longe da Achadinha, ainda não chove mas está quase. Não há onde comer na Achada, a estalajadeira leva-nos até perto da Maia, foi um regalo de peixe, uma caldeirada de congro e algo mais. Depois começou o dilúvio, ao amanhecer ainda se conseguiu esta imagem, passeou-se pela Achada sob chuva inclemente, enfim, na Achada deu-se um achado, fotografou-se a primeira hidrângea, um ténue sinal de Primavera ainda por anunciar.


Segue-se agora de autocarro para Ponta Delgada, ainda chuvisca, mas dá perfeitamente para ver lá do alto o parque da Ribeira dos Caldeirões, cascatas elevadas, antigos moinhos, percebe-se que é uma preciosidade, o andarilho não sente o peso da deceção, fica para a próxima, é mais uma razão para voltar. Assim se chega à capital, na noite anterior, enquanto a ventania se assobiava de terra para o mar, pegou-se nesse ternurento manual que Armando Côrtes Rodrigues escreveu sobre os Açores, uma obra de amor onde tem palavra os primeiros escritores como Diogo Gomes de Cintra ou Gaspar Frutuoso, onde Sena Freitas descreve o Vale das Furnas e Guilherme Read Cabral fala desta ilha que tem identidade na sua arquitetura, nas cores do casario, no labor dos passeios, nos jardins mimoseados, no culto dos seus valores. Olhem bem esta casinha, vejam o passeio, contemplem a veneração a Antero de Quental que pôs termo à vida aqui a pouca distância, junto ao Convento de S. Francisco, que acolhe o orago indiscutível da região açoriana: o Senhor Santo Cristo dos Milagres.





Quando aqui cheguei em 1967, a Igreja do Colégio estava fechada ao público, não obstante, sempre que podia, vinha contemplar esta obra-prima da arquitetura do barroco jesuítico, hoje está aberta ao público, o viandante apanhou as obras em curso, percorreu a igreja e visitou o Núcleo da Arte Sacra do Museu Carlos Machado, opulento e muito bem restaurado, belas telas, azulejos e a espantoso altar-mor da Igreja de Todos os Santos. E daqui foi para o Convento de S. André, nova contemplação, cheia de embevecimento, que belas janelas, em proporção e harmonia, aqui se acolhe um museu singularíssimo, o Museu Carlos Machado, antes porém, e ali a poucos metros, o viandante foi ao núcleo de Santa Bárbara, prestar homenagem a um daqueles açorianos que prestigiou o nome de Portugal fora de portas, Ernesto Canto da Maia, um escultor que é santo do culto de quem o vem venerar, trata-o como o nome preeminente da escultura Arte Deco, tem linhas assombrosas, traços meigos e delicados.




Fica aqui uma amostra do portentoso Museu Carlos Machado, há um pouco de tudo em núcleos tidos como de imensíssimo valor, da ornitologia à oceanografia, o viandante passa resvés, quer finalmente conhecer a igreja do convento, onde nunca entrou, será o capítulo que se segue. Mas especou-se diante desta escultura que fazia parte da proa de um navio, que coisa tão bela. E ocorreu-lhe aquela frase de José Tolentino Mendonça: “A verdadeira viagem é aquela que dura tanto que já não se sabe porque se veio ou porque se está”.


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17441: Os nossos seres, saberes e lazeres (216): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17468: Historiografia da presença portuguesa em África (79): Carta da Guiné com o itinerário da viagem do subsecretário de Estado das Colónias em fevereiro de 1947 e obras do V Centenário

Viagem ministerial  e Obras do V Centenário do Descobrimento da Guiné.
Composição e desenho de A. T. Mota [1947]





Carta da Guiné (, elaborada por 2º tenente Teixeira da Mota, ) com o itinerário percorrido (linha a cheio com setas) pelo subsecretário de Estado das Colónias, em fevereiro de 1947, e que já levava 9 anos no cargo, com indicação das obras construídas no âmbito do V Centenário do Descobrimento da Guiné:  a sublinhado (linha horizontal por baixo do símbolo), as que as que foram iniciadas pelo subsecretário de Estado ou que já estavam em construção nessa data (fevereiro de 1947). Grande parte parte destas obras foram inauguradas ou visitadas pelo representante do Governo da metrópole nesta "histórica" visita.

Fonte: Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, vol II - Número Especial, [Comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné], 1947, 454-455 pp. [O nº completo está disponível "on line" aqui]


1. Esta curiosa (e preciosa) carta da Guiné foi-nos enviada em 1/6/2017 pelo nosso amigo Armando Tavares da Silva, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Porto: Caminhos Romanos, 2016, 972 pp.). 

Ele fez questão de frisar que a fonte da  documentação fotográfica, que nos mandou (incluindo esta carta), é o número especial de outubro de 1947 do "Boletim Cultural da Guiné Portuguesa" (BCGP). As imagens foram, no entanto,  tiradas de uma cópia pessoal do BCGP e digitalizadas por ele.  Pela nossa parte, editores, fizemos a ampliação da carta (que consta das pp. 454-455 desse nº especial do BCGP) e recortámo-la em quatro quadrantes, grosso modo, correspondentes às principais regiões:

(i) norte-oeste: região do Cacheu e região do Oio;

(ii) sul-oeste: regiões de Bissau, Bolama/Bijagós, Quínara e Tombali;

(iii) norte-leste: regiões de Bafatá e Gabu;

(iv) sul-leste: regiões do Boé e Tombali.

Um quinto recorte dá-nos uma ideia mais detalhada da região de Bissau (centro da Guiné). No sexto recorte, podem ver-se as legendas.

Pelo itinerário da "viagem ministerial" (sic), verificamos que, por exemplo, no leste, o subsecretário de Estado das Colónias, engº Rui Sá Carneiro, acompanhado do governador Sarmento Rodrigues e comitiva, visitou apenas o eixo Bambadinca-Bafatá-Gabu. A visita, de carro, estava condicionada pela fraca rede rodoviária da colónia... De Gabu para o nordeste (Piche, Buruntuma, Canquelifá,
Pirada), só se devia ir por picada... Por sua vez, a região do Boé era praticamente desértica...

Em matéria de "estradas" (símbolo //), só havia em rigor alguns troços:

(i) Varela-Susana-São-Domingos-Sedengal-Barro;

(ii) Bissau-Nhacra-Jugudul:

(iii) Bissau-Bor-Prabis;

(iv) Bissau-Quinhamel;

(v) Bafatá-Gabú;

(vi) Bambadinca -Xitole;

(vii) Fulacunda-Buba



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Ponte General Craveiro Lopes > Novembro de 2000 > Lápide, em bronze, evocativa da "visita, durante a construção" do então Chefe do Estado Português, general Francisco Higino Craveiro Lopes, acompanhado do Ministro do Ultramar, capitão de mar e guerra Sarmento Rodrigues, em 8 de Maio de 1955. Era Governador Geral da Província Portuguesa da Guiné (tinha deixado de ser colónia em 1951, tal como os outros territórios ultramarinos...) o capitão de fragata Diogo de Melo e Alvim.

Foto: © Albano Costa (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


No rio Corubal ainda não existia, em 1947, a ponte do Saltinho (general Craveiro Lopes, inaugurada em 1956), impossibilitando portanto a ligação do leste às regiões de Quínara e de Tombali... Na margem direita  do Rio Corubal, a comitiva só vai chegar até ao Xitole (em 7 de fevereiro de 1947)... A ponte marechal Carmona tinha, entretanto, colapsado logo a seguir à sua construção em 1937...

2. Relativamente às obras, não as construídas,  mas as iniciadas ou em fase de construção (símbolos com sublinhado, com traço horizontal), no âmbito do Centenário,  ao tempo do Subsecretário de Estado das Colónias (que tomara posse do cargo em 1938), pode constar-se, por exemplo, que:

(i) em Bafatá, sede de circunscrição,  as obras do Centenário iniciadas ou em fase de construção eram um monumento (a Oliveira Muzanty), um edifício público, um celeiro, o sistema de abastecimento de água e o hospital; em contrapartida, estava já construído o cais do porto fluvial, o bairro indígena e o matadouro;

(ii) em Gabu, também sede de circunscrição,  tinha-se iniciado a construção ou estava em construção a igreja/capela, a energia elétrica e um bairro indígena; pronta, só estava a fonte;

(iii) em Bambadinca e no Xitole, postos administrativos, montava-se  o telefone; prontos só estavam a escola (em Bambadinca) e o posto sanitário provisório (em Bambadinca e no Xitole).

Dá para perceber quais eram as localidades mais importantes do leste ("chão fula") nessa época; além das já citadas, temos Chime (ou Xime), Fá, Geba, Dandum, Contuboel (posto administrativo), Sonaco (posto administrativo), Pirada (posto administrativo), Cam Quelefá (ou Canquelifá), Buruntuma, Piche (posto administrativo),  Madina (Boé)... E ainda Sinchã Tom Bom, sede do regulado de Chanha...).

Ficamos também a saber que, em matéria de equipamentos sociais (escola, enfermaria, hospital, posto sanitário, fontanário, etc.) o interior da Guiné era ainda muito pobre... e o programa de obras públicas do Estado Novo concentrava-se sobretudo em Bissau, a nova capital (a partir de 1941, em substituição de Bolama, que entra em decadência). Em Bissau, as obras do Centenário incluíam: monumentos (2), campos desportivos (2), igreja (1),  além de comunicações telefónicas, abastecimento de água, hospital, maternidade, posto sanitário, edifícios públicos, cais portuário, campo de aviação (Bissalanca)...

Além de Bissau, a capital, Bafatá e Gabu (mo leste), as sedes de circunscrição eram: 

São Domingos e Canchungo (região do Cacheu);
Farim e Mansoa (região do Oio); 
Fulacunda (região de Quínara);
Bolama (região de Bolama/Bijagós);
Catió (região de Tombali).

Não sabemos se nesta altura já havia as atuais regiões (ou as regiões do nosso tempo). 

Todas estas sedes de circunscrição foram contempladas pela "visita ministerial", bem como a maior parte dos respetivos postos administrativos... Ficaram de fora, por exemplo, no leste, Contuboel, Sonaco, Pirada e Piche... 

Em contrapartida, nas regiões de Quínara e de Tombali, o subsecretário de Estado das Colónias visitou (ou passou por) Catió, Bedanda, Guileje, Balanazinha, Balana, Mampatá, Teroiel e Missirá, vindo de (e regressando a) Bissau, por Enxudé, Tite, Fulacunda e Buba... Ficou de fora, por exemplo, Empada e Cacine,  que eram postos administrativos...

Verificamos, por este valioso documento, que alguns dos topónimos da Guiné ainda estavam por fixar em 1947: caso de Chime (hoje, Xime), Chitole (hoje, Xitole), Canchungo (, mais tarde, Teixeira Pinto), Dandum (, mais tarde, Dando), Gabú (mais tarde, Nova Lamego), Cam Quelefá (hoje, Canquelifá), Begene (hoje, Bigene), Ingtorei (hoje, Ingoré)... (Comparar com carta da província de 1961.)


4 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17318: Historiografia da presença portuguesa em África (75): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte IV: No chão fula, Bafatá e Gabu, 6 de fevereiro de 1947...

26 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17287: Historiografia da presença portuguesa em África (74): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte III: Por Cacheu, São Domingos e Farim, a 2, 3 e 4 de fevereiro de 1947... No tempo que ainda era politicamente correto falar-se em colónias, raças, população indígena, colonos europeu... e felupes que "nasceram e querem morrer portugueses", setenta anos depois do "desastre de Bolor"

9 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17224: Historiografia da presença portuguesa em África (73): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte II: Prosseguem as inaugurações, em 29 e 30 de janeiro... Nessa época havia uma linha área, a Linha Imperial, entre Lisboa e Lourenço

19 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17155: Historiografia da presença portuguesa em África (72): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte I: A consagração do governador geral, o comandante Sarmento Rodrigues, como homem reformador e empreendedor (Reportagem de Norberto Lopes, "Diário de Lisboa", 27/1/1947)

Guiné 61/74 - P17467: (De) Caras (75): "Contrabando de ternura": os tentáculos da minha rede não chegavam ao mato, funcionavam entre Moscavide e Bissalanca... graças a um amigo piloto da TAP... (José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

1. Mensagem do José [Botelho] Colaço,  ex-soldado trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), membro da nossa Tabanca Grande desde 2 de junho de 2008; tem 7 dezenas e meia de  referência no nosso blogue.

Data: 12 de junho de 2017 às 16:14

Assunto: "Contrabando de ternura" que permitia, aos nossos familiares, fazer-nos chegar a Bissau e ao 'mato' as suas "encomendinhas"...


Caro Luís, aqui vai parte que ficou da minha rede de "contrabando de ternura"...  porque, passados 54 anos e 74 de idade, muita coisa se apagou, mas achei o tema bastante interessante. Também eu fui um dos beneficiados, embora os tentáculos da minha rede não atingissem o mato, ficavam-se por Bissau.

Como funcionava o meu sistema ? A minha família morava em Moscavide, e em Moscavide morava também um senhor amigo, piloto da TAP,  que fazia a carreira semanal da TAP para a Guiné. Assim que soube que eu ia para a Guiné, prontificou-se a levar uma encomenda todas as semanas. A encomenda tinha uma norma: não podia pesar mais do que 500 gramas.

Ele deixava a encomenda no aeroporto de Bissalanca, numa secção de confiança dele e do meu conhecimento, eu era avisado com a antecedência possível pela minha família via SPM e, logo que tivesse disponibilidade, ia lá, identificava-me, levantava ou davam-me a encomenda.

O normal da encomenda era ser presunto, linguiça e queijo e tudo funcionava às mil maravilhas e a festa com os amigos e alguns "amigos do bornal"... Só que a ordem de ir para o mato não tardou e a terceira encomenda, como eu não a fui levantar, regressou a Moscavide pela mesma via.

Passados cerca de 11 meses regressei a Bissau, em Dezembro de 1964, activei novamente o sistema que durou até fim de Abril de 1965, altura em que fui para Bafatá.

Um abraço,  Colaço.

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Vd. postes anteriores:

13 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17464: (De) Caras (80: Também levei uma encomenda, no regresso de férias em novembro de 1963, a pedido da mãe de um camarada... Era uma lata de salpicões em azeite, para um soldado que estava em Fulacunda e que, infelizmente, morreria entretanto numa emboscada... Acabámos por comer os salpicões em Cantacunda... (Alcídio Marinho, ex-fur mil, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)

12 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17456 (De) Caras (79): em outubro de 1972, vim de férias e uma vizinha meteu uma cunha à minha mãe para eu levar uma encomenda para o namorado da filha que era furriel e que eu não conhecia de lado nenhumm... Quando a encomenda chegou ao destino, já o namoro se tinha desfeito, como vim a saber 17 meses depois... (Juvenal Amado, autor de "A tropa vai fazer de ti um homem!"... Lisboa, Chiado Editora, 2016)


10 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17453: (De) Caras (77): O "contrabando" da... ternura ou como o "fiel amigo", o bacalhau, chegava à Bambadinca, ao Tony Levezinho, utilizando uma vasta rede de intermediários, do navio-tanque da Sacor à Casa Fialho - Parte II

9 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17451: (De) Caras (76): O "contrabando" da... ternura ou como o "fiel amigo", o bacalhau, chegava à Bambadinca, ao Tony Levezinho, utilizando uma vasta rede de intermediários, do navio-tanque da Sacor à Casa Fialho - Parte I

Guiné 61/74 - P17466: Parabéns a você (1271): Francisco Silva, ex-Alf Mil Art da CART 3492 e CMDT do Pel Caç Nat 51 (Guiné, 1971/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17452: Parabéns a você (1270): Alcides Silva, ex-1.º Cabo Estofador do BART 2913 (Guiné, 1967/69)