sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18227: Notas de leitura (1033): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (18) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,
Estamos ainda num período de acentuada crise económica e escassez de dinheiro, o comércio debate-se com a penúria, os relatórios do BNU não iludem a situação. Inicia-se uma situação que ainda hoje não se consegue dilucidar entre a fixação e a realidade, a chamada revolta dos Felupes. Desparece um avião francês, há quem diga que caiu em Jufunco, em Chão Felupe. As autoridades francesas pedem inquérito, Bolama responde com uma coluna militar. Há interrogatórios de régulos, a quem não faltará violência, os Felupes espalham-se pelas matas e pelo Casamansa, as peripécias arrastar-se-ão até 1935. Depois, os Felupes chegam a um acordo tácito com as autoridades. Acordo que se prolongará pela guerra fora, a generalidade dos Felupes manter-se-ão neutrais, mas não aceitarão ingerências.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (18) 

Beja Santos

Antes de voltarmos à questão da revolta dos Felupes, é conveniente contextualizar a perda de importância da filial de Bolama, atenda-se ao que se irá escrever num relatório referente ao primeiro semestre de 1984:
“Esta filial continua com o seu movimento bastante reduzido e em regime de prejuízo anual, suportado pela agência de Bissau. É gerida diretamente pelo seu antigo guarda-livros, Sr. Fernando Coelho de Mendonça, com procuração subestabelecida pelo signatário, com poderes reduzidos, assinando conjuntamente todos os documentos, com a exceção da correspondência reservada. O movimento geral quotidiano limita-se a cobrança de letras a receber, alguns empréstimos sobre penhores, um reduzido desconto de letras descontadas sobre a praça, movimento de depósitos à ordem e cobrança de saques ordinários ou telegráficos, cuja emissão é feita pela agência de Bissau, visto o encarregado da filial não ter poderes para sacar. Periodicamente, pelo menos uma vez por mês ou sempre que o serviço da agência o permite, deve ser a filial visitada pelo gerente-geral, como está determinado, para conferência de valores e verificação de serviços. A filial, por nossa terminação, remete também a esta gerência segundo as vias da correspondência reservada dirigida à sede. Esta, a nosso pedido, costuma também enviar-nos duplicados da mesma correspondência dirigida à filial. Desta forma, fica esta gerência ao facto do principal movimento da filial, completando a fiscalização com visitas periódicas do gerente geral”.

Nesta exposição sucinta, fica bem claro que a filial de Bolama era uma sombra do passado.

O período de 1933 termina com uma carta confidenciada do gerente de Bissau para Lisboa acerca da revolta dos Felupes:
“Em aditamento à nossa carta confidencial de 13 de Novembro pretérito, que confirmamos, informamos V. Exa. de que, presentemente, se encontra na região dos Felupes apenas um oficial, Tenente Dores Santos, com um destacamento sem que se tenham registado novos actos de insubordinação activa.
Julga-se que devido às baixas causadas pelas tropas governamentais, os revoltosos se tenham espalhado, uns pelas tabancas da fronteira e outros pelo território francês. Escoaram-se por entre os pântanos, pondo-se fora do alcance das nossas balas, não voltando às suas terras enquanto elas estivessem ocupadas militarmente. Esta situação não permite que as tropas se retirem nem que, ficando, se batam, por desaparecimento do inimigo.
No dia em que o destacamento recolha ao quartel, os insurretos, escondidos ou internados no território francês, voltarão imediatamente e exercerão represálias sérias nos indígenas da região que auxiliaram as nossas autoridades ou, pelo menos, não as hostilizaram. Esta é a convicção geral.
Há dias, seguiu para os Felupes o Capitão Sinel de Cordes, com a incumbência, diz-se, de mandar recolher o destacamento, deixando ali apenas uma pequena força do comando de um sargento. Não tivemos ocasião de aqui trocar impressões com o Chefe da Repartição Militar, mas informaram-nos de que as tropas não recolheriam, seriam reforçadas tanto mais que os indígenas fiéis lhe pediram para de qualquer forma deixar lá tropa comandada por um oficial.
Devemos notar, a título de curiosidade, que na região revoltada todos os indígenas andam com uma fita branca na cabeça para se distinguirem dos revoltosos. Consta que os chefes revoltosos – Alfredo e Coelho – das tabancas de Jufunco e Egine, respetivamente se refugiaram com parte da sua gente no território francês, sendo ambos presos pelas autoridades respetivas. Iniciaram-se diligências oficiosas junto daquelas autoridades para que, às nossas, esses chefes fossem entregues. Parece que tudo indicava que as diligências seriam coroadas de êxito, mas ultimamente o caso mudou de feição e as autoridades francesas não entregaram os homens. Quanto às tropas francesas que guarneceram a fronteira durante a revolta, disse-nos o senhor governador que já tinham retirado”.

Justifica-se plenamente incluir aqui a opinião do historiador René Pélissier, expressa na já anteriormente referida História da Guiné[1], pois dedicou bastante atenção a este período, depois de se ter referido ao golpe republicano de Abril-Maio de 1931, e mencionado uma purga que ocorreu entre Setembro e Outubro na ilha de Bissau, para a qual não encontramos qualquer documento nos arquivos do BNU, temos a seguir uma longa abordagem dos Felupes, como segue. Refere o desaparecimento do avião militar francês, as buscas sem sucesso de vestígios de tripulantes ou do próprio avião e as referências propaladas sobre o seu canibalismo e práticas de feitiçaria. Escreve Pélissier:
“Nos anos 1930, contam-se 16 aldeias Felupes na Guiné dependentes administrativamente em primeiro lugar de S. Domingos e depois de Susana. Com os Nalus do Sul da Guiné, partilham o assustador fardo de estar sob uma permanente acusação de antropofagia. Sempre prontos a denegrir os seus vizinhos, os franceses do Senegal têm os Felupes da Guiné como a quinta-essência do selvagem”.
Estabelece um quadro sobre o que ele chama o “mal-entendido Felupe”: desaparecimento do avião militar francês em fim de Junho; buscas infrutíferas das autoridades de Dakar; em Agosto chega à vez das buscas portuguesas, sem resultado; a mulher do aviador quer descobrir se o seu marido ainda está vivo, depois de muitas peripécias, uma missão de franceses chega à Guiné em 12 de Outubro; o administrador de Canchungo pede à sacerdotisa de Susana que convoque os principais chefes Felupes, estes, interrogados, declaram nada saber, isto enquanto Mamadu Sissé, um tenente de segunda linha que comandou às ordens de Teixeira Pinto, diz que viu um avião dirigindo-se para o Sul e que terá aterrado em Jufunco; espalham-se boatos desencontrados acerca do avião se encontrar em Jufunco; em fins de Outubro o Capitão Velez Caroço manda prender o chefe de tabanca Alfredo e uma dezena de notáveis de Jufunco, de Egine e de Varela, o administrador de Canchungo interroga os suspeitos à palmatória e Alfredo confessa que o avião aterrou em Jufunco e fizeram-se confissões também desencontradas: que os brancos se tinham ido embora, que os Felupes os mataram, que tinham destruído o avião; e no final de Outubro chegam 50 soldados e duas metralhadoras a Susana.

A 1 de Novembro começa a chamada revolta dos Felupes, as tropas portuguesas avançam sobre Jufunco, as tropas não conseguem entrar na aldeia e o Capitão Sinel de Cordes regressa a Bolama para ir buscar reforços. Começa a guerra. Os Felupes refugiam-se nas matas ou na região de Casamansa, juntam-se-lhe os 800 irregulares de Mamadu Sissé. Uma concentração de 1500 Felupes teria feito recuar o Capitão Velez Caroço mas este acabou com a resistência Felupe. Chega-se à conclusão de que nunca os dois aviadores tinham chegado à Guiné, no final de uma limpeza sistemática a todo o território. Tratava-se de um gigantesco mal-entendido. E que deixou sequelas. A 2 de Fevereiro de 1934, as autoridades de Dakar recusam extraditar 31 felupes porque isso seria prejudicial à imagem dos franceses entre os Felupes de Casamansa. Carvalho Viegas, o governador, temendo que os Felupes entrem na Guiné e massacrem as populações fiéis, dispõe de uma unidade militar em Chão Felupe que aí permanecerá até ao fim de Abril de 1934.

Teremos novas agitações a partir de Maio. Eclodiu um novo e bastante grave movimento de insubordinação na região de Susana, Cassalol e Basseor. A repressão esteve a cargo de uma companhia de atiradores sobre a direção do capitão Velez Caroço. De novo os Felupes se refugiam no Casamansa, isto enquanto o Tenente Óscar Ruas chega a Basseor. Para desalojar os Felupes de Casamansa, Óscar Ruas serve-se de um estratagema. “Cerca de 500 felupes, acreditando poder apoderar-se facilmente dos cipaios, desempenhando do papel de chamariz, esbarram com uma das metralhadoras dissimuladas nas camionetas da coluna. Os portugueses e as suas tropas, escondidos, cercam os felupes”. Os rebeldes foram postos fora de combate. A terceira e última sequela a que Pélissier se refere irá ocorrer em Susana, em Março de 1935.

O ano de 1934 trará outras surpresas: a denúncia de um médico aldrabão, a participação da Guiné na Exposição Colonial de Paris e a acrescida decadência de Bolama.



A Fundação Calouste Gulbenkian adquiriu um valiosíssimo espólio de milhares de fotografias de Mário Novais, um dos grandes fotógrafos do século XX, e com pergaminhos familiares. Foi a examinar este riquíssimo espólio que me deparei com imagens de grande beleza, resta saber em que período Novais visitou a Guiné, provavelmente antes da guerra, ele morreu em 1967, com 68 anos

Fotos editadas por CV

(Continua)
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Notas do editor:

[1] - Vd. Postes: P10447; P10462 e P10485

Poste anterior de 12 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18203: Notas de leitura (1031): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (17) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 15 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18215: Notas de leitura (1032): “Uma Estrada para Alcácer Quibir”, por António Loja; Âncora Editora, Dezembro de 2017 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18226: Memória dos lugares (370): Buba e o espaldão do morteiro 81 onde eu dormia... (Fernando Oliveira, "Brasinha", ex-sol apont Arm Pes Inf, Pel Mort 2138, Buba, Aldeia Formosa, NHala, Mampatá e Empada, 1969/71)


Guiné > Região de Quínara > Buba > s/d > Espaldão de morteiro 81... na margem direita do Rio Grande de Buba.

Foto: cortesia de Casa Comum > Fundação Mário Soares > Arquivo Amílcar Cabral > Pasta: 05360.000.325  (*)


1. Comentário  (*) do Manuel Fernando Dias Oliveira ("Brasinha"), ex-Soldado Apontador de Morteiro do Pel Mort 2138, (Buba, Aldeia Formosa, Nhala, Mampatá e Empada, 1969/71),  membro da nossa Tabanca Grande desfde 17/9/2016 (**):

Boa noite a todos os membros desta Tabanca Grande e outros ex-combatentes que se interessam pelas histórias reais, passadas naquele tempo e que alguns desejam que as mesmas sejam apagadas.

Muito bem, vamos esclarecer o que aqui está sendo comentado. Essa foto é REAL, está (va) mesmo junto ao arame farpado que cercava o aquartelamento [de Buba], para dar cobertura aos desembarques das Lanchas da Marinha que nos reabasteciam periodicamente. 

Dado não haver estradas para Aldeia Formosa (hoje Quebo) a partir de Bissau, Buba era o ponto fulcral para desembarque e abastecimento daquela zona que abrangia, Buba, Nhala, Mampatá e Aldeia Formosa. De Buba partiam as Colunas Auto que transportavam os géneros, armas e munições. 

O citado abrigo (espaldão) era habitado por quatro elementos que dormiam sobre as granadas dos morteiros:

lº Cabo António Silva Guerra (falecido recentemente);
Jorge Augusto dos Santos Franco (falecido pouco tempo após o término da comissão);
António Mendes de Freitas;
e Manuel Fernando Dias Oliveira ("Brasinha"), que sou eu. 

Como bem disse um camarada no seu comentário, essa foto certamente foi tirada no pós-guerra. O ataque ao qual se refere o Capitão Nery, foi comandado pelo [cubano] Peralta e pelo  Nino Vieira, ataque esse que foi lançado pela parte superior da pista de aterragem de aeronaves, tendo as tropas inimigas estado muito próximo do arame farpado. Teve especial desempenho o Esquadrão de Morteiros, junto à Pista. foi o nosso baptismo de fogo e a despedida da Companhia comandada pelo Cap Mil Nery [, CCAÇ 2382].

Precisamente um ano depois, tivemos novo ataque, de igual poderio de fogo, desta feita pelo lado do Rio onde foi a vez do Esquadrão junto ao mesmo (que está na foto). Dessa vez, saiu-nos o primeiro prémio da Lotaria. Levamos com um obus no espaldão que, por uma unha negra, não caiu dentro do espaldão, que mandaria tudo pelos ares. Vou tentar anexar fotos do acontecimento aqui relatado, bem como, uma tirada após a nossa comissão, pelo furriel miliciano António Cruz.

2. Comentário (*) do nosso camarada Manuel Traquina (ex-Fur Mil Mec Auto, da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70), que vive em Abrantes [, foto atual, à direita] 

Este abrigo de morteiro é em Buba, situava-se na parte de trás das instalações dos sargentos, estive várias vezes neste local e, não há dúvida de que a foto deve ter sido tirada depois da saída dos portugueses, porque antes estava limpo, não havia capim. Vou ver se tenho uma foto! (***)

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(***)  Último poste da série >  4  de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18172: Memória dos lugares (369): Fajonquito (1961) ou... Gam Sancó (1940, 1914, 1906, 1889)? (Armando Tavares da Silva)

Guiné 61/74 - P18225: Parabéns a você (1376): José Crisóstomo Lucas, ex-Alf Mil Operações Especiais da CCAÇ 2617 (Guiné, 1969/71) e Manuel Mata, ex-1.º Cabo Apontador de Armas Pesadas do Esq Rec Fox 2640 (Guiné, 1969/71)


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Nota do editor

Último poste da série de 18 de Janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P18222: Parabéns a você (1375): Luís Rainha, ex-Alf Mil Comando, CMDT do Grupo de Comandos Centuriões (Guiné, 1964/66)

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18224: Convívios (838): 35º almoço-convívio dos "magníficos" da Tabanca da Linha, desta vez abrilhantado com a presença de mais de uma dúzia de "periquitos", incluindo cinco "bandalhos" do Bando do Café Progresso, Porto... As primeiras fotos.


Foto nº 1 > Os cinco "bandalhos" do Bando do Café Progresso (BCP), do Porto,   mais os outros do sul: em primeiro plano, o Carlos Silva, régulo da Tabanca dos Melros; de pé e da esquerda para a direita: José Martins, Ricardo Figueiredo (BCP), Francisco Batista (BCP), Jorge Cabral, Jorge Teixeira (BCP). José Ferreira da Silva  (BCP), Manuel Cibrão Guimarães (BCP) e Diniz Sousa e Faro.


Foto nº 2 > Da esquerda para a direita: Armando Pires, Luís Graça e Jorge Cabral... [O "alfero Cabral" reapareceu. nestas lides tabancais, depois de uma longa "travessia do deserto", imposta por razões de saúde... Deu-me a notícia de que há anos eu  estava  à espera: "Podes escrever o prefácio...Decidi publicar o livro!..  Selecionei 50/60 histórias... Lançamento do livro na Associação dos Deficientes das Forças Armadas"]


Foto nº 3 >  O grande régulo da Magnífica Tabanca da Linha, o Jorge Rosales, que tem mantido a "chama viva" dos nossos convívios, coadjuvado agora pelo Manuel Resende, secretário,  que, com o auxílio do José Rodrigues (, que mora em Belas), o tesoureiro, montou a banca à entrada do restaurante, com a lista dos 80 comensais... Cada um largou 20 morteiradas, o almocinho foi bacalhau à minhota, mas desta vez teve menos boa pontuação do que o cabrito do almoço de Natal...


Foto nº 4 >  Dois "homens grandes" de Buruntuma: o Jorge Ferreira e o Domingos Pardal, um de Oeiras, outro de Sintra.


Foto nº 5 > Paraíso Pinto, futuro membro da nossa Tabanca Grande (, foi capitão miliciano, na Guiné, algarvio, mora em Lisboa) e o Jorge Ferreira, em segundo plano...


Foto nº 6 > O Fernando Franco, que eu já não via não há anos... e o Mário Fitas.


Foto nº  7 > Mário Fitas, Jorge Cabral e Jorge Rosales


Foto nº 8 > Jorge Cabral e Armando Pires, o "fadista de Bissorã"


Foto  nº 9 > Duas das nossas "meninas": a Germana, esposa do Carlos Silva (Massamá) e a Elisabete, esposa do Francisco Silva, o meu cirurgião (Porto Salvo)... Embora em minoria, elas marcaram presença: acrescente-se à lista a Gina (Cascais), a Zita Filipe (Lourinhã, "periquita nestas andanças, esposa do Carlos Silvério, futuro membro da Tabanca Grande), a Ilda (Cascais), a Maria do Carmo (Algueirão), a Helena Fitas (Estoril) e Alice Carneira (Alfragide, Amadora)


Foto nº  10 > O Jorge Rosales, régulo da Tabanca da Linha, de pé; sentados,  a Elisabete, o Francisco Silva e o Carlos Silva

Oeiras > Algés > Restaurante "Caravela de Ouro" > 35º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha > 18 de janeiro de 2018 > Reuniu 80 comensais (mais ou menos a lotação da sala, que fica no último piso do restaurante) ... Mais uma bela jornada dos "magníficos" que desta vez tiveram a agradável surpresa da companhia de cinco dos "bandalhos" do Bando do Café Progresso, uma das tertúlias nortenhas dos veteranos da Guiné.

Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



35º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha > Oeiras, Algés, Restaurante "Caravela de Ouro > 18 de janeiro de 2018 > Lista dos 80 inscritos









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Nota do editor;

Último poste da série > 14 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18212: Convívios (837): 66º encontro da Tabanca do Centro, em Monte Real, 31 de janeiro, 4ª feira: comemoração do 8º aniversário, inscrições até 26, lotação máxima: 90 pessoas (Miguel Pessoa)

Guiné 61/74 - P18223: Pelotão de Morteiros 2138 (Buba, Nhala, Mampatá, Aldeia Formosa e Empada, 1969/71): espaldão com história (Jorge Araújo)


Casa Comum > Fundação Mário Soares > Arquivo Amílcar Cabarl >  Pasta: 05360.000.325 > Espaldar de morteiro, mais provavelmemte do Pel Mort 2138 [e não 2139],  Buba, c. 1969/71. Pode perguntar-se: como é que esta foto chega às mãos do PAIGC?

Citação:(1963-1973), "Ponto de tiro de morteiros, do pelotão de morteiros 2139, do exército português.", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44169 (2018-1-18)



Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494  
(Xime-Mansambo, 1972/1974)

PELOTÃO DE MORTEIROS 2138  (BUBA, NHALA, MAMPATÁ, ALDEIA FORMOSA E EMPADA, 1969-1971): ESPALDÃO COM HISTÓRIA

por Jorge Araújo

1. INTRODUÇÃO

Tal como aconteceu no meu anterior texto sobre o universo de Pelotões de Morteiros mobilizados para a Guiné (1961-1974), no qual se identificaram e corrigiram algumas discrepâncias encontradas em trabalho académico concluído em 2015 (*), também no caso presente se procura rectificar o que, em nossa opinião, é uma inexatidão (provavelmente uma gralha) e que, por esse facto, deve-se corrigir.

E essa inexatidão (ou gralha) foi editada na legenda de uma foto localizada na Casa Comum – Fundação Mário Soares – na pasta: 05360.000.325, com o título: “Ponto de tiro de morteiros, do pelotão de morteiros 2139 [?], do exército português”. O assunto é: “Estrutura militar portuguesa à beira de um rio [?]: ponto de tiro de morteiros, do pelotão de morteiros 2139. A data [é abrangente]: 1963-1973.

A foto pertence ao DAC - documentos Amílcar Cabral (fotografias), como se prova na imagem acima (reproduzidacom a devida vénia).

Será que esta foto tem alguma história… importante? É muito provável que sim, como daremos conta ao longo do texto.

 Considerando que no decurso da sua comissão ultramarina no CTIG (1969-1971) as diferentes esquadras do Pelotão de Morteiros 2138 [e não 2139] estiveram dispersas pelos aquartelamentos de Buba, Nhala, Mampatá, Aldeia Formosa e, finalmente, Empada, é mais do que certo que a foto acima dirá respeito a um deles, com forte probabilidade de ser o primeiro – Buba.


2. ELEMENTOS HISTÓRICOS DA UNIDADE

Para enquadramento histórico do Pelotão de Morteiros 2138, daremos conta, em síntese, do que escreveu o camarada Vítor Almeida, ex-fur mil, no blogue da sua Unidade [, e de que se reproduz aqui um excerto, com a devida vénia].

O relato inicia-se assim:

"Tudo começou no dia 2 de Junho de 1969 em Chaves, sendo a unidade mobilizadora do Pelotão de Morteiros 2138 o Batalhão de Caçadores 10. Até ao dia 5 de Julho decorreu a instrução de adaptação operacional [IAO] na região de Boticas. De 7 a 16 de Julho foram gozados dez dias de licença antes do embarque para o então chamado Ultramar Português. 

"No dia 17 teve início a segunda parte do IAO estando previsto para o dia 30 de Julho, no navio “Índia”, o embarque para a Guiné, tendo o mesmo sido adiado para 13 de Agosto por avaria no navio. A viagem fez-se a bordo do navio “Uíge”, com chegada à Guiné no dia 18 e desembarque a 19 de Agosto de 1969 pela manhã."

"Entretanto [o Vítor Almeida] embarcou para a Guiné no dia 24 de Julho, num [C-54, ] avião Skymaster da Força Aérea, com escala em Las Palmas e Ilha do Sal, em Cabo Verde, onde pernoitaram [com] a chegada no dia seguinte à Guiné. A finalidade desta viagem antecipada foi tratar da logística do Pelotão, tendo mesmo efectuado uma deslocação a Buba antes da chegada do Pelotão a Bissau [num total de quarenta e oito elementos].

"A partida de todo o pessoal para Buba efectuou-se no dia 24 de Agosto a bordo da LDG 105 “Bombarda”, com chegada no dia 25 pelas 08H00. O pessoal foi dividido por vários aquartelamentos tendo seguido viagem no dia 31 de Agosto, integrados numa coluna militar com destino a Nhala, Mampatá e Aldeia Formosa. 

"Só a esquadra para Nhala chegou ao destino tendo as outras duas regressado a Buba devido ao estado intransitável da estrada. Estas duas esquadras para Mampatá e Aldeia Formosa só no dia 6 de Setembro seguiram para o seu destino.

"No dia 4 de Novembro a CCAÇ 2382, que se encontrava em Buba [comandada pelo Cap Mil Carlos Nery Gomes Araújo (1968/70)] foi substituída pela CCAÇ 2616, passando o Pelotão a depender administrativamente desta última". […]

Em 14 de Março de 1971 foi destacada para Empada uma das esquadras de Buba, comandada pelo fur mil Vítor Almeida [ou seja, pelo próprio].

O regresso a Portugal deu-se no final de Junho de 1971. Felizmente todos regressámos da nossa comissão não interessando mencionar os sacrifícios passados ou as inúmeras vezes que os aquartelamentos onde nos encontrávamos foram atacados.

Pela resenha histórica acima, é credível considerar que esta foto é mesmo de Buba [aguardamos a sua confirmação por quem por lá tenha passado] e a sua existência nos arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973), poderá estar relacionada com o reconhecimento relativo à preparação do ataque ao aquartelamento de Buba, em 12 de Outubro de 1969.

Esta é, aliás, uma forte probabilidade fazendo fé no que se encontra referido no livro «Guerra Colonial – Angola / Guiné / Moçambique», do Diário de Notícias, p. 295, onde consta que esta informação foi obtida através da leitura dos documentos apreendidos ao capitão cubano [agora, coronel] Pedro Rodrigues Peralta (n.1937), na sequência da sua captura por tropas paraquedistas do CCP 122/BCP 12, em 18 de Novembro de 1969, durante a «Operação Jove», realizada no “Corredor de Guileje”, onde ficou gravemente ferido e evacuado para o HM 241, em Bissau.

Como curiosidade, o capitão cubano Pedro Peralta foi socorrido e evacuado pela enfermeira paraquedista Maria Zulmira Pereira André (1931-2010), que recebera a incumbência de um seu superior dizendo: “temos um ferido muito grave, que é necessário evacuar o mais rapidamente possível, e a Zulmira não o pode deixar morrer”, [in: Susana Torrão, «Anjos na Guerra», Oficina do Livro, 2011 (P9319)].

3. PREPARAÇÃO DO ATAQUE A BUBA EM OUTUBRO DE 1969

Do livro «Guerra Colonial», referido acima, reproduzimos o que consta sobre a preparação desta operação, informação extraída nos documentos de que era portador o capitão Pedro Peralta.


4. A ESTRATÉGIA DO ATAQUE

A análise ao modo como o PAIGC planeou o ataque ao aquartelamento de Buba em 12 de Outubro de 1969, domingo, deu origem à elaboração de um “Relatório do Ataque” por parte do comandante da CCAÇ 2382, ex-Cap Mil Carlos Nery Gomes de Araújo [, Carlos Nery, membro da nossa Tabanca Grande], bem como o competente croqui sobre a distribuição das forças IN.

Para que conste, dá-se conta, abaixo, de dois croquis do ataque, um global e outro mais específico, divulgados no livro acima citado, onde certamente se localiza o espaldar de morteiros da foto, utilizado pelos elementos do Pelotão de Morteiros 2138 em resposta ao ataque, cujo desempenho foi importantíssimo para o sucesso das NT, conforme é referido pelo autor do relatório.





5. O QUE ESCREVEU O CAP MIL GOMES NERY GOMES DE ARAÚJO

Neste contexto, recupero o que foi escrito pelo ex-CapM il Carlos Nery Gomes de Araújo, publicado no P6183, e citado do comentário ao poste de 25 de Janeiro de 2009:

“Eu era o Comandante da CCaç 2382 uma das unidades sediadas em Buba quando do ataque. A frase transcrita do relatório então elaborado foi de minha autoria. Porém, o desenho baseado naquele que fiz nesse mesmo relatório, contém algumas inexactidões. Efectivamente os cinco bigrupos do PAIGC que pretendiam entrar em Buba (cerca de 300 homens) foram emboscados por um grupo de combate da CCaç 2382, comandado pelo Alf. Mendes Ferreira, e por elementos do Pelotão de Milícia, postados no exterior do aquartelamento para lá da pista de aviação, tendo retirado com baixas e sem atingir o seu objectivo. Nessa retirada utilizaram o largo trilho aberto quando da sua aproximação.

Enquanto isto, a nossa artilharia, 2.º Pelotão/BAC comandado pelo Fur Mil Gonçalves de Castro atingia com eficácia a posição dos morteiros inimigos. Ficaram no local e foram capturadas na madrugada seguinte pelos fuzileiros do DFE7, 158 granadas, das 180 com que contava o Comandante Peralta [cap. cubano Pedro Peralta] na sua "Ordem de Fogo" preparando o ataque a Buba.

Entretanto, os dois morteiros 81, guarnecidos pelo Pel Mort 2138, atingiam a posição ocupada pelo comando do ataque IN, instalado na margem direita do Rio Mancamã, junto à foz. No lusco-fusco desse fim de tarde, viu-se, do quartel, a confusão de vultos em fuga, por entre o capim, nessa outra margem do rio. A maré estava baixa. Um frémito percorreu os defensores. Elementos do DFE7, da CCaç 2382 e da Milícia, sob o comando do Tenente Nuno Barbieri, alcançam a margem do rio Bafatá fronteira à posição dos canhões sem recuo e do comando inimigo. É aí deixada uma base de apoio comandada pelo Alf Domingos, da CCaç 2382, enquanto o Tenente Barbieri tenta ganhar a margem oposta no comando dos restantes voluntários, actuação esta que fez aumentar a confusão existente no dispositivo inimigo. Uma noite sem lua caíra, entretanto. Foi decidido regressar ao quartel. […]

Quando da captura do Comandante Peralta, pelos Paraquedistas, passados poucos dias, foi constatado que os planos de sua autoria para atacar Buba se ajustavam à descrição por nós elaborada. Gomes de Araújo (Cap Mil Art)”.

Em 4 de Outubro de 2009, passados quarenta anos, o colectivo de ex-combatentes do Pelotão de Morteiros 2138 «Sempre Excelentes e Valorosos», reuniu-se em Fátima, onde recordaram, naturalmente, este episódio (e muitos outros) ocorrido (s) em Buba (1969/1971), tornando-se este convívio num dia especial para todos.


Da esquerda para a direita: Vítor Almeida, António Guerra, Guilherme Manuel, Joaquim Magalhães, Hernâni Ramos, Joaquim António Sadio, Manuel Fernando Oliveira “Brasinha” [nosso grã-tabanqueiro nº 727] e António Freitas.

Foto retirada, com a devida vénia, do blogue da Unidade.

Obrigado pela atenção.

Com forte abraço de amizade,

Jorge Araújo.

13DEZ2017.
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Guiné 61/74 - P18222: Parabéns a você (1375): Luís Rainha, ex-Alf Mil Comando, CMDT do Grupo de Comandos Centuriões (Guiné, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 13 de janeiro de  2018 > Guiné 61/74 - P18205: Parabéns a você (1374): Maria Ivone Reis, ex-Capitão Enfermeira Paraquedista (1961/74)

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18221: Bibliografia de uma guerra (83): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Novembro de 2017:

Queridos amigos,
Este tratado de historiografia onde se contextualiza o pano de fundo que precede a guerra colonial possui todo os ingredientes para ser leitura obrigatória, nas próximas décadas. Contextualiza a posição do império português no final da II Guerra Mundial, releva a tentativa de arrancada das colónias para um estádio de desenvolvimento, na recuperação do pós-guerra aquelas matérias-primas eram preciosíssimas para o desenvolvimento das potências ocidentais.
Mesmo num plano muitíssimo subalterno ao que irá acontecer em Angola em Moçambique, Sarmento Rodrigues procura fazer da Guiné uma colónia modelo, o progresso é a grande consigna do novo estádio da mística imperial: infraestruturas, desenvolvimento agrícola, escolas, instâncias de saúde, novo modelo de administração colonial. Mas os perigos agigantam-se na Ásia, a União Indiana é a principal dor de cabeça. E em meados dos anos 1950 as independências chegam a África - é a grande vaga, Portugal posiciona-se contra a maré.

Um abraço do
Mário


Contra o vento: uma obra-prima da historiografia portuguesa (2)

Beja Santos

“Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017, é indubitavelmente um dos principais acontecimentos da edição historiográfica de 2017. O investigador Valentim Alexandre tem sobejas provas dadas na área da história colonial, este seu opulento (e a partir de agora incontornável) levantamento é o fecho de abóbada, a consagração da sua carreira. Passamos a dispor, a partir deste trabalho, de uma sequência bem articulada para a cronologia os principais eventos que contextualizam o Império Português no pós-guerra, ressaltando a primeira ameaça, a crise de Goa (1954-1955), segue-se a pormenorização dos dados da grande veja da descolonização e a resposta dada pelo Estado Novo: o luso-tropicalismo – a política indígena, uma incipiente industrialização, as formas precárias de deslocação da população branca, nomeadamente para colunatos, a ONU como a principal arena a confrontar o império português, os atritos com o Vaticano, a reorganização dos dispositivos militares; e a manutenção das inquietações no Oriente, um tanto à semelhança de que ocorrera no decurso da II Guerra Mundial, mas agora fruto das descolonizações: Goa, Macau e Timor, devido ao aparecimento da União Indiana, da República Popular da China e da República da Indonésia.

No texto anterior, desvelou-se o mundo do pós-guerra, a emergência do anticolonialismo, a entrada em cena da ONU, o Estado Novo pressagia novas ameaças, em primeiro lugar no Oriente, em Goa, Macau e Timor. Afastados os perigos das duas últimas colónias, Goa será ameaça permanente até que em Dezembro de 1961 os exércitos da União Indiana porão termo à presença portuguesa.

Há razões de sobra para impulsionar o desenvolvimento, sobretudo em Angola e Moçambique, o comércio mundial começa a crescer a muito bom ritmo e as matérias-primas africanas são disputadas. De Angola vêm diamantes, sisal e café; a produção de algodão e de açúcar cresce em Angola e Moçambique. Altera-se o modelo de relações económicas que interligavam a metrópole e as colónias, o espantalho do condicionalismo industrial limita o modelo de desenvolvimento colonial, a instalação de indústrias nas colónias é feita com a muita cautela: cimento e têxtil, fábricas de óleos alimentares, de calçado, de metalomecânica, de artigos de borracha, de pasta de papel e de mobiliário, surgirão confrontos como o da Companhia de Cimentos de Angola e a Secil. Os caminhos-de-ferro tornam-se estruturas fundamentais, ganham expressão internacional, o mesmo se dirá das estruturas portuárias, como o porto da beira. Na política externa, Salazar procura obter dividendos com a concessão de “facilidades” nos Açores, Portugal integrava-se na NATO, o que dava ainda maior realce à posição estratégica das Lajes.

O Estado da Índia é o enorme quebra-cabeças, em Nova Deli insiste-se na “Mãe-Índia”, não há exceções coloniais. Salazar responde: “Se geograficamente Goa é Índia, socialmente, religiosamente, culturalmente Goa é Europa. Se ali habitam ocidentais, indo-portugueses e indianos, politicamente só há cidadãos portugueses”. Salazar confia que o processo de integração da Índia iria ser moroso, teria que absorver as mais de cinco centenas de principados que o domínio britânico deixara subsistir. Mas deu-se a integração dos principados, um a um foram aderindo à União Europeia, em meados de 1948 o subcontinente ganhara coesão. Já não podíamos contar com a Grã-Bretanha e também o Vaticano já não podia privilegiar o Padroado do Oriente. A Santa Sé acabará por nomear um bispo indiano, o que compromete a jurisdição do arcebispo de Goa. Assim se pôs fim ao padroado e entrou-se diretamente na reivindicação do solo. O autor chama-nos à atenção para a interessante análise de Orlando Ribeiro no relatório de 1956, ele refere-se à coexistência em Goa de duas regiões e duas sociedades, a sociedade cristã e a sociedade hindu. Quatro séculos de cristianismo e um clero numeroso e zeloso criaram uma oposição entre cristãos e gentios, situação que dificultava em extremo a integração hindu na nação portuguesa já que todo o hindu via na Índia a sua pátria espiritual. E o distinto geógrafo observa: “Pátria para o goês é Goa, é nela que eles desejam gozar liberdades e proeminências. Aquilo que para alguns é uma espécie de dupla cidadania, goesa e portuguesa preferiam-no eles em relação à União Indiana”. As relações luso-indianas azedam-se. Em 1953, Nova Deli encerrou a sua Legação em Lisboa, não era um corte de relações diplomáticas, mas passava-se para outro nível da ofensiva. Em Macau e Timor, a República Popular da China e a Indonésia descansam Lisboa, não têm reivindicações a fazer, a China precisa de portas abertas para o exterior, o comércio está à frente da ideologia.

O sistema político imperial foi reformulado em 1951 com o Acto Colonial, Portugal é uno e indivisível, será a especificidade do caso português que na retórica procurará querer dizer que não há semelhanças entre o império português e as outras potências europeias. Valentim Alexandre recorda que a ideia de integração nacional imposta por decreto não irá contrariar o aparecimento da geração de Cabral que tinha como âncora a Casa dos Estudantes do Império. O trabalho forçado passara a ser visto com maus olhos nas instâncias internacionais. Henrique Galvão, no célebre Relatório que em 1947 apresentou na Assembleia Nacional, denunciou a extensão dos abusos e a desumanidade de mão-de-obra humana, eram parágrafos que incendiavam as consciências: “As autoridades castigam os chefes indígenas que não lhes apresentam o número exigido, tornam os sobas responsáveis pelos fugitivos, resolvem o caso mais drasticamente enviando os cipaios às povoações prender a torto e a direito até satisfação da quantidade. Os cipaios, por sua vez, fazem negócio com a missão que têm a cumprir, deixando escapar os que os gratificam (…) Se quisermos ser realistas, a situação é pelo menos tão desumana como era nos tempos da completa escravatura. Contudo, nesse tempo, o negro, comprado como um animal de trabalho, continuava a ser uma peça da propriedade pessoal que o seu dono tinha interesse em manter saudável e vigorosa, como fazia com o seu boi ou o seu cavalo. Atualmente, negro não é vendido mas simplesmente alugado ao Governo sem perder o rótulo de homem livre. O patrão importa-se pouco que o homem viva ou morra, desde que trabalhe enquanto puder; pois o patrão pode pedir que lhe forneçam outro trabalhador, se o primeiro ficar incapacitado ou se morrer. Há patrões que deixam morrer até 35% dos trabalhadores que recebem dos agentes governamentais durante aquilo a que se chama período do contrato de trabalho. Mas não há notícias de que a alguns deles tenham sido recusados novos trabalhadores para trabalharem nas mesmas condições”.

Mas não era só o trabalho forçado que servia de ónus à população nativa. Também a propriedade e posse de terra por parte dos indígenas estava em causa. O regime algodoeiro, por exemplo, era uma autêntica forma de escravatura, um contrato leonino a que o indígena ficava amarrado. Valentim Alexandre espraia-se sobre a queda de Dadrá e Nagar-Aveli. Quando a França deixa de poder aguentar a sua posição colonial em Pondichéry, retirou-se. O Estado da Índia é para Nehru o último escolho. Começa pelo mais fácil, toma conta de dois enclaves, houve uma imensa campanha nacional de protesto, a oposição portuguesa divide-se na resposta. É esse o tempo em que o PCP denuncia a campanha nacionalista como belicista ao invés de negociar com o povo indiano de Goa e com a União Indiana, Salazar estaria instigado pelos norte-americanos, queria um foco de guerra dentro do cenário que era o cerco à União Soviética e à China. O PCP denunciava a situação vivida nas colónias e procurava passar a ideia de que a natureza repressiva do Estado Novo o tornava especialmente inapto para resolver os problemas coloniais. O regime sente perder o pé junto do Vaticano: o Papa recebe Nehru em 8 de Julho de 1955, a questão de Goa irá atravessar um novo pico de tensão que culminará nos satiyagrahas de Agosto seguinte a manifestações aparentemente pacíficas de indianos que procurava ocupar o território, em jeito de invasão. A partir de então, Lisboa não tem ilusões: a qualquer momento haverá uma invasão, impossível de conter. A inquietante expectativa prolongar-se-á por anos.

Estamos na terceira parte da importantíssima obra de Valentim Alexandre: a grande vaga da descolonização (1955-1960). A Conferência de Bandung (1955) condenará explicitamente o colonialismo sob todas as suas manifestações. Observa o autor: “Esta fórmula era suficientemente lata para abranger o domínio exercido pela União Soviética nos países do Leste da Europa (que o Paquistão e as Filipinas pretendiam denunciar); mas, nas interpretações subsequentes, foi lida como uma referência aos impérios coloniais europeus e um apelo ao seu desmantelamento, nomeadamente em África”. O Norte de África muda de fisionomia política por esta época e acolhe de bom grado os ventos do nacionalismo africano. A independência do Sudão não teve as repercussões da independência do Gana, neste país, o seu dirigente, Nkrumah assumiu de paladino do anticolonialismo e do pan-africanismo, abriam-se as portas ao processo de descolonização de outro grande território da África Ocidental Britânica, a Nigéria. “As colónias inglesas da África Oriental (Tanganhica, Quénia, Uganda e Zanzibar) e da África Central (Rodésia do Sul, Rodésia do Norte e Niassalândia) não ficaram imunes à influência ao movimento que afetou as da África Ocidental a partir de 1957”. Analisando a outra poderosa potência colonial, escreve o autor: “As colónias francesas da África Negra tiveram uma evolução semelhante às da África Ocidental Britânica” e, mais adiante: “Pela sua natureza – a de territórios submetidos a tutela, por isso sujeitos a supervisão da ONU – o Togo e os Camarões Franceses tendiam a escapar a esta lógica uniformizadora. Em meados da década de 50, a França procurou sapar o terreno aos nacionalistas, fazendo concessões que iam no sentido da autonomia interna, mas no âmbito da União Francesa”. Mas a independência era o ar do tempo, irreversível. Cria-se a comunidade francesa, era a redefinição das relações entre a França e as suas colónias. Todos eles votaram afirmativamente, salvo a Guiné. É nisto que se ateia um incêndio que terá consequências em Angola, os incidentes do Congo. E depois o autor discreteia sobre o colonialismo missionário e uma espécie de “Portugalização” do Ultramar.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18198: Bibliografia de uma guerra (82): “Contra o Vento, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)”, por Valentim Alexandre; Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2017 (1) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18220: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte X: Mulheres e bajudas (1): felupes de São Domingos


Foto nº 319 > Mulher felupe, São Domingos, 1969


Foto nº 375 > Felupes no rio, São Domingos, 1968


Foto nº 375 A >  Felupes no rio, São Domingos, 1968


  Foto nº  374  > Mulheres e canoa, São Domingos, 1968





Foto nº 374 A  > Mulheres e canoa, São Domingos, 1968



Foto nº 378 > Mulheres felupes no rio, São Domingos, 1968



Foto nº 378A > Mulheres felupes no rio, São Domingos, 1968


Foto 379  > Mulheres felupes, no rio,  São Domingos, 1968


Foto 379 A >   Mulheres felupes, no rio,  São Domingos, 1968





Foto 379 B >  Mulheres felupes, no rio, São Domingos, 1968



Foto nº 322 > Mulher felupe, São Domingos, 1969

Guiné > Região de Cacheu > São Domingos >  CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69).


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69):


Mensagem de Virgílio Teixeira:

Data - 14 jan 2018
Assunto - Álbum fotos 301 - Mulheres e raças da Guiné anos 1967/69

Caro Luís,

Este ficheiro foi enviado para a minha nora, que é antropóloga na Camara e no seu Museu tem muitas coisas destas, pediu-me e eu enviei para ela.

Junto um ficheiro transfer com 60 fotos. Só utilizar e postar caso seja viável para os camaradas do blogue.

São documentos históricos e mais nada. Têm 50 anos ou mais. Devem ter interesse antropológico! e Valem o que valem...

Fazem parte da minha colecção de fotos da Guiné dos anos de 1967 a 1969, e este é um dos temas, agora já digitalizados e com numeração e legenda em cada uma. Tem no fim o local onde foi capturada, a data, mês, ano, dia etc.

Espero que sirvam para algo, e aguardo o feedback

Um abraço
Ab

Virgilio


2. Legenda: Álbum de fotos 301 e ss.: As mulheres e raças na Guiné; Nova Lamego, São Domingos e Bissau

Anotações:

Tenho uma coleção impressionante de fotos de mulheres, bajudas e mulheres grandes, em trajes menores, apenas vestidas com um pano à volta da cinta, e o resto tudo à vista, uma variedade de, vamos chamar o nome, de mamas das guineenses. Sem pornografia, puras e a convite e com autorização de cada uma [, "consentimento informado", diríamos hoje], elas gostavam pois depois eu tirava cópias e dava uma a cada.

As fotos de tronco nu foram feitas exclusivamente para mostrar a variedade de modelos e formas dos seios das mulheres africanas, destas raças que conheci.

Este conjunto que mando é apenas uma parte, tenho mais, mas apenas seleccionei estas.

Tem outras de corpo vestido, eram em ocasiões especiais de festas e roncos, em que as meninas e mulheres se vestiam a rigor.

A maioria delas são da raça Felupe, predominante em São Domingos onde passei a maior parte do tempo, também tem de Balantas e outras. As Felupes já andavam avançadas 50 anos em relação ao Ocidente, pois usavam apenas tanga e fio dental, como se pode ver. Já utilizavam muitas pulseiras e colares por todo o corpo, era uma espécie de selecção entre elas.

As fotografias a preto e branco foram capturadas entre Setembro 67 até Fevereiro de 68 em Nova Lamego e depois desta data algumas em Bissau em Março, e em S. Domingos a partir de Abril. As fotografias – slides – a cores só começam em finais do 1º semestre de 68, embora também tenha a preto e branco depois dessa data, ora fazia a preto e branco, ora a cores, como tinha 2 Câmaras a funcionar era conforme os rolos que havia.

Algumas fotos eu estou também incluído, algumas com brincadeira de ocasião e da idade, nada era de maldade, eu conhecia as tabancas e as famílias e era lá mesmo em frente aos pais que fazia estas fotos. Depois eu dava uma cópia para cada uma delas, era isso que as motivava a deixarem fazer as fotos. Algumas não queriam mesmo, especialmente as chamadas ‘mulheres grandes’ casadas e com filhos.

Era mais fácil tirar fotos às ‘bajudas', raparigas solteiras e ainda muito jovens.

Não afirmo que todas as raças estejam certas, era o que escrevia nas fotos, mas a maioria já era passado algum tempo, e depois os slides não dava para escrever.

As felupes são fáceis de identificar, pela sua nudez, pelos roncos e pelos cabelos.

 Espero que quem as visualizar que gostem, é esse o meu propósito.

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Nota do editor: