segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19527: Manuscrito(s) (Luís Graça) (151): o passado, o presente e o futuro: tal como em Guidaje, Guileje ou Gadamael, não vai haver ... "bunkers" para todos


Lourinhã > Praia da Areia Branca > 14 de fevereiro de 2019 >  Pôr do sol às 17h42


Foto (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


O futuro

por Luís Graça


A última barreira: adivinhar o futuro. 
Seria a omnis...ciência. 
Usurparíamos o poder dos deuses. 
Mas sempre quisemos, em todas as culturas,
deter esse poder... 

Adivinhar o futuro através do voo das aves, 
ou da dissecação das suas vísceras,
da conjugação dos astros, 
da queda dos meteoritos, 
do nascer e do pôr do sol, 
da bola de cristal, 
das cartas de jogar,
da ficção científica... 
Através das pitonisas,
das bruxas,
das cartomantes,
dos vendedores de sonhos...

E desgraçadamente não somos sequer capazes
de reconstruir o "puzzle" do passado, 
juntar as peças e dar-lhes um sentido... 

E muito menos ainda compreender 
o que se está a passar, aqui e agora... 
na casa comum da humanidade. 
Como se diz hoje, 
não temos escapadela, 
não há saída de emergência,
não há plano B, 
não há planeta suplente...
Tal como em Guidaje, Guileje ou Gadamael,
não vai haver... "bunkers" para todos nós.

Lourinhã, Praia da Areia Branca
Passeio da Foz do Rio Grande,
Esplanada do 100 Pratus - White Sand Club
14 de fevereiro de 2019

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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19450: Manuscrito(s) (Luís Graça) (150): No país dos poetas...

Guiné 61/74 - P19526: Notas de leitura (1153): Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’, por Patrick Chabal e Toby Green; Hurst & Company, London, 2016 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Outubro de 2016:

Queridos amigos,

A questão agrária é a espinha dorsal dos acontecimentos guineenses pós-coloniais. Durante o período da luta armada, Cabral motivara os quadros políticos para um desenvolvimento agrícola descentralizado e na base do respeito popular. No período a seguir à independência investiu-se pouco na agricultura e apostou-se num modelo faraónico agroindustrial, também assente na substituição de importações. Descurou-se a formação agrícola, desapareceram os subsídios, as sociedades rurais ficaram entregues a si próprias.

É essa notável resiliência que o investigador Philip Havik analisa neste livro, que é seguramente o documento histórico-político mais importante de 2016, no que concerne à Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário

Guiné-Bissau: de Micro-Estado a Narco-Estado (2)

Beja Santos

“Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’”, por Patrick Chabal e Toby Green, Hurst & Company, London, 2016, é constituído por um acervo de estudos dedicados à memória de Patrick Chabal, falecido em Janeiro de 2014, e que idealizou até ao fim dos seus dias a organização desta obra com Toby Green. Obra constituída por três partes (fragilidades históricas; manifestações da crise e consequências políticas da crise), convocou nomes importantes da historiografia da Guiné-Bissau no plano internacional como Toby Green, Joshua B. Forrest, Philip J. Havik, entre outros.

Compete a Philip Havik, investigador sénior no Instituto de Higiene e Medicina Tropical e professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa uma apreciação em profundidade da economia rural e da sociedade guineense.

No meu livro “História(s) da Guiné-Bissau”, Edições Húmus, 2016, procurei apurar como o PAIGC abordou a questão agrária, antes e depois da independência, e que tratamento político foi dada à chamada “linha de Cabral”, e invoco os trabalhos de Philip Havik nesta área. O PAIGC do tempo de Cabral punha em lugar de topo o desenvolvimento agrícola a par da mobilização rural, da descentralização política e numa perspetiva da melhoria dos níveis de vida das famílias camponesas.

O PAIGC não ignorava que a sua base militante se situava nos campos, mas ascendo ao poder com um pano de fundo de crise económica mundial, as agências internacionais não puderam acompanhar o impulso de modernização. Só no III Congresso é que o PAIGC apresentou uma estratégia para um desenvolvimento equilibrado que incluía programas de formação destinados aos agricultores guineenses. O grande objetivo era obter-se um excedente alimentar, sobretudo em arroz. Isto aconteceu no mesmo ano em que ocorreu uma grave seca. Os centros de extensão agrícola são criados enquanto os Armazéns do Povo e a SOCOMIN eram supostas oferecer crédito à custa da diferença de preços no produtor e no retalho/exportação.

Contrariando vozes autorizadas, o governo lançou-se na construção de um gigantesco complexo agroindustrial destinado ao descasque de arroz. Os investimentos injetados na agricultura, no entanto, eram mínimos. A “linha de Cabral” fora desviada. Com o golpe de Estado de Novembro de 1980 anunciou-se um regresso a essa linha de Cabral. Mas também não se passou das intenções. Philip Havik escreveu, a tal propósito:

“A falta de quadros e de infraestruturas prejudicou seriamente a capacidade do Estado em planear e executar as suas intervenções na agricultura. O conflito então em curso entre as facções populista e tecnocrata, ou seja, entre os militantes rurais formados no mato e os educados na Europa e noutros locais, surge como factor determinante na incapacidade de um aparelho de aparelho de Estado supercentralizado mobilizar os camponeses, que não eram encarados como uma classe”.

Em resultado, deu-se um afastamento dos camponeses face aos decisores políticos instalados em Bissau.

Philip Havik observa que, ao abandonar a sua função mobilizadora, o PAIGC travestiu-se numa classe média burocratizada e mercantil. Os agricultores ficaram progressivamente mais pobres e entregues a si próprios.

No seu ensaio no livro de homenagem a Patrick Chabal, Havik retoma as suas teses de que a produção industrial e a substituição de importações se fez em detrimento do pensamento de Cabral e que a seguir ao golpe de Estado de 1980 as medidas associadas às políticas de ajustamento estrutural deixaram a agricultura periférica. Nunca se encontrou autossuficiência no arroz, a produção de amendoim veio a ser gradualmente substituída pela produção de caju. Enquanto o Estado enfraquecia, as sociedades agrícolas procuravam encontrar soluções graças aos djilas e aos compradores diretos de amendoim e caju. Philip Havik recorda que em meados do século XX o amendoim se apresentava como excelente produto de exportação, criaram-se pontas ou propriedades agrícolas que privilegiavam o amendoim e o coconote.

Quando Nino Vieira ascendeu ao poder e deu luz verde ao plano de ajustamento estrutural veio muito dinheiro para crédito agrícola e que acabou desviado para formar uma classe rica a explorar as novas pontas. Philip Havik observa as grandes questões étnicas do século XX, incluindo a luta de libertação, à luz da resposta das sociedades agrícolas. Mais adiante recorda a organização económica colonial pós o período da pacificação, em que preponderavam as exportações da CUF e as transações da Sociedade Comercial Ultramarina, Barbosa & Comandita, Nunes e Irmãos, Mário Lima, bem como uma série de negócios dirigidos por cabo-verdianos, sírios e libaneses.

O PAIGC trazia um plano de nacionalizações e previa a integração de uma agricultura coletiva a par de uma distribuição estatal onde preponderavam os Armazéns do Povo e a SOCOMIN (integraram a Casa Gouveia, que mesmo durante o período da luta armada conseguiu manter uma gestão apreciável no import/export).

O dado importante deste ensaio de Philip Havik é a forma como ele integra a sua análise a partir do período colonial, destacando a etapa de desenvolvimento em torno de meados do século XX, como conflituaram a linha colonial e pós-colonial, como depois da independência foram permitidas depredações no campo florestal na miragem de bons negócios na venda de madeiras exóticas (é atualmente um dos grandes interesses dos chineses na Guiné-Bissau), e como se manteve a fragilidade da economia rural neste enorme puzzle de conflitos, migração, alterações climáticas e ambientais, falta de apoio à modernização agrícola e em que a reposta óbvia foi os agricultores encontrarem os seus meios de subsistência tanto na economia de troca como na monocultura.

A Guiné-Bissau é correntemente apresentada como um Estado frágil e passadeira de droga, mas à margem dessa cupidez e constituição de uma classe suportada por uma clique militar e política, a economia rural demonstra uma notável capacidade para resistir indiferente à fragilidade das instituições políticas, resiste pela economia informal, com as precárias infraestruturas de educação e saúde e com um 'per capita' dos mais pobres do mundo.

Como observa Philip Havik, a despeito de todos estes constrangimentos, a riqueza e a diversidade dos recursos económicos, sociais e culturais permanece o pilar fundamental da resiliência da sociedade rural e da possível dinâmica guineense.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 18 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19505: Notas de leitura (1151): Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’, por Patrick Chabal e Toby Green; Hurst & Company, London, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 22 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19516: Notas de leitura (1152): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (74) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19525: Parabéns a você (1579): Gumerzindo da Silva, ex-Soldado Condutor da CART 3331 (Guiné, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de de 24 de Fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19522: Parabéns a você (1578): António Cunha, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 763 (Guiné, 1965/66) e Manuel Henrique Quintas de Pinho, ex-Marinheiro Radiotelegrafista (LDM 301 e 307) (Guiné, 1971/73)

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19524: Blogpoesia (609): "Parecemos diferentes", "Tardes de Lisboa" e "Renovar...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Parecemos diferentes

Parecemos diferentes mas somos iguais.
Os mesmos medos.
Os mesmos anseios.
O amor pela vida.
Receio da morte.

Nos custa sofrer.
Nos alegra a saúde.
Damos tudo por ela.
Não gostamos de perder.
Vingança à derrota.

Esperança na sorte.
Navegamos na fé.
Olhamos o alto.
Fugimos do chão.

Por mais voltas que dermos,
Buscamos um rumo,
No sul ou no norte.

Se fingem diferentes,
Despindo ou vestindo.
Mostrando, escondendo.
No fundo, iguais.

Café Setemomentos em Mafra, 22 de Fevereiro de 2019
9h24m
Jlmg

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Tardes de Lisboa

Fervilhando de gente, nas praças e nas ruas.
Calmas passeatas, vendo as vitrinas e armazéns.
Esplanadas coloridas, onde servem os cafés e se lêem os jornais.
Alamedas sombreadas com arvoredo secular.
Corridas desenfreadas de táxis para o aeroporto.
Autocarros e eléctricos pendulares que visitam Lisboa inteira.
Doces banhos de maresia nas bordas do rio Tejo.
Que encanto ir de comboio até Cascais sempre à beira rio.
Tantos miradouros que nos dão o céu na terra.
E, lá no alto, de atalaia, o Castelo altaneiro,
afugentando de Lisboa as feras e os piratas.

Ouvindo Carlos Paredes

Bar Castelão em Mafra, 23 de Fevereiro de 2019
9h5m
Jlmg

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Renovar…

A oliveira será das plantas mais duradoiras e permanentes,
À face da terra.
Muito serenas.
Pouco balançam suas ramadas discretas.
Uma cor cinzenta.
Para não dar nas vistas.
Até seus frutos,
Têm tamanho e tons,
Tão sóbrios
Mas refulgentes.
A elegância de formas
Não é seu timbre.
São tímidas.
Por vezes demais.
Se torcem e reviram todas,
Para não prenderem os olhos
De quem as vê.
Estão muito enganadas.
O seu silêncio de cinza
É tonitroante.
Ouve-se e vê-se ao longe.
Impuseram-se ao mundo,
De todas as camadas.
Das mais humildes
Às mais supostas altas.
Não há casebre, por esses montados,
Não há palacete ou santuário de culto,
Profano ou não,
Que não as cultue.
É nos jardins. É nos relvados.
Extensos ou mais exíguos.
É nas varandas opíparas
E nos terraços celestiais.
Até esses Havais…sofistas...
Ó que pobreza!
Que o deserto escolhe.
Mas quem delas recolhe
O saborosíssimo néctar
Tão bem calibrado e raro
Que ela encerrra e dá…
Se rende e prende a elas
se avassala a elas,
Suas rainhas ou mestras abelhas.

Ouvindo Albinoni…e mais

Segunda-feira a abrir-se envergonhada
Mafra, 13 de Outubro de 2014
8h55m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de

17 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19500: Blogpoesia (608): "Árvore do amor...", "Chuvas de Lisboa" e "O final da tarde...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P19523: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XV: cap pilav Luís Alberto Fonseca Ferreira Simões (Azembuja, 1933 - Angola, ZIN, 1965)





1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972. Foi cadete-aluno nº 45/63, do corpo de alunos da Academia Militar.

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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de fevereiro de  2019 > Guiné 61/74 - P19514: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XIV: maj pilav João António de Lemos Silva Santos Gomes (Lisboa, 1929 - Moçambique, 1964)

Guiné 61/74 - P19522: Parabéns a você (1578): António Cunha, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 763 (Guiné, 1965/66) e Manuel Henrique Quintas de Pinho, ex-Marinheiro Radiotelegrafista (LDM 301 e 307) (Guiné, 1971/73)


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Nota do editor

Último poste da série de 23 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19519: Parabéns a você (1577): José Carlos Pimentel, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2401 (Guiné, 1968/70); José Ferreira da Silva, ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689 (Guiné, 1967/69) e José Maria Claro (DFA), ex-Soldado Radiotelegrafista da CCAÇ 2464 (Guiné, 1969)

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19521: Os nossos seres, saberes e lazeres (309): Viagem à Holanda acima das águas (13) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
É do senso comum que visitar o Prado, o Louvre, a National Gallery, os museus do Palácio de Charlottenburg, em Berlim, entre outros alfobres da grande Arte, são sempre visitas irrepetíveis a convocar regressos, em quaisquer estações do ano.
Este Museu Municipal de Haia goza, face a outros templos de preciosidades artísticas, o epídoto de um edifício esplendoroso, todo cheio de luz natural, obra de 1935, quintessência da Arte Deco, está aqui a maior coleção mundial de Piet Mondrian, uma coleção de Arte Moderna topo de gama, pela qualidade das obras e pela quantidade de movimentos artísticos representados, por isso o viandante vê e guarda imagens, fá-lo com alegria intensa, e sempre com o prazer da partilha.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (13)

Beja Santos

O Museu Municipal de Haia, escrevem os seus epígonos, é um daqueles espaços de arte que se deve ver pelo menos uma vez na vida. O viandante é reincidente, anda por aqui eufórico, recorda a ousadia das linhas Arte Déco, edifício de 1935, não conhece nada que se lhe compare em arrojo, funcionalidade e memória para o futuro. As observações que se seguem são necessariamente soltas, não se pode causticar o leitor tal o acervo de obras, movimentos e correntes artísticas, nestas galerias exibem-se alguns dos maiores génios da pintura, da escultura, da arquitetura e da moda, faça-se uma lavagem aos olhos, os grandes mestres agradecem.






Que dizer desta escada, que sinal de modernidade indica? É que logo a seguir estas linhas vão ser esquecidas ou mesmo escarnecidas, a seguir virá uma arquitetura convencional, tipicamente ideológica, conotada com raças, com o homem novo prometido por diversos totalitarismos. Olhando esta fotografia fica-se a pensar que só é novo o que foi esquecido, estes antepassados de génios como Siza Vieira são testemunhas mudas de que as ideias às vezes viajam numa montanha russa ou ficam num limbo durante gerações, outras dinâmicas são postas em marcha até serem arrecadadas em armários, moda é moda.




O viandante prepara-se para visitar duas exposições, uma que tem a ver com a Arte Nova nos Países Baixos, outra que tem a ver com a vida nas praias, muitas décadas atrás. E que belíssimos espécimes a Holanda detém dessa Arte Nova, de produção própria, obviamente com os olhos postos em tudo quanto se passava na Grã-Bretanha, em França, nos Impérios Centrais e até na Rússia.






O leitor que perdoe ao viandante esta enxurrada de imagens, estava com o astral muito elevado, andara anos a cogitar neste regresso, esquecera completamente a variedade de acervos, o facto de estar aqui o maior baú das obras de Mondrian, incluindo a sua última obra-prima, executada em Nova Iorque, há aqui antiguidades, moda e em edifício anexo um museu de arte contemporânea que é um luxo. Mas o que o viandante recordara de um domingo de 1978 teve prémio, o comprazimento de recordar que num domingo chuvoso, de céu plúmbeo, aqui fora confrontado com este caleidoscópio, com o assombro do edifício e com a descoberta, olhos nos olhos, de que Piet Mondrian é um dos génios do século XX, e na primeiríssima linha.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19498: Os nossos seres, saberes e lazeres (308): Viagem à Holanda acima das águas (12) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19520: Convívios (886): Encontro do pessoal do BCAV 3846, a levar a efeito no próximo dia 17 de Março de 2019, no Cartaxo (Delfim Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enf.º)

ENCONTRO DO PESSOAL DO BCAV 3846

DIA 17 DE MARÇO DE 2019 NO CARTAXO


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Nota do editor

Último poste da série de 27 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19443: Convívios (885): viva a Magnífica Tabanca da Linha: 9º aniversário, 41º encontro, 4 novos magníficos: António Andrade, António Ramalho, Constantino Ferreira e Raul Folques (Manuel Resende, o régulo adjunto)

Guiné 61/74 - P19519: Parabéns a você (1577): José Carlos Pimentel, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2401 (Guiné, 1968/70); José Ferreira da Silva, ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689 (Guiné, 1967/69) e José Maria Claro (DFA), ex-Soldado Radiotelegrafista da CCAÇ 2464 (Guiné, 1969)



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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19513: Parabéns a você (1576): Veríssimo Ferreira, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 1422 (Guiné, 1965/67)

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19518: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXIII: O adeus a São Domingos, 50 anos depois (22/2/1969 - 22/2/2019)... E o meu voo no avião da TAP B707, em 28/2/1968, a caminho de férias na metrópole...


Fto nº 3 > Guiné > Região de Cacheu > São Domi ngos > 22 de fevereiro de 1969 > Local e cena de ‘fuga’. Pista de São Domingos.  Pista, cobertura de passageiros, torre de controlo, avião Dornier dos TAGP, o Jeep que me transportou, o Jeep do Comandante, o Jeep do administrador de Posto, outras viaturas, e personagens do filme.



Foto nº 3> Detalhe


Foto nº 4 >  Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 22 de fevereiro de 1969 > A avioneta DO – Dornier dos TAGP, levanta voo em ‘fuga’. Local, São Domingos. Pista, o avião a levantar, o Jeep do administrador, o povo da terra.


Foto nº 4 A > Detalhe 


Foto nº 5 >  Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 22 de fevereiro de 1969 > Uma vista aérea do aquartelamento. Pode ver-se a Pista, as instalações do Comando e CCS, as instalações da CART1744, a última vista geral que eu foquei, ambígua, nostálgica, com muito stress.


Foto nº 2 >   Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 22 de fevereiro de 1969 >O Bilhete Nº 26372, na Dornier dos TAGP para o voo de São Domingos-Bissau. Bilhete de passageiro, custo 224$00, de S. Domingos para Bissau.
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Foto nº 1 > Nota do QG-CTIG, com ordens de Extinção dos Conselhos Administrativos dos Batalhões de Reforço, com data de 16-11-68 e Prazo para cumprimento até 31-12-68.


Foto nº 6>  Guiné > Bissalanca > 28 de fevereiro de 1969 > Local e cena da ‘fuga’. Local, Bissau (Bissalanca). Na placa da pista pode ver-se um avião da TAP, Boeing 707, e Sala de Embarque.


Foto nº 7 > O Avião TAP B707, algures ao largo do Senegal, nos céus de África, em 28 de fevereiro de 1969. Pode ver-se a Asa do Avião, o Mar azul a terra de areia branca, talvez, costa do Senegal.


Foto nº 8 > O Avião TAP B707, algures ao largo da Mauritânia, nos céus de África, em 28 de fevereiro de 1969. Pode ver-se a Asa do Avião, em baixo o Mar azul e a terra sem fim, de areia branca, talvez, costa da Mauritânia ou Marrocos.


Foto nº 9 >  Foto Aérea, algures em território e nos céus de Portugal, em 28 de fevereiro de 1969. Pode ver-se a asa do avião da TAP B707, porções de terra firme e mar ou rio.


Foto nº 10 > Foto aérea, na aterragem em Lisboa, sem indícios de terramoto, em 28 de fevereiro de 1969. Presumo tratar-se da margem sul de Lisboa, talvez Lisnave, Barreiro, ou outro local. Céus de Portugal, Lisboa, em dia de terramoto, sem sinais dele, 13 horas




Foto nº 10A > Detalhe

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

TEMA 008 - O ADEUS A SÃO DOMINGOS EM 22 FEVEREIRO DE 1969
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1. Mensagem do Virgílio Teixeira:

Data - quinta, 14/02, 13:18 (há 8 dias)
Assunto - Tema 008: o adeus a Dão Domingos em 22 de fevereiro de 1969

Caro mano e amigo Luís,

Conforme já te tinha falado, estou a enviar com 8 dias de antecedência, este Poste dos 50 anos da minha Fuga, isto é, o Adeus a uma terra que me reteve lá tanto tempo, a olhar para o boneco, para a lua, para o rio, a pista, o por do sol, os aviões, ou as minhas viagens no Sintex para Cacheu, Susana, Varela, e finalmente os meus desenfianços de avião para Bissau, e assim perdi algumas flagelações ao quartel, que parece tanto gostar.

Isto tem uma continuação, fiz uma história disto, mas é longa, tem de se dividir em 2 ou 3 partes, se achares por bem. Pode não interessar para muitos, mas estamos a falar aqui das nossas histórias e angústias, não é?

 Um abraço, Virgilio Teixeira


2. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) (*)


 TEMA 008 – O ADEUS A SÃO DOMINGOS  – 50 ANOS DEPOIS  >  22 FEVEREIRO DE 1969 – 22 FEVEREIRO DE 2019.

O TITULO ORIGINAL SERIA: A MINHA FUGA DE SÃO DOMINGOS,

MAS...

Li o primeiro comentário do Luís Graça, muito real e certíssimo, dizendo:

‘A malta não fugia, desenfiava-se'...

Claro que esta história não é de fuga ou deserção, como tantos o fizeram, trata-se de ter conseguido com alguma astúcia e muita determinação, "Desenfiar-me"  para vir passar férias no final de Fevereiro de 1969, era uma obsessão minha, tenho de admitir, não conseguia viver com isto na minha mente. E mais ainda, ultrapasso as minhas expectativas, quando me apercebo que me estão a bloquear por maldade e pura inveja. Eu estou com a documentação em ordem, tudo está "Autorizado", eu tenho o direito às ‘minhas férias’, e não vejo razão nenhuma de especial para me ‘tentar bloquear’ a minha partida.

Pensei melhor e até já tinha feito outro texto, mudando as palavras-chave

– «Fugir», por iutra mais soft, ‘Desenfiar’

Que podem vir a ser mal interpretadas, mas estou hoje com a consciência bem tranquila que fiz tudo o que tinha de ser feito, na minha missão na Guiné, e ultrapassei largamente aquilo que me era exigido em todas as circunstâncias, nunca FUGI a nada, nunca corri para um Abrigo, e em vez disso, tirava fotografias, e "vi muita coisa vergonhosa'....

A minha missão e função foram cumpridas totalmente sem a ajuda de ninguém, não tinha paralelo com outras funções de outras especialidades.

Fugir, sim, no sentido de ultrapassar as barreiras da burocracia e autoritarismo, nisso eu era realmente bem forte, e não me faltam exemplos na carreira militar.

Tenho bastante orgulho em tudo aquilo que fiz no TO do CTIG, e é isso que hoje move comigo e com a minha maneira de ser e estar na vida. Lamento que outros não possam concordar, mas não estou aqui a confessar-me nem a pedir desculpas, e não posso mudar nada agora do que foi feito.

Agora faço mais uma alteração e o título passa a ser de «O Adeus a São Domingos», porque realmente foi um Adeus definitivo, porque nunca mais lá voltei.

Em, 24-09-2018, Virgílio Teixeira

Legendado novamente,

Em, 2019-02-13, Virgílio Teixeira
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Já antes em 20 de Setembro de 2018, tinha escrito ao Luís Graça o seguinte:

Caro Amigo e Camarada Luís Graça:

Fizeste-me o desafio de escrever a história da minha "fuga" de S. Domingos, contrariando todas as ordens do Comando do Batalhão.

Escrevi, melhor dizendo, passei do meu livro - não editado - esta passagem fabulosa da minha estadia na Guiné. Não é uma fábula, já estava tudo escrito, apenas fui fazendo alguns arranjos, pois já tinha quase 10 anos sobre o dia em que escrevi isto, alterei datas e locais, pois fui consultando mais elementos que agora sei melhor e com mais pormenor. Não quer dizer que tudo esteja exacto, mas são contos reais. Para mim tudo isto foi muito importante esta aventura, que me poderia ter custado muito caro, mas saiu tudo bem.

Julgo que é extensa, mas o meu poder de síntese é muito escasso, já retirei muitos pormenores, mas não posso reduzir mais. Podes dar uma olhada para ver se tem narrações a mais, ou desajustadas, fica ao critério do editor.

As fotos, umas são das datas, outras são aproximações da realidade, nada de ficção nem invenções. É claro que as fotos na pista e a DO a levantar voo, são outras cenas, mas é uma aproximação muito real ao cenário do crime.

Espero que apreciem, porque nem tudo foi um mar de rosas para mim, e outros da minha especialidade, embora não me queixe disso. Eu arrisquei muito, mas não estou em nada arrependido. Cumpri na totalidade a minha função, e a missão que o Estado me confiou.
Obrigado,

Virgílio Teixeira,

Em, 2018-09-20

(No dia em que embarquei para a Guiné, a bordo de um DC6 em Figo Maduro, faz 51 anos neste dia 20-09-2018, na hora em que escrevo, estava precisamente na Ilha do Sal, em Cabo Verde, onde pernoitei. No dia seguinte, 21-09-1967, pelas 09:00 horas da manhã, desembarquei em Bissau).

Legendado novamente,

Em, 2019-02-11, Virgílio Teixeira


CTIG - Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:

T008 – O ADEUS A SÃO DOMINGOS – 50 ANOS DEPOIS > PARTE I

- SINOPSE:

Este tema que já o escrevi várias vezes, na tentativa de o tornar mais simples, pequeno e não chato de ler, nunca consegui essa façanha, e assim parto para o mais simples possível, ficando para outros capítulos a verdadeira história completa.

Vou eliminar os nomes das personagens, nesta fase, para não chocar ninguém.

No fundo estava eu em São Domingos (SD) em meados de Fevereiro de 1969, pronto para vir de férias à metrópole, ao Porto, já estava cheio daquela terra onde nada se passava.

Já tinha tudo pronto, autorização do novo Comandante de Batalhão, acabado de chegar no início de Janeiro de 1969, o bilhete comprado nos TAGP para o dia 22 de Fevereiro de 1969, e tinha já bilhete que me custou 224$00, e já tinha reservado o lugar na TAP para o voo de 28 do mesmo mês.

– O Comandante tenta travar a minha saída:

Logo bem cedo pela manhã, vou ao Gabinete do Comandante, e como era normal, vou tentar dar-lhe o golpe, assinar a Guia de Marcha para Bissau, com fundamento de entregar as contas na Chefia de Contabilidade, e depois estava lá escrito, que seguia de férias para a Metrópole.

Depois de uma espera ansiosa do dia, eis que acordo manhã cedo, e vou ao comandante para ter o visto final para embarcar na avioneta que iria chegar. O comandante não se lembrava de nada, não me queria deixar sair, disse que tinha de lá ficar, pois não havia ninguém para me substituir nas minhas funções. Eu mostrei que já tinha a sua autorização, mas ele insiste que não posso ir, é o início de uma luta feroz com ele, pois eu não me deixava ficar, tinha de ir a todo o custo. Ele lá se convenceu e assinou a Guia de Marcha, vou logo de jeep directo para a pista, ou campo de aviação, e já se começa a ouvir o barulho do motor da avioneta dos TAGP.

Eu não consigo agora coordenar as ideias do que se passou, mas sei que ele ficou muito apreensivo e disse-me como é que vou de férias sem autorização. Mostrei e disse: O meu comandante já autorizou e mostrei-lhe a Ordem de Serviço.

O Comandante levanta-se da cadeira e disse que não era possível, pois tinha visto que os CA tinham de acabar em menos de um mês, e eu nunca poderia ir. Não assinou. Vou dizer que os ‘ditos’ me caíram ao chão, entrei em pânico. Expliquei que tinha tudo marcado, o avião dos TAGP já estava aí a chegar, já paguei a viagem na TAP, e tenho direito às férias. Mas não sei como, ele bufou por todos os poros e assinou, vociferando quando baste.

Meti-me num Jeep direito à pista, já ouvia o roncar da avioneta a pairar no ar, era uma Cessna de 2 lugares, e chego ao ponto de embarque. Sei que se gerou logo grande alarido, pois muita gente ficou de imediato a saber, e naturalmente o Major adjunto de operações lhe deve ter dito, se ele for quem vai apresentar as contas do Batalhão e cumprir as ordens do QG?

O filme de suspense começou e vai prolongar-se por muito tempo, minutos que parecem séculos. Eu não via mais nada a não ser o momento de sair dali e ir de férias, fosse a qualquer custo, mas tinha de ir embora.

A avioneta parou na pista envolta num manto de poeirada, numa manhã quente e o sol a pino em cima da cabeça. Sai um passageiro, o piloto fica no cockpit, atira com a mala do correio, o que vai logo entreter muita gente, que se vai amontoando, não só pelo correio mas para ver a cena do ‘desenfianço’. O Piloto ainda manda o pessoal tirar umas caixas de mercadorias e alimentos frescos, o que já era normal.

Esta na hora de eu entrar, mas olho para trás, num último Adeus, e vejo um Jeep a alta velocidade, deixando um rasto de poeira vermelha atrás dele, e que parou ao meu lado, era o nosso 1º comandante, X. Ele vem logo para cima de mim, e disse mais uma vez com voz ameaçadora que eu não posso ir, tenho de ficar, pelas razões já expostas, que estou a desobedecer às ordens, e ameaçando que se me ausento, vai processar-me disciplinarmente, não sei como, mas poderia até mandar deter-me à força, não faço ideia.

Eu insisto dizendo que, ‘tenho tudo assinado pelo meu comandante’, por isso, agora já é tarde, eu sei que estou legal com o documento assinado, mas ele se quiser manda cancelar tudo e até pode impedir-me sem razão nenhuma a minha saída. Discute-se a quente, o piloto não sai do seu lugar, os motores nunca pararam, ele assiste à conversa, isto é à discussão, pois metia gritos do comandante.

Lembro que as avionetas civis, quando aterravam, largavam o pessoal e encomendas, correio normalmente, e não deixam parar o motor, para o caso de uma eventualidade ter de largar sem aviso prévio. Eu estou já a despedir-me de alguns companheiros mais chegados e que sabiam desta saída, mas ouço um barulho de um Jeep, a poeirada que largava atrás de si, e vem directo ao avião ter comigo, continuando a dizer que não podia ir, apesar de ter acabado de assinar a Guia de Marcha.

Esta discussão leva uma eternidade de minutos, mas o piloto apercebe-se que eu tinha razão, e manda então o recado final:
-  O passageiro ou entra, ou sai, eu vou levantar voo agora mesmo.

Ele já me tinha agarrado no braço, e eu já tinha um pé dentro do avião, outro de fora. E, nessa ocasião tomo a maior decisão da minha vida como militar, livro-me das ‘garras’ do comandante, entro no avião e fecho a porta, o piloto levanta voo a caminho de Bissau, deixa uma nuvem de pó que quase não dava para ver aquela cabeça de ‘Melão’ do comandante a gesticular com os braços, só faltou mesmo, ele mandar abrir fogo sobre a Avioneta, com toda a artilharia ligeira e pesada.

Olho para trás lá de cima aquela paisagem desoladora que já tinha vista muitas vezes antes, o nosso ‘Acampamento’ tipo ‘Forte Álamo’ do Texas, e vejo o pessoal em terra a olhar para o ar, fico com uma nostalgia indescritível, pois tinha a sensação que já não voltava mais para aquele sítio.

Torna-se quase impossível descrever este cenário, que até hoje me comove, por causa de tanta maldade, e porque sabia que não voltaria mais para aquele local e ficar às ordens mais uns meses daquela brutal parelha, o Major e o Coronel. Faço as últimas fotografias daquela terra que deixava para trás, ao fim de tantos meses, prisioneiro. Em pouco tempo deixei de ver o quartel, pensei que era a última vez que ia ver aquela terra – São Domingos. E foi mesmo.

Consegui sair dali, e passado pouco mais de uma hora já estamos a aterrar em Bissau, nem uma hora foi preciso, pouco falei com o piloto, nem me lembro da cara dele, eu estava lívido de raiva, e comecei a ficar aterrorizado, a pensar no que ele poderia fazer dali por diante até chegar o dia do avião da TAP.

Fui direito ao Grande Hotel de Bissau, onde normalmente ficava e instalo-me ali, em vez de ir para a porcaria da caserna do Biafra para o meio daquela malta já “apanhada” e dos mosquitos, e ficar bem longe dos olhares militares. E assim foi, nunca mais voltei àquela terra, a São Domingos, por razões de mudanças e estratégia militar, da qual falarei mais tarde.

Esta foi a cena para mim mais marcante na minha estadia na Guiné, embora ainda não tinha terminado, faltava muito para entrar no avião da TAP.

Depois foi uma longa espera até ao meu voo, senti os minutos a passar e foram 6 dias de espera, chega o dia, vou ao QG carimbar o passaporte, vou para o aeroporto, o Boeing levanta voo, já ninguém me apanha, e chego na manhã do dia 28 de Fevereiro de 1969, no dia do terramoto, para mim nem o cheguei a cheirar.

Ao fim de 30 dias, regresso à Guiné, conforme previa já me tinham mandado tudo para Bissau, fiquei instalado no Quartel do 600 e aí acabei a minha tarefa e a minha comissão.

E conforme tinha dito, nunca mais voltei a São Domingos, ficou lá tudo o que era pessoal, roupas, malas, as minhas lembranças, a minha G3, a minha motorizada Honda, os meus caixões cheios de garrafas de bebidas brancas estrangeiras, os meus companheiros e amigos mais chegados, isto é 12 meses da minha vida na Guiné.

É por isso que sempre digo:
- Nunca me despedi de São Domingos, nem das pessoas de que mais gostava.

… Fim da I Parte

II – As Legendas das fotos:

Não tenho fotos específicas destas cenas e desta fuga ainda dentro da pista, mas vou colocar alguma já editada, para suportar com Postes este Tema, quase surreal, kafkiano, que mais se parece ao estilo do famoso livro do ‘Papillon’, ou do filme ‘Casablanca’.

Tirei algumas ainda a sobrevoar São Domingos  e depois na saída de Bissau, nos céus de África, e a chegada aérea à zona de Portugal, até Lisboa.

Podemos considerar como os locais e aparelhos do ‘crime de fuga’, as seguintes fotos:

F01 – Nota do QG- CTIG, com ordens de Extinção dos Conselhos Administrativos dos Batalhões de Reforço, com data de 16-11-68 e Prazo para cumprimento até 31-12-68.

F02 – O Bilhete Nº 26372, na Dornier dos TAGP para o voo de São Domingos-Bissau. Bilhete de passageiro, custo 224$00, de S. Domingos para Bissau, em 22 Fevereiro 69.

F03 – Local e cena de ‘fuga’. Pista de São Domingos, em 22-Fev-69. Pista, cobertura de passageiros, torre de controlo, avião Dornier dos TAGP, o Jeep que me transportou, o Jeep do Comandante, o Jeep do administrador de Posto, outras viaturas, e personagens do filme. Local, São Domingos, 22 de Fevereiro de 1969

F04 – A avioneta DO – Dornier dos TAGP, levanta voo em ‘fuga’. Local, São Domingos, 22-02-69. Pista, o avião a levantar, o Jeep do administrador, o povo da terra.

F05 – Uma vista aérea do aquartelamento. Local, São Domingos, 22 Fevereiro de 1969. Pode ver-se a Pista, as instalações do Comando e CCS, as instalações da CART1744, a última vista geral que eu foquei, ambígua, nostálgica, com muito stress.

F06 – Local e cena da ‘fuga’. Local, Bissau (Bissalanca), em 28-02-69 Na placa da pista pode ver-se um avião da TAP, Boeing 707, e Sala de Embarque.

F07 – O Avião TAP B707, algures ao largo do Senegal, nos céus de África, em 28-02-69. Pode ver-se a Asa do Avião, o Mar azul a terra de areia branca, talvez, costa do Senegal.

F08 - O Avião TAP B707, algures ao largo da Mauritânia, nos céus de África, em 28-02-69. Pode ver-se a Asa do Avião, em baixo o Mar azul e a terra sem fim, de areia branca, talvez, costa da Mauritânia ou Marrocos.

F09 – Foto Aérea, algures em território e nos céus de Portugal, em 28-02-1969. Pode ver-se a asa do avião da TAP B707, porções de terra firme e mar ou rio.

F10 – Foto aérea, na aterragem em Lisboa, sem indícios de terramoto, em 28-02-69. Presumo tratar-se da margem sul de Lisboa, talvez Lisnave, Barreiro, ou outro local. Céus de Portugal, Lisboa, em dia de terramoto, sem sinais dele, 13 Horas


«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ 1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».

- NOTA FINAL DO AUTOR:

# As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘Juízos de Valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir.#

Em, 2019-02-14
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Nota do editor:

Último psote da série > 18 de fevereiro de  2019 > Guiné 61/74 - P19503: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXII: Memórias do Gabu (I)

Guiné 61/74 - P19517: In Memoriam (340): Até sempre, 'comandante' Jorge Rosales (1939-2019)


Cascais > Alcabideche > Cabreiro > Restaurante A Camponesa > 24 de Novembro de 2011 > Almoço de convívio da Tabanca da Linha >  O régulo e o almoxarife Jorge Rosales  que tratava da "bianda da Tabanca da Linha"... Era ele que tinha a rede de contactos... E sobre a bianda lá na Guiné, contou.nos o seguinte, no nosso blogue:

"Na minha memória,recordo-me que uma vez o barco não entregou farinha e fermento, e aí é que foi um problema, porque faltava o casqueiro!!! Fomos buscar ao Geba  pequenas pedras, que serviram para acompanhar o molho.

"Este grupo tinha o Alface, sargento do quadro, que com o seu "saber" safava-nos sempre nos dias mais dificeis, Aí aprendi, ou refinei, o espirito de equipe, que resolve tudo"


Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Tabanca da Linha > Cascais, Alcabideche, Carreiro > Adega Camponesa > 17 de outubro de 2013 > Um momento de grande camaradagem, captado pela câmara do Manuel Resende: o alfabravo entre o Jorge Rosales e o Armando Pires, dois homens de afetos.

Sobre o Jorge, escreveu o Armando (****):

"Já não sei pela mão de quem, fui ao almoço da Tabanca da Linha. Conhecia uns dois ou três dos presentes e os outros foram-me sendo apresentados.Já estávamos dos digestivos, iam-se misturando as histórias do passado, quando um decidiu incluir-me como actor de uma bravata por ele imaginada.

Senti necessidade de sair por ser mais forte o meu respeito por todos. Foi quando a tua mão forte pousou suavemente no meu ombro, e na tua voz serena me disseste, 'tem calma, Armando, a malta aqui da Linha conhece o gajo, é um inventor, ninguém acredita nas coisas que o gajo conta'...

O teu gesto, Jorge, tornou-se marca indelével de ti. A um grande Homem bastam pequenas coisas para o tornar admirado, respeitado. À admiração e ao respeito fui somando a amizade que te ganhei. Gosto de ouvir quando ao telefone me dizes: 'Armando, sabes quem fala? É o Jorge, o Rosales, estás bom Armando?'

E sinto até o vazio dos anos, tantos anos, que tardei em te conhecer. Ainda bem que te conheci, Jorge. Hoje fazes anos. Leva um profundo abraço meu. É o melhor de mim que tenho para te dar."



Tabanca da Linha > Cascais, Alcabideche, Cabreiro > Adega Camponesa > 17 de outubro de 2013 > Da esquerda para a direita, a Gisela (a única camarada presente), o Luís Graça (editor do nosso blogue), o "comandante" Jorge Rosales (, "régulo" da Tabanca da Linha) e Miguel Pessoa (, herói da FAP, que a FAP nunca reconheceu...)

Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


27.º Convívio da Magnífica Tabanca da Linha > Cascais > Carcavelos > Junqueiro > Hotel Riviera > 22 de setembro de 2016 > Quatro dos 'magníficos': da esquerda para a direita, Juvenal Amado, Jorge Rosales, Armando Pires e Mário Fitas.

Foto (e legenda): © Manuel Resende (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Leiria > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > O Jorge Rosales, régulo da Tabanca da Linha, ainda do tempo do caqui amarelo (1964/66) e a Giselda Pessoa, a primeira mulher a quem começámos a tratar, por direito próprio, como camarada, na sua qualidade de enfermeira paraquedista no TO da Guiné (1972/74).

Foto: © Manuel Resende (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Magnífica Tabanca da Linha > Cascais > Carcavelos> Hotel Riviera > 21/1/2016 >  Almoço-convívio > .Os manos Rosales, Jorge e José. Foto rara...

Foto (e legenda): © Manuel Resende (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Monte Real > XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 5 de maio de 2018 >  Dois veteranos... da Guiné e dos nossos encontros: o Virgímio Briote e o Jorge Rosales... (Infelizmente, o último encontro da Tabanca para o Jorge!)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. O Jorge Rosales nunca foi um hiomem de escritas. Era um homem da fala e dos afetos.  E um líder nato, um organizador, um agregador... Sem ele, nunca a Tabanca da Linha teria provavelmemte nascido e crescido... E foi, na juventude, um grande desportista... Começou nos Salesianos (que estão no Estoril desde 1931).

Recordo-me da primeira vez que o "conheci",  ao telefone. Ligou-me na tarde dia 9 de junho de 2009, há cerca de 10 anos atrás...

- Sou o Jorge Rosales,  tenho  69 anos de idade ,  vivo  no Monte Estoril / Cascais, e estive em Porto Gole, e 1964 a 1966. (*)

Fiquei a saber que falava ao telefone com o Henrique Matos,  o primeiro comandante do Pel Caç Nat 52, que  esteve a seguir a ele em Porto Gole, entre 1966 e 1968. Falei-lhe do Abel Rei (1967/68), que era mais novo, e que ele naturalmente não conhecia...

O seu objectivo era, muito simplesmente, o de poder ainda inscrever-se , a tempo, no  IV Encontro Nacuional da Tabanca Grande,  em Ortigosa. Naturalmente que eu assegurei automaticamente a sua presença. Foi  o nosso participante nº 96. 

Soube também que ele era o pai da Doutora Marta [Vilar] Rosales, mnha colega (ISCTE e FCSH/UNL), douorada em antropologia (2007), investigadora do ICS- Instituto de Ciências Sociais.  De resto, o Jorge falava dos filhos sempre com um brilhozinho nos olhos. Além da Marta, tinha o Tiago, bancário. E era um homem que se preocupava com a saúde da saúde da sua esposa.

Pude fazer então uma primeira apresentação do nosso novo camarada,  que me disse ter muitas fotografias do seu tempo de comissão de serviço na Guiné e que as iria  levar consigo, para o IV Encontro (***).

(i)  o Jorge era muito amigo do mítico capitão de 2ª linha, o Abna Na Onça, chefe espiritual, poderoso, da comunidade balanta da região, a quem o PAIGC havia cometido o erro fatal de “matar duas mulheres e roubar centenas de cabeças de gado”;

(ii)  o prestígio, a  influência e e o carisma do Abna Na Onça eram tão grandes que ele sabia tudo o que se passava numa vasta região que ia de Mansoa a Bambadinca (nomeadamente, importantes informações militares, como a passagem de homens e armas do PAIGC);

(iii) jovem (teria 72/73 anos se fosse vivo, em 2009), era um homem imponente, nos seus 120 kg. 

(iv) Schulz tinha-lhe oferecido um relógio de ouro e uma G3 como reconhecimento pelos seus brilhantes serviços;

(v) mais tarde, seria morto, em Bissá, em 15/4/67, com seis dos seus polícias administrativos, todos eles residentes em Porto Gole;

O Jorge Rosales, em  agosto de 1964, em Porto Gole,
com o seu guarda-costas bijagó.
(vi) nesse dia o destacamento de Bissá foi abandonado pelas NT: “ um dia trágico para quem estava no inferno de Bissá, como escreveu o Abel Rei no seu diário. 'Entre o paraíso e o inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné', 1967/68, editado em 2002, pp. 68/70);

O Jorge Rosales pertencia à 1ª Companhia de Caçadores Indígena, com sede em Farim (Havia mais duas companhias de caçadores indígeas, uma Bedanda e outra em Nova Lamego, acrescenta ele). 

Ficou lá pouco tempo, em Farim, tavez uma semana. A companhia estava dispersa. Foi destacado para Porto Gole, com duas secções (da CCAÇ 556, do Enxalé) e outra secção, sua, de africanos. Tinha um guarda-costas bijagó. Parte dos soldados eram balantas. 

Em Porto Gole possuíam apenas 1 morteiro (60) e 1 bazuca. A farda ainda era a  amarela. Ficou 18 meses em Porto Gole. Craque de futebol, ia a Bambadinca jogar à bola com os de Fá. Foi uma vez a Bafatá, apanhar o NordAtlas. Lembra-se da piscina.


Guiné > Região de Bafatá > Destacamento de Porto Gole > 1964 > À esquerda da foto o soldado Alfredo Ramos, algarvio, segurando a macaquinha  “Gabriela” enquanto o allf mil Jorge Rosales prova o rancho. O Ramos foi colega de infância do Estorninho, e ficou com uma dívida de gratidão ao alferes Rosales (**).

Foto (e legenda): © Arménio Estorninho (2010).. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Enquanto lá esteve, em Porto Gole, havia um certo respeito mútuo, de parte a parte, entre as NT e o PAIGC, disse-me o Rosales. A influência de Cabral era evidente, fazendo a distinção entre o povo (português) e o regime (colonialista). A nossa malta podia deslocar-se num raio de 10 km…. Mas a ligação com Mansoa já se perdera. O troço já não era seguro. Em Mansoa estavam os respeitados Águias Negras (o BART 645), que dominavam o triângulo do Óio: Olossato, Bissorâ e Mansabá .

Do lado do Geba, eram os fuzileiros que impunham a lei e a ordem. Lançavam uma bóia e fundeavam a LDG em frente a Porto Gole. Vinha quase tudo por rio: os frescos, a bianda, os cunhetes de munições… (excepto o correio, que era lançado do ar, de DO 27, e às vezes ir cair no tarrafo; em contrapartida, o correio expedido ia de LDG... Enfim, singuralidades de Porto Gole que não tinha uma simples pista de terra batida, para as aeronaves). 

Tem vários amigos fuzos, desse tempo, incluindo o comandante Castanho Pais.

Do outro lado, a nascente,  estava a CCAÇ 556, no Enxalé… Também conhece dois furrieís do Enxalé, de quem se tornou amigo. Também passou por Fá. E no final da comissão, esteve em Bolama, por onde passavam os periquitos… Conviveu com algumas companhias que, da ilha de  Bolama, partiam para operações no continente…


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > Novembro de 1965 >  "Com o o meu amigo Alfero"...



Guiné > Bissau > Novembro de 1965 > O Jorge Rosales junto ao Palácio do Governador... "Foto tirada pelo infeliz alferes Madonado".


Guiné > Bissau > Praça do Império > Novembro de 1965 > O Jorge Rosales mais o Maldonado, junto ao monumento "Ao Esforço da Raça" ... "O alf mil Maldonado, meu camarada desde Mafra e meu substitulo em Porto Gole, (...) faleceu em março de 1966, em consequência do rebentamento de uma morteirada IN que o atingiu em cheio, no aquartelamento de Porto Gole". De seu nome completo, António Aníbal Maia de  Carvalho Maldonado, morreu  no dia  4/3/1966. Natural da Sé Nova, Coimbra, foi inumado no cemitério da Conchada.

Fotos (e legendas): © Jorge Rosales (2010).. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (***)



No seu tempo (Março de 1966), morreu em Porto Gole o alf mil António Maldonado, que o veio substituir. O Maldonado, de Coimbra, estava em Bolama. Era alf mil da 1ª CCAÇ / BCAÇ 697. Eram amigos, tinham estado em Mafra. Tinham combinado revezar-se ao fim de um ano. O Maldonado vinha para Porto Gole e o Jorge ia para Bolama… No meio disto, há um coronel que vem dificultar o acordo de cavalheiros. Enfim, uma história que é preciso contar com tempo e vagar.

O Maldonado é morto num ataque violentíssimo a Porto Gole, depois de as NT terem feito um ronco nas áreas controladas pelo PAIGC… Ferido, aguardou em vão o heli que só podia vir de manhã. A mãe do Jorge foi ao enterro, em Coimbra. O cadáver foi rapidamente trasladado, contrariamente ao que acontecia na época. Esta morte de um camarada e amigo abalou-o.

Relativamente ao nosso IV Encontro Nacional, o Jorge estava entusiasmadíssimo com a ideia de poder encontrar malta de Bambadinca, Xime, Enxalé, Porto Gole, Fá... Queixava-se de estar isolado, de não ter ninguém do seu tempo, até pelo facto de ter ido, para o CTIG,  em rendição individual.

Isto passa-se em 2009, com ele já reformado de uma dessas empresas que faziam o reabastecimento de combustível aos aviões, no aeroporto de Lisboa. Alguma malta da TAP e da ANA deviam (re)conhecê-lo. Falei-lhe do Humberto Reis, do José Brás, do Alberto Branquinho, do Mário Fitas… Mas no aeroporto há milhares de pessoas a atrabalhar. Tem uma segunda habitação, no Couço, Coruche, sítio onde se refugiava quando podia.

Disse.me na altura que ainda acalentava a esperança  de voltar, à Guiné, com mais malta do seu tempo… Queria fazer parte do nosso blogue, que estava a  acompanha diariamente.

Tanto quanto sabemos morreu sem nunca poder realizar esse sonho, o de voltar à Guiné.

PS - Nunca escondeu de ninguém o seu orgulho de ter sido um antigo salesiano do Estoril. Tinha página no Facebook, aqui. Muitos tabanqueiros prestaram-lhe a última homenagem, em palavras simceras e sentidas. Não nos é possível reproduzí-las todas. Destaco o que escreveram o Manuel Resende e Manuel Joaquim. E recuperamos aqui um belíssimo texto do Zé Manel Dinis, de 2013.


2. Depoimentos:


Caros Magníficos,certamente todos estamos tristes pela partida do nosso amigo, camarada e comandante Jorge Rosales para uma viagem sem regresso. Não o veremos mais fisicamente por isso há que o recordar com as nossas festas, festas-convívio em que ele esteve sempre presente, com excepção do nº 20, altura em que foi operado ao aneurisma e problemas na coluna. Faço-lhe esta pequena homenagem com uma foto de cada convívio e estão numeradas de 1 a 39, correspondendo ao respectivo convívio

(2) Manuel Joaquim

Morreste-me, caro Jorge! De ti me despeço, querido amigo, profundamente chocado e dolorosamente emocionado pela tua partida.  E é já na saudade dos belos momentos de fraterno convívio que passámos juntos que relembro esse teu sorriso franco de que eu gostava tanto, sorriso algo tímido mas bem iluminado pelo brilho especial do teu olhar.

Pensando bem, para mim ainda vives e irás acompanhar-me no que resta do meu caminho, meu querido camarada da Guiné. E depois ... lá nos encontraremos no Absoluto do espaço e do tempo.
Até qualquer dia, Jorge!


Para os teus entes queridos vai a minha profunda solidariedade na dor.

(3) José Manuel Matos Dinis, em 7/10/2013,  na altura secretário da Magnífica da Tabanca da Linha (até 2016)

"O dia de aniversário do Rosales" (****)

 Don Rosales encantou-se pelo pré-cosmopolitismo da região entre Cascais e Estoril. Mas os laços só consolidaram, quando conheceu uma senhora de uma família tradicional de Cascais, por quem se apaixonou, e foi correspondido. Casaram, e decorridos pelo menos os meses que a natureza impõe, nasceu um robusto rapaz, a que se seguiu uma menina e outro rapazola. O primogénito foi rodeado de mimos, e veio ao mundo com seis quilos, setecentas e oitenta e cinco gramas, segundo dados oficiais da família. Chamaram-lhe Jorge, um nome distinto e com apetências imperiais.


Don Rosales assistia ao desenvolvimento do puto com indisfarçável orgulho, e cogitava, se houvesse mais uma dúzia daqueles matulões, garantia-se a si próprio, Portugal nunca se teria separado da Galiza.

Aos dez anos o meu pai deu-me um passe metálico, com fotografia, onde se colocava um bilhete semanal, e mandou-me estudar para os Salesianos do Estoril, a ESSA. Na minha turma andava um rapazito, também Zé, e de apelido Rosales. Tinha um irmão mais velho, que andava lá para os últimos anos do liceu, vestia-se à adulto, com casaco, levava uns cadernos debaixo do braço que lhe conferiam ar intelectual, e batia-me alarvemente, alegando que eu fazia macaquices ao irmão benjamim. Depois já não alegava nada, batia-me, porque sim. Jurei vingar-me.

Mais tarde, quando eu andava pelos dezassete ou dezoito aninhos, o meu clube de putos, o CAC, mas com grande aura na região, foi treinar algumas vezes contra o Estoril-Praia, clube mais ou menos referenciável em ambientes luminosos e dragonianos, fundado por um grupo de que se destacava um primo meu. Lá andava outra vez o Rosales, o tipo assanhado que eu, ainda lingrinhas, tinha que evitar no meio do campo. Por isso jogava a extremo-direito.

Havia dois defesas na equipe da Amoreira que, alternadamente, me calhavam em sorte, o Coropos, e mais escassamente, porque era direito, o Virgílio. Eram dois bulldozers, e a minha equipa fazia um futebol geométrico de grande efeito prático: antes de recebermos a chicha, já tínhamos que saber a quem a endossar. Era lindo, ver os canarinhos em corridas desenfreadas de um lado para o outro. No meio do campo amarelo, o alferes promovido a capitão levava as mãos à cabeça e clamava por calma.

Felizmente para eles, os jogos-treino não tinham espectadores, ou seriam varridos com saraivadas de pedras, sempre abundantes no topo norte. A vingança consumar-se-ia muito mais tarde, no Blogue do Luis Graça, onde voltei a encontrar a imponente figura, mas mais lento de movimentos, sem as fintas com jogo de cintura, e até umas artroses que lhe tolhem os lançamentos em profundidade.

Por isso aproveito esta magnífica ocasião gentil e solidariamente concedida pelo Boss, para vos dar conta do que o aniversariante tem ocultado de personalidade litigante.

Para não faltar à verdade, ainda acrescento que o dito Rosales foi campeão nacional de ténis de mesa, que se transferiu para a Académica, onde esteve quase a triunfar, se o Dr. Rocha tivesse mudado de ares, e posteriormente optou por ir defender a Pátria, e escolheu Porto Gole como destino de privilégio. Assessorado pelo Alface, distinguiu-se com virilidade e distinção. Também manteve relações próximas com o chefe local Abna Onsa, temido e fiel à NT, com quem consertava táticas e acções.

A vocação imperial que lhe estava destinada, tem-na praticado com visíveis resultados, em tascas, bares, e outros estabelecimentos de bebidas. Às vezes aparece em minha casa, sempre a dar ordens disfarçadas de perguntas gentis, do género Ó Zé, tens cá algum vinho bonzinho?

Com o óbvio desejo de lhe tornar a vida num castigo, daqui lhe apresento os parabéns, e o desejo longa vida.

JD [ José Manuel Matos Dinis, ex-fur mil, CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71]
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4488: Tabanca Grande (151): Jorge Rosales, ex-Alf Mil, Porto Gole, 1964/66, grande amigo do Cap 2ª linha Abna Na Onça

(**) Vd. poste de 23 de outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7165: Estórias do meu amigo de infância Alfredo Ramos, ex-Sold Condutor Auto da CCAÇ 556 (Guiné, 1963/65) (Arménio Estorninho)

(***) Vd. postes de:

30 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6501: Álbum fotográfico de Jorge Rosales, ex-Alf Mil da 1.ª CCAÇ, Porto Gole, 1964/66 - I (Jorge Rosales)

1 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6511: Álbum fotográfico de Jorge Rosales, ex-Alf Mil da 1.ª CCAÇ, Porto Gole, 1964/66 - II (Jorge Rosales)

(****) Vd. poste de 7 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12123: Parabéns a você (634): Bom dia, comandante Jorge Rosales!... Um feliz e magnífico dia de aniversário! (José Manuel Matos Dinis, Armando Pires, Beja Santos, Hélder Sousa, Luís Graça)

(*****) Último poste da série  > 19 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19508: In Memoriam (339): Jorge Rosales (1939-2019): morreu esta manhã o comandante, o cofundador e o régulo da Magnífica Tabanca da Linha... Velório na igreja de Stº António do Estoril, e funeral na sexta-feira, 21, às 14h30.