Queridos amigos,
É incontestável que o período filipino foi altamente danoso para a presença portuguesa na Senegâmbia, a retração foi enorme, o abandono e a incúria chegaram a levar a crer que a presença portuguesa estava definitivamente condenada. Cacheu era um ponto fulcral para o comércio negreiro e até para a economia de Cabo Verde. D. João IV, ouvido o Conselho Ultramarino, procurou tomar medidas eficazes, e por mais controversa que possa ser encarada a atividade de Gonçalo de Gamboa de Aiala, Capitão-Mor de Cacheu, por ele nomeado, apresentou resultados, o fundamental foi melhorar a presença portuguesa, Gamboa criou Farim e Ziguinchor, perseguiu com todos os meios ao seu alcance os navios estrangeiros, viveu em permanente tensão com os comerciantes de Cacheu que faziam o jogo duplo, juravam fidelidade a D. João IV mas ansiavam pelo regresso dos Áustrias. Maria Luísa Esteves oferece-nos o retrato de uma década e mostra à evidência que se deve a Gamboa ter travado o descalabro em que se encontrava a então denominada Senegâmbia Portuguesa. Resta acrescentar que neste século XVII a mobilidade da nossa presença se circunscrevera entre os rios Casamansa e Nuno.
Um abraço do
Mário
Gonçalo de Gamboa de Aiala, Capitão-Mor de Cacheu (1640-1650)
Mário Beja Santos
O estudo "Gonçalo de Gamboa de Aiala, Capitão-mor de Cacheu, e o Comércio Negreiro Espanhol, 1640-1650", por Maria Luísa Esteves, Centro de Estudos de História e Cartografia Antiga, 1988, trabalho que se associou às comemorações do IV Centenário da Fundação de Cacheu, permite-nos visualizar os danos sofridos durante o período filipino na então denominada Senegâmbia Portuguesa.
A autora começa por nos dar uma visão geral das consequências que a perda da independência acarretou para as colónias portuguesas, dá-nos depois a situação da Guiné, aquando da Restauração e finalmente a ação desenvolvida por Gonçalo de Gamboa da Capitania de Cacheu. Não há nenhum excesso em dizer que o domínio castelhano acentuara as dificuldades de manutenção das possessões portuguesas, houvera que seguir a sua política internacional, completamente desastrosa para o nosso império, vinham ataques de todas as proveniências e D. João IV ascende ao trono com obstáculos aparentemente insuperáveis e numa vastidão incomportável: Guerra da Independência, uma força marítima mais do que insuficiente, tempos de decadência da arte de construção naval, falta de armamento, situação financeira crítica, a crónica exiguidade de meios humanos. A Guiné, a concorrência comercial de franceses, ingleses e holandeses era feroz, todos sedentos da compra de escravos.
Assim se explica a decadência, a fácil fixação dos ingleses na Gâmbia, a incapacidade de agir do governo de Cabo Verde.
Finalmente o novo capitão-mor encaminha-se para Cacheu encarregado da construção da fortaleza, o dinheiro destinado à obra estava confiado à guarda do Capitão Paulo Barradas da Silva, os dois muito cedo entrarão em litígio, ora por falta de materiais, ora por não haver concordância quanto ao local escolhido, e Gamboa não esquece a obrigação de procurar suster a presença constante de navios estrangeiros nas costas da Guiné. Barradas da Silva queixa-se ao rei das afrontas praticadas por Gamboa e diz proteger os devedores de grandes somas à Fazenda Real. Dado fundamental, Gamboa põe-se em campo para resistir às tentativas espanholas de ocupação, fortifica e guarnece de artilharia Ziguinchor, o presídio adquiriu extraordinário valor como centro comercial e de fixação portuguesa. Gamboa tinha a noção de que precisava de controlar a navegação no rio Farim ou de S. Domingos, arrendou em nome da Fazenda Real o comércio do rio Geba, recorde-se que nesta altura os moradores do presídio de Geba tinham-se, na sua generalidade, transferido para Cacheu e para a recém-fundada Farim. O capitão-mor dá como reforçada a presença portuguesa na região e lança-se na perseguição dos concorrentes, apresa barcos espanhóis. No entanto prosseguem as tensões entre Gamboa e Paulo Barradas por causa do dinheiro que este retém e que é fundamental para a construção da fortaleza. Os moradores de Cacheu fazem queixas ao rei, protestam-lhe lealdade, se bem que Gamboa os acusa de traidores e partidores de Castela.
O estudo de Maria Luísa Esteves está altamente documentado, toda a sua investigação assenta em documentos do Arquivo da Torre do Tombo e do Arquivo Histórico Ultramarino. Atenda-se às suas conclusões. Gamboa trazia a incumbência de conservar e desenvolver Cacheu, afastar o ocupante espanhol e perseguir o comércio ilícito. Fundou e fortificou a povoação de Farim, construiu o presídio de Ziguinchor, o melhor porto do Casamansa que irá dominar durante dois séculos o tráfego no rio; Farim será a extensão natural de Cacheu e de grande importância para o comércio local. Foi-lhe confiada a missão de construir a fortaleza, faltaram-lhe materiais, pessoal e encontrou séria oposição de Paulo Barradas da Silva, encarregado da cobrança do dinheiro destinado às fortificações. Não deu tréguas a perseguir os estrangeiros que se entregavam ao resgate de escravos. Sufocou com firmeza qualquer sintoma de insurreição interna.
Uma aldeia perto de Cacheu, gravura proveniente do livro África Ocidental, Notícias e Considerações, por Francisco Travassos Valdez, Lisboa, 1864
Nota do editor
Último poste da série de 17 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22725: Historiografia da presença portuguesa em África (290): Entre os primeiros contributos para o conhecimento da Guiné: André Alvares de Almada e André de Faro (Mário Beja Santos)