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quarta-feira, 5 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24198: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (34): papas de sarrabulho à moda de Candoz

Tabanca de Candoz > 12 de Outubro de 2006 > Na matança do porco (*), faziam-se as papas de sarrabulho... à moda de Candoz.

Video (3' 47''): Luís Graça (2006). (**)

1. A "Tia Nitas" (como eu tratava carinhosamente a minha "mana", e que  "Deus já lá tem",  como diz aqui o povo) sabia explicar tudo direitinho... com a sabedoria, o amor e a paciência que ela punha em tudo o que fazia na Terra da Alegria...  Era uma excelente cozinheira e  "dona de casa" tal como foi uma grande profissional no laboratório de tecnologia química do ISEP.

Já não se mata mais o porco, lá em casa,  como antigamente, nem se farão mais as papas de sarrabulho (a não ser comprando os ingredienets no Talho, mas já não teria a mesma graça...).  A matéria prima    é  (era) o sangue de porco  e os miúdos da carne de porco (coração, fígado,  etc.) .

Fomos desencantar este vídeo (mais do que amador...) no blogue "A Nossa Quinta de Candoz"... E voltamos a reproduzi-lo aqui. É uma pequena homenagem à nossa Nitas (Candoz, 1947 - Porto, 2023), nesta quadra festiva, a Páscoa,  de que ela gostava tanto ou mais do que o Natal.

Vamos reunir a família em Candoz, este fim de semana,  (Riosunbga mas não vamos abrir a porta ao compasso pascal, este ano. (A visita em Candoz era sempre à  segunda-feira,  o compasso levava dois dias a  percorrer a feguesia.) Estamos de luto, como manda a tradição e o coração. 

No vídeo, que é de 2006,  aparecem as três manas da familia, a Rosa (Rosinha, a mais velha das três), a Chita (Alice) e a Nitas (Ana), guardadoras dos segredos e dos sabores culinários da família Ferreira Carneiro... Na altura eram também elas as  sócias da Quinta de Candoz (falta aqui o mais novo, o mano Zé para completar o quarteto dos sócios da Sociedade Agrícola da Quinta de Candoz...).

 2. O modo de fazer este prato segue a tradição minhota, comum à região do Douro Litoral (a que pertence Candoz, já no limite do distrito do Porto) (***). A receita pode ser vista aqui, na página Cozinha Tradicional:

(...) As papas de sarrabulho fazem parte das receitas tradicionais da cozinha portuguesa, sendo oriundas do Minho, no norte de Portugal. 

Os ingredientes principais destas papas são: sangue de porco (que dá origem ao termo 'sarrabulho' ), carne de galinha, carne de porco, cominhos e pão ou farinha de milho. São servidas como sopa ou como acompanhamento de pratos como os Rojões à moda do Minho.

As papas de sarrabulho são tradicionalmente feitas no Inverno, quando se realiza a matança do porco. Além disso, fazem um prato forte, que apetece sobretudo saborear no tempo frio.

 É comum encontrar este prato tradicional nos restaurantes do norte de Portugal, sendo raro encontrá-las nas regiões centro e sul do país. (...).

3. E ainda a propósito da quadra festiva da Páscoa, lembro aqui também o que eu gostava de escrever, por esta altura,  no blogue de "A Nossa Quinta de Candoz", quando ainda erámos todos vivos e respirávamos saúde e havia alegria para poder receber o compasso pascal:

(...) Qualquer que seja o significado que a Páscoa possa ter para cada um de nós, há nela uma mensagem de sentido universal e intemporal: a travessia da 'picada' [estrada ruim, trilho]  da vida, com todos os seus riscos, medos, minas e armadilhas, é bem mais fácil, se for feita em conjunto, de maneira solidária, partilhada... Mesmo sabendo todos nós, que o nascer e o morrer são os atos mais intrinsecamente solitários da vida humana. (...).

sábado, 20 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23540: Memória dos lugares (442): Rio Cacine, Cafal, Cananima, ontem e hoje

 

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Praia fluvial e aldeia piscatória de Cananima, na margem direita do rio Cacine, em frente a a vila de Cacine. (*)


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Praia fluvial e aldeia piscatória de Cananima, na margem direita do rio Cacine,  Canoas.(*)


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Praia fluvial e aldeia piscatória de Cananima, na margem direita do rio Cacine, Construção de canoas. (*)

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Cacine > Cacine, na margem esquerda do Rio Cacine > 2 de Março de 2008 > Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de Março de 2008) > Visita ao Cantanhez dos participantes do Simpósio > Rio Cacine, perto do cais de Cacine: Tarrafo...


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Era domingo, para nós, participantes (a maior parte estrangeiros...) do Simpósio Internacional de Guiledje, de visita ao sul do país... mas não para o pescador, que precisa de remendar as redes e ir à pesca..


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A simpatiquíssima Cadidjatu Candé (infelizmemte já falecida, segundo informação do Zé Teixeira), da comissão organizadora do Simpósio Internacional de Guileje e colaborada da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, servindo um fabuloso arroz com filetes de peixe do Cacine e óleo de palma local, que tem fama de ser o mais saboroso do país, devido à qualidade da matéria-prima e às técnicas e condições de produção (artesanal). Na imagem, um diplomata português, o nº 2 da Embaixada Portuguesa, que integrou a nossa caravana (e cujo nome, por lapso, não registei, lapso de que peço desculpa).

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Um dos pratos que foi servido no almoço de domingo, aos participantes do Simpósio Internacional de Guileje, foi peixe de chabéu, do Rio Cacine, do melhor que comi em África... Durante a guerra colonial, na zona leste, em Bambadinca, só conheci conhecíamos o desgraçado peixe da bolanha..


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Cacine > Cacine, na margem esquerda do Rio Cacine > 2 de Março de 2008 > Simpósio Internacional de Guileje (1-7 de Março de 2008) > Visita dos participantes ao sul > Depois de um belíssimo almoço em praia fluvial e porto piscatório de Cananima, na margem direita do Rio Cacine, houve um grupo de cerca de 30 valentões (e valentonas) que se meteram numa canoa senegalesa, motorizada, de um pescador local, e aproveitaram a tarde para visitar a mítica Cacine.  Sem coletes salva-vidas!... A distância entre as as duas margens ainda é grande... A canoa a motor, carregada de pessoal, terá levado meia hora a fazer a travessia...


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Cacine > Cacine, na margem esquerda do Rio Cacine > 2 de Março de 2008 > Simpósio Internacional de Guileje (1-7 de Março de 2008) > Visita dos participantes ao sul > O nosso amigo, o saudoso  Leopoldo Amado (1960-2021) , historiador, um dos organizadores do Simpós
o e conferencista, veio encontrar aqui um antigo condiscípulo de liceu, hoje administrador de Cacine (sector de Quitafine).


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Cacine > Cacine, na margem esquerda do Rio Cacine > 2 de Março de 2008 > Simpósio Internacional de Guileje (1-7 de Março de 2008) > Visita dos participantes ao sul > Está na hora do regresso a Cananima... O pessoal deixa Cacine, já ao fim da tarde, de sapatos na mão, para tomar o seu lugar na canoa... Em primeiro plano, a Maria Alice Carneiro e o antigo embaixador cubano, na Guiné-Conacri, Oscar Oramas (estava lá, quando foi assassinado, em 1973, o fundador e dirigente histórico do PAIGC)..

Fotos  (e legendas): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima >  9 de Dezembro de 2009 > c. 18h >  Pescador e canoa da aldeia piscatória de Cananima, na margem direita do Rio Cacine, frente a Cacine. (**)

Foto  (e legenda): © João Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Tomvali > Rio Cacine > Praia de Cafal, na margem direita do rio > 2022 > De costas, em primeiro plano, o padre Carlos, dos missionários  Oblatos da Maria Imaculada, que chegaram aqui há 10 anos, acrescentando  Cacine às duas missões ja existentes, a de Antula, Bissau, e a de Farim. Em Cacine têm duas escolas, uma em Cafal e outra em Quitafine  (que tem 270 alunos). O padre Costa conversa com os mototaxistas, que são o único transporte motorizado que aqui existe (para além das canoas)...


Guiné-Bissau > Região de Tomvali > Rio Cacine > Praia de Cafal, na margem direita do rio > 2022 > Um dos mototaxistas com uma T-shirt "made in China"...


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cacine > 2022 > Uma loja de roupa

Fotos (e legendas) de Andre Cuminatto (2022), "Além-Mar" (revista dos Missionários Combonianos), abril 2022, pp. 44-45 (com a devida vénia)


1. Estivemos aqui há 12 anos, andámos por aqui (e comemos, ao almoço o belíssimo peixe do rio Cacine, um fabuloso chabéu de peixe), por altura  de uma visita ao Cantanhez, em 2 de março de 2008, no âmbito do Simpósium Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de março de 2008). E escrevemos (*):

(...) A região de Tombali, com pouco mais de 3700 km2 (o que representa cerca de 10,3% do território da Guiné) e pouco mais de 90 mil habitantes (7,1% do total) tem grandes potencialidades, devido ao seu património ambiental e cultural, ainda insuficientemente conhecido e valorizado pelos próprios guineenses. A jóia da coroa é o massiço florestal do Cantanhez e os dois rios principais que o atravessam, o Cumbijã e o Cacine. (...)

(...) Cananima é uma praia fluvial e um aldeia piscatória. Gente de vários pontos, desde os Bijagós até à Guiné-Conacri, vêm para aqui trabalhar na actividade piscatória. No entanto, é preciso saber gerir os recursos do rio e do mar com sabedoria... A sobre-exploração de certas espécies pode ser um desastre... Por outro lado, as infra-estrututuras de apoio à pesca são precárias ou inexistentes. (...)

(...) No estaleiro naval artesanal, de Cananima, também se constroem barcos, segundo os modelos tradicionais. A matéria-prima, a madeira, é abundante. Abate-se uma árvore centenária para fazer uma piroga. Felizmente, as pirogas não são feitas em série. E hoje há, também felizmente, restrições ao abate de árvores no Cantanhez. O problema são, muitas vezes, os projectos megalómanos e inconsistentes, que acabam por morrer na praia, como estas embarcações senegalesas que viemos aqui encontrar. (...)

(...) Em frente, do outro aldo do rio, fica Cacine, que tem muito que contar, aos nossos camaradas do exército e da marinha... Alguns deles ficaram por aqui, enterrados e abandonados... A guerra e as suas memórias estão por todo o lado, não nos largam. (...)

(...) A areia não é fina, as águas não são azuis, nem a paisagem é a mais bela do mundo, mas tudo depende dos olhos com que se olha, dos ouvidos com que se ouvem, das emoções com que se capta o instante, o efémero, o diferente (..).

(...) É preciso salvar o Cantanhez, dando uma chance às crianças de Tombali. Projectos como o ecoturismo, ou o turismo de natureza, podem vir a ser um factor dinamizador de mudanças, a nível local e regional. (...)

(..) A diversidade étnico-linguística e cultural da Guiné-Bissau, em geral, e do Tombai, em particular, não deve ser vista como uma obstáculo, mas sim como um factor potenciador da cidadania e do desenvolvimento... Os demónios étnicos não podem é dormir descansados na Caixinha de Pandora... Combatem-se com as armas da saúde, da educação, da democracia, da integração, do desenvolvimento económico, social e cultural... (...)


2. Há dias lemos na revista "Além-Mar" um interessante artigo, "Evangelho e promoção social na Guiné-Bissau: Cacine, Missão Escolar", edição de abril de 2022 (pp. 43-45)... Tomamos a liberdade de reproduzir aqui este excerto do viajante e jornalista italano, Andrea Cuminatto.

(...) Na orla, entre as vacas que lambem o sal deixado pela maré alta, há também, um grupo de pescadores. Um é da Serra Leoa, outro da Libéria e ainda outro do Gana. Vêm da vizinha Guiné: sairam de Conacri,  com dois barcos de pesca e foram vistos a pescar, surpreendidos sem autorização nas águas da Guiné-Bissau. Há doze dias que estão à espera no pequeno cais de cimento que o seu chefe envie o dinheiro para pagar a multa do resgaste e poder zarpar. 

Até para os pescadores locais não é fácil tirar algo destas águas. Desde que os Coreanos compraram os direitos de pesca, a maior parte da captura é congelada  e enviada para a Ásia. E assim as pirogas,  feitas de madeira muito leve de ' fromager', tão ágeis nestas águas plácidas, descansam na areia, carregando pouquíssimos peixes nas panelas de Cacine. Estamos satisfeitos com o arroz, pelo menos não falta" (...) 

A vila de Cacine tem hoje 2 mil habitantes. E já nada é como dantes... (***)
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domingo, 31 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23478: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (33): "Jaquinzinhos fritos com arroz de tomate... à moda da "chef" Alice, que sabem pela vida, neste nosso querido mês de agosto...



Lourinhã > Chez Chef Alice > 29 de julho de 2022 > "Jaquinzinhos fritos com arroz de tomate"

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Vamos entrar no "nosso querido mês de agosto" (o das férias, do sol, do luar, das noites romãnticas, das manhãs de grandes marés vazias com quilómetros de praia de areia branca e maresia, das viagens, das festas, dos festivais, do regresso dos emigrantes à terra, dos reencontros, dos amigos, dos amores,  do campismo, dos petiscos, das mariscadas, da batada de peixe seco, das sardinhas assadas com salada de pimentos, e tudo o mais que a imaginação, o desejo e as memórias podem e devem acrescentar)...

Como aqui temos lembrado nesta série do nosso blogue, quem pode, ainda come todos os dias... E de preferência algum petisco mais fora do comum. E depois partilha essa experiência culinária com os amigos e demais leitores. 

O título da série é apelativo, bem humorado, e não ofende ninguém: "No céu não há disto,,,  Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande "... 

Que nos perdoem os crentes e os habitantes desse condomínio de luxo que é o céu do nosso imaginário (ou da fé de muitos crentes, cristãos e não cristãos). Sendo proibido falar de religião (além de política e de futebol), resta-nos muito pouco, aqui no blogue, até porque as memórias dos camaradas da Guiné estão a acabar,,, Ou são os detentores das memórias que estão a acabar... Não temos gente nova, "periquitos", a renovar a Tabanca Grande, e os "velhinhos", esses,  agora  só querem é  sopas e descanso... 

Que nos valhe, ao menos, no nosso querido mês de agosto, estas gulodices, afinal  brincadeiras inocentes, tão inocentes, tão doces, tão boas,  tão santas ou bentas, como os "pastéis de Belém", o "toucinho do céu", os "papos de anjos", as "barrigas de freira", os "pitos de Santa Luzia", as "fatias angélicas", os "queijinhos de hóstia" ou o "pudim abade de Priscos"...

"Jaquinzinhos fritos com arroz de tomate" não devem ir à mesa do São Pedro, nem vêm no cardápio do restaurante do Céu... A "chefe" Alice, quando passa pela praça, bem cedo (há anos, que já não dá um salto à Praia da Vieira onde ainda se pratica a arte xávega),  e vê jaquinzinhos ou petinguinhas, é a sua perdição: abre os cordões à bolsa e enche-se de coragem, porque amanhá-los e fritá-los é uma estopada (não é tanto a trabalheira, é sobetudo o cheiro dos fritos que fica na cozinha).... 

Mas, no fim, são os seus convidados que lhe dizem, com um arroto de prazer e agradecimento:
- Olha, muito obrigado, soube-me pela vida, "chef"!

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Nota do editor:

segunda-feira, 20 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23371: In Memoriam (438): Mário de Oliveira (1937-2022), ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68), repousa desde 26/2/2022 em campa rasa, a nº 72, do cemitério da Lixa, Felgueiras






Felgueiras >  Lixa > Cemitério local > 11 de abril de 2022 > Campa rasa, nº 72: é lá que repousam os restos mortais do Mário de Oliveira, o padre Mário da Lixa (Feira, 1937 - Penafiel, 2022), ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68). 

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]


1. Passámos por lá, em abril passado, para um último adeus. Era amigo da Alice, sua antiga paroquiana (Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, 1969).

Foi inumado de acordo com a sua última vontade (*), e deu-nos um grande exemplo de dignidade e de coragem (física e moral):

(...) " Ao meu cadáver — nunca o confundais comigo que, a partir daquele Novíssimo Instante, já serei definitivamente vivente convosco — vesti-o com alguma das roupas que me vedes utilizar diariamente, e depositai-o depois na urna, uma das mais baratas que houver no mercado. Tanto o meu cadáver, como a urna fechada, apresentem-se totalmente despojados de quaisquer símbolos religiosos, como o terço, o cálice, ou a cruz (do Império romano), tudo coisas beatas e deprimentes, por isso, inumanas, pelo menos, simbolicamente.

"A urna manterse-á sempre fechada, até ser depositada numa campa rasa, em terreno comum destinado aos Sem-jazigo, do cemitério de Macieira da Lixa, a terra que, desde a década de setenta do Século XX, inopinadamente, se tornou / revelou um Lugar Teológico de Deus, o de Jesus, que gosta de Política, não de Religião e, nessa mesma qualidade, se colou para sempre ao meu nome de homem presbítero da Igreja do Porto." (...) (**)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  
25 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23031: In Memoriam (430): Padre Mário de Oliveira, de 84 anos, ex-alf mil capelão, CCS / BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68): o funeral realiza-se amanhã, sábado, dia 26, pelas 16h00, no Barracão da Cultura, Macieira da Lixa, sendo sepultado no cemtiério local, em campa rasa, de acordo com o seu testamento de 2009

Vd. também postes de:


sexta-feira, 22 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23186: Manuscrito(s) (Luís Graça (212): Em memória de Maria Irene Martins (Lisboa, 1944 - Grenoble, França), assistente social, imigrante, católica progressista, ativista política contra a guerra colonial e o Estado Novo, amiga e colega da Alice Carneiro, assistiu semi-clandestinamente em Lisboa ao 25 de Abril de 1974

 


Lisboa >Parque das Nações > 22 de setembro de 2011 > A Alice Carneiro e a Irene Martins



Lourinhã > Moledo > 24 de junho de 2012 > "Por terras de Pedro e Inês"... Irene Martins e Alice Carneiro


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Maria Irene Martins
(Lisboa, 1944 – Grenoble, França, 2022) foi uma querida amiga e colega de trabalho da Alice Carneiro. Deixou-nos muito recentemente, aos 77 anos, vítima de ataque cardíaco, na véspera  de partir com a neta para uma viagem de turismo à Madeira. Vivia em Grenoble, desde o início dos anos 70. Tem dois filhos. Era uma pessoa muito estimada entre a comunidade francesa e portuguesa. 

Conhecia-a pessoalmente em 2011, em Lisboa, no Parque das Nações. E no ano seguinte foi nossa anfitriã na Lourinhã. Voltámos a encontrarmo-nos, no Norte, em Candoz e em Tormes, em 2015. Juntou-se aqui com a Alice e várias antigas colegas de trabalho da Junta de Colonização Interna.

Assistente social, católica progressita, formou-se no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, o mesmo onde o nosso saudoso Jorge Cabral será depois professor a seguir ao 25 de Abril de 1974. Não sei se alguma vez se conheceram.

Trabalhou, com a Alice, na antiga Junta de Colonização Interna. Casou-depois com um francês, e emigrou para Grenoble. Aqui desenvolveu um notável trabalho, solidário, de apoio não só aos jovens que fugiam à guerra colonial (faltosos, refractários, desertores e exilados políticos) mas também simples trabalhadores, imigrantes. Pela sua casa também passaram cantores de intervenção como Zeca Afonso, Zé Mário Branco, Fanhais, Tino Flores e outros.

Aos filhos e netos, eu e a Alice já  endereçamos os nossos mais profundos votos de pesar pela brutal notícia da sua morte. Já seguiu também, para um dos filhos, uma seleção de fotos, de 2011 e 2012,  que fizemos, do nosso álbum. Temos mais, de 2015, tiradas no Marco de Canaveses e em Baião,  não disponíveis de momento.

2. Tomo, entretanto,  a liberdade de reproduzir aqui um excerto do livro "Exílios: testemunhos de exilados e desertores portugueses na Europa (1961-1974)", Carcavelos, Associação de Exilados Políticos Portugueses (AEP61-74), 2017, 160 pp.  Um dos 21 autores deste volume  I de "Exilios"  é a Maria Irene Martins.

O seu testemunho ("Desertores e refractários, pp. 53-58) pode ter um interesse adicional para os leitores do nosso blogue, ao dar uma ideia, mais aproximada, dos caminhos do exílio e da emigração que muitos portugueses da nossa geração percorreram.  E é também revelador da personalidade, da generosidade,  da solidariedade e da alegria de viver da Irene Martins, de quem também guardo saudades, e de quem fiquei amigo, mesmo só  tendo privado com ela em três curtos momentos das nossas vidas. A amizade, de resto, não tem barreiras nem preconceitos nem bandeiras. Até sempre, Irene!


Capa do livro "Exílios" (1º volume, 2016), de que a Maria Irene Martins é coautora (conforme nosso sublinhado a vermelho).


Maria Irene Martins, Grenoble,  França - Desertores e refractários (pp. 53-38) (com a devida vénia ao editor e aos herdeiros da autora...)




(…) A primeira acção de ajuda a desertores do serviço militar e refractários à Guerra Colonial [sic], surgiu logo no início da minha formação no Instituto Superior de Serviço Social (ISSS) [em Lisboa] quando a nossa colega e amiga Gabriela nos pediu, à Isabel e a mim, para levar o seu namorado e dois outros amigos para França, de onde eles partiriam para outros destinos. [Este episódio deve ter-se passado em meados de 60, a autora em 1962 já tinha 18 anos, já seria emancipada e teria passaporte, e deve ter sido o ano em que entrou no ISSS].

Lá fomos, eu e a Isabel, amiga desde os anos do liceu [Rainha Dona Leonor]. Ela conseguiu um carro emprestado pela família. Um Diane azul.

Partimos as duas de Lisboa, dormimos perto de Leiria, na casa de férias da família da Isabel. Na manhã seguinte, sem querer dar nas vistas, pusemos tudo em ordem de marcha, os sacos dos rapazes atrás, os nossos bem à vista e a merenda para a viagem. Logo aconteceu que a Isabel, ao sair, fez resvalar o carro que ficou prisioneiro numa vala da estrada. Lá foi chamar o caseiro que veio com o tractor para tirar o Diane, mais a aldeia em peso, para ajudar a “menina”...

Passado o acontecimento fomos até à Guarda onde dormimos numa pensão. A cama cheirava a “ pés sujos “ que se fartava ... Tínhamos encontro de manhã cedo em Espanha, numa estrada secundária. Passámos a fronteira 
[em Vilar Formoso ] sem dificuldade e lá os encontrámos. Partimos numa alegria contagiante que nos apanhava as entranhas.

Os rapazes atrás, as raparigas à frente, mapa de Espanha na mão. Quando chegámos à fronteira Espanha/França, em São Sebastião, os rapazes deixaram as roupas e subiram ao longo do rio para o passarem a vau.

Deixámos decorrer algum tempo e passámos a fronteira sem incidentes. Gritámos uf! E lá seguimos para o sítio do encontro em França.

Ao fim de uma grande subida, um carro da polícia francesa manda-nos parar. Garganta seca, fizemos como se não soubéssemos falar francês, não respondemos às perguntas que nos fizeram, mas falávamos muito em português. Eles queriam saber aonde íamos e porque tínhamos roupa que não era nossa no carro, a quem pertenciam aquelas calças e aqueles sapatos. Depois de revistarem tudo, foram-se embora.

Arrumámos o carro como pudemos e partimos rumo a uma estrada secundária na direcção de um ribeiro que faz a fronteira. Lá esperámos. Ao fim de um certo tempo, vimos surgir os nossos amigos. Chegaram todos molhados e sujos do “rio da merda”, como eles lhe chamaram. Sentadas numa vereda, esperámos que eles se limpassem e vestissem.

Já fazia escuro quando voltámos à estrada. Calados de medo, seguimos até Biarritz. Comemos e depois procurámos um albergue, enquanto os rapazes foram para a estação dos comboios. Era ali o fim da nossa viagem juntos. Abraçámo-nos emocionados. Foi difícil deixá-los, pois apetecia acompanhá-los até ao fim da viagem.

No dia seguinte, regressámos. Passámos por Pamplona, pois tínhamos dito à família que íamos às festas desta cidade [referência às famosas festas de São Firmino, que se realizam anualmente de 6 a 14 de julho]. Queríamos trazer alguns panfletos e outra publicidade que confirmassem a nossa “história”.

(…) A passagem da fronteira portuguesa foi complicada. Obrigaram-nos a estacionar o carro num parque, atrás da alfândega. Fomos levadas para dentro da alfândega onde nos interrogaram. Este tempo pareceu infinito. As respostas tinham sido já pensadas antes de partirmos. Muito firmes, respondemos a tudo. Eu tinha em mente uma frase do nosso professor de filosofia, Honorato Rosa [padre católico, falecido em 1968] , “A verdade é para quem a merece”.

Voltámos para o carro, com dois polícias que o desmancharam todo. Tiraram tudo do porta-bagagens, os revestimentos do porta-bagagem, o pneu sobressalente, enfim, um pavor! Por fim deixaram-nos passar. Não soubemos se telefonaram para Lisboa, para as nossas famílias, ou não. Mas passámos um mau bocado.

(...) Estas ajudas continuaram com outras modalidades e outras cumplicidades (…) O Carlos foi um dos últimos refractários que ajudámos a sair de Portugal, desta vez pelos lados de Trás-os-Montes. Era o amigo da Merita, minha amiga desde os nossos estudos universitários.

Ela foi ter com ele a Grenoble, e eu fui visitá-los várias vezes ao Chemin Jésus, nome da rua onde ficava um apartamento, numa casa antiga, com grandes quartos onde se vivia em comunidade entre os refugiados, desertores, refractários e exilados, numa convivência de “república de estudantes coimbrões”.

Aí conheci um francês que, mais tarde, no Verão de 1970, me veio visitar com a Merita e mais amigos, ao Norte de Portugal, onde trabalhava.(…)

(...) Fins da Primavera, princípios do Verão de 1973, amigos meus chegaram a Grenoble, fugidos de Portugal, a seguir à prisão da Xexão com a célebre “mala das armas”.

A nossa casa, um apartamento num bairro popular da periferia de Grenoble, onde viviam muitos compatriotas, meus vizinhos, transformou-se num albergue. Tentámos encontrar soluções para os amigos e outros portugueses fugidos à guerra. (...)

Nessa altura, conheci outras “redes” como a associação Chrétiens français-immigrés ["Ronda do Soldadinho", canção de José Mário Branco gravado em 1969 com o apoio de associações de imigrantes  portugueses] (...)

(…) A minha vida de imigrante em Grenoble era muito agitada. A semana começava às 6 horas da manhã no hospital e nunca acabava, pois a seguir ao trabalho eram os encontros e as reuniões.

Algum tempo depois de eu chegar a Grenoble, os imigrantes revoltaram-se contra as leis racistas francesas. Os imigrantes que habitavam nos “lares dos trabalhadores” fizeram greve.

(...) Os imigrantes portugueses estavam pouco organizados com os outros colegas de trabalho, não conheciam os sindicatos, queriam ser discretos, não dar nas vistas. Era preciso explicar, mobilizar.

(...) Em Varses e Vif, cidades muito perto de Grenoble, onde existiam muitos portugueses , ensinávamos cantigas, explicando o texto e o sentido da história : “Um e dois e três, era uma vez um soldadinho” teve grande sucesso.

Sábados e domingos, depois do almoço, íamos para as Associações de Portugueses: Em Echirolles onde vivia, no bairro Des Alpins, em Fontaine, no Clos d’Or....

Nós, o Noël [,o marido,] e eu, ficávamos com os mais jovens, crianças e adolescentes, cantávamos, dançávamos, discutíamos, falávamos de Portugal, das colónias, da guerra, da imigração...

Também falávamos da História de Portugal. Mostrávamos diapositivos dos monumentos, etc. Tanto os pais como os filhos, conheciam de Portugal, apenas a aldeia de onde vinham, onde passavam as férias e onde construíam “a casa”.

Sexta-feira à tarde ou sábado de manhã, nós as mulheres, preparávamos os nossos encontros do fim-de-semana. Lá em casa era um regabofe. Umas descascavam as batatas, outras desfiavam o bacalhau, picavam cebolas e salsa. Tudo isto no meio de cantares e histórias das vidas vividas. Risadas e falares alto com grande alegria e entusiasmo. Bons momentos de confidências e convivência.

(...) Nessa altura, a nossa casa estava à disposição de todos os que vinham pois tínhamos espaço e comodidades. Estou a ver ainda o Zeca Afonso, a fazer composições de novas músicas e novas letras e a gravar, em várias vozes sobrepostas, no nosso gravador, numa cassette que ainda tenho.

Nestas manifestações, os pastéis de bacalhau eram indispensáveis e, lá estávamos nós, as mulheres, às voltas a fazermos quilos e quilos de frituras que perfumavam a casa durante semanas.

Nesta altura, em França, e sobretudo em Grenoble, onde nasceu o Planeamento Familiar, uma militância importante cresceu entre as mulheres portuguesas e as mulheres francesas.

(...) Reuníamos entre nós para trabalharmos sobre acções políticas, para mobilizarmos a opinião pública francesa, na denúncia da política fascista e colonialista em Portugal.

Mobilizar a opinião pública internacional era um meio muito importante e eficaz na luta contra a política portuguesa, sempre muito sensível ao que se dizia de Portugal, no estrangeiro. Sempre foi assim e continua a ser.

(...) As reuniões faziam-se em nossa casa. Longas noites e longas tardes de Sábado, onde o sério se conjugava com risadas e anedotas.

(...) Mais tarde, formámos uma associação francesa (sob a lei de 1905), o GAP (Grupo de Acção Política), para termos acesso ao espaço público francês de maneira oficial.

(...) Voltemos a Grenoble e aos anos 1973/74. As manhãs de domingo eram dedicados à venda de O Alarme nos mercados. Éramos muitos, nesta tarefa militante, pois O Alarme chegava a todos os mercados de Grenoble e arredores. ["O Alarme" era um jornal regional, criado em Junho de 1972, sendo destimado aos imigrantes portugueses; era de publicação mensal e distribuído na região de Grenoble].

(...) Também íamos a cidades mais longe onde os portugueses nos esperavam para aqueles dois dedos de conversa, trocas das novidades do País e das famílias. Lembro Vienne, Rives, Tulin... Depois fazíamos as nossas compras. Vínhamos sempre carregados de couves e outros legumes bem ao nosso gosto, chouriços e outras delícias.

(...) Como sempre, éramos mais mulheres que homens . O “machismo”, bem português, também aí se fazia sentir pois tínhamos que seguir à letra o que o “chefe” dizia e estipulava. Brigávamos muito mas recomeçávamos sempre.

(...) A ida a Portugal para irmos buscar “os últimos objectores e refractários” foi a 22 de Abril 1974.

Partimos, o Noël e eu na nossa Renault 4L, rumo ao Alentejo. Ficámos em Madrid em casa do Bart, um amigo meu, holandês expulso de Portugal. Ele deu-nos as últimas notícias dos amigos que tinham sido presos nuns dias anteriores e insistia comigo para não seguir viagem pois, dizia ele, se eu entrasse em Portugal ia “dentro”, como os nossos amigos. A PIDE andava muito assanhada.

Nós tínhamos compromissos e partimos no dia seguinte. Escolhemos entrar pela fronteira de Vila Real de Santo António, mais discreta.

(...) Resolvemos seguir caminho. Parámos em Sines. Fomos comer alguma coisa num café. Que espanto, ouvíamos na rádio música e cantares proibidos. Não era possível! Perguntámos o que se passava. O empregado não sabia muito bem. Falava-se de Movimento das Forças Armadas. Ninguém sabia muito bem o que se passava em Lisboa.

Uns gritavam “Agora é que é ! O governo já caiu” . Outros gritavam “Ai meu Deus, que eles vão matar o povinho todo”.

Resolvemos vir rapidamente para Lisboa, sem parar em Évora onde tínhamos encontro com alguém que nos devia indicar o que devíamos fazer em seguida.

(…) Em Lisboa percebemos TUDO! Vimos amigos, sentimos o alvoroço. Fomos até à casa dos meus pais, no Bairro do Arco Cego, em frente do Ministério do Trabalho. “Chaimites” impediram que parássemos o carro em frente da casa.

Os meus pais estavam à janela do primeiro andar da moradia. A curiosidade era maior que todos os medos. A minha mãe, sempre com medo das revoluções e das guerras civis, que lembravam a sua infância, dizia-me “se eles te vêem minha filha... Isto está muito feio. Não sei em que isto vai dar”. Mas não saía da janela!

Telefonei, marcámos encontros, trocamos alegrias e esperanças. Saímos para ir para a Baixa. Não havia autocarros, nem Metropolitano. Fomos pelas Avenidas Novas em direcção ao Saldanha, com a intenção de descer a Avenida da Liberdade. Não pudemos avançar. Toda a Lisboa estava na rua.

O resto todos sabemos! 

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos e paratênses rectos com legendas explicativas, para publicação exclusiva no blogue: LG]

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23179: Manuscrito(s) (Luís Graça) (211): "Viva o compasso pascal / Desta linda freguesia, / Fizeram-nos muito mal / Estes dois anos de pandemia."

quinta-feira, 17 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23086: No céu não disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (32): Hoje há lapas na chapa e sável frito com arroz de feijão, diz a "chef" Alice...

 


Foto nº 1 > Uma boa entrada: lapas abertas na chapa, com uns pingos de manteiga e limão, e enfeitadas  com uns talos de coentros... 


Foto nº 2 > O sável, frito, depois de cortado muito fininho, por causas das espinhas... 


Foto nº 3 > Arroz de feijão para acompanhar o sável, que já vinha  sem ovas...


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Amigos e camaradas: nem só de guerra nem das memórias da guerra, ou só do  passado,  vive o homem (e a mulher). Pode parecer "pornográfico" vir aqui falar de "comes & bebes", num tempo em que volta a haver guerra na nossa casa comum, a Europa, e há já  alguns milhões de refugiados, sobretudo mulheres e crianças...Há gente a  morrer, a fugir, a passar fome... E muita angústia e medo. 

Mas quem pode, ainda come todos os dias... E de preferência alguma petisco mais fora do comum. E partilha essa experiência culinária com os amigos, nesta série que tem um título apelativo, bem humorado, e que não pretende provocar ninguém, "No céu não há disto"... Que nos perdoem os crentes e os habitantes desse condomínio de luxo que é o céu do nosso imaginário (ou da fé de muitos crentes, cristãos e não cristãos). É uma brincadeira inocente.

Pois aqui fica a refeição, simples e barata, que fizémos há dias, na Lourinhã. A "chef", do costume, é a Alice, para quem o sável faz parte das seus sabores de infância, ou não tivesse ele nascido ali perto do Rio Douro: da sua casa, em Candoz, vê-se o mítico Porto Antigo, na margem esquerda, na grande baía formada pela barragem do Carrapatelo... Também lá chegavam, antes de completado o plano de construção das barragens do Douro, a lampreia e o sável, e muita gente tinha pesqueiros no rio... 

A lampreia este ano nem lhe toquei. Não a há e a que aparece, nos restaurantes,  está a preços proibitivos. O sável já o comemos várias vezes. E hoje voltamos a comer. Sempre com uns amigos, que as coisas boas desta vida são para partilhar. 

Sem querer fazer inveja a ninguém, aqui ficam três imagens da nossa refeição de sável de há uns quinze dias atrás. As lapas não as comia há anos. Não são as lapas da Mdeira nem dos Açores, mas estavam ótimas. Foram apanhadas nos rochedos, de difícil acesso, nas imediações do Porto das Barcas, Lourinhã, em frente a Tabanca do Atira-te ao Mar, que  é a tabanca mais ocidental das tabancas europeias da Tabanca Grande. Uma gentil oferta dos "duques do Cadaval", a Maria do Céu Pintéus e o Joaquim Pinto de Carvalho,  da Tabanca do Atira-te ao Mar, com quem regularmente almoçamos ou petiscamos desde o início da pandemia de Covid-19.

PS - Também se faz, nesta região da Estremadura, um delicioso arroz de lapas. Fica para a próxima. Até não há muitos anos, muitos habitantes das aldeias ribeirinhas da Lourinhã eram pescadores-recolectores de polvos, navalheiras, sapateiras, ouriços do mar, lapas, mexilhões... Além do lazer, esta atividade  também tinha algum peso na diversificação da  alimentação.  Ainda me lembro desta gente, à noite, andar à "pesca ao candeio", na maré vaza, nas rochas, equipados com camaroeiro, um pau com um isco na ponta (em geral, sardinha)  e um gasómetro, que eram alimentado com carbonato de cálcio. Um espetáculo algo surreal...
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sábado, 26 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23035: In Memoriam (431): Padre Mário de Oliveira (1937-2022): até sempre! (Comentários de Zé Teixeira. José Martins, António Murta e Alice Carneiro)


Mário Pais Oliveira: página do Facebook. Foto de Francisco Chico da Emilinha (Com a devida vénia...)



1. Comentários de quatro membros da Tabanca Grande sobre o Padre Mário de Oliveira (1937-2022), ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68),  cujos restos mortais ficam, doravante, sepultados, em campa rasa, no cemitério de Macieira da Lixa, Felgueiras, conforme era seu desejo:


(i) José Teixeira (*)

Ouvi falar do Padre Mário no tempo em que ele era professor de moral no Liceu D. Manuel II, atual Escola Rodrigues de Freitas, nos anos 64/65.

Congregava à volta dele um grupo de jovens que o tinham como mestre ativo e era muito querido e respeitado no grupo de estudantes. Só voltei a saber dele, já depois de eu regressar da Guiné nos primórdios dos anos setenta, quando foi julgado no Tribunal de S. João Novo, quando ele era pároco de Macieira da Lixa e o Bispo do Porto D. António Ferreira Gomes o foi defender, dizendo em tribunal que o que se pretendia era julgar o bispo servindo-se do padre.

Pelos vistos, logo de seguida o bispo tirou-lhe o tapete e entraram em conflito, nunca mais sanado.

Sei que ia gente do Porto a Macieira da Lixa: uns para o ouvir e tentar seguir os seus conselhos, outros para gravar as homilias, de modo a puderem atacá-lo, acusando-o de antipatriota, comunista e outras afirmações insinuações e acusações.

Os esbirros da Pide não se dedicavam só ao Padre Mário. Recordo que o mesmo acontecia na Paróquia de Cedofeita onde oficiavam dois sacerdotes holandeses, os quais foram acordados de madrugada e colocados na fronteira.

Na Paróquia de Miragaia, aconteceu o mesmo cenário e até houve um sujeito que estava a gravar a homilia do Pe. Afonso. Não se conteve e tentou fazer uma homilia patriótica, mas foi posto fora da Igreja pelos cristãos que estavam presentes.

O Padre Mário manteve a sua forma de estar, apesar de perseguido pela hierarquia religiosa antes e depois do 25 de Abril, pelas suas posições críticas e radicais. Como não pediu a redução ao estado laical, foi suspenso. Congregou sempre à volta dele um grupo de Católicos que ainda se reúne, e dedicou-se ao jornalismo. Conversei com ele algumas vezes e tenho entre as minhas amizades gente que ainda convive com ele.

Considero o Padre Mário como uma pessoa bem intencionada, que se radicalizou, talvez face às injustiças de que se considera vítima na Igreja e tem sido um estorvo para essa mesma Igreja.
Agora que faleceu, é tempo de recordar os princípios e valores que sempre defendeu, de paz, justiça e defesa dos mais frágeis da sociedade.

Zé Teixeira

(ii) José Marcelino Martins (*)

Faz falta, em especial numa diocese que precisa de ser alertada.

Foi dos que lutou sempre pelo lado de dentro.

Condolências.

(iii) A. Murta (*)

Tinha uma grande admiração e respeito pelo Padre Mário da Lixa. Era por este nome que, ainda adolescente, lhe ouvia referências (de respeito) por parte dos meus pais quando vivíamos no Norte.

Há uns anos contactei várias vezes com ele (por e-mail?) para me ajudar a localizar um outro alferes capelão, mas sem sucesso, pois era demasiado o desfasamento de idades entre eles. Uma simpatia.

Condolências à família e aos seus colaboradores mais chegados.

(iv) Alice Carneiro (**)

Mário: Eu sempre quis acreditar na tua capacidade de resistência. Eu própria dava ânimo aos nossos amigos comuns enquanto tu estavas internado no hospital. Tinha a secreta esperança de te poder dar os parabéns pelos teus 85 anos, que irias completar no próximo dia 8 de março.

Tive o privilégio de poder acompanhar a evolução do teu estado de saúde, que inspirava muitos cuidados, através de uma sobrinha, a enfermeira Susana Carneiro, que trabalhava no serviço de cuidados intensivos.

Ela acompanhou-te diariamente, com todo o desvelo, empenho, competência e dedicação. E eu estou-lhe grata, a ela e aos seus colegas, pelos cuidados que te prestaram.

Para mim, serás sempre o Mário de Oliveira, pároco da minha freguesia, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses.

Para mim, foste um grande amigo e sobretudo um cidadão e um cristão que mudaram a minha vida. Estiveste sempre presente ao longo de momentos importantes da minha história de vida. A tua palavra e o teu exemplo tiveram o condão de acrescentar mundo ao pequeno mundo em que nasci. Valores como liberdade, justiça, solidariedade e fraternidade marcaram a minha formação cristã e humana.

Deixa-me lembrar-te que foi na minha terra que começaste a escrever o teu primeiro livro, “Evangelizar os pobres” (publicado em 1969). Retrata muito bem a nossa realidade de então…

Era uma freguesia rural, perdida nos confins da diocese do Porto, onde ainda predominavam no campo as relações de produção pré-capitalistas, a parceria agrícola e a parceria pecuária …Os grandes proprietários rurais da região, donos de muitas quintas, eram tratados, com toda a deferência e submissão, por “fidalgos”. Os rendeiros “desbarretavam-se” e vergavam a cabeça ao cumprimentá-los: “Com a sua licença, meu amo!”...

Tu, Mário, quiseste acabar com esse resquício da sociedade senhorial, exortando os teus paroquianos, rendeiros, meus vizinhos, a reconquistar a sua dignidade: “Não têm que se vergar, levantem a cabeça, os patrões são pessoas iguais a vocês“…

Trouxeste-nos desassossego e mudança, mas também nunca te faltaram a frontalidade e a coragem, física e moral, de quem se põe ao lado dos pobres, dos humildes e dos fracos. Por outro lado, eras um padre jovem e conseguiste mobilizar a juventude da minha terra. Lembras-te de irmos cantar as janeiras de porta em porta, para angariar dinheiro para comprar um duplicador a “stencil” ?… Acabámos por publicar um jornal, tirado a duplicador… Que orgulho, o nosso!

Enfim, toda a gente gostava de ti… Para os jovens, como eu, daquela freguesia, a tua chegada foi uma lufada de ar fresco e, mais do que isso, uma bênção de Deus.

Como amigo a quem eu muito queria, não te poderia esquecer no dia do meu casamento, civil (, o primeiro no meu concelho), em 7 de agosto de 1976. Convidei-te justamente para partilhar a minha/nossa alegria. Estiveste na casa dos meus pais para me desejar boa sorte e saúde na minha nova vida, casada, e a viver em Lisboa, longe do Norte eu tinha as minhas raízes.

Voltámos a encontrar-nos, mais vezes, mas não tantas quantas eu gostaria. Lembro-me de, em Lisboa, ter assistido ao lançamento de um dos teus livros mais queridos, “Novo Livro do Apocalipse ou da Revelação”. Foi em 1 de novembro de 2009 , numa noite de temporal, e numa ambiente muito intimista, no meio de um grupo de leitores e amigos fiéis… Estive agora a reler, com emoção, a extensa dedicatória que me escreveste: “Para a Maria Alice, a de Viadores, com ternura e saudade”…

Tenho vários dos teus muitos livros, que agora prometo reler, com tempo e vagar, retomando o diálogo contigo, numa outra dimensão, já que tu não estás mais fisicamente entre nós… Destaco o livro “Em Memória Delas. Livro de mulheres”, de 2002, em que tu evocas, entre outros, os teus tempos passados na minha freguesia…e homenageias algumas das mulheres da minha terra.

Sei que não queres choros nem homenagens no teu velório e funeral, no dia da tua despedida da “Terra da Alegria” (para usar uma imagem do Ruy Belo, poeta que tu admiravas). Mas faço questão de te lembrar como uma das figuras de referência da minha vida terrena.

Obrigado, Mário, e até sempre!...

Maria Alice
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Notas do editor:

(*) Vd.poste de 24 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23024: In Memoriam (430): Padre Mário de Oliveira (1939-2022), ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23024: In Memoriam (430): Padre Mário de Oliveira (1939-2022), ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68)


Foto da sua conta no Twitter onde se apresentava desta maneira singela: 
"Presbítero da Igreja do Porto, longe dos templos e dos altares. 
Editor e Director do Jornal Fraternizar online. 
Vivo em Macieira da Lixa, numa casinha arrendada".

1. Morreu o nosso camarada e amigo, padre Mário de Oliveira, também conhecido como o Padre Mário da Lixa  (Lourosa, Santa Maria da Feira, 8 de Março de 1937 - Penafiel, 24 de fevereiro de 2022) (*). 

Estava internado há quase um mês, no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, em Penafiel,  com traumatismo múltiplos, na sequência de grave acidente automóvel, ocorrido em 26 de janeiro último (**),  em Macieira da Lixa, Felgueiras, onde residia desde 2004, sem quaisquer funções eclesiásticas

Ia completar 85 anos. Foi, durante 4 meses (entre novembro de 1967 e março 1968), alf mil capelão, CCS/BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/68). Tornou-se depois uma figura pública, antes do 25 de Abril de 1974, na sequência da sua prisão pela PIDE/DGS, por duas vezes, e de dois julgamentos no Tribunal Plenário do Porto. Mas também devido aos seus problemas com a hierarquia da Igreja Católica, e em especial do seu bispo, da diocese do Porto. 

Além de padre, foi jornalista e escritor, autor de várias dezenas de títulos, uma vasta obra de reflexão teológical, espiritual, ética, social, cultural e política.  Era um comunicador nato, e um grande utilizador das redes sociais.  Como padre e cristão, inspirava-se largamente na letra e no espírito do Concílio do Vaticano II. 

Eu, a Alice e outros dos seus amigos, membros da Tabanca Grande, ficámos chocados com a notícia da sua morte inesperada, quando tudo indicava que ele iria recuperar, agora que tinha saído, há dois dias, da unidade de cuidados intensivos, e depois de ter sido submetido, há 10 dias,  a uma segunda intervenção cirúrgica do foro ortopédico.

Durante a sua hospitalização, foi alvo de inúmeras manifestações de simpatia, carinho e afeto, a começar pelo pessoal dos cuidados intensivos do Centro Hospitalar de Tâmega e Sousa, em Penafiel, a quem estamos gratos.  Tem 17 referências no nosso blogue.


2. Da sua página pessoal, antiga (já não está há muito disponível na Net),  retirámos em tempos,  alguns apontamentos autobiográficos que nos ajudam a entender melhor o seu percurso como homem, cidadão e padre bem como a sua curta passagem pela Guiné como capelão militar.

(i) Nascido em 1937, na freguesia de Lourosa, concelho de Santa Maria da Feira, numa família da classe trabalhadora, entrou no seminário em 1950;

(ii) Em 1962, foi ordenado padre, na Sé Catedral do Porto, pelo bispo D. Florentino de Andrade e Silva, Administrador Apostólico da Diocese, que substituira o Bispo D. António Ferreira Gomes (1906-1989), exilado por ordem de Salazar em 1959...

(iii) A partir de 1963 foi professor de religião e moral em dois liceus do Porto;

(iv) Em Agosto de 1967 "foi abruptamente interrompido nesta sua missão pastoral pelo Administrador Apostólico da Diocese, por suspeita de estar a dar cobertura a actividades consideradas subversivas dos estudantes (concretamente, por favorecer o movimento associativo, coisa proibida pelo regime político de então)";

(v) Nomeado capelão militar, "sem qualquer consulta prévia, pelo mesmo Administrador Apostólico", viu-se compelido a frequentar, durante cinco semanas seguidas, um curso intensivo de formação militar, na Academia Militar, em Lisboa;

(vi) Em Novembro de 1967, desembarca na Guiné-Bissau, na qualidade de alferes capelão do Exército português, integrado no BCAÇ 1912, com sede em Mansoa;

(vii) Menos de cinco meses depois, em março 1968, é "expulso de capelão militar, por ter ousado pregar, nas Missas, o direito dos povos colonizados à autonomia e independência", e mandado regressar à sua diocese, sendo "rotulado pelo Bispo castrense de então, D. António dos Reis Rodrigues, como padre irrecuperável ";

(viii) Em Abril de 1968, foi nomeado pároco da freguesia de Paredes de Viadores (Marco de Canaveses), a terra da Alice Carneiro; foi lá que começou a escrever o seu primeiro livro, "Evangelizar os pobres"(Porto, Figueirinha, 1969, 240 pp.);

(ix) Em Junho de 1969 é exonerado da paróquia de Paredes de Viadores pelo mesmo Administrador Apostólico da Diocese do Porto, que o havia nomeado;

(x) Em Outubro de 1969 está a paroquiar a freguesia de Macieira da Lixa (Felgueiras), por nomeação do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes (1906-1989), entretanto, regressado do exílio;

(xi) Em Julho de 1970 é preso pela PIDE/DGS;

(xii) Em Março de 1971 sai da prisão política de Caxias, depois de ter sido julgado e absolvido pelo Tribunal Plenário do Porto;

(xiii) Volta a ser preso pela PIDE/DGS em Março 1973; quando sai em liberdade, em Fevereiro de 1974, é "informado, de viva voz, pelo Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, que já não era mais o pároco de Macieira da Lixa";

(xiv) Em 1975 torna-se jornalista profissional, tendo passado por jornais como a "República", o "Página Um" e o "Correio do Minho";

(xv) Em Julho 1995, e a convite do jornal "Público", regressou à Guiné-Bissau, onde permaneceu durante uma semana, "com o encargo de escrever uma crónica por dia sobre o passado e o presente daquela antiga colónia portuguesa" (...). (***)

(xvi) Foi fundador e  diretor do jornal, hoje "on line", Fraternizar. A última edição, nº 174, de janeiro de 2022, pode ser aqui consultada.

(xvii) Foi também um dos fundadores e animadores do Barracão da Cultura, na terra que adotou, Macieira da Lixa, Felgueiras: "O Barracão de Cultura é um espaço multiusos que nasceu com objetivo de promover e divulgar todas as formas de expressão artística de âmbito cultural" (Vd. aqui página no Facebook);

Ver também aqui a nota de leitura sobre o seu livro "“Como eu fui expulso de capelão militar” (Edições Margem, 1995) (****).


(***) Vd.poste de 25 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12897: (De) Caras (16): Quem tramou o alf mil capelão Mário de Oliveira, do BCAÇ 1912 (Mansoa, 1967/69) ?... Não foi o BCAÇ 1912 que expulsou o Mário de Oliveira, a PIDE tinha escritório aberto em Mansoa (Aires Ferreira, ex-alf mil inf, minas e armadilhas, CCAÇ 1698, Mansoa, 1967/69)


(*****) Vd. poste cde 27 de junho de 2005 > Guiné 60/71 - P85: Antologia (5): Capelão Militar em Mansoa (Padre Mário da Lixa)