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terça-feira, 13 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22100: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte VII: Cumbijã: a nossa modesta casinha, os picadores e a crueldade das minas


Foto nº  1 > Guiné > Região de Tombali > Cumbjã > CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã", 1972/74 >  Cumbijã que construímos, literalmente: com sangue, suor e lágrimas. Em primeiro plano os nossos chuveiros e a hortinha do Zé Carlos aproveitando a água do banho...

 

Foto nº 2  > Guiné > Região de Tombali > Cumbjã > CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã", 1972/74 >  O Cumbijã que encontrámos. Á direita,  o Beires levantando mais uma mina e à esquerda o mausoléu em betão onde um camarada acionou uma mina

Fotos (e legendas): © Joquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 


Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Cumbjã > CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã", 1972/74 > Pormenor dos cuidados colocados no processo de levantar uma mina: Beires (o especialista em minas e armadilhas), Portilho, Vasco da Gama e Abundância conferenciando sobre melhor forma de levantar mais uma Era sempre uma manobra arriscadíssima.

Foto (e legenda: © Vasco da Gama / Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 


Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Cumbjã > CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã", 1972/74 > Cumbijã > As minas que levantámos (30)… “Manga de ronco”, mas com lágrimas!

Foto (e legenda): © Joquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 5 >Guiné > Região de Tombali > Colibuia   > 1973  >  


Foto (e legenda): © António Murta (2016). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Joaquim Costa, hoje e ontem. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.


 
Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex- urriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte VII (*)

 

Cumbijã: a nossa modesta casinha, os picadores 
e a crueldade das minas



Assim se prolongou a nossa missão nestas diferentes tarefas: (i) patrulhas de reconhecimento e segurança no mato (ii) proteção da coluna para Buba (iii) e mais intensamente a proteção ao grupo de engenharia na construção da estrada Mampatá-Nhacobá. 

Com o avançar dos trabalhos o perigo de contacto com o IN aumentou significativamente e começou a guerra mais estúpida e cobarde das minas.

Militares de outras companhias, que também participavam na proteção dos trabalhos de construção da estrada, tinham já acionado uma ou outra mina antipessoal e uma máquina de engenharia uma anti carro. De dia para dia e ansiedade era maior no caminho para a frente de trabalhos. Com mil cuidados, paciência, muita perícia dos nossos picadores e, muita sorte (utilizando a linguagem da bola: a sorte dá muito trabalho), tínhamos passado pelos pingos da chuva, mas, infelizmente, por pouco tempo…

Lembro aqui, com alguma emoção:

• os camaradas “velhinhos” do BCAÇ 3852 (1971/73) que nos receberam principescamente com direito a sopa de capim cozinhado com água turva da bolanha e cerveja a 40 graus (#);

• os camaradas “velhinhos” da CCaç 18 (constituída maioritariamente por elementos nativos), com quem aprendemos, juntamente com o BCAÇ. 3852, a lidar com esta “coisa” estúpida da guerra sofrendo e chorando, juntos, os camaradas mortos e feridos em combate;

• os camaradas “periquitos” do BCAÇ 4351 (1973/74), que nos acompanharam (todos “borrados” - tanto quanto nós nos primeiros dias de Aldeia Formosa) em algumas ações quando a região estava a ferro e fogo com a nossa entrada na base do PAIGC em Nhacobá;

• os nossos camaradas e amigos de 
Mampatá [ CART 6250, 1972/74] :que faziam questão de nos pagar a cerveja sempre que parávamos, junto ao magnífico mangueiro, no seu pacato e simpático destacamento para limpar o pó da garganta, dando-nos ânimo com as suas palmadas nas costas como se despedissem de alguém que ia atravessar o deserto, minado, a caminho do inferno.

Assim se formaram os especialistas das picagens. Um pau com um ferro pontiagudo numa extremidade, como se fosse um caminheiro de São Tiago, que era projetado, durante a marcha, para a terra com a força bastante para sentir um toque diferente, mas não suficientemente forte para não acionar a mina. Convenhamos que era uma tarefa que exigia muita perícia e concentração.

Na marcha em “pirilau” (uma fila de homens ligeiramente afastados uns dos outros) os 2 primeiros, para além da sua arma e restante equipamento também transportavam e manobravam este “sofisticado” detetor de minas.

Para quebrar um pouco a rotina do dia a dia, esporadicamente, Aldeia Formosa era flagelada com granadas de canhão sem recuo e/ou morteiro.

Sempre que Aldeia Formosa era flagelada estava fora do quartel (exceto no batismo) com o meu pelotão emboscado, toda a noite, na frente de trabalhos da estrada - “sempre que eu passava a noite fora, o quartel entrava em alerta máxima!!!”.

Estas emboscadas eram sempre vividas com muito receio (que não é o mesmo que medo!?) e ansiedade, pelo que o nosso sentimento ao ouvirmos a fortaleza de Aldeia Formosa a ser flagelada era de algum alívio mas também de preocupação pelos nossos camaradas que estavam a ser atacados .

Dois grupos de combate faziam durante o dia a proteção aos trabalhos de engenharia e pernoitavam, emboscados, durante toda a noite, na frente de trabalhos.

Era sempre uma emboscada vivida com muita adrenalina, particularmente nas noites mais escuras. Vivíamos em permanente sobressalto desconfiando do mais pequeno ruído. As nossas companhias habituais eram os macacos que “ladravam” como cães (ou não fossem na sua maioria macacos cão!). Sempre que um ruído estranha lhes chegava aos ouvidos, “ladravam” funcionando como sentinelas para as nossas tropas.

Numa das emboscadas um soldado afirmava com toda a convicção que um macaco, na calada da noite, lhe tinha roubado a ração de combate...talvez, não seria a primeira vez, contudo, durante a noite todos os macacos são “pardos”…

Os dedos das mãos e dos pés não chegam para contar o número de vezes que fizemos estas emboscadas, vividas sempre com a tensão nos limites. Contudo, inexplicavelmente, por alguns instantes, conseguíamos alhear-nos da situação de guerra e saboreávamos os momentos extraordinários e únicos de passar uma noite em plena floresta Africana. É algo que nos marca para a vida:

• as noites escuras com o fresco do cacimbo limpando o suor dos 40º do dia, deixando-nos inebriar pelos sons da floresta húmida ouvindo os macacos ao longe e o “piar” de uma ou outra ave;

• as noites de trovoada contínua, que nem as festas da S.ª da Agonia [, de Viana do Castelo], fazendo-se dia com as descargas elétricas violentas de uma beleza indescritível;

• as noites de luar, lindas e quase românticas...sublimando os pensamentos nas nossas namoradas ou madrinhas de guerra;

• as noites das primeiras chuvas que nos limpavam o corpo e a alma, com o agradável cheiro a terra africana.

De manhãzinha, com banho tomado e roupa lavada e já seca, não disfarçavamos a alegria, ao vermos chegar a coluna com os dois grupos de combate que nos vinham substituir...

Sentíamos que estávamos a ser vigiados permanentemente pelo IN, já que sempre que emboscávamos na frente de trabalhos,  rebentavam com os pontões já construídos em linhas de água na nossa retaguarda. Sempre que emboscavamos juntos aos pontões tínhamos minas na frente de trabalhos.

E sempre que destruíam os pontões,  a coluna ficava retida no local várias horas até se construir um caminho alternativo.

Uma ou outra vez ousaram atacar a coluna que se deslocava para a frente de trabalhos. Num destes ataques um soldado africano foi mortalmente atingido.

Era evidente o esforço do IN em retardar ao máximo a chegada da estrada a Nhacobá, ganhando tempo para não perturbar o ataque contundente que estavam a preparar contra Guileje e Gadamael (##), cujo desfecho dramático não só virou o curso da guerra na Guiné como acelerou a revolução de Abril.

Para o ataque a Guileje e Gadamael, a partir da fronteira com a Guiné Conakry, ter sucesso, era importante manter a sua base no interior (Nhacobá), servindo de tampão e ao mesmo tempo de importante celeiro - aqui encontrámos toneladas de arroz que dava para alimentar um exército durante meses. Era também fundamental para o PAIGC segurar Nhacobá mantendo aberto o importante corredor de Guileje permitindo o transito de homens e material para a zona sul do território.

Para atingirem tal desiderato utilizaram a estratégia mais eficaz e ao mesmo tempo mais cobarde para retardarem a construção da estrada: a guerra das minas.

Chegada a frente de trabalhos a Colibuía (uma das tabancas abandonadas), e uma vez que estava prevista a reocupação da mesma pela nossa companhia, os nossos picadores passaram a “pente fino”, milímetro a milímetro, o local. Dois grupos de combate da companhia passaram a dormir, alternadamente aqui.

Já com as máquinas a terraplanarem esta antiga tabanca, criando as condições para aí nos instalarmos, como era recorrente, surge a contra ordem que afinal iríamos ocupar a tabanca mais à frente – Cumbijã.(**) [Vd, infografia abaixo.]

Chegados a Cumbijã, para aí nos instalarmos definitivamente, detetamos e levantamos cerca de 30 minas (pessoal e anticarro: vd. foto nº  2, acima).  A eficácia na deteção e levantamento de minas foi de quase 100%. Digo quase, porque Infelizmente os quase 100 % não evitou a nossa segunda vítima grave causada por esta estúpida e cobarde guerra das minas (a primeira foi um acidente de um camarada da companhia a manobrar uma granada ofensiva que lhe rebentou na mão).

Um soldado que estava de visita ao destacamento, por pura curiosidade uma vez que não fazia parte dos grupos de combate, abeirou-se, coisa que todos nós fizemos, junto de uma pequena construção em betão (em homenagem a um soldado morto no local e que pertencia à última companhia que ocupou o local) para ler a mensagem gravada na placa de cimento. 

Enquanto as máquinas de engenharia terraplanavam criando as condições mínimas de segurança e habitabilidade, ouve-se um grande rebentamento, julgando eu, na altura, ser uma mina acionada pela máquina, que parou, ouvindo-se de seguida gritos de desespero. Foi o soldado que acionou uma mina, que não foi detetada, no mausoléu.

Por uma questão de respeito ao militar morto neste destacamento, ao entrarmos pela primeira vez no local, decidimos manter o mausoléu.

Por ser, obviamente, local de grande curiosidade, já que todos iriam querer ver a dedicatória inscrita no mesmo, foi o local mais picado e verificado por todos os meios. Ficamos incrédulos como foi possível, logo ali, rebentar uma mina. À volta do mausoléu existia uma estrela desenhada com garrafas de cerveja, e não fomos perfeitos, devíamo-lo ter sido, prevendo tal situação. 

A mina estava colocada debaixo de um grupo de garrafas de cerveja, pisadas pelo nosso querido amigo, pensando ser mais seguro. Este incidente, o segundo, não só abalou o grupo como nos consciencializou que o perigo vivia connosco 24 horas por dia, pelo que qualquer passo ou atitude devia ser sempre muito bem escrutinado.

(Continua)

___________

Notad do autor:

(#) Ao chegarmos a Aldeia Formosa por todo o lado se ouvia: "Piriquito vai no mato, olélélé velhice vai no Bissau olélélélé".

Fomos recebidos, calorosamente, com direito a banho e rancho melhorado. Depois do banho fomos conduzidos ao bar para limpar as goelas do pó da viagem.

Alguns colegas “velhinhos” pediam ao soldado que servia no bar cervejas para eles e para os novos companheiros: para eles o soldado servia uma cerveja fresca para o periquito uma quente. Reclamamos, ao que o soldado nos diz: fresca só para os “velhinhos”, com o encolher de ombros do dito “velho”. Como estávamos intimidados e assustados com todo aquele ambiente ninguém mais reclamou.

Convidados para o jantar, aos “velhinhos” era servido, com deferência pelos soldados, uma sopa com aspeto agradável, aos periquitos era servida uma água turva, com grandes pedaços de capim e com gestos bruscos do soldado entornando a mesma nas nossas calças. Aqui a coisa “piou mais fino” e alguns de nós reagiu com alguma violência. Antes que a coisa descambasse, os soldados que serviam no bar identificaram-se como colegas furriéis, e que tal não passava de uma praxe habitual aplicada aos periquitos. Com tudo esclarecido ... a farra foi até às tantas com direito a cerveja fresca.

Dormimos como justos no chão em colchões insuláveis... ainda vazios…

(##) Entretanto, acontece o impensável, Guileje, o aquartelamento mais bem fortificado da Guiné, e muito próximo de nós, foi abandonado pelas nossas tropas (uma companhia que se formou ao mesmo tempo que nós em Estremoz, todos nossos amigos, a CCAV 8350), em consequência do ataque em massa, com armas pesadas e durante vários dias consecutivos, causando várias vítimas entre militares e população…

O PAIGC ocupando Guileje (só 3 dias depois deste ser abandonado!!!), deslocou todo o poder de fogo aí utilizado para Gadamael, completamente sobrelotado com a chegada dos militares e população de Guiléje...


Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Guileje > Mapa de Guileje (1956) > Escala 1/50 mil > Alguns dos topónimos míticos por onde passava o "corredor de Guileje" ou o "corredor da morte", triangulando entre Guileje, Gandembel / Balana e Nhacobá. Ver também posição relativa de Cumbijã e Colibuía, a sudoeste de Aldeia Formosa.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)


Comentário de LG: 

Recorde-se aqui a história sumária da Companhia de Cavalaria nº 8351/72:

Identificação CCav 8351/72
Unidade Mob: RC 3 - Estremoz
Cmdt: Cap Mil Cav Vasco Augusto Rodrigues da Gama
Partida: Embarque em 270ut72; desembarque em 270ut72 | Regresso: Embarque em 27Ag074



Síntese da Actividade Operacional

Após realização da IAO, de 280ut72 a 17Nov72, no CMI, em Cumeré, seguiu, em 19Nov72, para Aldeia Formosa, a fim de efectuar o treino operacional sob orientação do BCaç 3852 e, a partir de 4Dez72, reforçar aquele batalhão e depois o BCaç 4513/72, com a missão prioritária de segurança e protecção dos trabalhos da estrada Mampatá-Cumbijã-Mejo, em cooperação com outras subunidades.

Em 3Abr73, quando os trabalhos da estrada atingiram Cumbijã, deslocou parte dos efectivos para esta povoação, a fim de garantir a segurança e protecção do parque de máquinas de engenharia e a continuação dos trabalhos.

Em 17Mai73, com a realização da operação "Balanço Final", instalou-se temporariamente em Nhacobá, até 26Mai73, após o que ficou em Cumbijã, com a mesma missão anterior.

Em 26Ju174, após substituição em Cumbijã por dois pelotões da CCav 8350/72, recolheu a Buba e depois a Cumeré

Em 30Jun74, foi colocada em Bissau, onde passou a colaborar na segurança e vigilância periférica da cidade até ao seu embarque de regresso.

Observações - Não tem História da Unidade.Tem Resumo de Factos e Feitos (Caixa n.º 128 - 2.º Div/4.º Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) :   7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pág. 520.

____________

(**) Vd. também poste de 28 de dezembro de  2008 > Guiné 63/74 - P3675: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (5): Ocupação do Cumbijã e construção das instalações

quinta-feira, 25 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22037: Fotos à procura de... uma legenda (146): as antiaéreas de Aldeia Formosa... Também faziam fogo terra-terra... (Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 8351, Cumbijã, 1971/73)

 

Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > BCAÇ 3852 (1971/73,] > Antiaérea do tempo da  II Guerra Mundial... "Smulando o ataque a um avião inimigo. Cada tiro,  cada melro... pois aviões ca tem... A tropa não deixa de me surpreender: antiaéreas em Aldeia Formosa? Os "nossos amigos", ou IN, tinham mísseis terra-ar Strela (em março de 1973)", diz o Joaquim Costa... 

Que arma seria esta ? E de que calibre?  Parece ser uma peça AA 4 cm  ou 40 mm, tipo Bofors... A CCAV 8351 esteve em Aldeia Formosa entre meados de novembro de 1972 e princípios de abril de 1973... Nesta altura o pelotão AA que aqui estava,  devia pertencer à Btr AAA 7040/72 (Out 72 / ago 74).

Foto (e legenda): © Jaoquim Costa (2021). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem com data de hoje, 12h45, de Joaquim Costa (ex-fur mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)



Bom dia, Luís

Dado o desafio que lançaste sobre as antiaéreas de Aldeia Formosa (de caça aos melros) (*),  reenvio a foto da mesmo uma ves que a que publicaste está com má qualidade.

Um grande abraço de muita amizade,
Joaquim Costa

2. Comentário do editor LG:

Obrigado, Joaquim. Confesso que não vi (nem me lembro de ouvir falar de) antiaéreas no meu tempo. Se calhar já as havia, no aeroporto de Bissalanca e junto à fronteira  (com o Senegal e com a Guiné-Canacri)... 


Sabemos pouco destas nossas subunidades e dos seus homens. Precisamos de testemunhos, fotos, histórias... (**)

Depois da perceção da "ameaça aérea" (om voos não identificados nos céus da Guiné, e do receio dos MiG da Guiné-Concri, ainda antes da Op Mar Verde, em 22 de novembrode 1970), sabemos pelos travalho de investigação do José Matos, que foi econsiderada a necessidade e a importância da defesa antiaérea da Guiné... E daí a chegada das baterias de artilharia antiaérea de que aqui ficam as respetivas  fichas de unidade... Oxalá apareça alguém destas subunidades. Penso que só temos aqui um camarada das AAA, o ex.cap art António J. Pererira da Costa, o primeiro comandante da Bateria de Artilharia Antiaérea n.º 3434.


Bateria de Artilharia Antiaérea n.º 3381

Identificação Btr AAA 3381
Unidade Mob: RAAF - Queluz
Crndt: Cap Art Vítor Marçal Lourenço
Partida: Embarque em 13Fev71 (l ." fase) e 26Mai71 (2." fase) | desembarque em 19Fev71 (1ª fase) e 31Mai71 (2." fase) | Regresso: Embarque em 24Fev73 (L" fase) e 23Mar73 (2ª fase)

Síntese da Actividade Operacional

Foi constituída e organizada para cumprimento de despacho ministerial de 18Set70, vindo a integrar dois pelotões independentes do antecedente colocados na Guiné e um outro pelotão que chegou em 2." fase. 

Foi dotada com peças AA 4cm e metralhadoras AA 12,7mm, com guarnições compostas por pessoal
de recrutamento local.

Após a realização da IAO, de 19Fev71 a 12Mar71, no CMl, em Cumeré, foi colocada em Bissau, no aquartelamento do GA 7, exercendo o comando e controlo dos pelotões de AA destacados em Bissalanca (Bissau), Nova Lamego, Aldeia Formosa, a partir de 25Ju171, e Nhacra, a partir de 1Nov71.

Os pelotões, particularmente os de Bissalanca e Nova Lamego, colaboraram na defesa próxima das respectivas pistas de aviação. 

Em 250ut71, o pelotão destacado em Bissalanca passou a integrar a BtrAAA 3434, que então assumiu
a responsabilidade da defesa AA da BA12 a baixas altitudes.

Após recolha do pelotão destacado em Nova Lamego em 18Dez72, foi substituída, em 1Jan73 , no comando e controlo dos pelotões AA pela Btr AAA 7040/72, mantendo-se, no entanto, em colaboração com esta, até ao seu embarque de regresso.

Observações: Tem História da Unidade (Caixa n." 104 - 2.ªDiv/4ª Sec, do AHM).

Bateria de Artilharia Antiaérea n.º 3382
Identificação Btr AAA 3382
Unidade Mob: RAAF - Queluz
Cmdt: Cap Art Joaquim Branco Evaristo
 Partida: Embarque em 13Fev71; desembarque em 19Fev71 | Regresso: Embarque em 13Jan73

Síntese da Actividade Operacional

Esta subunidade foi a primeira bateria AA de peças de 9,4 cm, para defesaa média altitude, instalada na Guiné.

Após a realização da lAO, de 21Fev71 a 12Mar71, no CMl, em Cumeré, foi colocada em 13Mar71 em Bissau, no aquartelamento do GA 7, onde continuou em instrução de aperfeiçoamento da especialidade e simultaneamente iniciou o estudo das posições das peças, radares e preditores de AA.

Em Jun71 iniciou a construção das posições e do aquartelamento na região de Bor (Bissau), com vista ao cumprimento da missão de defesa AA a médias altitudes da BA 12 e aeroporto de Bissalanca e de parte da cidade de Bissau, tendo ainda instalado uma posição junto aos paióis do CTIG e outra em Cumeré, tendo a sua organização operacional ficado completa em Set72. 

Colaborou ainda em escoltas, patrulhamentos e segurança das instalações e das populações da
área de Bissau, de acordo com as necessidades do COMBlS.

Em meados de Mai72, passou a ocupar as instalações de Bor, tendo assumido cumulativamente a responsabilidade daquela região, na dependência do COMBlS, com vista a garantir a segurança e protecção das instalações e das opulações da área.

Em 1Dez72, foi substituída pela BtrAAA 7041/72, mantendo, no entanto, a sua actividade em proveito do COMBIS até 8Jan73, após o que ficou anaguardar o embarque de regresso.

Observações: Tem História da Unidade (Caixa n." 99 - 2.a Div/d." Sec, do AHM).

Bateria de Artilharia Antiaérea n.º 3434

Identificação Btr AAA 3434
Unidade Mob: RAAF - Queluz
Crndt: Cap Art António José Pereira da Costa
Cap Art Vítor Manuel da Ponte Silva Marques
Divisa: "As Avezinhas"
Partida: Embarque em 26Mai71; desembarque em 31Mai71 | Regresso: Embarque em 25Mar73

Síntese da Actividade Operacional

Após efectuar a lAO, de OlJun71 a 03Ju171, no CMl, em Cumeré, ficou instalada em Bissau, no aquartelamento do GA 7, onde efectuou a instrução de adaptação da especialidade de 3 a 19Ju171. Em seguida passou a efectuar os trabalhos de construção de espaldões para as peças e radares da área do
aeroporto de Bissalanca. 

Foi dotada com peças AA 4 cm e metralhadoras AA 12,7 mm.

A partir de 250ut71, integrou o pelotão AA, do antecedente instalado em  Bissalanca e transferido da Btr AAA 3381, tendo assumido a responsabilidade da defesa AA a baixas altitudes do referido aeroporto, instalando-se em Bissalanca.

Colaborou ainda, em coordenação com a BA 12, na defesa terrestre das instalações daquela área.

Em 26Fev73, foi rendida pela BtrAAA 7042/72, colaborando, entretanto, com esta na sua missão de defesa AA e terrestre até ao seu embarque de regresso.

Observações: Tem História da Unidade (Caixa n." 99 - 2.ª Div/4.ª Sec, do AHM).

Bateria de Artilharia Antiaérea n.º 7040/72

Identificação Btr AAA 7040/72
Unidade Mob: RAAF - Queluz
Crndt: Cap Art João Batista Rodrigues Videira
 Partida: Embarque em 200ut72 (I." fase) e 27Dez72 (2." fase); esembarque em 200ut72 (I." fase) e 02Jan73 (2." fase) | Regresso: Embarque em 23, 25 e 27Ago74

Síntese da Actividade Operacional

Após ter efectuado a instrução de aperfeiçoamento e adaptação ao material do pessoal da l."fase, no GA 7, deslocou em 23Nov72 um pelotão para Nova Lamego a fim de efectuar a sobreposição com idêntico efectivo da Btr AAA 3381 até 18Dez72. 

Em seguida, assumiu a responsabilidade da defesa AA a baixas altitudes da referida pista de aviação e destacamento aéreo.

Em  1Jan73 , substituíu a Btr AAA 3381 no comando e controlo dos pelotões dispersos por Nova Lamego, Aldeia Formosa e Nhacra. Após instrução e adaptação do pessoal da 2.3 fase, destacou, em 04Fev73, dois pelotões para estas duas últimas localidades, a fim de substituirem idênticos efectivos da
Btr AAA 3381. 

Os pelotões colaboraram ainda na defesa terrestre das referidas localidades e a subunidade formou novos especialistas de 4 cm e 12,7 mm, de 2Set73 a 200ut73, para integrarem as guarnições dos materiais.

Em 1Mai74, a subunidade deveria integrar o GAAA, mas este não chegou a ser efectivamente constituído.

Após recolha dos pelotões de Nova Lamego, em 15Ago74, de Aldeia Formosa, em 18Ago74 e de Nhacra, a subunidade manteve-se em Bissau até ao desembarque de regresso.

Observações: Tem História da Unidade (Caixa n." 121 - 2." Div / 4.ª   Sec, do AHM).
 
Bateria de Artilharia Antiaérea n.º  7041/72

Identificação Btr AAA 7041/72
Unidade Mob: RAAF - Queluz
Crndt: Cap Art José Henriques Rola Pata
Cap Mil Art Luciano Avelãs Nunes
 Partida: Embarque em 160ut72; desembarque em 160ut72 | Regresso: Embarque em 30Ag074

Síntese da Actividade Operacional

Após efectuar o treino operacional, de 170ut72 a 28Nov72, em Bor (Bissau), assumiu em lDez72, substituindo a BtrAAA 3382, a responsabilidade da defesa AA a médias altitudes da BA 12 e aeroporto de Bissalanca e de parte da cidade de Bissau.

Foi dotada com peças AA 9,4 cm.

Destacou uma secção para guarnecer uma posição instalada em Cumeré. Colaborou ainda em escoltas, patrulhamentos e segurança das instalações e das populações da área de Bissau, de acordo com as necessidades do COMBIS, tendo assumido a responsabilidade do subsector de Bor.

Em 23Fev74, em virtude da inoperacionalidade do material de detecção de alvos e de tiro, a subunidade foi desactivada e, após os estudos para criação do GAAA da Guiné, o seu pessoal deveria passar a constituir, a partir de 1Mai74, a BCS do referido grupo. Não tendo este sido constituído, o pessoal mantevese na dependência do COMBIS, com vista à realização de missões de segurança e protecção das instalações e das populações da área, até ao seu embarque de regresso.

Observações: Tem História da Unidade (Caixa n." 128 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM.
 

Bateria de Artilharia Antiaérea n.º 7042/72

Identificação BtrAAA 7042/72
Unidade Mob: RAAF - Queluz
Crndt: Cap Art Fernando de Matos Alves
 
Partida: Embarque em 27Dez72; desembarque em 2Jan73 | Regresso: Embarque em 28Ago74

Síntese da Actividade Operacional

Após efectuar a instrução de adaptação operacional, de 5Jan73 a 2Fev73, em Bissau, no aquartelamento do GA 7, assumiu em 26Fev73, substituindo a BtrAAA 3434, a responsabilidade da defesa AA a baixas altitudes da BA 12 e aeroporto de Bissau, tendo-se instalado em Bissalanca. 

Colaborou ainda, em coordenação com a BA 12, na defesa terrestre das instalações daquela área.

Em 1Mai74, a subunidade deveria integrar o GAAA, mas este não chegou a ser constituído efectivamente.

Em 27Ago74, na sequência do processo de retracção e desactivamento do dispositivo, efectuou o seu embarque de regresso.

Observações: Tem História da Unidade (Caixa n." 129 - 2ª Div/4ª  Sec, do AHM).


Bateria de Artilharia Antiaérea n.º 7043/73

Identificação BtrAAA 7043/73
Unidade Mob: RAAF - Queluz
Crndt: Cap Art Joaquim Luís Dias Antunes Ferreira
 Partida: Embarque em 17Nov73; desembarque em 17Nov73 | Regresso: Embarque em 08Set74

Síntese da Actividade Operacional


Após o desembarque, foi colocada em Bor (Bissau), a fim de efectuar a instrução de adaptação operacional e seguidamente reforçar a BtrAAA 7041/72 com vista à implementação do sistema integrado de defesa AA a médias altitudes da cidade de Bissau e aeroporto de Bissalanca, cujo estudo estava sendo efectuado. 

Foi dotada com peças AA 9,4cm.

Colaborou na segurança e protecção das instalações e das populações do subsector de Bor, sob controlo operacional do COMBIS.

Em 23Fev74, em virtude da inoperacionalidade do material de detecção de alvos e de tiro, a subunidade passou a efectuar a sua adaptação ao material AA 4cm, devendo em 1Mai74, a subunidade integrar o GAAA; não sendo este constituído efectivamente, manteve-se o seu pessoal na dependência do COMBIS até ao seu embarque de regresso.

Observações: Não tem História da Unidade.

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas de unidade: Tomo II - Guiné - (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002), pp. 541/547.

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Notas do editor:

(*) Vd. psote de 24 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22032: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte Vi: (i) batismo de fogo... com a reza do terço; e (ii) uma patuscada... de gato por lebre!

terça-feira, 23 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22028: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte V: As nossas lavadeiras... e o furriel 'Pequenina'


 Guiné > Região de Quínara >Fulacunda 1972/74 >  Fonte velha

Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné], com a devida vénia



Guiné > Região de Cacheu > Teixeira Pinto > Março de 1973 > As lavadeiras no lavadouro público

Foto (e legenda): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte V (*)


Joaquim Costa, hoje e ontem. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros. 
É engenheiro técnico reformado.


As nossas lavadeiras… e o Furriel 'Pequenina'

 Com a nossa chegada a Aldeia Formosa as mulheres locais acorreram em grupos à procura dos “periquitos” oferecendo os seus préstimos para a lavagem da roupa.

O dia da lavadeira era o mais esperado da semana no quartel. Vinham em rancho com os seus trajes coloridos, com a trouxa de roupa à cabeça e uma alegria contagiante nos rostos. Aguardavam impacientes junto ao sentinela a autorização para entrarem no quartel, o que geralmente acontecia ao meio da tarde, e era vê-las entrar em grande algazarra, de sorrisos rasgados, dispersando-se pelo quartel como rebanho comunitário acabado de chegar, do monte, ao povoado.

Quem não viveu e/ou participou na guerra colonial, ouvindo falar das lavadeiras dos militares logo associa a alguém que lavava a roupa e não só. Nada de mais errado e injusto para a maioria destas mulheres: dignas, afáveis, competentes e que compreendiam melhor do que ninguém o sofrimento e angústias destes jovens, ansiosos por regressarem à terra e ao seio da família, desculpando-os de um ou outro pequeno devaneio, sabendo que nelas projetavam alguém bem longe para além do oceano. 

Não sou ingénuo ao ponto de não admitir situações em que, para além da roupa algo mais acontecia (mas sempre, voluntário e consentido), como aconteceria em qualquer outro ponto do mundo, mas que, seguramente na Guiné, eram a exceção que confirmava a regra.

Nada de muito diferente, salvaguardadas as devidas diferenças e contextos, dos supostos casamentos na parada em Tavira, das noites “quentes” no Forte de S. Francisco em Chaves bem como as juras de amor para sempre... até que o fim da instrução nos separe... em todos os quartéis de mobilização.

Não deixava de ser comovente ver camaradas que, numa ida a Bissau ou de férias a Portugal, faziam questão de levar uma lembrança para os amigos mais chegados e para a sua lavadeira. Arrisco a dizer que o faziam sempre de uma forma despretensiosa.

Do General ao soldado todos vibravam com o momento, quebrando a pasmaceira dos dias enfadonhos, rodeando a sua lavadeira, que a todos dava “troco” com os seus gestos e olhares, brincando e rindo com as tiradas brejeiras dos mais atrevidos mas nunca permitindo aproximações mais ousadas.

Era visível que estas simpáticas lavadeiras também vibravam com estes momentos, sendo estes, por ventura, dos poucos da sua vida em que se sentiam o centro das atenções e não apenas uma “mercadoria”, que a força das ancestrais tradições lhes impunham (análise demasiado simplista mas que não cabe aqui aprofundar).

Este serviço da lavagem da roupa era uma importante fonte de rendimento dando alguma qualidade de vida e dignidade a estas mulheres e à sua família. Contudo, as lavadeiras eram muito mais do que alguém que lavava as nossas roupas, eram uma autentica instituição, inorgânica, fazendo visitas semanais, quase de “terapia de grupo”, restaurando as nossas defesas ao proporcionar-nos alguns minutos de vida em sociedade, quase de normalidade, em contraponto à vida de “embrutecimento” da caserna e da guerra.

Algumas destas lavadeiras eram mulheres e familiares de muitos dos militares, milícias e guias africanos que trabalhavam connosco.

Infelizmente, a maior parte da nossa comissão como companhia de intervenção (sempre de casa às costas), privou-nos não só destes momentos de descompressão como do contacto com as populações, fundamentais para a nossa saúde mental.

Cada lavadeira lavava a roupa de vários militares mas nunca trocava uma única peça que fosse. Achava extraordinário como fixavam o nome de todos os militares e suas patentes. Mais extraordinário porque de 2 em 2 anos estes eram substituídos por outros, e assim sucessivamente ao longo dos anos.

A roupa do Furriel pequenina

Certo dia, a minha lavadeira chegou com uma grande trouxa de roupa à cabeça lavada e já separada pelos diferentes donos. Colocou-a junta à porta da caserna dos furriéis e ficou à espera que aparecesse alguém para a entregar. Como não apareceu ninguém foi à procura. Entretanto, chega um colega que pega na trouxe e começa à procura, na tentativa de encontra as suas peças. Deixou tudo numa grande desordem e não encontrou nada seu, nem podia já que esta não era a sua lavadeira.

Quando esta chega, quase ao mesmo tempo que nós (eu e mais dois camaradas - sem certezas julgo que o Carlos Machado e o António Gouveia) a rapariga fica muito preocupada e, ao mesmo tempo, indignada com o que fizeram à sua trouxa de roupa, desfazendo-se em desculpas com receio de ser despedida por desleixo. Começamos a separar as nossas peças tentando acalmar a simpática e eficiente lavadeira. Ela, um pouco mais calma e já com um sorriso nos olhos, tira as nossas mãos de cima da roupa e começa ela a distribuir: esta é do Carlos, esta é do António, esta é do furriel 'Pequenina'... esta é do Carlos, esta é do António, esta é do furriel 'Pequenina'….

Nem de propósito, este foi o dia em recebemos, pela primeira vez, a visita do “grande chefe” (General Spínola) a quem prestei honras militares com o meu pelotão com a farda bem lavada e engomada e o que fez Spínola retardar o gesto da continência dado o cheiro agradável a roupa lavada!..

Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Visita do General Spínola – Eu (o primeiro do grupo à esquerda a seguir ao sentinela) e o meu pelotão prestando honras militares ao General (ao centro) com o seu bengalim e à direita o comandante do quartel, na altura, mais conhecido pelo “Baga Baga”  [, seria o ten cor Barata ou o seu sucessor,  Barros Basto, ten cor, cmdt do BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73,]... percebe-se porquê! 

(...) Por estranho que pareça tenho muita pouca memória do dia do embarque (como eu compreendo o Zeinal Baba !).

Lembro-me de alguns familiares a despedirem-se dos filhos, maridos e namorados, todos chorosos e tristes, mas longe das cenas que conhecia pela televisão, do cais de Lisboa (Gare Marítima da Rocha Conde de Óbidos), com desmaios, gritos, muito “ranho” no nariz e muitos lenços acenar.

Nunca tinha andado de avião pelo que a expectativa era grande. Ouvia falar das hospedeiras... e do tratamento VIP que todos recebiam nas viagens de avião...(...)

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18891: Tabanca Grande (466): Manuel Gonçalves, ex-alf mil manutenção, CCS / BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73; ex-aluno dos Pupilos do Exército, transmontano, vive em Carcavelos, Cascais. Senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 776.



Manuel Gonçalves, novo membro da nossa Tabanca Grande, nº 776


1. Mensagem de Manuel Gonçalves, ex-alf mil Manutençaõ,  CC S/BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73),

Data - 1 de agosto de 2018. 11:23
Assunto -  Inscrição no blogue

 Luís Graça:

Em primeiro lugar,  tenho a dizer que gostei muito de te ter revisto a ti e à Alice. Foi um bocadinho de fim de semana muito agradável. Depois dou finalmente cumprimento a uma decisão tão simples e que peca por tardia. Segue em anexo uma pequena história e as respetivas fotos.

Um grande abraço e um beijinho à Alice.
Manuel Gonçalves


2. Resposta do editor LG:

Manel: Obrigado, em nome de toda a Tabanca Grande... Serás o grã-tabnqueiro nº 776 (*) a sentar-se à sombra do nosso mágico e fraterno poilão... Como sabes, não há tabanca sem poilão... Fico muito feliz por te ter aqui ao nosso lado; para além de um bom camarada, és já um grande amigo, e o companheiro de uma grande amiga nossa,a Tucha, que eu e a Alice conhecemos muito primeiro do que tu...  Mesmo em férias, vou caprichar na tua apresentação...

Finalmente, desde o passo  desejado e prometido desde pelo menos o nosso primeiro encontro em Monte Real, por ocasião do VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (2008) (**). Com, pelo menos, já 3 encontros, em que estivemos juntos, em Monte Real.

Estás, portanto, em casa... Além disso, não estás só: da tua companhia, há pelo menos o Manuel Carmelita que nos honra, de há muito, com a sua presença... (Foi fur mil radiomontador e vive em Vila do Conde.)... E estamos à espera que o João Marcelino também se junte a nós... (Esteve connosco em 2013, em Monte Real; não tenho sabido notícias dele;  ele mora ou morava no concelho da Lourinhã.)

Manel, tivemos, no fim de semana, uma conversa cheia de cumplicidades e confidências, como se fôssemos já velhos  amigos de uma vida... Esse, é resto, o nosso timbre, o do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Gostei muito da  história que nos contas, da tua despedida de Lisboa antes da hora do embarque... Em próximo acrescentarei mais algo sobre ti e a tua passagem por Aldeia Formosa.

Um xicoração fraterno para ti e para a Tucha.
Luís


3. Pedido de inscrição na Tabanca Grande:

Finalmente decidi-me a proceder a um gesto bem simples, o de enviar duas fotografias e contar uma pequena história. A isto não é estranho o facto de nos termos encontrado na Lourinhã, no domingo passado e termos falado no assunto. Nesse mesmo instante, decidi que, estando em dívida para com o Blogue, deveria dar um passo em frente e aqui estou eu a fazê-lo.

Frequentei o Instituto dos Pupilos do Exército, de 1960 a 1970. Concluído o Curso de Electrotecnia e Máquinas, entrei na EPSM (Escola Prática do Serviço de Material), em Sacavém, onde estive de Junho de 1970 a Junho de 1971. Durante esse tempo ministrei aos soldados, duas especialidades de Mecânica Auto, uma de Carpintaria e outra de Pintura de Automóveis.

Depois rumei a Chaves, para me integrar no BCAÇ 3852, fazendo parte da sua CCS. Na tarde noite de 25 de Junho de 1971, partíamos de comboio rumo ao cais de Alcântara, para embarcarmos para a Guiné a bordo do Niassa. A largada do Cais, deu-se no dia 26 de Junho às 12h00. Aqui é que entra outra pequena história dentro da grande história que é a nossa ida para a guerra, sem sabermos se a viagem seria de ida e volta.

Estavam as tropas em pleno cais de Alcântara fazendo os últimos preparativos para ordeiramente embarcarem, quando me ocorreu a ideia de me despedir da cidade, onde tinha vivido os últimos e mais importantes anos da minha vida. Acto contínuo, chamei um táxi. À pergunta do taxista, ainda mal refeito da surpresa, pensando talvez estar a transportar um desertor, perguntou-me para onde queria ir. Eu, mal ouvindo a pergunta, pois os meus pensamentos estavam noutros mundos, respondi-lhe que desse a volta a Lisboa e me viesse deixar no mesmo sítio.

Assim aconteceu, percorri quase toda a Lisboa e quando cheguei, já a maior parte das tropas tinham embarcado. Eu cheguei, indiferente ao mundo que me rodeava e embarquei também, não sem ter dado satisfação à raiva que me ia na Alma. Claro que um acto destes deve-me ter marcado, porque durante a comissão tive alguns vislumbres disso mesmo. Aliás no momento em que apanhei o Táxi, devo ter sido logo seguido por algum dos PIDES que ali estavam para vigiar as tropas.

Aqui fica esta pequena história para juntar a tantas outras, bem mais importantes, de camaradas meus.

Um abraço e até sempre

Carcavelos 30 de Julho de 2018
Manuel dos Santos Gonçalves   
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(*) Vd. postes de:


12 de julho de  2018 > Guiné 61/74 - P18839: In Memoriam (317): João [Alfredo Teixeira da] Rocha (Ilha de Moçambique, 1944 - Porto, 2018), nosso grã-tabanqueiro n.º 775, a titulo póstumo (Luís Graça / Jaime Machado / Carlos Silva / Tabanca de Matosinhos / António Pimentel)

(**) Vd. postes de:

1 de maio de  2017 > Guiné 61/74 - P17302: XII Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 29 de Abril de 2017 (11): novos e velhos amigos e camaradas (Fotos de Luís Graça)

19 de junho de 2014 Guiné 63/74 - P13305: IX Encontro Nacional da Tabanca Grande (38): "Caras novas" em Monte Real... E algumas de camaradas que ainda não se sentam à sombra do nosso poilão

14  de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13285: IX Encontro Nacional da Tabanca Grande (25): Reencontrando a nossa amiga Tucha... que se volta a inscrever este ano com o Manuel Santos Gonçalves... É caso para dizer que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande! (Luís Graça / Alice Carneiro)

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15116: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (20): De 5 a 21 de Agosto de 1973

1. Em mensagem do dia 12 de Setembro de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a 20.ª página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74 

20 - De 5 a 21 de Agosto de 1973


Da História da Unidade do BCAÇ 4513:

AGO73/05 – Durante a Op. “OUSADIA SATÂNICA”, na região (GUILEGE 3 E 8-93) foi detectado GR IN NEST (grupo inimigo não estimado) progredindo no sentido S/N que ao aperceber-se da presença das NT, após breves disparos, se pôs em fuga, não tendo resultado a perseguição que lhe foi movida. Dada a ausência absoluta de guias para a região do UNAL era fundamental conseguir-se capturar algum elemento IN que pudesse servir de guia. Chuvas intensas e constantes prejudicaram toda esta acção.

AGO73/06 – No prosseguimento da Op. “OUSADIA SATÂNICA”, surgiram alguns casos de doença entre as NT (paludismo, esgotamento, etc.) que obrigaram a fazer regressar uma das CCAÇ até BOLOLA para promover as evacuações. Três horas depois novos casos de doença surgiram e dada a impossibilidade de prosseguir a operação, por o objectivo ainda estar muito distante, não haver guias, se ter perdido o trilho e as NT se encontrarem esgotadas pelo esforço e pelas chuvas que continuam a cair insistentemente, foi determinado o regresso das forças a BUBA. [Sublinhados meus].

AGO73/07 – As forças empenhadas na Op. “OUSADIA SATÂNICA” foram autotransportadas para os respectivos aquartelamentos.


Do Resumo dos Factos e Feitos do BCAÇ 4513: [Tudo em maiúsculas no original]

D – Por determinação do CCFA o BCAÇ 3852 que já havia terminado a comissão, desloca-se para BISSAU a fim de embarcar para a Metrópole. O BCAÇ 4513/72 assume a responsabilidade do Sector S-2, com as suas companhias sediadas em A. FORMOSA, BUBA e NHALA, além de duas companhias de reforço sediadas respectivamente em MAMPATÁ e CUMBIJÃ. É durante este período que chega ao sector o BCAÇ 4516, que substitui na missão de intervenção na área de CUMBIJÃ-NHACOBÁ o BCAÇ 4513/72. A missão do Batalhão agora de quadrícula, abrange todo o Sector S-2, com excepção da subsector de CUMBIJÃ atribuída ao BCAÇ 4516.


Das minhas memórias:

7 de Agosto de 1973 – (terça-feira) – O regresso a “casa”. 

Era o tão aguardado regresso a casa: Nhala, finalmente. Ainda que quase todos combalidos, ainda que com um futuro de muito esforço pela frente, ainda que sujeitos a actividades de risco, nada importava, se pudéssemos sempre regressar a casa. Por poucos dias ainda estaríamos em sobreposição com a CCAÇ 3400 do BCAÇ 3852 que viemos render, mas depois tudo ficaria por nossa conta. Era uma sensação indescritível, que nos incutia confiança e optimismo. Quando cheguei a Nhala vi que a cobertura da minha palhota-estúdio/fotográfico tinha sido arrancada em parte, por maldade de um macaquinho domesticado pela população (segundo me disseram). Em plena época das chuvas o efeito no material e nos equipamentos foi devastador e definitivo. O que numa situação normal me causaria profunda tristeza, naquelas circunstâncias somente me deu pena. Às urtigas o “estúdio”! O importante era que tinha regressado a casa.

Às 00h01 do dia 10, (preciosismo da tropa), o Sector S-2 passou para a responsabilidade do BCAÇ 4513. Era como se nos houvessem devolvido os territórios que tinham sido sempre nossos. Para os protegermos, protegendo-nos a nós, ainda teríamos muitas canseiras mas, no final regressaríamos a casa. Já não era sem tempo: tínhamos chegado ali em Abril e só então, já entrados em Agosto, parecia termos destino definitivo. Havia que limpar os lustres e os espelhos, mudar os cantos à casa, arejar e sermos felizes. Patacoadas... No resto dos dias nem sempre foi assim.

Carta para a Metrópole:

Com data de 10 de Agosto, em carta para a namorada, depois de pedir desculpa pela longa ausência de correspondência e como que a justificar essa ausência, dou nota de detalhes das operações atrás referidas a caminho do Unal, que se me haviam apagado completamente da memória, mas também do meu optimismo em relação ao regresso a Nhala. (...).

”Estou há três dias em Nhala e, desta vez, creio que será definitiva a minha estadia aqui, a menos que, novamente surjam alterações imprevistas. Estou a recompor-me lindamente dos efeitos causados por estes últimos tempos. [Sobre a ida ao Unal]: Houve uma altura em que se supôs que já lá não iríamos, até que o Comandante do Batalhão foi a Bissau falar com o Spínola para que ele autorizasse o nosso regresso aos locais que nos tinham distribuído ao princípio, ou seja, a minha Companhia vinha para Nhala, e as outras iriam para os respectivos sítios, enquanto Cumbijã e Nhacobá seriam ocupados pelo Batalhão novo que está a chegar. O General autorizou os nossos regressos, mas pouco depois impôs como condição a nossa ida ao Unal. [Não tenho a menor ideia desta informação].
(...) Todas as companhias estão desfalcadas de pessoal por doença e, o meu grupo, por exemplo, tinha passado de 21 para 7 homens apenas.
(...) [Sobre a primeira operação, “Ousadia”]. Saída no dia 1 do destacamento de Cumbijã para o mato. Algumas horas a andar à chuva e dormida no mato. Noite perturbada pelo ruído de barcos a motor no estreitíssimo rio que teríamos que atravessar, mas não podemos denunciar a nossa presença. Partida de manhã (cerca de 250 homens). Depois de algum tempo a andar, caímos numa emboscada junto ao tal rio.
(...)  [Depois do regresso a Cumbijã], descansámos o resto do dia mas, no dia seguinte, fazem-nos sair em viaturas até Buba, onde também descansámos o resto do dia. Nessa altura eu já não aguentava mais e resolvi não alinhar no dia seguinte. [Inicia-se a operação “Ousadia Satânica”].
(...) Chegaram a pouco mais de meio caminho e houve novo contacto com os turras, quando os nossos surpreenderam uma enorme coluna apeada de carregadores, fortemente defendida por militares. Houve “festa rija” e o pessoal prosseguiu, chegando a andar cerca de 30 km. Como já tinham dormido no mato duas noites, e já se tinham acabado as rações de combate, além de andarem já com mais doentes nas macas, resolveram regressar. [A seguir faço comentários a uma reportagem passada aqui na televisão sobre a inauguração – não sei de quê -, feita pelo Ministro do Ultramar na Guiné. Ao cenário montado para a cerimónia, chamo-lhe uma fantochada que envolveu cerca de 3000 homens (não visíveis) na protecção e que, ainda assim, na véspera, entre eles houve um soldado pára-quedista morto e vários feridos].

[Acabo a carta dizendo que eram 24 horas e estava a escrever ao livre, de vez em quando sobressaltado por disparos na cercadura do aquartelamento].

“(...) É que os rapazes que estão de vigia nos postos são da Companhia “velhinha” que nós viemos render e, como daqui a 6 dias vão embora por terem terminado a comissão, estão excitadíssimos e não param de dar tiros”.


Da História da Unidade do BCAÇ 4513:

AGO73/08Regressou a CUFAR o Exmo. Coronel CURADO LEITÃO, Comandante do CAOP-1. que fizera PC (Posto de Comando) em A. FORMOSA durante a Op. “OUSADIA” e Op. “OUSADIA SATÂNICA”. [Sublinhados meus].

AGO73/09 – (...)

AGO73/10 – A partir das 00.01 o Sector S-2 passou à responsabilidade do BCAÇ 4513.

AGO73/12 – Em 121315AGO73, GR IN estimado em 40 elementos foi interceptado por forças da 1.ª CCAÇ na região (XITOLE 2 F 0-20). O IN reagiu com armas automáticas e RPG sem consequências para as NT. O IN sofreu 3 ou 4 feridos a avaliar pelos rastos de sangue. Foram capturados 3 elementos da população, um dos quais DEMBA DJASSI, de 17 anos, aluno da ESCOLA PREPARATÓRIA MARECHAL CARMONA DE BISSAU, confessou estar voluntariamente com o GR IN. Foram todos enviados à REPINFO/CCHEFE. Foram apreendidas 2 GR/RPG ao IN.

AGO73/14 – Deslocamento para Buba do Comando e CCS/BCAÇ 3852 e CCAÇ 3399.

AGO73/15Chegada ao Cumbijã do 1.º escalão do BCAÇ 4516, constituído pela sua 1.ª CCAÇ.


Das minhas memórias: 

15 de Agosto de 1973 – (quarta-feira) – Os que partem e os que chegam.

Começou o movimento extraordinário de colunas auto entre A. Formosa/Buba/A. Formosa. De saída, passou no dia anterior para Buba parte do BCAÇ 3852. Deviam ir felizes, imagino, mas exauridos por uma comissão muito prolongada para além do tempo normal. Nesta data (15), passaria no sentido Buba/A. Formosa a 1.ª CCAÇ do novo batalhão (BCAÇ 4516) com destino ao Cumbijã. Fui com o meu grupo fazer a protecção à coluna na picada Nhala/Mampatá. Saímos cedo e instalámo-nos perto de Samba-Sabali, creio, sob uma chuva gelada. Gelada, mas pior que todas as outras que antes nos flagelaram. (Seguem-se umas fotografias de um dia assim, mas no aquartelamento de Nhala, submetido a verdadeiro dilúvio).

Foto 1 - Aproximação do dilúvio. Cada um foge como pode.

Foto 2 - Começa o dilúvio. Seria assim também para quem estivesse no mato.

Foto 3 - Fotografia na direcção da luz, que era cada vez menos embora se estivesse a meio da tarde.

Foto 4 - Fotografia feita para o lado oposto, que era a saída para a fonte. Parecia noite.

Voltando à mata de Samba-Sabali. Foi uma espera longa e martirizante e, apesar de estarmos habituados à chuva, nunca antes tínhamos passado tanto frio. Recordo bem que tive de sair da mata para ficar na picada em pé, de braços e pernas abertos, por não suportar o contacto da roupa gelada com a pele. E foram horas assim. Num aerograma para a Metrópole refiro que estava um céu de chumbo, dia escuro, e de chuva tão prolongada e fria que, apesar de serem 15 horas, tinha as mãos azuis.

Só mais tarde e com menos chuva, passou então a coluna. Como era hábito, o meu pelotão estava invisível na mata e eu junto à picada a dar sinal da nossa presença e de que tudo estava bem.

Fiquei a ver passar aqueles rostos assustados, ainda sem saberem que iam para o inferno. Às tantas, entre todos aqueles soldados anónimos, reconheci um e tive um “baque”. Fitei-o sempre até perder de vista a sua viatura e, julgo, ele também me reconheceu. Era o Manel. O Manel era um rapazinho do interior, - Beiras ou Norte -, do nosso querido Portugal que, como tantos outros, era analfabeto. Isto nos anos 1972/73 do século XX e em plena Europa Ocidental, etc., etc. (Tinha acrescentado mais uma notas mas nem as transcrevo, porque se o tema já na época me era insuportável, ainda hoje me deixa furibundo. Podem-me vir falar do colégio de Bissau, de Luanda ou de Lourenço Marques, para as elites já se vê, mas neste rectângulo de 1 por 2 metros, fora das grandes cidades e do litoral, poucos completavam a instrução primária. Era o atraso, a miséria e o desamparo que imperavam. Sei do que falo, pois fiz a minha instrução primária por várias escolas do Norte e do Centro e fiquei marcado por tanta miséria que vi. Cheguei a ir descalço sobre a neve para a escola da Praia de Esmoriz, (1961-62), quase 2 km, em solidariedade com os desgraçados dos meus companheiros que era assim que andavam sempre. Fi-lo à revelia dos meus pais que achavam que eu não resolveria nada com a solidariedade. Mas fi-lo, e depois ainda tinha de dar parte do meu pão com marmelada quando na escola enxameavam a pedir uma “bucha”. Mais a Norte, do concelho de Paredes, nem quero falar).

Voltando ao Manel: era um analfabeto especial, não sendo único. Só sabia que era Manel, não sabia a data de nascimento, não sabia dizer de onde era, tão só o lugarejo onde nascera, não sabia para que lado era o Porto, Lisboa ou o mar. Não sendo doente mental, era tão primário e básico que o seu intelecto não devia ser superior ao de uma criança de menos de dez anos (dessa época). Para saber mais dele, pedi ajuda aos seus novos companheiros na tropa que me explicaram tudo, enquanto ele, com um sorriso de menino, se limitou a ouvir sem abrir a boca. Eram os seus amigos que o traziam no comboio para Tomar e, no sentido inverso, o deixavam na estação mais próxima do seu lugarejo, bem como lhe resolviam todos os pequenos problemas que se lhe deparavam na sua nova vida.

Quando formámos batalhão em Tomar e eu dei a formação de Especialidade ao que seria o meu pelotão, ele integrava-o como muitos outros analfabetos. (Em Nhala cheguei a ter uma classe de alunos que começaram pelo ABC e outros para fazerem a 4.ª classe). Salvo erro, dei como inaptos três soldados nessa Especialidade de Tomar, ele obviamente incluído, não sem alguma resistência dos superiores que viam escassear os homens que, para canhão, serviam perfeitamente. A minha ideia era safá-los da Guiné, nessa altura com a pior reputação em termos de guerra, e quando se dizia que os próximos batalhões iriam para Angola e Moçambique. Agora constato que, com as boas intenções, apenas prolonguei em muitos meses o seu tempo de tropa. Não recordo se tive oportunidade de o procurar após a instalação em Cumbijã.

O novo batalhão, agora a chegar, foi flagelado em Bolama com 8 foguetões. Houve 6 mortos e 15 feridos, quase todos da população. O meu batalhão escapou à regra, porque houve flagelações antes e depois de te termos lá estado.


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

AGO73/17 – Em 172230AGO73, GR IN NEST dinamitou a estrada MAMPATÁ-COLIBUIA, numa extensão de 40 metros na região (GUILEGE 4 G 6-21) local situado entre os dois pontões destruídos anteriormente. NT reagiram com fogo de artilharia e morteiro.

AGO73/18A CCAÇ 3400 foi deslocada para BUBA, para seguir para BISSAU. [De Buba partiu, juntamente com a CCAÇ 3398, em LDG para Bissau no dia 19 e, para a Metrópole, em 8 de Setembro. (Da H. da U. do BCAÇ 3852)].

[Finalmente iria abandonar a minha palhota e passar a dispor de instalações boas e quase novas. Passaria a dormir numa cama de madeira, ter casa-de-banho, tudo paredes meias com a messe e o bar. O que é que se poderia querer mais? Sorte...].

AGO73/19 – Apresentou-se em A. FORMOSA vindo de BISSAU no NORDATLAS o novo Comandante do Batalhão – TEN COR INF.ª C. A. S. R.
- Chegaram a A.FORMOSA, vindos de BUBA o Comando e CCS/BCAÇ 4516 e a sua 2.ª CCAÇ.
- Em 191500AGO73, forças da CART 6250, quando procediam ao levantamento de minas NT na região (XITOLE 4G 7-22) encontraram cerca de 30 cargas trotil em petardos de 200gr, abandonados pelo IN aquando da sabotagem da estrada em 172230AGO73.

AGO73/20 – (...)

AGO73/21 – Comandante do Batalhão deslocou-se a NHALA e BUBA.
- Chegou de BUBA a 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4516.
- Em 211815AGO73 GR IN NEST flagelou durante 25 minutos o destacamento de CUMBIJÃ da direcção de NHACOBÁ com cerca de 40 GR CAN S/R 82 da região (GUILEGE 6 A 2-34) e 30 GR MORT 82 da região (GUILEGE 6 A 7-54) causando 1 morto e 3 feridos ligeiros às NT. NT reagiram com fogo de Artª e Mort. [Sublinhei a negrito].


Das minhas memórias: 

21 de Agosto de 1973 – (terça-feira) – Grande flagelação a Cumbijã).

Apenas chegados há quatro meses ao Sector e parecia já ter decorrido uma vida, tal a intensidade com que se viveu esse curto período de tempo. Este dia não fugiu à regra. Em Nhala recebemos o novo Comandante do Batalhão, a quem foi apresentado o pessoal e mostradas as instalações. Pessoa simpática e acessível, no final deixou-se fotografar com alguns dos graduados presentes.

Foto 5 - O novo Comandante do Batalhão Ten Cor C. A. S. R. ao centro com o Comandante da Companhia Cap. B. C. e um grupo de alguns graduados. Eu sou o primeiro da direita à frente. (Fotografia adquirida em Nhala)

Não era sem tempo a sua vinda para o Batalhão, substituindo o Comandante Interino Major D. M. sobre quem, até à data, tinha pendido toda a responsabilidade dos atribulados meses antecedentes.

Chegou de Buba com destino ao inverosímil aquartelamento de Nhacobá a 3.ª CCAÇ do novo BCAÇ 4516. Nem quero pensar no choque que deve ter sido para estes “periquitos”.

Cumbijã foi mais uma vez flagelada mas, agora, com uma brutalidade inusitada, havendo um morto a registar e vários feridos. Mereciam melhor sorte, estes infaustos valentes. Em carta de 23-08-1973 para a Metrópole, dou conta de mais este duro golpe para a CCAV 8351 de Cumbijã, e refiro ter sofrido um morto a Companhia do Cap. Vasco da Gama que ainda devia estar na Metrópole de férias. Dos feridos, um em estado grave, digo que pertenciam à nova Companhia ali instalada há uns dias apenas, (1.ª CCAÇ do BCAÇ 4516). (...).

Este ataque certeiro a Cumbijã, sempre o supus, devia ter sido o resultado do aperfeiçoamento, ao longo das anteriores flagelações, dos militares de IOL (Informação, Observação e Ligação) do PAIGC formados na ex-URSS. Isto sabia-se mas faltavam elementos que o confirmassem. Dizia-se que conseguiam pôr uma granada de canhão dentro do espaldão dos nossos obuses. Só precisavam de um bom ponto de observação próximo do alvo. Certo dia, no regresso do mato com o meu grupo vi, acima das copas altas das árvores, uma palmeira que sobressaía em altura das demais e que tinha algo de diferente que, de longe, parecia um serrote vertical. Andámos às voltas até chegar junto dela e, nunca visto, tínhamos à nossa frente um tronco enorme com degraus desde o chão até ao topo. Eram travessas de madeira pregadas ao tronco pelo centro, fazendo um “degrau” para cada lado. Isto aconteceu nas imediações de Cumbijã. Era, de certeza, um posto IOL. Já não recordo mas, devo ter destruído o escadório ou registado a sua posição para a comunicar ao Comandante de Companhia.

Resumindo este 21 de Agosto, diria que foi muito marcante para todos: para nós do BCAÇ 4513 porque, várias vezes flagelados em Cumbijã sem consequências, pensámos então com alívio, mas sem gáudio, obviamente, que sorte tivemos de já não estarmos lá; para os “periquitos” do novo Batalhão porque, mal chegados, apanharam um susto que os deve ter deixado em pânico e a maldizer a sorte; e para a CCAV 8351 que, repito, tem sido martirizada no seu próprio aquartelamento, para não falar das acções espinhosas em que esteve envolvida. Aproveito para, a todos esses bravos Tigres do Cumbijã, render a minha sincera homenagem: aos seus mortos e aos que resistiram e ainda resistem.

(continua)
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Nota do editor

Poste anterior da série de 8 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15087: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (19): De 26 de Julho a 4 de Agosto de 1973

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10502: Convívios (477): 13.º Encontro do pessoal da CCS/BCAÇ 3852, dia 27 de Outubro de 2012 em Vila do Conde (Manuel Carmelita)

1. Em mensagem do dia 8 de Outubro de 2012, o nosso camarada Manuel Carmelita (ex-Fur Mil Mecânico Radiomontador da CCS/BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73), solicita a divulgação do:

13.º CONVÍVIO DA CCS/BCAÇ 3852 QUE COMEMORARÁ O 39.º ANIVERSÁRIO DO SEU REGRESSO À METRÓPOLE

VILA DO CONDE - DIA 27 DE OUTUBRO DE 2012

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10489: Convívios (476): 4.º Convívio anual dos ex-Combatentes do Ultramar do Concelho de Gondomar, ocorrido no passado dia 29 de Setembro de 2012 em Valbom (Jorge Teixeira - Portojo)

sábado, 20 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8689: Tabanca Grande (298): Manuel Carmelita, ex-Fur Mil Mec Radiomontador, CCS/BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73)

1. Dizia Luís Graça no Poste 6669 não saber nada sobre o passado militar do nosso camarada Manuel Carmelita, membro activo da Tabanca de Matosinhos, mas que também participou, em 2010, no nosso V Encontro de Monte Real.

Tentando colmatar esta falta, resolvi pedir ao Carmelita um resumo da sua passagem pela vida militar assim como pela Guiné.

Passo a apresentar formalmente este nosso camarada à tertúlia.


2. Mensagem de Manuel Carmelita, ex-Fur Mil Mecânico Radiomontador da CCS/BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73, com data de 20 de Agosto de 2011:

Olá, Amigo Vinhal
Aqui vai a resposta ao teu pedido:

- Assentei praça nas Caldas da Rainha no 4.º turno de 1969
- Em Janeiro de 1970 fui para Paço D’Arcos tirar o curso de Sargentos Milicianos Mecânico Radiomontador durante 12 meses
- Em Janeiro de 1971 vim para Arca D’Água no Porto
- Em Junho de 1971 fui para Chaves formar o Batalhão 3852
- No dia 26 de Junho de 1971 parti no Niassa com destino à Guiné, onde cheguei no dia 2 de Julho
- Fiz um mês de estágio em Bissau e em seguida parti para Aldeia Formosa.
- Logo a seguir voltei a Bissau para tirar um curso intensivo para poder dar aulas aos miúdos da 3.ª e 4.ª classe; ou seja:
- Quando voltei para Aldeia Formosa, de manhã orientava a oficina de rádio e de tarde dava aulas aos miúdos.
- No dia 6 de Setembro de 1973 voltei de avião para junto da minha família e amigos.

Um forte abraço do amigo
Manuel Carmelita

Aldeia Formosa > Manuel Carmelita entre os seus alunos

Tabanca de Matosinhos > Os vilacondenses Vasco Santos, Carlos Vinhal, Epifânio Gomes e Manuel Carmelita

Monte Real, 2010 > V Encontro da Tabanca Grande > Em primeiro plano Manuel Carmelita


2. Caro camarada e amigo Manuel Carmelita

Era imperdoável continuares quase um anónimo na Tabanca, quando já conheces pessoalmente muitos de nós.

A tua Especialidade e as funções de professor que acabaste por exercer durante a tua comissão de serviço na Guiné, proporcionaram-te com certeza uma visão diferente da guerra. O teu contacto com as crianças, muitas das vezes as mais sacrificadas em acções de guerra, deixaram-te recordações que poderias partilhar connosco, se quisesses. Terás outras fotos para publicarmos, que poderão acompanhar os relatos que nos quiseres proporcionar.

Como os enfermeiros militares, foste também útil à sociedade civil. Coube-te a nobre missão de ensinares a ler e a escrever muitos jovens que de outro modo não teriam tão fácil acesso à instrução básica. Quantos deles não terão ido mais longe.

Caro Carmelita, ficamos na expectativa dos teus próximos contactos e das tuas histórias.

Recebe um abraço da tertúlia e dos editores, mais um especial do teu conterrâneo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8680: Tabanca Grande (297): José Carlos Ramos dos Santos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Nhala, 1973/74)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3624: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (2): Natal de 1972 em Aldeia Formosa

1. Mensagem do nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74, com data de 10 de Dezembro de 2008, com mais um pouco da história de Os Tigres

Natal de 1972 em Aldeia Formosa

Terminada a instrução, eis que os TIGRES organizados em coluna auto se dirigem para o porto de Bissau, onde embarcados que foram numa LDG, seguem com destino a Aldeia Formosa (Quebo) com paragem obrigatória e óbvio desembarque em Buba.

Chegámos a Buba por volta das sete horas da manhã do dia 19 de Novembro de 1972. Curiosas as modificações na fisionomia das pessoas ao longo do percurso; o ar chocalheiro dos mais baldas e despreocupados começou a desaparecer à medida que nos aproximávamos do nosso destino e verifiquei que sobre mim recaíam cada vez mais olhares. Tanto eu como todos os restantes oficiais e sargentos fizemos a viagem juntamente com os soldados e alguns civis nativos no convés da lancha, apesar do convite amável do comandante da embarcação para irmos de camarote. Penso que aceitei, por educação, um café bebido no camarote e aproveitei para colher algumas, poucas, informações sobre Aldeia Formosa.

Desembarcados em Buba, organizámos a Companhia e, pelas onze horas, ao som afinado do coro da malta de Buba que cantava a plenos pulmões “periquito vai pró mato oh, lé ,lé, lé que a velhice vai pra Bissau, oh la, ré lé, lé… partimos em coluna auto para Aldeia Formosa onde chegámos por volta das duas e meia.

Recebidos pelo BCaç 3852, mais uma vez ao som do estribilho anterior, mas aqui entoado com muito mais força e durante muito mais tempo, lá foram os Tigres soldados para uma caserna, os Tigres sargentos para outras instalações e os cinco oficiais para uma camarata com cinco camas separadas por um pano de tenda. Manifestei, ainda a medo, a estranheza por esta separação, mas a força dos galões fez-me calar, limitando-me neste primeiro embate a resmungar… Se me recordar, e se chegar à história do Cumbijã, o segundo embate numa questão semelhante já correu a meu favor e aí perdeu a força bruta dos galões…

A Aldeia Formosa militar era um quartel enorme, onde para além de um Batalhão, o BCaç 3852, se aquartelava uma Companhia composta por elementos nativos da Guiné, a CCaç 18, comandada por oficiais e sargentos brancos, com quem a nossa CCav 8351 começou a aprender os rudimentos do saber fazer, pois foi em conjugação com eles que fizemos os primeiros patrulhamentos e as primeiras emboscadas nocturnas, a protecção à estrada que pouco havia passado Mampatá, bem como a segurança às colunas auto entre Aldeia e Buba.

Por esta altura duas coisas me intrigavam: o porquê de uns barcos (dois ou três) que tinham vindo desde Bissau e que a fama de navegador que o meu nome encerra era manifestamente insuficiente para os pôr a navegar, pois faltava-lhes a água para serem operacionais e a falta de informação sobre o destino final da Companhia.

Aldeia Formosa, tinha a certeza de que não era, pois os militares já se atropelavam uns aos outros. Instado quem de direito, a resposta era sempre a mesma: a CCav 8351 não tem uma Zona de Acção definida, pois é uma Companhia às ordens do Comando Chefe.

Procurava no mapa locais para onde os barcos pudessem arrastar os Tigres, mas chegava sempre à mesma conclusão: não pode ser! Julgo não ter comentado esta preocupação com ninguém, nem mesmo com o meu camarada Alferes Florivaldo dos Santos Abundâncio, único oficial, dos originais, que ficou na Companhia até ao final da comissão. Meu bom amigo, meu braço direito e com um coração e uma dedicação grandes como o seu nome parece querer indicar. Um abraço amigo e respeitoso te envio. Ser-te-á apenas entregue quando visitares a Tabanca.

Apenas um parênteses para dizer que o turnover entre os alferes também era grande, mas os meus três alferes que não vieram com a companhia, não o fizeram, por motivos diferentes: um, foi destacado para a Chamarra, outro foi ferido em combate e evacuado para Portugal e o outro, foi transferido para o Quartel General/Com-Chefe em Bissau…

Aldeia Formosa era uma fortaleza imensa que para além de um número enorme de soldados tinha uma pista de aviação e estava, em termos de armamento bem equipada, com morteiros destes e daqueles, obuses grandes e menos grandes, eu sei lá, uma panóplia de metralhadoras e outras armas que um ignorante como eu não sabe, nem lhe interessa identificar. A população era estimada em cerca de quatro mil e quinhentas almas e vivia agrupada fora do aquartelamento, sendo a sua esmagadora maioria da etnia Fula.

As companhias aí aquarteladas tinham óptimas instalações, os capitães com quartos individuais, uma belíssima messe de oficiais, outra de sargentos, casernas amplas para os soldados, cantinas bem equipadas onde abundava a bela cerveja fresca, o bom whisky. Mesmo de frente ao aquartelamento uma bela horta onde se cultivavam alfaces, tomates, bananas, ananases, mangas e sobretudo papaias que eram o petisco preferido do sr. Comandante que diariamente as consumia com uma, como dizer, sofreguidão exagerada, que lhe provocava um escorrimento do sumo do fruto pelos cantos da boca, mas que ele não deixava escapar, pois o seu treino permitia-lhe sorver o que escorria com tal perícia e ruído que provocava risos disfarçados nos oficiais assistentes…

Recordo-me que o sr. Comandante adorava também cebola, que devorava antes das refeições e que lhe provocavam arrotos de tal calibre que o desgraçado que tivesse a infelicidade de se sentar frente a ele, aliás o último lugar a ser ocupado, tinha de se desviar para não ser atingido por qualquer estilhaço de cebola ou pelo perfume forte e picante emanado pelo bolbo carnudo.
Era, no fundo, bom homem e tinha como petit nom Baga-Baga, dada a sua volumetria, ansiando pela reforma pois era a última comissão que fazia, sendo que os problemas da guerra eram mais da conta de um major de operações e dos oficiais mais novos.

Chegados a 19 de Novembro a Aldeia Formosa, a CCav 8351 tem o seu baptismo de fogo no dia 23 do mesmo mês, portanto com quatro dias de Aldeia. Procuro os apontamentos oficiais e cito ipsis verbis: um grupo IN estimado em trinta a quarenta elementos atacou o aquartelamento de Aldeia Formosa com armas ligeiras e automáticas RPG-2 e RPG-7 durante 05 minutos reagindo ainda nos 10 minutos seguintes, causando 02 feridos às nossas tropas”.

Juntamente com a grande maioria dos oficiais de todas as companhias, também eu me encontrava na messe, e a minha reacção foi a de imitação: atirar-me para o chão para debaixo das mesas. Ninguém, ou se quiserem, nenhum oficial presente incluindo o Comandante se levantou enquanto o tiroteio durou. Quando acabou a fogachada fui em direcção à caserna dos Tigres que se encontravam todos bem e com uma sensação igual à minha: o ataque, dada a dimensão do aquartelamento, não tinha sido connosco. Comecei a ficar preocupado…

Até ao Natal, aguardado com ansiedade por todos, Aldeia Formosa foi flagelada a 27 de Novembro com cerca de (cito) quarenta granadas de Canhão S/R 85 e alguns foguetões; a 1 de Dezembro dez foguetões; a 8 de Dezembro novamente cerca de quarenta granadas de Canhão sem recuo. As consequências destes últimos ataques foram nulas pois nenhum dos engenhos caiu dentro do perímetro do aquartelamento.

Continuei preocupado, pois os meus comandados pensavam que as consequências dos ataques serviam só de aperitivo para beberem mais umas cervejas. Insisti com eles para não baixarem guarda, mas vi que o medo inicial havia dado lugar a uma demasiada descompressão. Tentei fazer-lhes ver que iríamos sair de Aldeia muito em breve e que a nossa vida seria muito difícil, exagerei, pensava eu, nos perigos que nos esperavam, mas o amolecimento também provocado pelo chegar do Natal era evidente. Continuávamos periquitos mas dois meses de Guiné e não sei quantos embrulhanços faziam da maior parte de nós velhinhos pois já se gabavam de ter sofrido mais ataques do que outras companhias que estavam há já alguns meses na Guiné sem ainda terem ouvido um tiro.

Natal de 1972

Foi o primeiro Natal passado sem a companhia dos pais, das mulheres, dos filhos, enfim da família, para a esmagadora maioria de nós. Reuni a companhia e nesse dia jantámos todos juntos. O Comandante, repito, bom homem, foi ter connosco. Lembro-me de ter feito um discurso longo, tendo aproveitado para lhes dizer que a nossa família agora eram todos os Tigres, e que me ajudassem a cumprir a minha maior ambição: Regressar a Portugal com todos os que tinham embarcado e que a todos cabia trabalhar nesse sentido. Comeu-se bem, bebeu-se melhor, e mesmo os, inicialmente mais tristonhos, rapidamente e pelo menos por alguns instantes, se juntaram aos cânticos que entoávamos em conjunto, aos vivas ao que quer que fosse, até que os vapores etílicos começaram a fazer efeito levando-nos à cama e a descansar até tarde do dia seguinte…


Aldeia Formosa > Discurso dia Natal (Vê-se o sr. comandante e o seu oficial de operações)

Aldeia Formosa > Dia de Natal de 1972 > Da esquerda para a direita: Portilho,?, Machado, Beires, Gama, Abundâncio, Aleixo, Matos Lopes,Peniche e Setúbal

Aldeia Formosa > Dia de Natal de 1972 > CCav 8351

Aldeia Formosa > Dia de Natal de 1972 > CCav 8351

Aldeia Formosa > Natal de 1972 > Fim de Festa


A visita do Gen Spínola no último dia de 1972

Até ao final de 1972, continuávamos na protecção à estrada e nada de registo me ocorre, a não ser a visita do General Spínola no dia 31 de Dezembro a Aldeia Formosa, onde se deslocou para se inteirar do grau de preparação da CCav 8351. Lá vestimos a nossa farda de festa, tendo o Chefe máximo discursado para a Companhia, colocando-me após o destroçar duas ou três questões e tendo de seguida regressado ao seu destino.

Continuava sem conhecer em definitivo o destino da Companhia, mas dadas as sucessivas idas a Colibuia, onde protegíamos o avanço da estrada, onde montávamos emboscadas nocturnas, pensei que esse seria o nosso destino. Como estava enganado…..

Aldeia Formosa > 31 de Dezembro de 1972 > Visita do Gen Spínola

Aldeia Formosa > 31 de Dezembro de 1972 > Visita do Gen Spínola

Texto e fotos © Vasco da Gama (2008). Direitos reservados.
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Nota de CV

Vd. primeiro poste da série de 7 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3581: A História dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (1): Apresentação e Chegada a Bissau