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segunda-feira, 1 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25326: Os 50 anos do 25 de Abril (6): "Geração D - Da Ditadura À Democracia", por Carlos Matos Gomes; Porto Editora, 2024 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Março de 2024:

Queridos amigos,
É o término da viagem memorial de um Capitão de Abril que escolheu um longo itinerário e não hesitou em dizer-nos como levou uma vida pautada por decisões de risco e pela independência de pensamento. Tenho sérias dúvidas que algo parecido possa surgir tão cedo à volta deste meio século que abarca o fim do império e as sinuosidades que têm atravessado o nosso sistema democrático.

Um abraço do
Mário


Porventura o testemunho mais eloquente sobre a guerra colonial e o depois,
Palma de ouro para a literatura nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril (3)


Mário Beja Santos

Carlos de Matos Gomes é o romancista Carlos Vale Ferraz, autor do romance mais influente de toda a literatura de guerra colonial. Agora muda de rosto, volta a ter perto de 20 anos, faz comissões em Angola, Moçambique e na Guiné, prepara muita gente para a guerra, pertenceu ao grupo mais ativo do MFA na Guiné. Posteriormente, envolveu-se no processo revolucionário, chegou a hora de fazer um balanço do que viveu e do que se lembra.

Acaba de sair o seu livro de memórias "Geração D, Da Ditadura à Democracia", agora é, sem margem para equívocos, Carlos de Matos Gomes, Porto Editora, 2024, um assombroso ecrã sobre as primícias da guerra, os seus bastidores, o funcionamento da hierarquia castrense, a burocracia, sobretudo o exame de consciência do que é que um oficial do quadro permanente ia assimilando nas matas e nos quartéis quanto ao tremendo equívoco que era procurar até ao desespero urdir uma ficção sobre a propaganda doutrinal do Estado Novo sobre uma “guerra justa” para aquele império com pés de barro. 

É esta a parte das memórias construídas com uma assombrosa arquitetura literária que aqui se procura, aos poucos, desvelar.

Cumpriu três missões em Angola, Moçambique e Guiné, louvado e condecorado, preparou uma companhia de Comandos de que foi seu comandante, o cenário de Moçambique foi determinante para ele questionar a fundo o mais que havia para além da honra e do dever, para além da vasta panóplia de requisitos que impõem a vida militar, vai numa operação em que o guia é um negro que promete levá-los a um objetivo, vai amarrado a um dos seus homens, uma inquietação sem limites começa a tomar-lhe a razão, que causa o ligava àquele negro e aos homens que estavam sob o seu comando? Que causas justificava a presença de cada um deles naquele palco? 

Tomou nota de que operações como a Nó Górdio nada resolviam, revolvia-se um território, a guerrilha e a população civil acoitavam-se até a operação passar, tudo voltava ao princípio, se bem que a comunicação social afeta ao regime louvaminhasse o feito, era a política da representação.

Geração D é um singularíssimo livro de memórias, já se disse o que este militar viveu até ao 25 de Abril e como ele, e muitos dos seus camaradas tiveram a possibilidade de ver na Guiné que se caminhava para uma hecatombe, tudo iria redundar num bode expiatório, seriam os militares os maus da fita, resolvido o incómodo da Guiné, julgavam os avatares no Estado Novo, todos os meios iam ser postos à disposição das joias imperiais, Angola e Moçambique, contava-se com o auxílio da África do Sul e da Rodésia. 

Matos Gomes adere ao 25 de Abril, alista-se na esquerda revolucionária, põe ênfase na relação que estabelecera com Jaime Neves e como seguiram vias separadas. Detalha o verão quente, as manobras, as alianças, os documentos, a ação de Otelo, o papel do COPCON, a mestria de Costa Gomes de gerir as fações, a impor o acatamento, recorda também como os paraquedistas voltaram a ser traídos.

Findo o 25 de novembro, Matos Gomes está suspenso, aguarda ser chamado ao Conselho Superior de Disciplina do Exército, é convocado e conta-nos o que aconteceu:

“O general promotor leu a acusação com fraco entusiasmo. Formalmente era acusado de ter assinado um documento, o mais comum dos crimes na altura. Entreguei um passaporte que revelava, através dos carimbos das alfândegas, que naquela data me encontrava na Alemanha. Recebera um telefonema de um dos signatários a perguntar se subscrevia mais este documento. Claro que sim. Estávamos do mesmo lado da barricada. 

Também era acusado pelo novo Chefe do Estado-Maior de ter assinado um outro, num encontro no Regimento de Polícia Militar, resultante de uma reunião determinada por Otelo Saraiva de Carvalho, na qualidade de comandante do COPCON. Entreguei aos generais uma ordem de serviço do Hospital Militar onde constava o meu nome e o do Chefe do Estado-Maior, então major e ainda meu contemporâneo na Academia Militar. 

Face a estes factos, concluía pela má-fé do Chefe do Estado-Maior e pedia para constar na ata do julgamento a minha queixa formal contra ele. De seguida, o general presidente deu-me a palavra. Tratava-se do julgamento político de um conflito entre defensores de opções políticas para a sociedade, e a disciplina não é, ou não devia ser, utilizada para esse fim. Estava à mercê da força e não do direito, menos ainda da disciplina. 

O general presidente deu a sessão por encerrada, mas antes do Conselho pedir para eu me retirar, a fim de deliberar, o General Leão Correia, a olhar para o meu uniforme cinzento sem uma condecoração ou emblema, limpo, perguntou-me por que não trazia as fitas com as duas cruzes de guerra com que fora agraciado. Apresentei as razões que me levaram a não usar condecorações: a primeira das cruzes de guerra havia-me sido imposta em Bissau, por um General Comandante-Chefe, Spínola, perante forças em parada, comandadas por um coronel, também ele condecorado. A segunda fora-me entregue há uns meses na secretaria da Direção de Arma de Cavalaria pelo Sargento Leitão, dentro de um envelope, como se fossem umas peúgas. ‘Ora, como não sei se foi a primeira a forma correta de ter sido condecorado, ou a segunda, para não ofender o Exército, decidi não usar condecorações até que seja esclarecido.’ 

O veredito do Conselho reconheceu-me idoneidade para continuar a ser oficial do Exército.”

Matos Gomes é mandado apresentar-se no Serviço Prisional Militar, com sede no edifício da PIDE/DGS, torna-se carcereiro, estão ali algumas figuras graúdas da PIDE. Procura aprofundar o que aconteceu após o 25 de novembro de 1975. Fez 30 anos, tinha uma casa, uma mulher e uma filha com 1 ano, houve eleições legislativas e autárquicas, a cena política internacional transfigurava-se, por cá vivia-se aconchegado com a normalidade democrática, as coisas não corriam favoravelmente às ex-colónias portuguesas. 

Exara nas suas memórias o poder sugestivo que lhe deixou ter-se envolvido no poder popular. Acompanhou Otelo em parte da sua caminhada, era um ser estranho entre aquelas organizações, não era marxista-leninista, revela o seu quadro de pensamento: 

“Rejeito a luta de classes como o princípio dominante das transformações políticas, entendo-a apenas como mais um, e não o determinante. A propósito desse elemento determinante, nunca soube nem procurei descobrir qual é a gota de água que faz transbordar o copo, mas assisti a intermináveis discussões teológicas com muito fumo e fé sobre o assunto. 

Também não perfilhava o princípio da necessidade histórica da alteração das relações de poder ser liderada pela vanguarda do proletariado, pelo partido. Nem era adepto de uma ditadura do proletariado, que ofendia a minha liberdade, a ideia de igualdade dos seres humanos, independentemente da posição que ocupam no processo de trabalho, e contrariava a realização das ditaduras do proletariado estabelecidas.” 

Afastar-se-á das Forças Populares 25 de Abril quando surgiu a radicalização da violência armada.

Lançou-se na escrita, louva o seu quadro de amigos, exulta com a camaradagem que pode manter com um punhado de militares. E a viagem prossegue. 

Quem escreve estas memórias singularíssimas, quem continua a intervir ativamente como observador atento e com opiniões aceradas, é o mesmo escritor que nos legou Nó Cego, Soldadó ou A Última Viúva de África

Há que saudar quem coligiu este punhado de anotações tão íntimas que vão da ditadura à democracia e dizer sem hesitações que não há nada parecido na literatura portuguesa, pois é o testemunho de um bravo militar, um capitão do MFA, alguém que foi revolucionário e nos doou a mais bela joia da literatura da guerra colonial, como se afirmasse, ponto por ponto, que a sua coerência e postura política não estão à venda.

sábado, 30 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25321: Os nossos seres, saberes e lazeres (621): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (148): Em Arraiolos, o dia era de greve, por ali se cirandou entre casas de alvura e azul, os belos tapetes e as ruínas do castelo (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Tratava-se de uma excursão para seniores organizada pelos serviços de ação sociais da administração pública, o primeiro destino era Arraiolos, anteviam-se mundos e fundos, desde tapetes, espaço museológico, igrejas, passeio pelo centro histórico, e inevitavelmente uma subida ao castelo. Era dia de greve da função pública, os visitantes ficaram por conta própria, a ver Arraiolos por fora. Cada um por si, e de vez em quando lá nos íamos encontrando rua acima rua abaixo, como adoro a tapeçaria de Arraiolos, não me fez mossa nenhuma andar a bisbilhotar pelas lojas, a contemplar as fachadas, o asseio é irrepreensível, há muita casa recuperada e muita casa abandonada, o estado do castelo magoou-me, conhecia as fotografias turísticas, há ali sérios indícios de poder haver derrocada. Agora, está na hora de partir para o segundo e último destino do programa, o Museu Agrícola da Atalaia, no Montijo, o guia informa que há um espaço valioso de recuperação da memória da agricultura da região em Tinta Nova da Atalaia, tem museu desde 2009. Para lá vamos, e depois haverá uma visita breve ao santuário, tudo acabará quando o autocarro nos despejar em Sete Rios.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (148): Em Arraiolos, o dia era de greve, por ali se cirandou entre casas de alvura e azul, os belos tapetes e as ruínas do castelo

Mário Beja Santos

Em 27 de outubro de 2023, parti em autocarro de excursão, o primeiro destino era Arraiolos. Chegados à vila, confirmou-se que era dia de greve, os edifícios que estava previsto visitar encerrados, logo o Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos. Nesse dia abria as portas ao público uma mostra gastronómica, um festival de empadas e a feira de tapetes, aí essa hora estaríamos noutro destino. Bem procurei numa papelaria comprar uma publicação que me ajudasse a ver por fora o que não poderia ver por dentro, que não, isso de livros e brochuras era no Centro de Interpretação, mesmo bilhetes postais da Pousada, da Igreja da Misericórdia ou do Solar da Sempre Noiva, era ali que poderia adquirir. Felizmente tirara notas de enciclopédias, o suficiente para saber que fora D. João I a doar Arraiolos a D. Nuno Álvares Pereira, conde de terra e Condestável de Portugal. Esperava ver a Igreja da Misericórdia e a sua riqueza azulejar, ficará para a próxima. Aqui vos deixo a fachada do Centro Interpretativo, de grande beleza e o pelourinho, monumento nacional.

Entrada do Centro Interpretativo
O pelourinho de Arraiolos e a fachada do Centro Interpretativo

Procurei esmiuçar alguns dados do passado, consultei a enciclopédia Verbo, são dados publicados em 1964, ao tempo o concelho tinha uma população total residente que se aproximava dos 13 mil habitantes, fábricas de moagem, de telha, de tapetes (muito florescente nos séculos XVII e XVIII), lagares de azeite e a importante indústria de carnes. A vila já existia nos começos do século XIII; a enciclopédia recomenda a visita à Igreja da Misericórdia, ao hospital com portal manuelino, ao pelourinho, coluna torcida em mármore de Estremoz erguido em 1634. O castelo foi mandado construir por D. Dinis em 1310, possui portas ogivais.

A alteração de programa justifica que se vá farejar a rica tapeçaria de Arraiolos, bem documentada a partir da primeira metade do século XVIII. Por mera curiosidade, respigo o que Calvet de Magalhães escreve sobre estes tão prodigiosos tapetes: “São bordados a fios contados de lã de diversas cores sobre tela de linho, de grossaria, estopa ou canhamaço, que as tecedeiras locais teciam, sendo as lãs tosquiadas, lavadas, cardadas, tintas e fiadas pelas próprias bordadeiras. Os tapetes são executados com ponto cruzado, de forma a atapetar inteiramente o fundo do campo e a barra, conhecido pelo ‘ponto de Arraiolos’ e que noutras regiões do mundo é conhecido pelo ‘ponto entrançado eslavo’ e ‘ponto grego’. Os motivos dos tapetes são persas e, como arte popular que é, inspira-se no solo, utilizando como base os seus objetivos mais comuns, tais como pássaros, árvores, figuras humanas, etc. A composição consta de um centro, campo e bordadura. O campo é, geralmente, preenchido ou por duas albarradas ou ramos enfolhados dispostos simetricamente em relação às cabeceiras; o campo é decorado considerando-se que é ilimitado e decorado por motivos soltos alternados ou repetidos; a bordadura é cheia com linha ou linhas sinuosas ou ainda quebradas, decorados com elementos florais ou elementos geométricos, enchendo os espaços que linhas sinuosas em ziguezague, percorrendo a bordadura, deixam livres, com repetições ou alternâncias ornamentais de motivos geométricos.” Vamos então visitar onde se fazem tapetes e mostrá-los.

Tapeceira em atividade, as visitantes não escondem o seu pasmo por ver nascer tanta beleza
Dois motivos ornamentais distintos
É a alvura da caiação, o azul cintilante, a limpeza irrepreensível das ruas, que logo prendem o olhar, sabe-se rapidamente que se está perante uma premissa maior da cultura alentejana.
O que nos faz deter diante desta fachada é o respeito pela coisa antiga, nada de tapar as memórias do passado, seja ao nível dos rés-do-chão seja do primeiro andar, fazem-se obras mas não se esconde a elegância dos arcos, das colunas e das suas bases, assim se respeita a memória de quem teceu tão elegantes elementos.
Este castelo mandado fazer por D. Dinis, no início do século XIV, é motivo de preocupação, são mais do que evidentes os sinais de ruína, e, no entanto, é muito gracioso no seu ponto alto, nas suas muralhas quase circulares, no seu Paço onde chegou a viver D. Nuno Álvares Pereira, carece de intervenção urgente, há mesmo panos na muralha que podem dar origem a acidentes, era bom que trouxessem aqui o Sr. Ministro da Cultura, este monumento nacional merecia melhor sorte.
Consta de uma inscrição o seguinte acerca das muralhas e da história do castelo: “O recinto amuralhado de Arraiolos, construído sob responsabilidade de João Simão entre 1306 e cerca de 1310, tem planta quase circular, aproveitando a forma muito regular da colina. Nele abrem-se duas portas: a da Vila (destruída), junto à Torre de Menagem, e a de Santarém. Várias vezes restaurado, a última das quais em 1944, nele se conservam a Torre do Relógio da época manuelina e o adarve, quase todo circulável, permitindo ao visitante desfrutar de uma vastíssima paisagem envolvente.”
Retenho agora o que diz outra legenda sobre o Castelo-Paço: “Erguida na mesma época da muralha, tem planta retangular com torres angulares de defesa. Além da Torre de Menagem, faziam parte deste antigo castelo-paço os aposentos do alcaide, a casa da guarda e o pátio de armas. Todas as construções interiores estão hoje reduzidas aos alicerces. D. Nuno Álvares Pereira, segundo Conde de Arraiolos, fronteiro-mor do Alentejo e Condestável de Portugal, passou neste Paço largas temporadas.”
Igreja do Salvador no Castelo de Arraiolos
Uma vista das planícies alentejanas da muralha do castelo
Era impossível ficar indiferente à postura do cão. Estava dentro da sua alcofa, neste estranho ambiente do que terá sido uma loja, ele vive num estado circundado por um biombo, deverão achar graça os donos a tê-lo em exibição. Saltou da alcofa e pôs-se a jeito para a fotografia, olhou bem para a câmara, é cão com pedigree, tenho a certeza.
Prestes a partir para novo destino, desta vez a Atalaia do Montijo, rendi-me a esta linha tão aprumada do casario em azul e branco, as suas varandas, o seu toque antigo, e, como sempre, a limpeza dos arruamentos, inexcedível.
E despeço-me com o monumento ao pintor mais conceituado de Arraiolos, Dordio Gomes, conhece-o bem, o meu padrinho tinha um óleo de cavalos na sala de jantar, era um regalo para a vista, e quando fui trabalhar para o Ministério do Comércio Interno, numa ampla sala onde no passado funcionara o Conselho da Agricultura, as paredes estavam pejadas de quadros seus. Aqui relembro Dordio Gomes, distintíssimo artista. Aqui finda a viagem a Arraiolos, partimos para a região do Montijo.
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Nota do editor

Último post da série de 23 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25300: Os nossos seres, saberes e lazeres (620): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (147): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (7) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 29 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25316: Notas de leitura (1679): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (18) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Traça-se aqui o quadro das tentativas (muitas delas fracassadas) de renovar a frota aérea, reconhecidamente antiquada e muito inadequada tanto àquele tipo de guerra como aos lugares; os autores descrevem as iniciativas de aquisição, logo os Boeing 707, procurou-se um substituto mais eficaz para o DO-27, muita conversa com as autoridades francesas, sem proveito; entretanto, adquiriram-se mais Alouette III e um ato de sabotagem da ARA na Base Aérea de Tancos redundou num desaire sem precedentes no fornecimento de aeronaves; os autores ilustram sempre a propósito os quadros das operações, os locais de implantação das FARP, as operações helitransportadas, etc. Há que reconhecer que o trabalho de Matthew Hurley e José Matos ficará como referência não só para os pergaminhos da Força Aérea na Guiné como para o conhecimento de como se lutou, no lado português, com que meios, com que corajosos pilotos, enfermeiras, isto para já não falar de forças especiais e naquela multiplicidade de serviços em que o DO marcou presença também com o tal correio que transportava afetos entre os dois continentes.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (18)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.




Capítulo 5: “Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra”

Continuando no quadro expositivo das mudanças operadas na Zona Aérea de 1968 a 1971, os autores recordam a importância dos números. Nesse período, e tendo em conta as três categorias de transporte (assalto, missões gerais e evacuação de feridos) o seu total foi de 22.899 das 40.639 surtidas, como vem nos relatórios. Não deixa de ser um número impressionante para uma força que muito lutava para manter uma frota de cerca de 400 aeronaves operacionais, embora algumas outras tenham chegado a Bissalanca e acabaram por aliviar a pressão constante. Spínola reclamava mais aeronaves desde outubro de 1968, momento em que apresentou um pedido de 8 Fiat adicionais, 4 T-6 e 6 DO-27, juntamente com dois tipos novos de pedidos: 6 helicópteros Sud Aviation SA330 ‘Puma’, e 3 transportes Noratlas (mais tarde 4), Spínola pôs particular ênfase nos helicópteros adicionais de modo a fazer-se uma exploração das áreas ocupadas pelos grupos inimigos, e igualmente apelou a uma frota que garantisse a disponibilidade de 12 Alouette III. A maioria dos seus pedidos foi satisfeita no final de 1970, com exceção dos helicópteros, recebeu 6 novos Alouette III no lugar dos ‘Pumas’, e 4 Fiat dos 8 solicitados. No total, estes reforços aumentaram o número de Fiat em Bissalanca para 10 e o número de Alouette III para 14.

A introdução de Noratlas veio proporcionar um impulso imediato à capacidade de transporte da Zona Aérea. Esta aeronave construída em França era “muito estável, robusta e, portanto, bem-comportada face às turbulências, como convém em África”, como observou o General Rui Tavares Monteiro, ex-Comandante da 1.ª Região Aérea. O Noratlas havia sido projetado para ambientes austeros, com treino de aterragem destinado a operações em campos difíceis e com fácil manuseamento da carga através das portas articuladas da abertura traseira. Também poderia transportar o dobro da carga, ou 50% de mais tropa do que os C-47 que já serviam na Guiné; e a sua entrada na vida operacional libertou os veneráveis Dakotas para bombardeamentos noturnos adicionais e missões de reconhecimento fotográfico.

Ocorreram também outras mudanças. As operações de ataque aumentaram temporariamente dada uma avaliação operacional dos bombardeiros médios B-26 Invader, adquiridos clandestinamente por Portugal em 1965. Duas destas aeronaves foram destacadas para a BA 12 entre março e junho de 1971, onde realizaram 55 bombardeamentos, missões de vigilância, reconhecimento e apoio à instrumentação, incluindo também a participação em, pelo menos, nove operações de ataque da Zona Aérea. Além disso, a partir de fevereiro de 1970, o P2V-5 Neptune regressou ao teatro da Guiné quando um dos bombardeiros da patrulha marítima foi destacado para a base de trânsito da Ilha do Sal. Mas a melhoria mais significativa resultou da compra de dois aviões Boeing 707 para transporte aéreo transoceânico. Até 1971, a Força Aérea contava com a sua frota envelhecida de DC-6 com motor a pistão, eram aeronaves propensas a falhas do motor e outros problemas de manutenção; mas os embargos de armas dos Estados Unidos e do Reino Unido tinham limitado as opções de substituição.

Em agosto de 1970, contudo, o presidente Richard Nixon relaxou as restrições que regiam a venda de artigos não letais de dupla utilização que são preponderantemente utilizados para uso civil para Portugal. Isto levou a negociações complicadas que permitiram a aquisição dos Boeing e os primeiros 707 chegaram a Portugal a 16 de outubro de 1971, posteriormente, em 14 de janeiro de 1972, deu-se uma segunda aquisição. A introdução do 707 melhorou imediatamente a capacidade de Lisboa para reforçar os teatros de guerra africanos, e a Guiné não foi exceção.

“Uma das duas aeronaves estava sempre em missão”, observou o historiador John Cann, e “a confiabilidade e flexibilidade do avião fizeram a diferença dramática no quadro logístico”. Apesar das novas aquisições, a maioria das aeronaves da Zona Aérea eram inadequadas para as missões atribuídas, de acordo com uma avaliação do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, em 1971. Incluíam os antiquados T-6, que não foram projetados nem destinados ao serviço de combate prolongado, e os DO-27, cuja capacidade de carga apenas podia satisfazer metade das necessidades do Comandante do Teatro de Operações. Ambos os tipos também foram considerados excessivamente vulneráveis e difíceis de manter.

Em abril de 1971, a Comissão Técnica da Força Aérea iniciou um estudo de opções de substituição; em última análise, era recomendado um único tipo de fuselagem para substituir ambas as aeronaves: o Reims FTB-337G “Milirôle”, um derivado francês do Cessna “Skymaster” então ao usado na Força Aérea dos Estados Unidos em serviços de observação e controlo aéreo avançado. A capacidade de carga do Milirôle e a acomodação de passageiros eram comparáveis ao DO-27, e as suas capacidades de descolagem e aterragem rápidas eram apenas ligeiramente inferiores ao DO-27. No entanto, o Milirôle ultrapassou tanto o T-6 como o DO-27 em alcance, altitude e resistência, tornando-se mais atrativo quanto a vigilância e a posto de comando. Para missões de ataque ligeiro, o Milirôle podia transportar mini-canhões de 7,62 mm, pequenas bombas ou foguetes de quatro suportes sob as asas e o seu dispêndio de utilização por hora era menos de metade do DO-27 ou T-6. Em 1972, a FAP identificou a necessidade de se pedirem 114 aeronaves, incluindo 24 para substituir os 11 DO-27 e 7 T-6 então atribuídos a Bissalanca.

Parecia haver um desfecho feliz nas negociações com a França, no entanto nenhuma das novas aeronaves foi entregue a Portugal enquanto durou a guerra na Guiné.

Apesar dos recentes reforços, a Zona Aérea carecia de helicópteros adicionais e, em dezembro de 1970, o ministro da Defesa Nacional, Sá Viana Rebelo relatou um pedido para 36 Alouette III para a Guiné, mais do que o dobro do número então atribuído. As perspetivas de obter esse objetivo caíram muito, após um ato espetacular de sabotagem em Portugal metropolitano, em 8 de março de 1971. Ao amanhecer, membros da organização Ação Revolucionário Armada (braço armado do Partido Comunista Português) infiltrou-se na Base Aérea de Tancos. Quatro sabotadores, um deles recruta da Força Aérea na base, detonou 20 explosivos dentro de um único hangar de manutenção então em uso (o outro estava em obras). 14 das 28 aeronaves embaladas foram totalmente destruídas ou ficaram seriamente danificadas sem possibilidade de reparação, incluindo um novo helicóptero Puma e quatro Alouette III, enquanto cinco aeronaves leves de asa fixa foram destruídas e três danificados. A sabotagem afetou diretamente o reforço que estava destinado à Guiné e, mais tarde, foi caracterizada como a maior catástrofe singular da luta militar ao longo de 10 anos, na opinião de um alto funcionário sénior dos serviços secretos portugueses.

Implantação das FARP/Exército Popular em 1970, não contando com as milícias locais (Matthew M. Hurley baseado em relatórios oficiais)
Operações independentes de ataque, entre 1969 e 1971. (Matthew M. Hurley baseado em documentação oficial portuguesa)
Operações helitransportadas entre agosto de 1968 e dezembro de 1971. (Matthew M. Hurley baseado em documentação oficial portuguesa)
Entre agosto de 1968 e finais de 1971, a Zona Aérea levou a efeito 160 operações helitransportadas (Coleção Hélder Ferreira)
O DO-27 era a aeronave mais utilizada de 1966 a 1973, por ser versátil, era incumbida numa enorme variedade de missões, desde a evacuação de feridos, transporte de pessoas, Posto de Comando Volante e mesmo apoio de fogo (Coleção Virgílio Teixeira)

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 22 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25296: Notas de leitura (1677): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (17) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 25 de Março de 2024 > Guiné 61/74 - P25305: Notas de leitura (1678): "Lay Yong, Bernardo e outros poemas", de António Graça de Abreu (Lua de Marfim Editora, 2018, 90 pp.) (Luís Graça)

quarta-feira, 27 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25311: Historiografia da presença portuguesa em África (416): O Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira, as suas referências à Guiné (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Setembro de 2023:

Queridos amigos,
Estava eu em doce remanso a alinhavar a sequência cronológica dos primeiros textos fundamentais sobre a presença portuguesa na Guiné quando dei, atónito, pela lacuna de Esmeraldo de Situ Orbis, relato de cosmografia de primeiríssima água não só como documento para o que então se sabia como descrição dos habitantes da região. Houve que reler o Esmeraldo, ter em conta o que sobre ele investigou Joaquim Barradas de Carvalho e selecionar os textos mais relevantes sobre as Etiópias da Guiné. Bem curiosa é a biografia de Duarte Pacheco Pereira, tem um palmarés bem singular como cabo de guerra em terra e no mar, geógrafo, cosmógrafo e roteirista, lendo o Esmeraldo fica claramente visto o que se conhecia, de acordo com relatos de navegações anteriores sobre o continente, o autor chega mesmo a dizer que o rio Senegal era o braço que o rio Nilo lançava pela Etiópia inferior (região correspondente ao que iremos mais tarde chamar por Senegâmbia). Isto para dizer que a narrativa deste herói da Índia é uma peça indispensável em qualquer antologia da história alusiva à presença portuguesa na Guiné, pois não esqueçamos que ele foi encarregado pelo rei D. Manuel I, em finais de 1505, de escrever este relato, ao que parece que se manteve secreto, tratado como segredo de Estado, não convinha que outras potências conhecessem a geografia e a cosmografia das navegações portuguesas.

Um abraço do
Mário



O Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira, as suas referências à Guiné (1)

Mário Beja Santos

Agora, que estou a preparar os primeiros relatos fundamentais da presença portuguesa nesta região da África Ocidental que é tratada como Etiópia Menor, Rios de Guiné, Senegâmbia, entre outras designações, fiquei de boca à banda quando descobri que ao longo destes anos de colaboração privei o leitor das referências que Duarte Pacheco Pereira teceu à Terra dos Negros.

Este cabo de guerra em terra e no mar, como refere o historiador Damião Peres, explorador geográfico, cosmógrafo e roteirista, é o autor do célebre roteiro circum-africano cujo título é Esmeraldo de Situ Orbis, atenho-me à terceira edição editada pela Academia Portuguesa de História em 1954, com a introdução e notas do já referido Damião Peres. Duarte Pacheco, a quem Camões cognominou como Aquiles Lusitano, distinguiu-se pelos feitos militares na Guiné, assistiu à tomada de Arzila e à consequente ocupação de Tanger, estes sucessos de 1471; participou na fundação da feitoria-fortaleza de S. Jorge da Mina, em 1482, e na exploração dos litorais e do interior das terras que hoje apelidamos como guineenses; dada a craveira dos seus conhecimentos na geografia e cosmografia, D. João II incluiu-o no grupo de técnicos que acompanharam os emissários da negociação do Tratado de Tordesilhas; embora com muitas interrogações e o profundo ceticismo de muitos investigadores, admite-se que tenha percorrido a costa brasileira a mando de D. Manuel I, em 1498, está tudo no campo das hipóteses ou conjeturas, há mesmo quem admita que tenha chegado à Florida.

Também não se sabe se tomou parte na segunda armada da Índia, a de Pedro Álvares Cabral, e no Esmeraldo não se fala da viagem de Cabral. Acompanhou Afonso d’Albuquerque, distinguiu-se pela sua bravura e cobriu-se de glória na defesa de Cochim contra o samorim de Calecute; recebeu, no regresso da Índia, em 1505, o convite de D. Manuel I para escrever o livro a que se chamou Esmeraldo de Situ Orbis; em finais de 1508, foi encarregado de comandar uma frota para procurar e combater o corsário francês Mondragon, o encontro das duas frotas deu-se no cabo Finisterra, em janeiro de 1509, Duarte Pacheco saiu novamente vitorioso; em 1519, obteve o cargo de capitão do estabelecimento de S. Jorge da Mina, que desempenhou até 1522; veio trazido a ferros por ação disciplinar, sairá ilibado; morrerá, segundo a lenda, em extrema pobreza, mas há historiadores que contraditam esta informação.

Vamos agora às referências que Duarte Pacheco tece às Etiópias da Guiné. No prólogo, deixa uma lembrança do Infante D. Henrique, que “mandou descobrir a ilha da Madeira e a mandou povoar; e assim descobriu mais por Guiné, que antigamente se chamava Etiópia, começando dos promontórios de Não e Bojador até à Serra Leoa”.

É no capítulo 5.º do primeiro livro que alude às quatro bocas que o Nilo faz e refere textualmente o grande braço que corre por meio da Etiópia Inferior, o rio Sanaga (Senegal). Recorda-se ao leitor que a exploração das partes em que ele divide a África resulta dos conhecimentos limitados que se possuíam da geografia do continente.

No capítulo 22.º, intitulado Como Deus revelou ao virtuoso Infante D. Anrique que descobrisse as Etiópias a Guiné por seu serviço e daqui por diante comece o seu descobrimento. Sem margem para dúvida que Duarte Pacheco descreveu a glorificação do terceiro filho de D. João I. E, seguidamente, descreve a causa que moveu o Infante a descobrir estas Etiópias de Guiné. “Jazendo o Infante uma noite em sua casa, lhe veio a revelação como faria muito serviço a Nosso Senhor descobrir as ditas Etiópias; na qual região se acharia tanta multidão de novos povos e homens negros, quanta do tempo deste descobrimento até agora temos sabido e praticado; e que destas gentes muita parte delas haviam de ser salvas pelo sacramento do santo Batismo; sendo-lhe mais dito que nestas terras se acharia tanto ouro como outras tão ricas mercadorias, com que bem e abastadamente se manteriam os reis e povos destes reinos de Portugal, e se poderia fazer guerra aos infiéis inimigos da nossa santa fé católica.” E pormenoriza a viagem de Gil Eanes e a passagem do Cabo Bojador.

Estamos agora no capítulo 24.º, intitulado Das rotas e conhecenças de Cabo Branco em diante para o Cabo Verde. Vejamos o que ele diz: “Do Cabo Branco em diante começas os baixos de Arguim, os quais duram trinta léguas de longo e vinte de largo. E quem houver de vir para cada um dos Rios de Guiné, estando junto com o Cabo Branco, faça o caminho do Sul e da quarta do Sueste, e irá ter na angra das Almadias que está sete léguas aquém do Cabo Verde; e ali, indo para Sudoeste, haverá o dito cabo. E este caminho deve fazer-se fora dos baixos de Arguim, que são muito perigosos.” E faz a alusão de que o Cabo Branco confina com esta ilha de Arguim, pelo caminho estão muitos baixos de pedra e areia, “e quem por aqui for, deve ir sobreaviso que não dê em seco”.

Estamos agora no capítulo 26.º, intitulado Do caminho que se deve fazer de Arguim para Cabo Verde até ao rio Senegal e dali até ao Cabo Verde por dentro, pela enseada. Então lê-se no capítulo 27.º De onde vem o rio Senegal e das coisas que nele há e das duas Etiópias. Escreve assim: “Primeiramente, é de notar como aqui é o princípio das Etiópias e homens negros; e porque são duas Etiópias, bem é que se saiba como esta primeira se chama Inferior ou Etiópia Baixa Ocidental, na qual é certo e sabido que nunca nele em algum tempo morressem de pestilência. E esta primeira Etiópia corre e se estende, por costa, do dito rio Senegal até ao Cabo da Boa Esperança, 34 graus e meio de ladeza (latitude). E do dito rio até este cabo são 1340 léguas. A qual, por outro nome, Guiné chamamos.” Agora a narrativa aproxima-se da região que foi conhecida até ao século XIX por Senegâmbia: “No rio de Sanaga (Senegal) são os primeiros negros que aqui é o princípio do reino de Jalofo. E da parte do Norte, pelo rio de Sanaga, parte (confina) com os Azenegues, e da parte do meio-dia ou do Sul se demarca com Mandinga.”

E tece considerações sobre este reino de Jalofo: “Porá em campo o rei de Jalofo dez mil de cavalo e cem mil de pé. E toda esta gente anda nua, senão os fidalgos e homens honrados e se vestem de camisas de pano de algodão, azuis, e ceroulas do mesmo pano de algodão; são circuncisos e macometas (muçulmanos).” E não esconde que há muita coisa ainda por saber: “É incógnito onde nasce o Sanaga, parece que é o braço que o Nilo lança pela Etiópia inferior.”

A imagem mais conhecida do autor, a quem Luís de Camões chamou o Aquiles Lusitano
Duarte Pacheco Pereira na filatelia
Carta de Stefano Bonsignori, de 1580, mostrando parte de África Ocidental, incluindo os atuais países do Senegal, Guiné-Bissau, Mali, Serra Leoa, Libéria, Costa de Marfim e Burquina Fasso
A casa dos escravos na ilha de Goreia, hoje Património da Humanidade

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25290: Historiografia da presença portuguesa em África (415): Cuidados a ter quando se lê a "Crónica dos Feitos da Guiné", de Gomes Eanes de Zurara (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 25 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25307: Os 50 anos do 25 de Abril (4): "Geração D - Da Ditadura À Democracia", por Carlos Matos Gomes; Porto Editora, 2024 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Março de 2024:

Queridos amigos,
É um livro de memórias onde logo nas primeiras páginas se dá a entender que estalou uma rebelião espiritual entre a aprendizagem e o sentido da ordem e o tremendo enganador equívoco de uma guerra sem sentido, o militar que vai participar numa grande operação apregoada como aniquiladora da resistência da guerrilha descobre o completo sem sentido da mesma, a operação não passa de um ato de vaidade para fazer esvoaçar as asas do pavão; de Angola para Moçambique, formando uma companhia de comandos e depois de um compasso de espera de novo num batalhão de comandos africanos, desta feita na Guiné, a consciência está plenamente desperta, a guerra caminha para o abismo, e daí um militar conjugar esforços com outros e vamos ouvir a história da formação do movimento dos capitães da Guiné. As memórias continuam, o capitão aderiu ao PREC, dele tirará os seus ensinamentos, como conversaremos a seguir.

Um abraço do
Mário



Porventura o testemunho mais eloquente sobre a guerra colonial e o depois,
Palma de ouro para a literatura nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril (2)


Mário Beja Santos

Carlos de Matos Gomes é o romancista Carlos Vale Ferraz, autor do romance mais influente de toda a literatura de guerra colonial. Agora muda de rosto, volta a ter perto de 20 anos, faz comissões em Angola, Moçambique e na Guiné, prepara muita gente para a guerra, pertenceu ao grupo mais ativo do MFA na Guiné. Posteriormente, envolveu-se no processo revolucionário, chegou a hora de fazer um balanço do que viveu e do que se lembra.

Acaba de sair o seu livro de memórias "Geração D - Da Ditadura à Democracia", agora é, sem margem para equívocos, Carlos de Matos Gomes, Porto Editora, 2024, um assombroso ecrã sobre as primícias da guerra, os seus bastidores, o funcionamento da hierarquia castrense, a burocracia, sobretudo o exame de consciência do que é que um oficial do quadro permanente ia assimilando nas matas e nos quartéis quanto ao tremendo equívoco que era procurar até ao desespero urdir uma ficção sobre a propaganda doutrinal do Estado Novo sobre uma “guerra justa” para aquele império com pés de barro. É esta a parte das memórias construídas com uma assombrosa arquitetura literária que aqui se procura, aos poucos, desvelar.

É na região de Tete, em maio de 1971, que aquele capitão, comandante de uma companhia das tropas especiais, fez a pergunta do que efetivamente estava a fazer naquele fim do mundo. O poder destas memórias de Carlos de Matos Gomes assenta na sinceridade com que fala das razões por que escolheu a instituição militar, como foi descobrindo que se estava a hipotecar uma juventude em nome de um puro devaneio imperial, sem qualquer sustentação temporal, confrontado com decisões operacionais de opereta, caso da Operação Nó Górdio iniciada em 1 de junho de 1970, e que lhe dará alimento fecundo para essa obra-prima que é o "Nó Cego".

 Não apóstrofa, não incensa os condimentos do horror, exprime-se naturalidade quando fala dessa fada-madrinha que dá muito jeito na guerra, a sorte. Há para ali a explosão de uma morteirada, provocou muitos feridos, mas ele tece louvores à sorte:

“A minha sorte é que rebentou no pé de uma árvore de bom diâmetro, precisamente do lado oposto à minha posição. Mesmo assim, apesar da sorte de a árvore ter ocultado parte da explosão e estilhaços, fui atingido ainda por alguns deles, felizmente pequenos, um dos quais me partiu o dedo mindinho da mão esquerda, outros quatro alojaram-se nas costelas e osso do antebraço direito. Ainda hoje aqueles estilhaços encontram-se alojados nas minhas costelas e antebraço direito. Outros estilhaços muito pequenos espalharam-se pelas costas sem graves consequências.” Bem dita árvore!

Aquelas grandes operações não serviam para nada, não solucionavam a guerra.

“A minha geração cumpriu até concluir que não lhe cabia cumprir a ordem de sacrificar a sua nação.” 

Partira para Angola em 1969, regressava a Lisboa no verão de 1971. É também para isso que servem os livros de memórias, para contarmos de onde vimos, a nossa ancestralidade, por onde andamos na juventude, como chegou à Academia Militar. E como se ofereceu para a Guiné, não escondia a curiosidade de encontrar nas atividades do General Spínola uma resposta que podia ajudar a esclarecer as suas questões e com o regime. 

Ofereceu-se para assessorar uma companhia de comandos africanos, decidira que esta seria a sua última comissão em África, enquanto militar profissional não acreditava na vitória militar e enquanto cidadão não aceitava que se continuasse numa guerra sem que os portugueses se pronunciassem sobre ela.

Spínola e um direto colaborador, o Major Almeida Bruno, congeminaram a constituição de um Batalhão de Comandos Africanos. Spínola deu uma explicação a Matos Gomes:

“As tropas europeias assegurariam o apoio de fogo e de combate, enquanto não existissem quadros locais para as guarnecer. A Força Aérea e a Marinha continuariam a cumprir as suas missões, mas integrando o maior número de quadros locais que lhe fosse possível. O Batalhão de Comandos Africanos seria a principal unidade de combate ofensivo. Spínola pretendia criar um exército guineense, tendo como objetivo final umas Forças Armadas da Guiné, em que os militares portugueses fossem quadros técnicos.”

O novo centro de instrução de comandos é localizado em Mansabá. Matos Gomes ambienta-se, comanda uma das operações típicas da manobra política e militar de Spínola, no Quínara, a missão consistia em atravessar a península que integra São João, Tite e Fulacunda. Houve fogo quanto baste.

“Aprendi na Guiné que o mais seguro é passar a noite na bolanha, porque a lama absorve as explosões das granadas, basta que não nos caiam em cima. O problema são as marés. A técnica de estacionar em círculo à noite também não era usada pelos comandos africanos – todos passávamos a noite em linha, primeiro de cócoras, depois de pé, à medida que a água subia.”

Assim decorreu a sua primeira experiência como assessor das tropas africanas em combate. Vai obtendo informações quanto às tentativas de negociação de Spínola com Léopold Senghor, Marcello Caetano rejeita tais conversações.

O autor reflete sobre os comportamentos um tanto paradoxais do carismático Spínola que na Guiné parecia um político capaz de ler o “tempo da História” e que depois do 25 de Abril cometeu erros absurdos, chegando a ligar-se aos radicais do Estado Novo, aos vigaristas reunidos no MDLP/ELP, e procura dar uma explicação:

L“Na Guiné ele agiu por desejo de glória, de ganho político, e para alcançar esses fins identificou-se, através de gestos de simpatia com a população, caso dos Congressos do Povo. Embora pelo que lhe diziam os seus assessores ele estivesse convencido do contrário, os portugueses não conheciam Spínola e depararam-se com uma figura anacrónica, que surgiu desfocada nos ecrãs a preto e brancos das televisões na noite de 25 de Abril de 1974.”

Naquele desesperante mês de maio de 1973, numa tentativa de romper o cerco em Guidage, terá lugar a Operação Ametista Real, que cumpriu o seu objetivo. E o autor dá-nos conta de como se vai dando a fermentação do movimento dos capitães na Guiné, quem é quem, onde se reúnem, e aproveita para nos dar um contexto de tudo quanto ia ocorrendo em 1973, o assassinato de Amílcar Cabral, a reação do PAIGC, tomara a iniciativa de forma espetacular, pois alcançara valores que eram os mais altos de sempre desde o início da guerra: 220 ações provocando às nossas tropas 63 mortos e 269 feridos.

É no aceso desta ofensiva do PAIGC que chega a notícia da realização de um Congresso dos Combatentes, impulsionada pela extrema direita, gera-se uma movimentação contra o congresso, não só na Guiné, em Lisboa também há descontentamento, é um movimento de contestação encabeçado por Ramalho Eanes, Hugo dos Santos e Vasco Lourenço, digamos que é uma ironia, mas aquele congresso realizou-se enquanto se desenrolava uma tragédia em Gadamael, que foi mantida mas onde os militares portugueses sofreram 24 mortos e 147 feridos. E Matos Gomes escreve:

“Durante o mês de maio de 1973, a guerra na Guiné entrou num ponto de não retorno. Ao atacar quase simultaneamente no Norte, em Guidage, e no Sul, primeiro em Guileje e depois em Gadamael, o PAIGC revelou o esgotamento do potencial de combate das forças portuguesas na Guiné e da capacidade de reação a ataques combinados de controlo do território, resistindo e mantendo-se em duas frentes. O PAIGC, do seu lado, ficou a saber que dispunha de capacidade para desencadear dois ataques em força e vencer um. Poderia repetir a manobra e iria fazê-lo no início de 1974 com o cerco a Canquelifá, onde o Batalhão de Comandos Africanos conseguiu resistir duas vezes; porém, se fosse aberta outra frente, já não haveria reserva quando os paraquedistas fossem empenhados.”

Costa Gomes chega à Guiné em 8 de junho, decide-se remodelar o dispositivo, trocar espaço por tempo, aprova-se um plano de retraimento do dispositivo militar que devia ficar com todas as unidades aquém da linha geral rio Cacheu-Farim-Fajonquito-Paunca-Nova Lamego-Aldeia Formosa-Catió, para evitar o aniquilamento das guarnições de fronteira. 

Costa Gomes considerou a situação da Guiné como controlada e o território defensável; no entanto, ela é a clara admissão de que as forças portuguesas abdicavam da posse de boa parte do território da Guiné e das suas populações para se concentrarem num reduto central. A soberania portuguesa seria assim apenas formal, militar e politicamente indefensável.” 

Em agosto, Spínola regressa definitivamente a Lisboa.

Matos Gomes dá a sua versão do nascimento do MFA, chega, entretanto, o sucessor de Spínola, o general Bethencout Rodrigues. Tece um apontamento dos acontecimentos de Canquelifá e assim chegamos à tomada do poder da Guiné de 26 de abril. 

PA 16 de junho de 1974, Matos Gomes está de regresso, temos agora o quadro preparatório que o vai transformar num ativista revolucionário, iremos ouvir falar no COPCON, no Batalhão de Comandos nº11, em Jaime Neves, no 28 de setembro, nas campanhas de dinamização cultural, na efervescência política do PREC, nos acontecimentos do 11 de março e a respetiva assembleia do MFA, nos gabinetes de dinamização das unidades, num bizarro oficial muito ligado ao MRPP, o major Aventino Teixeira, estamos em pleno verão quente, Matos Gomes anda esfusiante, ele e Jaime Neves demarcam posições, nisto surge o Documento dos Nove, com as suas propostas de moderação.

 Caminha-se para o precipício, Matos Gomes, com invulgar crueza e frieza, dá pormenores de como se chega ao 25 de novembro de 1975 e o depois, a caminhada que ele impôs a si próprio.

(continua)

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Nota do editor

Post anterior de 18 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25285: Os 50 anos do 25 de Abril (3): "Geração D - Da Ditadura À Democracia", por Carlos Matos Gomes; Porto Editora, 2024 (1) (Mário Beja Santos)

sábado, 23 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25300: Os nossos seres, saberes e lazeres (620): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (147): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Com a continuação da visita ao Paço dos Condes de Basto, a que se seguiu assistir a um recital de violoncelo e guitarra num espaço esplendoroso do Museu Nacional de Évora, e depois de ter vistoriado, com muito gosto, a esplêndida obra azulejar de Jorge Colaço, um artista que em Paris chegou a trabalhar para Le Figaro e que durante muitos anos compôs os seus magníficos trabalhos na Fábrica de Cerâmica Lusitânia (que ainda conheci, estava prantada onde é hoje a sede da Caixa Geral de Depósitos, restam alguns vestígios como uma chaminé), regressei a Lisboa, de coração afogueado, um belo fim de semana, procurei meter o Rossio na Betesga, impossível, não deu para registar os valores da arquitetura popular tradicional, desta arquitetura civil manuelina não passei do Páteo de São Miguel e do Paço dos Condes de Basto, embora tenha visto por fora o Palácio dos Condes de Cadaval, confesso que foi uma revelação visitar o que já se designou por casas de Vasco da Gama e Palácio da Inquisição e que hoje é o Centro de Arte e Cultura da Fundação Eugénio de Almeida, bem gostei das casas pintadas e das belas exposições ali patentes. Basta de me lamuriar, há palácios, conventos e igrejas, a universidade e até o Teatro Garcia de Resende a pedir nova visita, assim me dê Deus vida e saúde, até lá dar-vos-ei notícias de umas andanças por Arraiolos e Torre de Moncorvo.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (147): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (7)

Mário Beja Santos

A arquitetura civil manuelina em Évora tem belíssimos espécimes. O que se costuma designar por estilo manuelino é uma combinação do tardo-gótico, do mourisco e dos primeiros sinais do Renascimento. Atestam esta riqueza a Galeria das Damas do Palácio Real de S. Francisco ou de D. Manuel, o Páteo de São Miguel da Freiria ou dos Condes de Basto (onde viveram os reis D. Sebastião, Filipe II e D. João IV) assente nos muros romano-árabes do castelo, com janelas de arcos de ferradura e tendo no interior as célebres pinturas mitológicas e históricas; mas há também o Paço do Almirante, o Palácio dos Duques de Cadaval, o mirante da Casa Cordovil e outras reminiscências, como o varandim da Casa Soure, a janela da casa do cronista Garcia de Resende, o Solar dos Condes de Portalegre, os restos arquitetónicos do Paço dos Condes de Vimioso.
Continuo a visita neste Paço dos Condes de Basto, Túlio Espanca descreve-o no seu livro Évora, encontro com a cidade, uma edição de 1997, faz saber que é um edifício de grande caráter e diversidade arquitetónica, refere as majestosas salas, as tais pinturas murais do estilo renascentista e outras maneiristas, dá conta da linhagem dos Castros que aqui viveram, referindo que o Palácio no período de 1678-89 recebeu grandes melhorias para nele se alojar o arcebispo de Évora, primo de D. Pedro II, e aqui esteve temporariamente instalada, em 1699, D. Catarina de Bragança, a viúva de Carlos II de Inglaterra. Em 1958, após longa agonia de ruína e degradação, o palácio foi adquirido por Vasco Eugénio de Almeida que o restaurou cuidadosamente com a assistência da Direção-Geral dos Monumentos Nacionais e nele instituiu a Fundação que tem o seu nome. Mais impressionado se fica quando se deambula por estas instalações ricamente intervencionadas e se pode ver um vídeo que mostra o estado de degradação em que se encontrava este monumento e as instalações anexas antes destas obras magnificentes. São estas as derradeiras imagens que se mostram do interior do palácio, há divisões que estão fechadas, o que está patente é exibido com muito bom gosto e mostra as cuidadas intervenções.

Uma bela tapeçaria flamenga alegórica a um triunfo do imperador Marco Aurélio
Um pormenor do jardim mostrando ao fundo um vestígio da muralha
Saindo do Palácio dos Condes de Basto, havia a indicação de que se podia visitar a biblioteca, estão aqui os arquivos das propriedades da família Eugénio de Almeida
Aquando da visita ao Museu Nacional de Évora (estávamos a 1 de outubro) noticiava-se que a pretexto de ser o Dia Mundial da Música se ia realizar neste belo espaço um concerto com a violoncelista Sofia Azevedo e o guitarrista Marco Banca, pareceu-me um duo bem ousado, foi um belo recital com música brasileira para violoncelo e violão, música adaptada do rock onde não faltou Mozart e composições a partir de José Mário Branco. Uma bela despedida do centro histórico, agora ponho-me rumo à estação e não posso deixar de exaltar a classe da azulejaria da responsabilidade de Jorge Colaço, painéis que envolvem a estação rodoviária com motivos eborenses, desde a Sé Catedral, quadros históricos como a Revolta do Manuelinho de Évora (1637), um auto vicentino que aqui se estreou em ambiente régio, cenas de trabalhos agrícolas, impressiona não só o estado de conservação, mas também a combinação cromática que Jorge Colaço urdiu, emoldurando o azul e branco de belas molduras que fazem ressaltar as cenas que nos remetem para Évora, isto passa-se numa estação ferroviária que vem de meados do século XIX e que já teve ligações a ramais, hoje extintos. Regresso a Lisboa, mas já estou saudoso de voltar. Entretanto, vou viajar até Arraiolos e Torre de Moncorvo, não deixarei de dar notícias.
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Nota do editor

Último post da série de 16 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25278: Os nossos seres, saberes e lazeres (619): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (146): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (6) (Mário Beja Santos)