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quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24924: Historiografia da presença portuguesa em África (397): "Viagem ao arquipélago dos Bijagós", 1879, por Maximin Astrié (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Maio de 2023:

Queridos amigos,
Maximin Astrié, comerciante francês por conta de outrém, anda pelos Bijagós, numa altura em que a presença portuguesa estava praticamente reduzida a Bolama. Decide-se por visitar Orango, é confrontado com as crueldades de um rei déspota, exalta as belezas da natureza e só espera por uma oportunidade para sair dali, já foi espoliado, teme pela sua vida, felizmente que gente da sua equipagem lhe apela ao bom senso, até agora está tudo a correr bem, deixamos para o terceiro e derradeiro texto o desfecho da história, é claro que o comerciante francês saiu são e salvo, agora o leitor fica a perceber que uma coisa foi a pacificação de Teixeira Pinto, em 1915, os Bijagós fizeram a vida negra aos portugueses e Canhabaque só se rendeu em 1936. No meio de toda esta hostilidade, fazia-se imenso comércio na região, tive a possibilidade de estudar a documentação do BNU da Guiné e a agricultura bijagó tinha o seu peso. Os comerciantes sediados em Bolama tudo fizeram para que a capital não fosse para Bissau, sabiam bem porquê.

Um abraço do
Mário


Viagem ao arquipélago dos Bijagós, 1879 (2)

Mário Beja Santos

A Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa possui um exemplar de Viagem ao Arquipélago dos Bijagós, por Maximin Astrié, negociante francês em Bolama, Luchon, 1880, o exemplar foi uma oferta de Godefroy Gairaud, vice-cônsul de Portugal em Carcassonne. Lembro-me perfeitamente de ter deitado uma vista de olhos a este texto, mas não me recordo de o ter traduzido no essencial, tem elementos até de caráter antropológico do maior interesse. E ficamos claramente a perceber que em 1878 a nossa presença nos Bijagós era por demais ténue. Vamos então ao essencial do texto. Como se escreveu no texto anterior, o rei déspota de Orango, depois de consultar os seus deuses matando um galo que enquanto estrebuchava se afastava do mercador francês, anunciaram-lhe que estava preso. E um conjunto de peripécias mirabolantes irão ter lugar, conforme ele vai escrever no seu testemunho.

Uma centena de bijagós dirigiu-se para a minha embarcação e dela tudo retiraram. Eu estava suficientemente aterrado para me opor ao saque. Resistir não tinha sentido, este povo estava submisso a este déspota, se reagisse seria trucidado. Resignado com a minha sorte, pedi à minha gente que esperasse pacientemente o evoluir dos acontecimentos. O meu cozinheiro, com a maior serenidade, trouxe-me um prato de galinha com arroz. A minha refeição foi interrompida com a chegada do touro que fora degolado diante dos meus olhos. O rei comunicava que fizera matar o touro em minha intenção e pedia-me que lhe oferecesse um quarto, é claro que prontamente concordei. Parecia que a situação não era tão má como eu inicialmente supusera. Respondi que oferecia dez galões de aguardente, logo se ouviu um murmúrio de congratulação. Até o rei veio pessoalmente agradecer-me. E através do meu intérprete fez-me saber que eu era livre de percorrer toda a ilha e que, entretanto, se iriam preparar festividades públicas.

Estava desorientado com este rei que me mantinha prisioneiro e que oferecia ao mesmo tempo presentes e festividades, tudo me parecia incompreensível, embora tenha vindo a constatar, no seguimento das minhas viagens, que era um procedimento bastante comum a alguns dos reis destes países.

No dia seguinte dirigi-me para o interior da ilha. Após ter atravessado muitos campos de milho, de inhames e de batatas, entrámos numa floresta que cobre grande parte da ponta oeste de Orango. Já tinha visto muitas florestas, lido numerosas descrições, mas nunca tinha lido nem visto nada que se parecesse com esta prodigiosa natureza. Encontrávamo-nos debaixo de uma abóbada de árvores gigantes da costa africana, cujo tronco serve para construir as pirogas. Lianas com as formas mais bizarras e as mais variadas envolviam-se à volta dos troncos vigorosos, trepando até ao topo. Estas árvores, cuja altura ultrapassa em muito os nossos maiores carvalhos, estão cobertas de uma folhagem de tal modo espessa que os raios solares não podem penetrar, e, por isso, não há nenhuma vegetação no solo. Atravessámos livremente uma clareira que me parecia infindável e que era dominada por uma vasta cúpula de verdura onde vibravam os gritos, os cantos, os meados e os uivos de milhares de animais. De quando em quando, numa aberta de luz, apareciam goiabeiras inclinadas sob o peso dos frutos amadurecidos. Estes frutos têm um gosto saboroso. Viam-se misturados o caju, o bambu, a palmeira; esta é objeto de muitos usos, desde vestuário a cordame, dela se extrai o vinho de palma e o óleo. Avançávamos muito lentamente, numa contemplação muda. Subitamente, chegou-nos o ruído de vozes humanas misturada com golpes de machado e sons guturais estranhos, entre o riso e o urro. Logo nos apercebemos, como numa visão fantástica, uns cinquenta negros agrupados à volta de um mesmo tronco, faziam uma piroga destinada ao rei. A construção de uma piroga exige não só meses inteiros de trabalho, mas uma quantidade considerável de braços, pois os indígenas estavam munidos de instrumentos grosseiros de trabalho que exigiram apenas alguns dias a um trabalhador europeu. Explicaram-me que esta piroga se destinava a substituir a piroga de guerra que ficara danificada pelo mais recente maremoto. Esta nova piroga destinava-se a uma expedição contra o rei de Oul. A piroga é considerada pelos bijagós como o mais importante sinal de poder e riqueza. O que parecia ser o chefe dos trabalhadores fez-me sinal que tinha qualquer coisa de especial a mostrar-me. Segui-o através de um tufo de bambus onde me foi dado ver a cabeça de um touro em madeira com grandes cornos, este objeto deveria ser colocado à frene na piroga, à maneira dos emblemas que vemos nos navios europeus. Veio, entretanto, um negro avisar-me que o meu cozinheiro tinha preparado uma refeição.

Seriam duas horas e estava em a fazer uma sesta quando vi entrar o ministro da Justiça que me convocava para eu ir a casa do régulo. Oumparé esperava-me deitado numa esteira, o rosto inchado, os olhos injetados de sangue, pareceu-me fatigado e nauseado pelas orgias da noite anterior. Anunciou-me em primeiro lugar que na minha ausência fora visitar as minhas mercadorias e que retirara para si os objetos que mais lhe agradaram. Adiantou que passara a dispor do meu barco que fora transferido para outro ponto da ilha, perto dos bancos onde naufragara o navio austríaco. Acolhi a notícia com uma indiferença aparente. Seguidamente o rei quis saber a maneira como os brancos procedem para fazer a guerra, para praticar a justiça e receber os impostos. O seu espanto foi imenso quando lhe falei de exércitos permanentes, de cavalaria, de metralhadoras. Manifestou imediatamente o desejo de possuir estas armas para combater contra o rei Oul. Devo confessar que as informações que lhe dei sobre o modo de praticar a justiça em França lhe causaram uma admiração muito limitada. Teceu considerações que me comprovaram que Oumparé tinha o sentimento do poder pessoal muito desenvolvido, seria considerado num país civilizado um déspota. Não me perguntou nada quanto ao modo de vida nos nossos países, o que comemos, as festas que fazemos, tudo o que se prende com a civilização material deixava-o absolutamente frio. A nossa conversa foi interrompida porque trouxeram ao rei cinco enormes talhas cheias de vinho de palma. Explicou-me que era hora das libações, estas duravam cinco horas até à meia-noite. Bebia até cair na esteira. Despedi-me e fui ver o que o rei apresara das minhas mercadorias. Servira-se das minhas mercadorias à grande.

No dia seguinte, testemunhei um acontecimento bizarro que vos vou contar aqui com todos os pormenores. Alguns dias antes da minha chegada à ilha, um pobre diabo chamado Outapa tinha sucumbido a uma doença misteriosa, que é designada na Senegâmbia por doença do sono. Os infelizes tocados por este mal perdem o uso das suas faculdades intelectuais, ficam autênticos animais. Parece que só obedecem ao supremo instinto de conservação, movem-se, falam e alimentam-se maquinalmente. Incapazes de trabalhar, caem na extrema miséria. Atribui-se este mal a um veneno vegetal que será muito comum nas florestas onde cresce a borracha. A questão não está medicamente esclarecida.

A mulher de Outapa, Tchiourra, era acusada de lhe ter acelerado a morte. Como saber a verdade? Em França, ter-se-ia simplesmente procedido à autópsia. Estes selvagens atuam de outra maneira. O chefe religioso manda construir um manequim que se pensa representar o defunto Outapa. Este manequim é colocado num ponto alto da tabanca preso por cordas ligadas a quatro estacas fixadas no solo. Evoca-se a alma do morto e cada um pode perguntar publicamente, na presença de divindades, quem é o verdadeiro culpado. Após a sesta, Samba Salla veio avisar-me que tudo estava pronto para a cerimónia. O chefe religioso pronunciava palavras misteriosas que me parecia evocar a alma do infeliz Outapa. Estendeu as mãos para o manequim e gritou bem alto: Outapa, porque morreste, fui eu que te matei? O manequim não respondeu. Vieram os principais habitantes da ilha fazer as mesmas perguntas ao manequim. Veio depois Tchiourra, uma negra de grande beleza, fez as mesmas perguntas e ocorreu um fenómeno inexplicável para mim, o manequim pareceu estremecer e balançou-se duas vezes como se estivesse a dizer sim. Houve grande clamor da multidão, Tchiourra foi levada à justiça do rei.

Deu-se uma cena de uma ferocidade selvagem. A um sinal do rei, um negro, hercúleo, aproximou-se munido de um martelo parecido aos nossos martelos de forja e com uma corrente que tinha em cada extremidade dois aros informes, a condenada foi algemada. Apareceu um cepo sob o qual foram colocados os braços de Tchiourra, esta estava energicamente presa por quatro bijagós. A rebitagem das cadeias de ferro provocou um enorme sofrimento à condenada, um martelo acidentalmente quebrou-lhe um antebraço, ela caiu inanimada.

Não pude suportar mais tempo esta carnificina e esquecendo que estava eu próprio à mercê destes selvagens, tirei de um bolso um revólver, mas senti que me prendiam vigorosamente a mão, era Samba Salla que antevendo as consequências da minha loucura me afastou deste horrível espetáculo. Tchiourra foi levada para a prisão, um buraco que mais parecia o inferno escondido de Dante. Já lá estavam dois condenados e com Tchiourra eram agora três condenados destinados a uma morte lenta roídos pela febre e fome.

Costumes bijagós, imagem publicada em Panorama, revista portuguesa de arte e turismo, Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo, n.º 10/11, 1954
Régulos bijagós, fotografia de Luís Paulo Ferraz, com a devida vénia
Escultura bijagó
Máscara bijagó, Museu Nacional de Etnologia, com a devida vénia
Rapaz bijagó em cerimónia de iniciação

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24897: Historiografia da presença portuguesa em África (396): "Viagem ao arquipélago dos Bijagós", 1879, por Maximin Astrié (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24897: Historiografia da presença portuguesa em África (396): "Viagem ao arquipélago dos Bijagós", 1879, por Maximin Astrié (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Abril de 2023:

Queridos amigos,
Há para aqui um sexto sentido que me alerta para o facto de, pelo menos, ter folheado este opúsculo, não acredito tê-lo traduzido como hoje pretendo. Não é só rico em termos antropológicos. Temos forçosamente de nos interrogar o que era a nossa presença nos Bijagós, é inequívoco que a presença francesa tinha gradualmente ganho peso, eram as tais pretensões de ficar na posse das ilhas e estender o seu domínio até ao rio Nuno, sabemos como a diplomacia francesa saiu vitoriosa ao levar-nos a assinar a convenção luso-francesa de 12 de maio de 1886, tomaram posse de toda a região do Casamansa, cortaram-nos o caminho para os entrepostos da Serra Leoa. Devemos a este negociante francês um relato bem urdido, há que questionar porque nunca tenha sido publicado em português.

Um abraço do
Mário



Viagem ao arquipélago dos Bijagós, 1879 (1)

Mário Beja Santos

A Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa possui um exemplar de Viagem ao Arquipélago dos Bijagós, por Maximin Astrié, negociante francês em Bolama, Luchon, 1880, o exemplar foi uma oferta de Godefroy Gairaud, vice-cônsul de Portugal em Carcassonne. Lembro-me perfeitamente de ter deitado uma vista de olhos a este texto, mas não me recordo de o ter traduzido no essencial, tem elementos até de caráter antropológico do maior interesse. E ficamos claramente a perceber que em 1878 a nossa presença nos Bijagós era por demais ténue. Vamos então ao essencial do texto. Astrié começa por informar o leitor que o arquipélago dos Bijagós está situado na costa ocidental africana entre a Senegâmbia e a Serra Leoa. Com exceção de Bolama, que tem sido civilizada há cerca de 2 séculos pelos portugueses, servindo de entreposto no tráfico de escravos durante muito tempo, estas ilhas são praticamente desconhecidas.

Estamos em Bolama em 1878, recebi de Marselha um telegrama convidando-me a explorar os Bijagós, em caso afirmativo deveria viajar rapidamente até Marselha. O telegrama fora-me enviado pelo sr. Aimé Olivier, homem extraordinário que fundara estabelecimentos na Ásia e África. Acedi viajar até Marselha, fui recebido com um calor tão comunicativo, tinha tal entusiasmo a expor as esperanças que depositava no futuro comercial do país nestas regiões. Não hesitei um instante em aceitar a missão. Cheguei a Bolama em 1 de fevereiro de 1879. Comecei as minhas explorações por Orango, havia dois motivos para me ter decidido primeiramente por esta ilha: é a mais importante do arquipélago e possuiu o mistério de ruídos misteriosos.

É governada pelo rei Oumpané Bijougoth, é um déspota, possuidor de uma tal crueldade que afasta do seu território todos os estrangeiros. Embarquei na chalupa Marie com mais cinco homens na equipagem, incluindo um intérprete de nome Samba Sala, um piloto e um cozinheiro. Recebera na véspera do agente consular francês em Bolama uma carta do seguinte teor: “Meu caro senhor Astrié, tomei conhecimento que se quer aventurar na ilha de Orango. Na minha qualidade de compatriota e amigo, creio dever-lhe pedir energicamente que desista deste projeto. O rei dessa ilha pratica tais atrocidades, como é o caso agora dos marinheiros austríacos que naufragaram nessas terras. Não gostava de o ver exposto a tais perigos, a prejuízos pessoais que porventura exigiriam a intervenção do governo francês; e assinava." Não me demovi, a resolução estava tomada.

Ultrapassadas as dificuldades, viajou-se até Orango. Confesso que não foi sem uma certa emoção que munido de um óculo fui verificando as sinuosidades desta terra, donde talvez eu não voltasse. Fomos recebidos com demonstração de grande regozijo, o intérprete parlamentou com os indígenas, fiquei a saber que o rei me receberia na sua morada.

A tabanca ou residência do rei ficava a cerca de 1,5 km da praia. Chegámos a uma autêntica floresta de laranjeiras no meio da qual ficava a residência do rei, uma casa redonda composta de uma paliçada de bambus e com teto de palha. O rei esperava-me sobre um pódio, uma espécie de peristilo informe onde ele habitualmente praticava a justiça. Estava sentado sobre um escabelo em madeira. Era um homem de cerca de 35 anos, olhos penetrantes, nariz de abutre, coberto por uma tanga. Trazia uma espécie de chapéu alto, tal como usam todos os reis do arquipélago. Vi que tinha na sua coxa direita uma ferida horrível, asquerosa, com pus esbranquiçado, indicador de uma doença muito espalhada pelas populações da costa ocidental africana. De tempos a tempos sua majestade pressionava esta ferida horrenda com os seus dedos e depois limpava-se com um gesto desprovido de nobreza no seu ministro da Justiça. Ofereceu-nos escabelos e começámos a conversar, com recurso a intérpretes.

Muitos viajantes têm o hábito deplorável de se apresentar como se estivessem a conversas diretamente com os indígenas para lhes conhecer a língua. Com o recurso de Samba Sala, o rei dirigiu-me as seguintes palavras: “Quer o Irã, o mais poderoso dos deuses, que tudo o que vou dizer seja a expressão da verdade. Quer o Irã que da tua parte não me mintas. Vou imediatamente oferecer um sacrifício a todos os deuses. Fala, o que vieste fazer a estas ilhas?”

A população envolvia-nos, o círculo fechava-se cada vez mais, senti um odor nauseabundo que exalavam todos estes corpos untados de óleo de palma rançoso. O rei fez um gesto significativo com o bastão que empunhava, a multidão obedeceu-lhe alargando o círculo, ficando mais distantes de nós. Ofereci a sua majestade os presentes da praxe (um lenço para o pescoço, uma faca de talho, tabaco em folhas, um garrafão de aguardente). Recorrendo a Samba Sala, respondi nos seguintes termos: “Diz ao rei que estou pronto a satisfazer todas as suas questões com sinceridade. Vim a Orango para fazer com ele o comércio das nozes de palma, amendoim e borracha. Trago-lhe todos os produtos dos brancos (dinheiro em guinéus, tabaco e aguardente)”. Ao ouvir a palavra aguardente cresceu um murmúrio na multidão. E o rei respondeu: “Diz a este branco que compreendi todas as suas palavras. Vamos agora oferecer um sacrifício aos deuses e agiremos segundo a sua resposta.” E retirou-se, encarregando dois ministros de preparar a cerimónia. Durante os preparativos, trouxeram-nos laranjas, ananases e vinho de palma.

Reparei que uma jovem negra que se colocou atrás de mim com as pontas dos dedos procurava tocar-me o pescoço e manifestava o desejo de me ver o peito. Entendi não lhe recusar este favor e abri ligeiramente a minha camisa e a minha camisola de flanela. A multidão deixou escapar um clamor de espanto, tal a surpresa que lhe causava a brancura da minha pele. Não quis ficar sem resposta. É usual naquelas tribos da costa africana manifestar a sua galantaria às mulheres pressionando com delicadeza os seios e a extremidade superior do fémur, e o maior elogio que se possa fazer da sua beleza é a de mostrar admiração causada pela firmeza destas partes do corpo. Aproximei-me dela e cumpri o dever de responder à sua delicadeza. Mas nesse tempo o rei apareceu no limiar da porta e lançou-me um olhar que não tinha nada de amistoso, aquela jovem era uma das suas favoritas. Será a este fútil incidente que devo atribuir os acontecimentos seguintes?

A uma centena de metros do alpendre onde tínhamos conversado havia uma espécie de praça publicada cercada de laranjeiras e bananeiras. Tinham trazido todos os ídolos da ilha. Os mais belos eram grotescas estátuas em madeira, grosseiramente esculpidas e encimadas com uma espécie de chapéu alto. Havia também divindades secundárias, com cornos de cabra. A multidão esperava a chegada do rei para presidir ao sacrifício. Apareceu finalmente, pôs-se ao meu lado, sempre acompanhado dos seus ministros. A um sinal do rei, o sacerdote, após alguns salamaleques apresentou ao ministro da Guerra um soberbo galo que abanava vigorosamente a cabeça enquanto o ministro da Justiça o segurava pelas patas. Finalmente, o facalhão do sacerdote abateu-se sobre o pescoço do galo que caiu, decapitado, e se revolteou por terra em convulsões de agonia. O galo afastava-se claramente de mim e acabou estendido uns metros à frente. A assistência parecia ter ficado atónita e o rei levantou-se, sem proferir uma palavra. Os deuses tinham-se revelado desfavoráveis para mim. Anunciaram-me que eu estava preso.

Costumes bijagós, imagem publicada em Panorama, revista portuguesa de arte e turismo, Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo, nº10/11, 1954
Régulos bijagós, fotografia de Luís Paulo Ferraz, com a devida vénia
Figura feminina ancestral bijagó, Irã, 1890, coleção particular
Pescador bijagó lançando redes, retirado do Correio da Manhã, com a devida vénia

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24872: Historiografia da presença portuguesa em África (395): O problema das florestas da Guiné portuguesa, anos 1950 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24793: Historiografia da presença portuguesa em África (391): Grandes surpresas na publicação "As Colónias Portuguesas", Revista Ilustrada (6) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Março de 2023:

Queridos amigos,
É com desgosto que acaba esta leitura de uma publicação que não suspeitava existir há 1 mês. O arco cronológico tem imensa curiosidade, corresponde a um período de grande desinteresse com a Guiné, apostava-se forte e feio em Angola e Moçambique, em Bolama, o governador não tinha meios militares para intervir energicamente na guerra do Forreá, que estilhaçou completamente toda a economia da região Sul. No Casamansa, a França prosseguia a sua política implacável de nos enxotar, assim se chegou à convenção luso-francesa de 12 de maio de 1886, aumentou a superfície da colónia, perdeu-se a nossa presença nos rios Casamansa e Nuno, irá estiolar o nosso comércio na Serra Leoa. Os correspondentes da revista referem-se a estes acontecimentos, chegara-se mesmo ao cúmulo de entregar a colónia a uma companhia majestática ou de ali sair de armas e bagagens, por falta de meios. Tenha-se em conta a diatribe de Alexandre Herculano sobre a questão do Casamansa. Entretanto, procura-se fazer crescer a nossa influência no arquipélago dos Bijagós. A década de 1890 iniciara-se com uma crise financeira internacional que irá devastar as instituições monárquicas, uma crise que fará estremecer o nosso Terceiro Império, o Africano. Por artes do surto ultranacionalista, durará até à descolonização.

Um abraço do
Mário



Grandes surpresas na publicação As Colónias Portuguesas, revista ilustrada (6)

Mário Beja Santos

A publicação As Colónias Portuguesas, Revista Ilustrada, publicou-se entre 1883 e 1891, era inequivocamente dirigida à classe política, não descurava a atração de investimentos, procurava dar informação aos funcionários da administração colonial e a potenciais estudiosos do Terceiro Império. Comecei, na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, por percorrer o volume referente a 1883 e a 1884. Não posso esconder o entusiasmo que sinto ao folhear estas páginas, elas comportam informações que, por um lado, corroboram o que a historiografia vai lavrando, e, por outro lado, temos inesperadamente acesso a testemunhos que se afiguram genuínos, um dos redatores efetivos, António A. F. Ribeiro terá montado uma rede de contactos e o que vai aparecer sob a forma de correio parece-me de insofismável valor.

Como se advertiu o leitor, estamos no derradeiro volume da Revista, são os números correspondentes a 1890 e 1891, o estado de muitas páginas é deplorável, dada a inequívoca importância desta publicação espera-se que um dia ela venha a ser digitalizada, comporta elementos que nenhum investigador desdenhará tomar nota.

Já não há imagens da Guiné, as que aqui se mostram pertencem a outro universo colonial, atenda-se ao retrato do então major Dias de Carvalho, no fim do século o distinto oficial-general permanecerá na Guiné um bom lapso de tempo e deixará um relatório do maior valor; e peço a atenção do leitor para o início de uma noticia sobre a Guiné, mostra o que era o estado de espírito da elite colonial, o propósito confessado era ministrar uma aprendizagem aos indígenas que servisse o comércio e a indústria.

Curioso me pareceu o que foi escrito no número referente a 31 de maio de 1890, passo a transcrever:
“O Sr. M. F. Galibert, que fazia parte da comissão destinada a fixar, de acordo com a comissão portuguesa, os limites da Guiné, escreveu um interessante artigo com o título ‘En Sénegambie’, que encontramos publicado no Bulletin de la Societé de Géographie Commerciale de Paris. E então destacam-se alguns trechos, julgam-se os mais pertinentes do artigo.
Buba caíra; e caíra desde que o Governo português, conhecendo a sua importância comercial julgou dever estabelecer ali um posto aduaneiro. Na sua queda arrastara Bolama à qual fornecia toda a riqueza. Dez anos de centralização, de funcionalismo militar, excluindo qualquer outra cooperação, tinham bastado para chegar a este resultado. E fala assim de Geba:
Este país está em formação. E em mãos inteligentes seria de uma riqueza inesgotável. Portugal parece havê-lo compreendido; e tem feito sacrifícios excecionais em favor de Geba.
Tem sustentado guerras para expulsar das suas vizinhanças as tribos inimigas, substituindo-as por povos pacíficos. Mas Geba não tem defesa. É uma grande aldeia com três mil habitantes e quinhentas casas feitas de adobe e cobertas de colmo.

Galibert revela-se surpreendido com a adaptação dos guineenses, tece as seguintes observações.
Entre os que compreenderam os seus deveres para com a civilização, os que mais títulos têm de reconhecimento dela, é, com toda a justiça, Portugal. A língua portuguesa fala-se desde a Serra Leoa até à Gorêa; é a língua comercial. A pequena Guiné está cheia de agrupamentos portugueses, em que a civilização, inseparável da expansão do cristianismo, mostrou a sua eficácia e desmentiu a suposição de que o negro é rebelde ao aperfeiçoamento. Em 1878, a Guiné, explorada pelo comércio francês, estava de tal maneira florescente que se lhe deve a sua autonomia. A política dos concelhos locais, de que os interessados, os franceses, eram rigorosamente excluídos, consistiu desde então em vexar em impostos todo o comércio estrangeiro. Como os franceses eram os únicos que tinham bens prediais no país, o valor das suas propriedades sofre. Os franceses retiram-se quase todos. Só ficou a casa Blanchard, que tinha grandes interesses comprometidos em grande número de propriedades, que podem avaliar-se em 50 mil hectares. No lugar dos que abandonam o país, Portugal não pôs lá ninguém.”

Documento do maior interesse me parece outra notícia, também sem assinatura sobre o arquipélago dos Bijagós, reza o seguinte:
“De um bem escrito relatório do Sr. Joaquim da Graça Correia e Lança, governador interino da Guiné Portuguesa, vamos escolher algumas informações interessantes relativas aos Bijagós.
A ilha das Galinhas tem 600 habitantes e 3 povoações. O gentio é pacífico. Os habitantes vão em canoas a Bolama, Bissau e às feitorias do Rio Grande comprar tabaco, aguardente, armas, pólvora e tecidos, em troca de laranjas, galinhas, arroz, azeite de palma e chabéu (fruto da palmeira). A permutação faz-se em geral do seguinte modo. Por 1 folha de tabaco trocam-se 4 laranjas, por 1 barril de pólvora de 4 libras 6 galinhas, por fazenda no valor de 360 reis 1 galão de azeite, por fazenda no valor de 960 reis 1 bushell de arroz. É uma das ilhas que mais se presta a uma larga exploração agrícola. Possui muito boa água, extensas pastagens, gado em abundância. Correia e Lança escreveu que esta gente procede dos antigos escravos de D. Aurélia Correia, que em 1833 para ali fora habitar com o seu marido, Caetano José Nozolini, levando de Bissau, do ilhéu do Rei, todos os escravos da sua casa que ascendiam a uns 400. Como era uma das principais casa de Bissau, fácil lhe foi fazer uma das melhores instalações na ilha das Galinhas.”


O artigo procede com mais comentários sobre a ilha das Galinhas, a salubridade da região e as expectativas de uma riquíssima exploração agrícola, o governador interino elenca as madeiras exóticas como a calabaceira, o poilão, a goiaba brava e o pau carvão. Mais adiante, fala na ilha de Orango, teria 8.260 habitantes e 29 povoações. “O rei de Orango é absoluto e déspota. Ninguém na ilha pode negociar, nem possuir bens; só ele possui canoas que manda a Bissau. É com ele que os negociantes se entendem para os negócios comerciais.” E deste modo termina a notícia: “Há no arquipélago vários outros ilhéus sem importância. O número total das ilhotas e ilhéus é de 53. Este arquipélago pode, convenientemente explorado, concorrer em grande escala para a prosperidade e largo desenvolvimento da Guiné.”

E aqui findam as notícias sobre a Guiné porque desapareceu a revista que neste período há que o confessar, tem o seu enfoque nos acontecimentos do ultimato britânico, detalha minuciosamente o tratado feito com Inglaterra, Angola e Moçambique são as colónias a que dá verdadeiro realce, compreende-se, foram desencadeadas as campanhas de pacificação e ocupação, de acordo com os ditames da Conferência de Berlim, encetava-se a prosperidade da nossa África Austral.

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24768: Historiografia da presença portuguesa em África (390): Grandes surpresas na publicação "As Colónias Portuguesas", Revista Ilustrada (5) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24768: Historiografia da presença portuguesa em África (390): Grandes surpresas na publicação "As Colónias Portuguesas", Revista Ilustrada (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Março de 2023:

Queridos amigos,
Algumas destas lamúrias e comentários dramáticos, como o de Teixeira de Aragão que sugere a alienação da colónia por só dar prejuízo e não possuir riquezas, tem a ver com a atmosfera geral de política portuguesa sacudida pelo Ultimato, havia mesmo uma corrente parlamentar que punha, em desespero de causa, a entrega de algumas parcelas coloniais a companhias majestáticas, chegou a ser proposto uma para a Guiné que seria administrada pelo italiano, marquês de Liveri e Valdusa, este inclusivé pediu os contributos do general Dias de Carvalho para lhe fazer um relatório sobre a Guiné, de que resulta um documento que ainda hoje é referencial; a Guiné vive a ressaca das guerras do Forreá, o profundo desgosto da perda do Casamansa, chegou António da Silva Gouveia, ele vai aparecer na lista dos correspondentes de As Colónias Portuguesas; o estilo das notícias que vêm da Guiné são marcadamente cáusticas, lamentosas, as queixas chegam mesmo à posição dos governadores escolhidos pelo ministro da Marinha e das Colónias, deixa-se nas entrelinhas que são ineptos ou impreparados. Não voltaram a haver imagens da Guiné, as que encontrei, referentes designadamente a Angola e Moçambique, são de inexcedível importância. Oxalá que toda esta publicação venha a ser digitalizada, alterará, estou certo, alguns ângulos da investigação colonial. E confesso que estou a despedir-me desta revista a muito custo, foi para mim uma verdadeira revelação.

Um abraço do
Mário



Grandes surpresas na publicação As Colónias Portuguesas, revista ilustrada (5)

Mário Beja Santos

A publicação As Colónias Portuguesas, Revista Ilustrada, publicou-se entre 1883 e 1891, era inequivocamente dirigida à classe política, não descurava a atração de investimentos, procurava dar informação aos funcionários da administração colonial e a potenciais estudiosos do Terceiro Império. Comecei, na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, por percorrer o volume referente a 1883 e a 1884. Não posso esconder o entusiasmo que sinto ao folhear estas páginas, elas comportam informações que, por um lado, corroboram o que a historiografia vai lavrando, e, por outro lado, temos inesperadamente acesso a testemunhos que se afiguram genuínos, um dos redatores efetivos, António A. F. Ribeiro terá montado uma rede de contactos e o que vai aparecer sob a forma de correio parece-me de insofismável valor.

Devo esclarecer o leitor que a partir de agora, isto é, os números ferentes a 1890 e 1891, o manuseio da publicação é delicado, dado o adiantado estado de deterioração das folhas, e digo isto com imenso pesar, o acervo de ilustrações é de insofismável importância e o que nos é dito pelos correspondentes na Guiné de modo algum pode ser iludido, a despeito, claro está, de o enfoque de quem escreve assesta primordialmente nos interesses económicos e das preocupações dos comerciantes.

Estamos em 1890, período onde irão intervir três governadores: Joaquim da Graça Correia e Lança (1890), Augusto Rogério Gonçalves dos Santos e Luís Augusto de Vasconcelos e Sá (1891). O leitor que se prepare para o tom amargo, fatídico, tristonho das notas expedidas para as colónias portuguesas. Logo a primeira:
“No Moniteur das colónias publicou ultimamente o Sr. Dureme, negociante francês que por largos anos residiu na Guiné, uma correspondência acerca da situação desta província portuguesa. A competência de quem a escreve veio demonstrar-nos com quanta razão nós, insistentemente, temos pugnado para que os poderes públicos lancem olhos de ver para esta possessão, que se vai rapidamente definhando. O Sr. Durem analisa as causas que na sua opinião principalmente têm concorrido para o abandono em que se acham quase todas as propriedades agrícolas da nossa Guiné. Atribui este triste resultado às guerras continuadas entre Fulas e Biafadas, ao empobrecimento do solo e aos impostos excecionais que oneram não só os géneros cultivados, mas também o solo, as casas de habitação, os armazéns de comércio.
Sem negarmos a importância destas diferentes causas, quase que poderemos reduzi-las todas a uma só, o errado sistema económico que seguimos na administração desta província. A Guiné está numa situação especial. Cingida por colónias estrangeiras, precisava de estar habilitada a lutar favoravelmente com elas nas suas relações comerciais. Precisava de ter uma legislação que se não prendesse com princípios gerais, e se não pretendesse amoldar a regras adotadas por outras regiões, mas que principalmente procurasse ocorrer às circunstancias especiais que ali se dão. Porque têm sucessivamente abandonado a Guiné tantas sucursais de casas francesas de Bordéus, de Marselha e do Havre que ali estavam estabelecidas? Porque têm sido transferidas para as colónias francesas ou abandonado o comércio da Guiné? Porque não podem lutar com as condições difíceis em que as coloca o nosso sistema tributário, e especialmente as dificuldades que tão insensatamente a nossa administração opões às transações comerciais num país que não pode, por qualquer lado que se encare, comparar-se com outros quer da Europa quer do Ultramar.”


Temos agora outra postura na secção de um outro número em 1890:
“Há dias apareceu num jornal um artigo que tinha por título – A província da Guiné Portuguesa necessita com urgência de um governador. Diremos que estamos plenamente de acordo. Em nenhuma província portuguesa se reclama, mais que na Guiné, a presença de um governador que saiba compreender bem as necessidades daquela província. Um governador inteligente, enérgico, prudente, conhecedor da província que administra, está habilitado a resolver, acertadamente, sobre os casos ocorrentes, porque conhece de perto as causas de muitos factos. Quem se interesse pelas nossas colónias, deve ter tido mais de uma vez ocasião de se amargurar ao ver as apreciações desencontradas, que aqui lhes chegam. O artigo a que nos referimos é firmado por um militar, o Sr. Francisco António Marques Geraldes.” E o autor desta nota explica acontecimentos relacionados com violência praticada por um régulo na região de Geba, que Marques Geraldes conhecia na perfeição. Indiretamente o texto deixa no ar a ideia de que era necessária mais autoridade, e essa faltava".

Estamos agora em 1891, o ano derradeiro desta publicação. Chamou-nos à atenção um outro considerando acerca dos colonos que mandávamos para África, no caso vertente Moçambique: “Passagens grátis para Moçambique. O paquete Luanda, da Mala Real Portuguesa, leva de Lisboa para a província de Moçambique grande número de indivíduos a quem o governo resolveu dar passagens grátis. Estes indivíduos não contraem por esse facto qualquer encargo com o Estado. São plenissimamente senhores da sua vontade, tanto na escolha do lugar para onde se destinam como nos meios de vida que aí puderem arranjar. Nós, porém, não podemos deixar de lamentar esta forma porque se deixam embarcar tantos desgraçados, velhos, novos, mulheres e crianças, tudo de embrulhada, sem saberem para onde vão, nem ao que vão. Não é esta decerto a emigração de que carece Moçambique.”

Com o título Carta sobre a Guiné temos agora a transcrição do jornal O Economista de um documento de Teixeira de Aragão referente à alienação da nossa possessão da Guiné:
“Alienar colónias é um princípio que nos parece dever ser olhado com todo o cuidado, e sõ extremos quer financeiros quer de ordem política administrativa poderiam desculpar tal passo, depois de esgotados todos os recursos de as fazer florescer. Estudem-se a sério as questões económicas administrativas particulares dos povos da Guiné, envide-se energia e escolham-se funcionários honestos e hábeis e a Guiné terá um futuro desafogado. Pedimos permissão para combater a opinião que se formou acerca da Guiné Portuguesa. A Senegâmbia Portuguesa acha-se exatamente nestas condições: o terreno que ali possuímos é de facto limitadíssimo, não encerra riquezas minerais, e são, por assim dizer, retalhos de que só podemos tirar proveito despendendo quantias fabulosas que nunca poderão ser compensadas. A ilha de Bolama é o maior trato de terreno que ali possuímos, o resto são verdadeiras tiras de terra importantes tais como, Bissau, Cacheu, Farim, Geba, as margens do chamado rio de Bolola, etc. Podíamos, é verdade, estender o nosso domínio até à zona que a última divisão territorial nos concedeu, mas para isso seria necessário sustentar ali uma numerosa força armada, que impusesse respeito ao gentio desenfreado da terra firme, que vivendo unicamente da rapina, bastante numeroso e aguerrido, faz continuas correrias nos terrenos que de direito possuímos. Acima de Geba encontram-se jazigos de ouro, mas aqueles terrenos ficaram compreendidos na zona francesa, pela demarcação a que ultimamente se procedeu. O gentio da Guiné, o mais pacífico, não se sujeita a um trabalho agrícola regular, costumado à sementeira do arroz e à mancarra, suficiente para as suas necessidades e que pouco trabalho lhe dá, difícil será submetê-lo e acostumá-lo a outras culturas. Ora, qualquer destes géneros é pobríssimo; o arroz, geralmente de má qualidade, vermelho a que chamam limpsado, e quase todo consumido na própria província; a mancarra, semente pouco oleosa, tem diminuído o preço no mercado, vendendo-se a buxula (cerca de 35 litros) à razão de 240 reis em fazendas, que pouco mais valem de 400 reis em dinheiro. Concordamos que as hostilidades que temos movido ao gentio da terra firme tenham prejudicado a Guiné, desviando o comércio para as possessões francesas e inglesas; mas também é certo que, em muitas ocasiões, essas guerras têm sido necessárias a fim de pôr cobro aos insultos, correrias e rapinas. Não podemos dizer, com verdade, que a Guiné não seja suscetível de desenvolvimento, mas esta demanda tais sacríficos da metrópole que não julgamos que possam ser feitos, nem, se o forem, possam um dia ser compensados. Julgamos, pois, um benefício e mesmo uma necessidade alienar a não só a Guiné como todas as colónias que, pela sua pequena extensão, não prometam futuro; isto em proveito de outras que, extensas e ricas, nos podem trazer prosperidade.”

(continua)

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Nota do editor

Último posta da série de 11 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24746: Historiografia da presença portuguesa em África (389): Grandes surpresas na publicação "As Colónias Portuguesas", Revista Ilustrada (4) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24746: Historiografia da presença portuguesa em África (389): Grandes surpresas na publicação "As Colónias Portuguesas", Revista Ilustrada (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Março de 2023:

Queridos amigos,
O correspondente na Guiné da Revista Ilustrada "As Colónias Portuguesas" lá vai dizendo as suas verdades com punhos, fala repetidamente num quadro de decadência, a perda do Casamansa, observa ele, fez disparar o contrabando e reduzir à ninharia o comércio português; dá-nos observações certeiras das permanentes rebeliões, tanto nos Bijagós como no continente, só se vive com alguma segurança dentro das fortificações, a política fiscal, observa também ele, é ruinosa, as construções feitas em Bolama a partir de 1879 são totalmente desajustadas à realidade local, o dinheiro enviado pelo governo de Lisboa só serve para pagar o funcionalismo, não há estradas, não há quaisquer infraestruturas, este correspondente matraqueia permanentemente que era preciso mudar de política. Recorda-se ao leitor que esta preciosa publicação vai fenecer em 1891, a crise financeira iniciada no ano antes era devastadora, só será atenuada nos finais de 1892, talvez tenha sido a crise que levou ao desaparecimento desta publicação de quem se pode dizer que traz uma outra luz para esclarecer a nossa presença frágil neste ponto da costa ocidental africana.

Um abraço do
Mário



Grandes surpresas na publicação As Colónias Portuguesas, Revista Ilustrada (4)

Mário Beja Santos

A publicação As Colónias Portuguesas, Revista Ilustrada, publicou-se entre 1883 e 1891, era inequivocamente dirigida à classe política, não descurava a atração de investimentos, procurava dar informação aos funcionários da administração colonial e a potenciais estudiosos do Terceiro Império. Comecei, na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, por percorrer o volume referente a 1883 e a 1884. Não posso esconder o entusiasmo que sinto ao folhear estas páginas, elas comportam informações que, por um lado, corroboram o que a historiografia vai lavrando, e, por outro lado, temos inesperadamente acesso a testemunhos que se afiguram genuínos, um dos redatores efetivos, António A. F. Ribeiro terá montado uma rede de contactos e o que vai aparecer sob a forma de correio parece-me de insofismável valor.

Vamos hoje falar do que se escreve sobre a Guiné em 1889, em exceção ainda é um texto de 1888 a que concedo importância, o leitor verá porquê; devo uma explicação a quem vai acompanhando esta incursão por uma revista digna da melhor atenção dos investigadores, não encontrei uma só imagem alusiva à Guiné, e como considero que a qualidade gráfica desta publicação é altíssima, decidi-me por uma seleção aleatória de imagens que têm a ver com Angola e Moçambique, compreensivelmente as duas colónias mais referenciadas.

O que se escreve na Revista Ilustrada são crónicas, há um correspondente, não se sabe se nesta altura o correspondente ainda é Augusto Barros, pois não há nenhuma assinatura. Temos agora um texto datado de setembro de 1888, em Bolama, diz o seguinte:
“É bem triste missão a de um correspondente ter sempre que dizer mal. É necessário insistir em pedir providências para que esta colónia ou se levante do abatimento em que está ou se lhe dê outra classificação própria a libertá-la dos grandes encargos que comprometem o seu orçamento e estiolam o seu desenvolvimento.
A falta de governo e de um plano de administração colonial tem prejudicado todas as províncias, porque os governadores, cada qual por seu lado a arquitetar trabalhos, não fazem coisa nenhuma, ou dormem ou alimentam a intriga e arranjam galões, desfazendo estes o que era da iniciativa daqueles, e tornando-se, portanto, prejudicialíssimos ao andamento regular do progresso das colónias.
Esta colónia, de baldão em baldão, tem hoje por seu chefe superior o senhor contra-almirante Teixeira da Silva. É um oficial de Marinha honradíssimo, mas está muito distante de poder ser bom governador, porque não tem saúde para opor ao clima malsão da terra e segue para Cabo Verde em gozo de licença da junta, deixando em seu lugar o seu secretário, que não pode resolver questões de magnitude.
A Guiné de dia para dia vai em decadência progressiva; o seu negócio diminui e decrescerá consideravelmente se a metrópole não cuidar de atenuar com vigo e força este mal-estar permanente de uma colónia, que a continuar assim ficará irremediavelmente perdida.
Sabemos todos que o concelho de Cacheu fica paredes meias com o Casamansa. Pois quando ainda tínhamos o presídio de Ziguinchor o contrabando que nos entrava pelos esteiros para o rio de S. Domingos era enorme. Agora, que o rio está em poder dos franceses, poderemos calcular a invasão do contrabando na nossa província, porque não há fiscalização no rio de S. Domingos, os esteiros que o ligam ao Casamansa estão livres e desertos de vigilância, e por consequência, quem fica prejudicado é o comércio português.

E o governo que na convenção de limites franco-luso, devia prever este estado de coisas, não lhe prestou atenção, e deixa a província mais abandonada do que no tempo que ela era simplesmente um distrito. Porque o facto de pagar mensalmente à colónia o subsídio de 4 contos e 500 mil reis, absorvidos pelo funcionalismo não é coadjuvá-la mas comprometê-la, e a província devia antes regular o seu pessoal pelos próprios recursos. A metrópole poderia satisfazer mensalmente até 4 contos ou mais, mas para obras de importante necessidade, como ponte cais, aberturas de estradas, construção de faróis e balizagem dos rios, despesa com exploradores no arquipélago dos Bijagós, estudos minuciosos das riquezas agrícolas, florestais e mineralógicas da colónia. Tem o governo feito alguma coisa neste sentido? Nada. A província conserva-se aberta ao contrabando dos negociantes estrangeiros que abandonaram as nossas povoações e recolheram a Carabane, de onde lançam sobre o nosso território uma rede de caixeiros viajantes a fazer as permutações gentílicas, de forma que apanham todas as promoções do nosso sertão. Se o governo se resolver a tomar medidas enérgicas tendendo-se ao fim de regenerar a província, pois ela ainda pode ser salva. Com portarias e ofícios de perguntas e respostas não se administram colónias. O Ministério da Marinha precisa de um movimento novo, sobretudo no que diz respeito a questões de fazenda, que não podem continuar à mercê dos que nem merecem o título de utopistas ou sonhadores, mas de tolos e maus.
As edificações que aqui se fizeram para quartéis, igreja e hospital, são cópias, mais ou menos perfeitas, de quem desconhecia completamente a vida na Guiné e lançou no papel o que nunca se realizou na prática.”


Quem assim escreve, volta a lamentar-se em janeiro de 1889: “É muito pouco o que hoje podemos dizer a respeito da situação desta província, mas, em todo o caso, não deixaremos de chamar a esclarecida atenção de Sua Excelência o Ministro para as palavras que acabámos de ler num jornal francês: ‘Não obstante os imensos recursos de toda a natureza que possui esta província portuguesa, o sistema de imposto até ali introduzido é, neste momento, a sua completa ruína. É co imenso pesar que vemos que os portugueses não procuram levantar esta província, tirando-a da desgraçada situação em que ela está, pois que acabaram recentemente de estabelecer mais um direito de 12 francos por cada kg de tabaco estrangeiro, o que em lugar de lhes aproveitar, é, ao contrário, um meio de animar o contrabando e de lhe acabar com este ramo de negócio’”.

Os meses passam e o nosso correspondente mantém as suas tiradas de fel e amargura:
“Desta província, infelizmente, não podemos ter quase nunca notícias favoráveis. A sua decadência é visível, e cada vez mais urge acudi-la com providências prontas, que melhorem ao mesmo tempo a sua situação financeira e a sua situação económica.
Não nos parece que devamos esperar que todo o comércio se transfira para as colónias vizinhas, que as relações com os povos indígenas do interior se tornem cada vez menos frequentes, que fiquemos reduzidos a defender-nos apenas em alguns pontos fortificados das correrias e dos ataques do gentio, para então cuidarmos de salvar o que já não tiver remédio.
Por agora estamos reduzidos a receber de vez em quando notícias de uma dessas guerras, em que gastamos dinheiro, despendemos forças e poucas vezes aumentamos o nosso prestígio. E é ainda às vezes para proteger os estrangeiros que temos de nos empenhar nessas lutas. Ainda o último paquete nos trouxe notícia do ataque feito pelos indígenas de Canhabaque ao navio francês Père Guignard. Tivemos de castigar o gentio, e lá foi a canhoneira Guadiana bombardear várias povoações e tabancas da ilha. Também foram bombardeadas duas povoações de balantas na margem do rio Geba e percorrido em diferentes direções o rio de Cacheu. Enfim, fizeram-se grandes proezas que decerto não contestamos, mas a isto se reduz infelizmente a nossa ação atual na Guiné. Parece-me pouco, principalmente se olharmos para o que nos custa esta província.”


Prepare-se o leitor, esta jeremiada vai ter continuidade, o correspondente na Guiné da Revista Ilustrada não dá tréguas à verdade dos factos.

Este foi o Ministro dos Negócios Estrangeiros que aguentou o ultimato britânico, em 1890
Não deixa de surpreender como a Igreja da Nossa Senhora da Conceição em Lourenço Marques tem este aspeto tão revivalista, ao tempo dizia-se eclético, o que terá levado o arquiteto a implantar o templo religioso marcadamente gótico em África?
Escola de Artes e Ofícios em Moçambique
(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24724: Historiografia da presença portuguesa em África (388): Grandes surpresas na publicação "As Colónias Portuguesas", revista ilustrada (3) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24705: Historiografia da presença portuguesa em África (387): Grandes surpresas na publicação "As Colónias Portuguesas", Revista Ilustrada (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
É facto que o ano de 1886 gerou pesar e profundo ceticismo sobre o futuro da Guiné, como colónia portuguesa. Os alertas sobre Ziguinchor eram constantes, os redatores da Revista Ilustrada esperavam que as negociações em Paris não se saldassem numa Guiné retalhada. É bem curioso que a par deste tom apocalítico com que se fala de uma Guiné moribunda, nenhum destes ânimos encolerizados refira o que se ganhou em extensão, já que até então a presença portuguesa estava bem limitada à faixa litoral, pela convenção luso-francesa subscrita em 12 de maio de 1886 ficávamos legalmente com uma faixa de território que se estendia até perto do Futa Djalon, onde nunca houvera presença portuguesa, a par de termos ficado numa situação legitimada com a península de Cacine. O que mais pesava era a perda do Casamansa e de o comércio no rio Nuno. Recorde-se que não fora por acaso que se escolhera Bolama por esta estar na interseção entre Bissau, o Quínara e o Tombali, os rios Nuno e Pongo, que facilitavam o comércio na Serra Leoa, onde tínhamos estabelecimentos comerciais. Não consigo entender como é que esta Revista Ilustrada denominada As Colónias Portuguesas não fazer parte da bibliografia essencial da Guiné, sobretudo neste final do século XIX.

Um abraço do
Mário



Grandes surpresas na publicação "As Colónias Portuguesas", Revista Ilustrada (2)

Mário Beja Santos

A publicação As Colónias Portuguesas, Revista Ilustrada, publicou-se entre 1883 e 1891, era inequivocamente dirigida à classe política, não descurava a atração de investimentos, procurava dar informação aos funcionários da administração colonial e a potenciais estudiosos do Terceiro Império. Comecei, na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, por percorrer o volume referente a 1883 e a 1884. Não posso esconder o entusiasmo que sinto ao folhear estas páginas, elas comportam informações que, por um lado, corroboram o que a historiografia vai lavrando, e, por outro lado, temos inesperadamente acesso a testemunhos que se afiguram genuínos, um dos redatores efetivos, António A. F. Ribeiro terá montado uma rede de contactos e o que vai aparecer sob a forma de correio parece-me de insofismável valor.

Já chegámos ao n.º 1 de janeiro de 1885. Veja-se esta carta de um leitor de Cacheu que refere a indisciplina que ali grassavam, a hostilidade a quem vivia na fortaleza: “Uma lição severa os poderá tornar humildes e submissos; porém, para ter lugar essa lição, são necessários recursos que nós não temos.” E para além de falar na falta de recursos que tornam a vida tão intranquila dentro da fortaleza, o leitor tece acusações à Administração em Cacheu do capitão Sérgio Leitão de Melo, terminando assim: “Eis a nossa situação; dentro da Praça o povo amotinado contra as autoridades, e fora os gentios dispostos à guerra contra nós. E a metrópole, o que fará? Nada.”

Vejamos agora o n.º 3, de março de 1885, é um texto de queixa e de mágoa, intitulado Os Rios Nunes e Casamansa:
“É gravíssimo o estado em que está a nossa Guiné. A França, querendo possuir de força o nosso rio Casamansa, faz, quem sabe se em vista das informações dos seus delegados, as maiores diligências para nos emaranhar por forma tal que quando um dia se chegue a tratar deste assunto nos ser já impossível podermos reaver o que por todos os títulos nos pertence!
É necessário dizer também que não é só o rio Casamansa que a França nos ambiciona. É o rio Nunes, de que se vai apossando. A colónia francesa, Senegâmbia, reavida em parte do poder dos ingleses, pela paz aceite pelos diferentes estados da Europa depois das sanguinolentas guerras de 1808 a 1814, não era a que prendia mais atenção dos seus homens de Estado. Sirva de exemplo o procedimento da França e não nos iludamos com as boas relações e amizades de que se fala, mas que não impede que vão tomando posse dos pontos mais importantes da nossa província da Guiné.”


Registei de um documento sobre o estado financeiro de cada uma das nossas províncias além mar, sendo autor o Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, Manuel Pinheiro Chagas, apresentado ao rei, em 29 de dezembro de 1875, no que se refere exclusivamente à Guiné:
“As receitas tinham chegado à mais completa decadência. As continuadas guerras dos pretos traziam consigo uma falta de segurança, que paralisava a agricultura e, por conseguinte, o comércio. O estabelecimento do telégrafo submarino melhorou completamente as condições dessa província cujo governador pôde rapidamente chamar navios de guerra estacionados em Cabo Verde, assegurando assim dentro em pouco a tranquilidade de agricultura, logo que os tumultuários vejam que têm pronta repressão qualquer motim que intentem.”

Estamos agora em 1886, ano IV. Escreve António A. Ferreira Ribeiro sobre a rua do governador Caldeira, em Bolama:
“Escolhida para capital, pela elevação do antigo distrito da província independente em 1879, teve esta povoação grande desenvolvimento nos primeiros anos, e, sem obedecer a um qualquer plano, hoje, espalhadas à vontade construções de regular merecimento, tanto particulares como do Governo, tudo, porém, foi caprichoso, precipitado e autoritário, o que deu em resultado tornar-se uma povoação irregular e feia no seu conjunto, suficientemente elevada acima do nível do mar e da natureza que a revestiu com árvores frondosas e da mais bela folhagem. A rua do governador Caldeira que a gravura representa, foi assim denominada em homenagem ao nome de um bravo militar que da defesa do território português soube sempre lutar com honra e brio pela sua independência e integridade, quer contra os gentios aguerridos quer contra as ambições teimosas e insistentemente atrevidas dos nossos vizinhos e ‘amigos’, França e Inglaterra. A primeira casa, lado esquerdo, ao nascente, a residência oficial, e avistando-se ao fundo da rua, que forma ao centro uma pequena curva o segundo andar do prédio de Aimé Olivier, a quem Portugal premiou com o título de visconde de Sanderval, em honra, talvez, das suas vilãs tentações contra o domínio português, quer nas ilhas do grande arquipélago dos Bijagós, quer nos diferentes lugares que visitou. O amor à ciência é desinteressado, dizia ele, e assim percorreu por toda a parte como o mais abstrato sábio e mártir do progresso e da civilização, indo, depois, com toda a diplomacia á bon citoyen français, oferecer os tratados secretos com régulos já sujeitos à soberania de Portugal, ao Governo do seus país!”
E assim conclui a sua apreciação sobre Bolama: “A povoação assenta em lugar relativamente elevado, mas faltando-lhe todos os cuidados de asseio, e ficando muito próximo à praia, que é lodosa em grande extensão, precisam os seus habitantes do máximo resguardo e cautela para se precaverem contra as febres do país, que na mudança das estações torna muito perigosa, pela permanência prolongada no mesmo sítio, tanto europeus como africanos.”

E deteta-se na leitura que a questão de Ziguinchor é alvo de uma escrita em pânico, é como se estivesse o autor a tocar uma sirene de alarme para que o Governo em Lisboa viesse salvar a praça e impedir o domínio absoluto do rio pelos franceses. Aliás, lê-se um comentário, ainda no n.º 1 de janeiro de 1886:
“A Guiné está perdida, e perdida porque, de um lado, os negociadores dos seus limites, ao norte e ao sul, vieram afirmar a indiferença da grande maioria dos nossos homens da atualidade, dando o melhor dos seus terrenos, as mais importantes comunicações fluviais com o interior, sem que o pulso lhes doesse ao sancionar tais atos, de que, por força, hão de dar explicações ao público, que tem direito a saber porque entregarão a um país estranho, o que, de séculos, era português.”

E conclui-se a leituras destes números com a carta de Frederico de Barros ao governador (não se sabe se é Francisco de Paula Gomes Barbosa ou José Eduardo de Brito, ambos estiveram ao leme da governação nesse ano:
“Sr. Governador, prezo-me de saber conhecer bem, e compreender razoavelmente os direitos e os deveres que constituem a pessoa moral e política, de que faço parte. Sei que na qualidade de Presidente do Conselho Governativo ao entregar o governo dela a Vossa Excelência me cumpria dar notícias do seu estado.
Por cá há intriguistas e aduladores perigosíssimos, cujas ciladas Vossa Excelência deve evitar. Tenho muito que expor sobre o estado desgraçado desta província. Disseram a Vossa Excelência que eu não me tenho dado bem com nenhum dos governadores, é bem verdade, e disse-me de orgulho. Espero que nos daremos bem. Mas se a Guiné Portuguesa tem lavrada, como eu creio, a sua sentença de morte, isto é, se está prestes a ser riscada do mapa das nossas possessões coloniais, e se a má sorte venha a ser que Vossa Excelência se torne o último governador português, que a terra lhe seja leve!”
Bolama, capital da moribunda Guiné, 20 de outubro de 1886, o Africano, Frederico de Barros.

Deve-se a Alexandre Herculano uma magnífica peça de oratória no Parlamento, o grande escritor respondeu encrespado a um deputado da Madeira que observara que a palavra Casamansa era um barbarismo e que o melhor era entregar tudo aos franceses
(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24679: Historiografia da presença portuguesa em África (386): Grandes surpresas na publicação "As Colónias Portuguesas", revista ilustrada (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24628: Álbum fotográfico do António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Buba, 1973/74) (5): Ainda Bolama, abril de 1973



Fotos nº 1A e 1 > Guiné > Bolama > BCAÇ 4513 (1973/74) > Abril de 73 > Desfile do pessoal perante o General Spínola.


Foto nº 2 Guiné > Bolama > BCAÇ 4513 (1973/74) > Abril de 73 > Pessoal (a maior parte furriéis) do 4513/72 na esplanada junto à piscina.


Foto nº 3 > Guiné > Bolama > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (1973/74) > Abril de 73 > A dar ao dente: da esquerda para a direita: Oliveira, Victor, Gatões (†), Victor Domingues, Peixoto (†), Cruz, Reis (†), Costa (†), Carvalho. (Legenda: † já não estão entre nós)



Fotos nºs 4 e 4A > Guiné > Bolama > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (1973/74) > Abril de 73 > Bolama Monumento aos aviadores Italianos: da esquerda para a direita, Raposo, Victor, Cruz, Paraty, ?, e Cabral.



Foto nºs 5 e 5A > Guiné > Bolama > 1ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (1973/74) > Abril de 73 > Monumento aos aviadores Italianos: Cruz

Fotos (e legendas): © António Alves da Cruz (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação de uma seleção de fotos do álbum do António Alves da Cruz (ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 45113/72, Buba, 1973/74) (*).


Estamos a seguir, tanto quanto possível,  a ordem cronológica da comissão de serviço na Guiné;

(i) Partida do BCaç 4513/72: Embarque em 16mar73; desembarque em 22mar73 (**)

(ii) IAO no CIM de Bolama, em abril de 1973 (***);

(iii) A 1ª Comp, após o treino operacional no subsector de Buba com a CCaç 3398, sob orientação do BCaç 3852, passou a reforçar a actividade daquela subunidade no esforço realizado de contrapenetração no referido subsector e depois integrada no seu batalhão, na função de intervenção que lhe foi atribuída, tendo-se instalado, a partir de 17,ai73, em Mampatá (*).

Mensagem de 29 de agosto passado, às 19h55, enviada pelo António Albves da Cruz

Bom dia amigo Luis

Assunto - Fotos de Bolama

De Bolama ficaram algumas fotos por publicar, em especial a da esplanada junto à piscina onde está grande parte dos furriéis do BCAÇ 4513/72.

Aqui vão as fotos e legendas:

1 - Bolama, abril de 1973, desfile do BCAÇ 4513/72 perante o General Spinola;
2 - Pessoal do 4513/72 em Bolama na esplanada junto á piscina;
3 - A dar ao dente em Bolama, da esquerda para a direita: Oliveira, Victor, Gatões, Victor Domingues, Peixoto, Cruz, Reis, Costa e Carvalho
4- Bolama, Monumento aos Aviadores Italianos: Raposo, Victor, Cruz, Paraty, ?, e Cabral;
5- Bolama, Monumento aos Aviadores Italianos : Cruz.

Abraço, Cruz
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