Mostrar mensagens com a etiqueta Cândido Cunha. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Cândido Cunha. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17730: Blogues da nossa blogosfera (78 ): "A Minha Cave", de Renato Monteiro: Os gatos pretos, brancos e amarelos...("texto dedicado ao meu amigo Luís Graça")


Guiné > Região de Baftá > Contuboel > A dolce vita dos dois primeiros meses (ou nem chegou a tanto...)  de comissão, passados no Centro de Instrução Militar de Contuboel... Luís Graça (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12) e Renato Monteiro (CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego e Piche, 1969; e  CART 2520, Xime e Enxalé, 1969/70), em passeio pelo rio Geba, em junho ou julho de 1969: Passeio de piroga junto à ponte de madeira de Contuboel, sobre o rio Geba... Nunca soube quem nos tirou esta foto... fabulosa.  [Talvez o Cândido Cunha, o "Canininhas", sugere o barqueiro (*)]... Levei 40 anos a tentar recordar-me do nome do barqueiro (**)...

Foto (e legenda) © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Texto do Renato Monteiro, disponível no seu blogue "A Minha Cave" 

28 de julho de 2017 > Os Gatos Pretos, Brancos e Amarelos

Texto dedicado ao meu amigo Luís Graça (***)

De tão densa a floresta, mal o sol penetra. Escura como a galeria funda de uma mina. Húmida e lúgubre, por vezes, apavora!

E que dizer dos ramos e mais ramos espinhosos que nos rasgam a pele? Das ardilosas covas abertas, pelas quais se pode desaparecer para sempre? Das ciladas dos animais? Sobretudo dos gatos brancos, pretos e amarelos, que, eriçados, soltam mios e mostram as garras, quando não se ocultam atrás dos troncos, das pedras e da folhagem. Os que nunca se abstêm de espiar, tanto os nossos gestos, como as nossas falas caladas.

Mesmo assim, não desistimos de cantarolar uma letra infantil que conta a história de um cão felpudo e sem abrigo, abandonado pelo seu dono por um amor havido a uma mulher… E enquanto os mochos, nas copas das árvores, piam, piam incansavelmente, lembrando viúvas a chorar, nós continuamos adiante, sem evitar os espinhos mais agudos, que nos deixam a sangrar. Mas, por muito exânimes, voltamos a repetir cada vez mais alto a cantilena, onde entra a história do cão abandonado… sem que alguma vez os gatos pretos, brancos e amarelos, nos percam de vista e, eriçados, mostrem as garras e espiem, espiem

Apenas a memória do sol nos ilumina um pouco. A estrela que ainda mantém as suas marcas no nosso corpo, sobretudo nas mãos humedecidas, a fecharem-se e a abrirem-se, instintivamente, detendo e largando as ambições de outrora….


Só bem mais tarde, a inesperada clareira de um extenso lago, acaba por nos obrigar a interromper a marcha. E é, então, aí que os gatos pretos, brancos e amarelos, quais guardiões do fogo do inferno, logo se dispõem em volta, tornando impossível romper com aquele anel odioso de felinos! Apenas nos resta a oportunidade de matar a sede e quase fazer ruir o céu, ao cantarmos, de novo, a história aprendida na nossa infância.

Impensável é que, nesse instante, os gatos pretos, brancos e amarelos, fossem levados a distender as patas dianteiras, recolher as garras, inclinar as cabeças redondas, deixando-se, por fim, adormecer…

Quartel de Penafiel, 24- 10 - 1968
_____________

(*) Vd. poste de 23 de junho de  2006 > Guiné 63/74 - P899: Diga se me ouve, escuto! (Renato Monteiro)

(**) Vd. também poste anterior, 23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P898: Saudades do meu amigo Renato Monteiro (CART 2479/CART 11, Contuboel, Maio/Junho de 1969)

(***) Último poste da série > 24 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17276: Blogues da nossa blogosfera (77): Alda Cabrita, em 24/4/2015, à conversa com o gen trms ref Pena Madeira: uma história com h pequeno dentro da História com H grande, a colocação do cabo de transmissões no Posto de Comando do MFA, na Pontinha... (Uma homenagem à arma de transmissões: a não perder, amanhã, às 21h00, na RTP1, o documentário "A Voz e os Ouvidos do MFA")

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17592: Efemérides (260): O dia em que entrei para a tropa... Foi há 50 anos, em 10/7/1967, na EPC, Santarém (Valdemar Queiroz, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]



Samtarérm > Escola Prática de Cavalaria > Abril 1971. Junto à entrada da EPC,  o Augusto Silva Santos, ladeado pelos camaradas Lúcio e Miguel Ângelo.

Foto (e legenda): © Augusto Silva Santos (2014). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




O DIA EM QUE ENTREI PRÁ TROPA


[, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]



Quem, de nós, não se lembra do dia em que entrou prá tropa?

Eu lembro-me. Faz agora 50 anos.

Foi no dia 10 de Julho de 1967, na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, para o CSM [, Curso de Sargentos Milicanos]. Já tinha 22 anos e, até hoje, não sei a razão por ter sido chamado tão tarde.

Tinha estado, uns dias antes, na Portugália, em Lisboa, a jantar ou, melhor, a comer o bife ‘à Portugália’ com um amigo que ia para Santarém horas depois ou, talvez fosse a um sábado, não me lembro bem. Contou-me que estava na EPC. no Curso de Sargentos Milicianos.
− Eu, também, vou pra lá no dia 10 −  digo-lhe eu. 
− Estás lixado, tens que ser engraxador, polidor de metais e soldadinho de chumbo como o ‘Mouzinho’ e explicou-me o que devia levar e o que lá devia fazer, senão, depois, não ‘vens a fim de semana’, disse ele.

Cheguei a Santarém.  Fui o primeiro a entrar ao Quartel ‘Destacamento’ da EPC., cá em baixo na cidade, na parte da tarde. Levava escovas e latas de graxa prás botas e solarine prós amarelos, na bagagem. 

O Cândido Cunha, que eu não conhecia e que havia de me acompanhar na recruta, na especialidade e até ao fim da tropa, incluindo na mesma CArt. na Guiné [, a CART 2479 / CART 11], também fazia parte deste grupo de recrutas. Fomos encaminhados prós testes psicotécnicos dos dominós e outros pra saberem as nossas capacidades. 

Depois fomos receber o fardamento. Deram-nos o fardamento adequado com a particularidade de nos ser fornecido umas fitas vermelhas/verdes largas e compridas para serem cosidas na boina, assim como um cartão para ser colocado na parte interior/superior da boina para suporte das Espadas de Cavalaria e, também, uns elásticos para segurar/enrolar o final das calças entre as fivelas das botas pra ficarem a ‘golf à Mouzinho’. 

Depois, no final da tarde, já com tudo organizado e equipado viemos prá parada e eis que surge a primeira tropa a sério: 
− Quem dos presentes percebe de laranjas? − foi perguntado. 
− Nós!− , responderam alguns,  e lá foram estes descascar batatas no refeitório pró jantar. 

Espectacular!!!... Até dá gosto ter estado na tropa. Com as botas bem engraxadas e com os ilhós dos atacadores e das duplas fivelas dos plainitos brilhantes/reluzentes como as Espadas da Cavalaria da boina começamos a sair prá cidade e a visitar a família aos fim de semana.

Quem me dera ter agora vinte e dois anos.

Valdemar Queiroz

 ________________

Nota do editor:

Último poste da série > 21 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17498: Efemérides (259): Dia do Combatente Limiano - 6.ª Homenagem do Concelho de Ponte de Lima aos seus 79 Heróis Militares caídos em combate pela Pátria, 27 na I Grande Guerra e 52 durante a Guerra do Ultramar (António Mário Leitão, ex-Fur Mil na Farmácia Militar de Luanda)

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16942: Inquérito 'on line' (98): total de respostas: 112. Resultados: mais de metade (53,6%) não vê impossibilidade de o inimigo de ontem ser amigo hoje... Menos de um terço (30,4%) é mais cauteloso, responde "talvez, depende das circunstâncias"



Foto nº 1

Foto nº 1 A
Guiné > Região de Quínara > Fulacunca > 3.ª CART/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Julho de 1974 > Vinda de um bigrupo (c. 50 elementos) do PAIGC, por sua iniciativa. Aqui, um grupo mais restrito (15 elementos,. "armados até aos dentes"mas já pouco disciplinados a avaliar pela falta de aprumo ,...)  com o alf mil Jorge Pinto, nosso grá-tabanqueiro. em visita, a seu pedido expresso,  ao porto fluvial de Fulacunda, por onde era feito o   reabastecimento das NT  [ vd. porto fluvial, no rio Fulacunda, poste P12368];
Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Percebe-se,  pelas fotos nº 1 e 1A, que   a "confiança", por parte dos militares do PAIGC, ainda era incipiente... Estávamos em julho de 1974... Vinham bem armados...

Em tempo oportuno agradeci ao Jorge Pinto a sua genersoidade  e a sua franqueza ao enviar-nos estas e outras fotos de encontros "amigáveis" com o PAIGC no pós 25 de Abril. Há camaradas deste tempo que ainda têm relutância em partilhá-las, no nosso blogue. Podia comprender-se tal atitude até há uns atrás, dado o "receio de crítica" por parte dos pares, sobretudo pelos "velhinhos" que apanharam os duros anos do iníco da guerra ou que combateram o PAIGC no tempo de Spínola.

Sabemos que expor estas fotos, é também expor-nos... Mas, como temos dito, seria uma pena não as publicar e, mais tarde, vê-las no contentor do lixo ou na feira da Ladra, vendidas pelos herdeiros ao desbarato...

Não é desonra nenhuma "posar" para a fotografia com o "inimigo de ontem"... Acontece, aconteceu em (quase) todas as guerras que, como tudo na vida humana, chegam a um fim... (Se calhar,  mais difícil do que   continuar a guerra, é saber fazer e manter a paz.).

Ao mesmo tempo também há, de parte a parte, a humana curiosidade em "conhecer o outro" que nos combatia, que se calhar nos teve, no mato, debaixo da mira da Simonov, ou da Kalash ou do RPG... ou que despejou carregadores de G3 contra o "filho da p... do turra" emboscado por detrás daquele bagabaga, junto à aquele bissilão na orla da mata, na picada que ia ter à bolanha e ao rio, naquele dia e naquela hora... Lembras-te, camarada ?

O Jorge Pinto [, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74] é  natural de Turquel, Alcobaça; foi  professor do ensino secundário, ensinou história, e está reformado.

Sublinhe-se a grande lição que ele nos dá,  a coragem,  a naturalidade, o fair-play e  a dignidade com que o Jorge Pinto aparece nas fotos. A propósito comentou ele na devida altura:

 "A 'exigência' da ida ao porto de Fulacunda, no mesmo dia da visita, considerei-a inútil, pois não fomos fazer nem ver nada de novo. Nesta viagem de 4/5 km iam cerca de 15 (guerrilheiros), bem armados, conforme fotos demonstram. Da parte das NT ia eu, um furriel e o cabo condutor, totalmente desarmados. Nenhum elemento da população nos acompanhou. Esta ficou dentro do recinto que era cercado por arame farpado conversando com os restantes elementos do PAIGC"...

II. INQUÉRITO DE OPINIÃO:

"O MEU INIMIGO DE ONTEM 

NUNCA PODERÁ VIR A SER MEU AMIGO" (*)


1. Não, nunca poderá vir a ser meu amigo > 13 (11,6%)

2. Sim, poderá vir a ser meu amigo > 60 (53,6%)

3. Talvez, depende das circunstâncias > 34 (30,4%)

4. Não sei responder > 5 (4,4%)

Total > 112 (100,0%)



Total de votos apurados: 112  | Inquérito encerrado em 9/1/2017, àS 18h36.


III. Comentários:
(i) Luís Graça (*)

Como em todas as guerras, os "dois" lados nunca estão preparados para fazer a paz... Na Guiné, se a guerra tivesse acabado, mais cedo, em 1969/71, quando eu lá estive, confesso que também não saberia como agir... Nem eu nem os restantes graduados da minha CCAÇ 12... Isso era tanto verdade para nós como para o PAIGC... Fomos preeparados (mal) para fazer a guerra, não estávamos "programados" para fazer a paz...

O António J. Pereira da Costa que era oficial do quadro nunca deve ter tido "aulas" sobre como proceder em caso de cessar fogo e conversações de paz... Nenhum dos lados previa, em teoria, essa hipótese. A guerra acaba com a vitória sobre o inimigo...

No fundo, o nosso "nacional-porreirismo!" mais não foi do que uma manifestação do nosso proverbial sentido de desenrascanço e vontade para pôr um ponto final num conflito que já lavrava há 13 anos, sem um fim (razoável) à vista...

A paz está no ADN dos seres humanos, faz parte do património genético dos portugueses... E na realidade é bem maia difícil fazer a paz do que a guerra... Exige muito mais sabedoria, inteligência emocional, capacidade de negociação, empatia, comunicação, "pôr-se na pele do outro", saber ouvir, etc.

Admiro os nossos camaradas que estavam na Guiné no 25 de Abril e que apanharam com a "batata quente" nas mãos... O PAIGC estva com pressa de chegar a Bissau e ocupar o palácio do governador... os nossos camaradas estavam com pressa de chegar a casa, e na metrópole jovens maoístas e tostkistas tentavam impedir a partida de barcos com "carne para camhão", gritava no cais da Rocha de Conde de Óbidos, "nem mais um soldado para as colónias", Em 4 de maio de 1974, militantes do MRPP impedem, pela primeira vez, um embarque de tropas para as colónias...


(ii) Carlos Vinhal (**)

Acho que estamos a balancear entre extremos o que acaba por confundir um pouco. O título do P16905 diz: Inimigos de ontem, amigos de hoje - uma frase afirmativa. Eu no meu poste escrevi: Inimigos de ontem, amigos de hoje? - uma frase interrogativa
O título da sondagem é: O meu inimigo de ontem nunca poderá ser meu amigo - outra frase afirmativa, mas de sentido contrário da primeira.

Houve apenas uma pequena minoria (o reforço é propositado) que teve oportunidade de contactar e abraçar o inimigo depois de terminada a guerra. O que cada um fez, se abraçou, ignorou ou evitou o ex-IN é com cada qual. Nós, os mais velhos, que entramos e saímos em estado de guerra, só podemos falar de nós próprios e da nossa eventual reacção.
Como refere o Torcato Mendonça noutro local, provavelmente eu cumprimentava cordialmente o meu antagonista, se possível, ambos desarmados, e até com continência se essa pessoa tivesse no seu exército um posto superior ao meu. A isto chama-se respeito e não amizade.  Abraçar o ex-IN, acho que: "nunca, jamais, em tempo algum".

Já agora uma pequena achega ao comentador acima. O meu camarada Alferes Couto ficou em bocadinhos O meu camarada Soldado Vieira ficou esventrado por um rocket O meu camarada Barbosa ficou todo "furado" com estilhaços

Não participei em nenhum jogo electrónico de guerra, era mesmo guerra com tiros, armas pesadas e minas, tudo a sério. E muito importante, cada um de nós só tinha uma vida, não havia segunda hipótese.


(iii) Cândido Cunha (**)

Carlos Vinhal,tal como tu afirmas,também "Não participei em nenhum jogo electrónico de guerra, era mesmo guerra com tiros, armas pesadas e minas, tudo a sério. E muito importante, cada um de nós só tinha uma vida, não havia segunda hipótese." E,usámos as mesmas maquinetas de guerra que tu. Formámos a CART 11, depois CCaç 11 que ficou sediada até 74 em Paúnca. Pois, Vinhal, eu também não esqueço as minas entre Piche e Canquelifá em julho ou aggosto de 69 ,(seis mortos),um dos quais um cabo enfermeiro todo negro da explosão,que um srg como louco, tentava acordar .Tivemos sorte, sim, senhor, foi termos saído de lá em 70.Como não esqueço aquela noite e madrugada já perto de me vir embora,em que estive a contar histórias ao Aladje Silá que ficou a esvair-se em sangue à espera do Allouette que pousou cerca das 7:30. Ele morreu quinze minutos antes. Como sabes,  o Salazar ,não nos tinha fornecido meios capazes de nos evacuar de noite. Lembro-me do 1º,durante umas fogachadas em Nova Lamego, quando eles andavam a preparar os Katiuschas que passavam e rebentavam a quilómetros, ironizando comigo e a dizer-me que os meus "amigos" nos queriam matar. Portanto, nós hoje, e também graças ao 25 de Abril, escolhemos os amigos que quisermos. Nem hoje  nem nesse tempo os culpei pela Guerra .Já agora prefiro a amizade do que o "respeitinho" militar e a continência !


(iv) José Diniz Carneiro de Sousa e Faro (**)

Não poderá ser meu amigo, acho que será trair os meus camaradas que morreram. Os abraços que vi via TV em 74, entre inimigos de ontem e amigos de hoje, eram de alívio por parte dos meus camaradas (era um chegar ao fim de uma guerra), mais do que de amizade. Os altos Comandos Militares, não tiveram Dignidade na Rendição e da parte do inimigo muito menos,  foi um "Adeus, oh vai-te embora".  Os nossos mortos não mereciam nem tão pouco o Povo da Guiné que ficou entregue a uma mão cheia de recalcados. Passados este anos todos ficaram muito pior. Portanto o "Tal abraço" não passou disso mesmo. Abraços.


(v) António J. Pereira da Costa (*)

Há quem diga que a guerra é o bastão da cólera de Deus. Por isso a guerra cairia em cima dos povos que se "portaram" mal. Era uma teoria. Creio que já está em desuso.

As FA [Forças Armadas] são, portanto, uma espécie de pau que bate no cão e, muitas vezes, a guerra torna-se tão impopular que as FA - de ambos os beligerantes - ficam responsáveis pela guerra, perante o povo a que pertencem. É uma leitura deficiente por partir da ideia de que há guerra porque há FA e não o contrário. É como se dissesses que as pessoas são mortas porque há navalhas e facas... Ou seja o cão tem tendência a morder no pau em vez de se atirar ao homem que lhe bate. É assim com quase todos os povos e exemplos não faltam...

Do mesmo modo que a guerra é determinada por quem manda ou a quem os povos concedem autoridade para os conduzir, a paz é feita pelos mesmos que a determinaram. Não há muitos exemplos de pazes feitas, no terreno, entre forças combatentes, nem sequer tréguas. Por isso é natural que os combatentes não estejam preparados para fazer a paz. De outro modo poderiam fazê-la sem ordens e era uma "desgraça". Além disso, a guerra é feita para impor a nossa vontade ou objectivos ao inimigo e, por isso,  quem faz a guerra aprendeu (normalmente) a fazê-la e mais nada. Por consequência não está preparado para fazer a paz. 

O afastamento do ex-inimigo é o último assomo de valentia que resta ao derrotado. Como, neste caso, foi o PAIGC que atingiu os objectivos e a guerra é um fenómeno total que colide com todas as áreas de actividade de um país, é por isso que eu digo que o PAIGC venceu a guerra.

Claro que a sobranceria do vencedor é um factor a ter em conta e em África, naquele tempo (e talvez hoje ainda) muito mais.  Não sei, mas já tenho admitido que, na sua maioria, os guerrilheiros, em pouco dias, descobriram a pobreza que se adivinhava e reconheceram que o partido não iria conseguir dominar correctamente a situação, por nada ter para dar.

Em resumo, vivia-se melhor junto das NT do que junto da guerrilha e, a partir daí era sempre em perda. Mas, no fundo, eles também queriam deixar de sofrer e de morrer.
___________________

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16917: Inquérito 'on line' (97): Nas primeiras 50 respostas, metade dos respondentes considera que "sim, poderá vir a ser amigo do inimigo de ontem"... O prazo termina na 2ª feira, dia 9, às 18h36...


Guiné-Bissau >Região do Oio > Mansoa > O nosso coeditor, o "ranger" Eduardo Magalhães Ribeiro com um comandante do bigrupo na região de Mansoa, de nome Antero Sá (a viver em Portugal desde 1975, segundo informação do nosso amigo Nelson Herbert; era filho de uma conhecida família de comerciantes mestiços, a família Sá, de Mansoa).

Trata-se de um indivíduo mestiço, natural de Mansoa, que pertenceu às NT, e que terá desertado para o PAIGC, na sequência de um alegado e grave conflito com um superior hierárquico. O Eduardo conviveu com ele "ainda umas semanas"... Tornaram-se amigos: ambos eram "rangers", um do lado, outro do outro...(*)

O Eduardo, quando substituiu temporariamente o furriel vaguemestre da CCS do BCAÇ 4612/7, chegou a arranjar alguma comida e cigarros para os homens do bigrupo do comandante Sá.

Foto do próprio, reproduzida no Correio da Manha, revista "Domingo", série "A minha guerra", edição de  25 de Janeiro de 2009... Eduardo José Magalhães Ribeiro, nessa edição do CM, teve direito a título de caixa alta... Fur Mil Op Esp, CCS, BCAÇ 4612/74, teve o seu "momento de glória" no dia 9 de Setembro de 1974, em Mansoa, onde arriou, com emoção e dignidade, a bandeira verde rubra, perante as autoridades portuguesas e os novos senhores do território, o PAIGC, culminando assim o processo de transferência dos nossos aquartelamentos para o inimigo de ontem... A recolha do depoimento foi da autoria do jornalista Carlos Ferreira.

O Eduardo tem mais umas dezenas de fotos deste período de convívio com o inimigo de ontem, em Mansoa.


I. INQUÉRITO DE OPINIÃO:


"O MEU INIMIGO DE ONTEM

NUNCA PODERÁ VIR A SER MEU AMIGO" (**)


Resultados provisórios (50 respostas) até às 14h de hoje:


1. Não, nunca poderá vir a ser meu amigo  > 7 (14%)




2. Sim, poderá vir a ser meu amigo  > 25 (50%)





3. Talvez, depende das circunstâncias  > 15 (30%)


4. Não sei responder > 3 (6%)


Total de respondentes > 50 (100%)

Prazo de resposta termina dia 9, 2ª feira, às 18h36


II. Comentários (***):


(i) Torcato Mendonça

Vi o "inquérito" e respondi : - Talvez...  Hoje certamente penso de outro modo. Se estivesse em 74 lá cumprimentava os militares, exclusivamente com o cumprimento militar. Estaria sempre armado e, como fazia quando havia guerra, com a bala na câmara. Tal qual como o fazia, eu e os militares do meu Grupo.


(ii) Belarmino Sardinha

(...) Tal como alguns comentários que vi, desejo as melhores e maiores felicidades a toda a gente, onde incluo os antigos guerrilheiros do PAIGC, não beneficio nada com o mal dos outros, mas daí a chamar-lhes amigos existe uma grande diferença. Desejo a todo o povo da Guiné o melhor para o seu futuro, mas não confundo povo com os guerrilheiros que depois da independência assassinaram barbaramente muitos dos guineenses que lutaram ao nosso lado.
Este é um dos temas que merece, em meu entender, muita reflexão antes de uma tomada de decisão por uma ou outra opção. É o meu ponto de vista. Não participarei com nenhuma resposta ao inquérito. (...)


(iii)  António Rosinha

(...) Luís Cabral apertou-me a mão e popularmente em Bissau dizia-se que aquela mão era de um criminoso do próprio povo e de companheiros do PAIGC.

Nino Vieira apertou-me a mão  (mais que uma vez) e em Bissau sabia-se comprovadamente, que aquela mão era de um criminoso.

Manuel Saturnino apertou-me a mão e dizia-se que era um abusador de bajudas e que fazia desaparecer os namorados destas.

Muitos portugueses, com o 25 de Abril, e já neste blog, idolatramos esta gente horrível que o próprio povo apenas suporta porque não tem alternativa, e menosprezámos aqueles africanos, régulos e tropas que estiveram ao nosso lado, em Angola, Guiné e Moçambique, porque tinham consciência absoluta do que os esperava. (...)


(iv) Cândido Cunha (**)

(...) Como o Casimiro escreve "abraçá-los, sim, porque eles lutaram para defenderem o que por direito lhes pertencia, um chão deles, bravos soldados como nós." (...).

Eu por mim, sou e continuo a ser amigo de quem nos combateu, e não daqueles que em nome do "Império" nunca ouviram as suas justas pretensões. Nem sequer tinham quem os representasse na velha e bolorenta Assembleia Nacional. A esses bafientos salazaristas é que eu atribuo a perca de quase três mil nossos queridos camaradas na Guiné. (...).

(v) Carlos Vinhal (**)

(...) Houve apenas uma pequena minoria (o reforço é propositado) que teve oportunidade de contactar e abraçar o inimigo depois de terminada a guerra. O que cada um fez, se abraçou, ignorou ou evitou o ex-IN é com cada qual. Nós os mais velhos, que entramos e saímos em estado de guerra, só podemos falar de nós próprios e da nossa eventual reacção.

Como refere o Torcato Mendonça noutro local, provavelmente eu cumprimentava cordialmente o meu antagonista, se possível, ambos desarmados, e até com continência se essa pessoa tivesse no seu exército um posto superior ao meu. A isto chama-se respeito e não amizade. Abraçar o ex-IN, acho que: "nunca, jamais, em tempo algum". (...)

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12992: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte XII): O Cunha, único até hoje, o fur mil Cândido Cunha... Ou Cor mil Lukas Títio, o antitropa...


Espinho > c. 1968 > CART 2479 > ainda em Espinho, no IAO, o Cunha está no centro da foto [, na segunda fila, de pé], facilmente identificado por ser o que se está a rir, se calhar por todos os outros estarem tão sérios. [Na 3ª fila. reconheço, à esquerda do Cunha, o Renato Monteiro; e na 4ª fila, *a esquerda do Bento, o Valdemar Queiroz. O segundo, a contar da direita,  na 1ª fila, parece ser o nosso grã-tabanqueiro Abílio Duarte] [LG]

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. L.G.]

1. Continuação da publicação do álbum do Valdemar Queiroz [, foto à direita, Contuboel, 1969]... Desta vez, dedicado ao fur mil Cândido Cunha que, curiosamente já teve aqui uma passagem fugaz (*), quando o Valdemar Queiroz muito provavelmente ainda não acompanhava o nosso blogue:

Excertos de mensagens diversas do Valdemar Queiroz,

Assunto - O Cunha, único até hoje


(i)  9 de fevereiro de 2014 > 

(...) O que será feito do Cândido Cunha ? (*)

Entrámos  prá tropa em Santarém (10/07/67) e na EPC até os ilhós das botas por onde passavam os atacadores tinham que ser areados.

Faz este mês 45 anos, 18/02/69, da partida da rapaziada prá Guiné! (...)


(ii) 4 de março de 2014 

Sobre o ex-Fur Mil Cândido Cunha , ele, próprio, não quer saber de nada destas coisas.

Mas nós temos que saber quem foi o Cunha tal como, qualquer Miliciano que foi prá guerra, como foram tantos Milicianos, sargentos e oficiais,

O Cunha era um anti-tropa, mas entrou prá tropa, em 10/07/67, como eu, em Santarém, na Escola Prática de Cavalaria. Depois,  sempre com as botas engraxadas, até à exaustão, com as  [?] mais amarelas que o sol da madrugada, com as calças presas.  Depois fomos para a EPA, em Vendas Novas.[...]


(iii) 5 de março de 2014

Boa noite, caro Luís Graça.

É muito bom termos esta maneira de comunicarmos.

 Ainda sobre o ex-Furriel Mil Cândido Cunha (ele teria dito do ex-Furriel Cunha, o caraças!).

Tal com o eu, o Sousa e o Cunha,  éramos os mais velhos Furriéis Mil  da CART 2479. Fomos incorporados na tropa em 10/07/67, na EPC, em Santarém. Depois fomos, para a EPA, em Vendas Novas (Os Comandos do Sul).

Saímos duma tropa de boinas com grandes espadas reluzentes, calças apertadas, com um elástico, a meio da bota (das antigas), entre a primeira e segunda fivela, à golfe, ou à Mouzinho,  sempre bem engraxadas, e com umas grandes fitas vermelhas e amarelas na boina, quase a nos bater nos ombros. mas tudo à Cavalaria (nada de mariquice). 

Chegamos à EPA e foi do caraças. Queriam lá saber dos nossos tiques cavaleirescos. E lá estivemos e aguentamos as grandes cheias de Dezembro de 1967, depois eu fui para a Figueira da Foz dar instrução ao contingente geral e o Cunha ficou em Vendas Novas, a dar instrução ao CSM ou COM, não sei ao certo.

Mas, consta-se que na EPA, durante uma reunião de Oficiais, Sargentos e Cabos Mil. sobre um dispositivo de segurança, numa certa operação de treino de combate do CSM, e, depois, de todos apresentarem as suas questões, chegou a vez do Cunha, (que estava a desenhar uns autos de corrida no papel, dos seus mapas, etc.,) se pronunciar sobre o assunto, ao que ele teria dito: 
- VRRUMMMM!!!, VRRUMMMM!!! VRRUUMMMM!!!!..  Este é o meu novo modelo do Fórmula 
Um Lukas Titio (é de cair pró lado).

Ficou tudo siderado.

Nós. os três,  já éramos Fur Mil antes do embarque, os outros eram mais novos três /seis meses.

O Cunha sempre foi um anti-tropa., mas nunca foi apologista de bandalheira ou de fugir a responsabilidades, (outros mais 'valentões' o fizeram ou estavam doentes quando era preciso ir pró mato).

Quando era preciso, o Cunha lá estava, nunca fugiu ou arranjou desculpas, tal qual a maior parte de todo nós, mas havia um espertinho.

Por mais anti-tropa que ele fosse, foi o seu pelotão que, também, fez parte da célebre emboscada da Judy na estrada Piche-Madina  (?). , com saída de Piche, de noite, com o comando do Cap Paquim, em que emboscaram o IN e ele lá esteve a segurar a nossa cadela Judy, que os tinha seguido.

Também em Canquelifá por lá andou em dias de ataques ou minas na estrada. (*)

O Cunha podia ter posto o pelotão ... atenção pelotão, marchar pra.. trás, ou ter escrito no quico Cor Mill Lukas Titio, por ter um humor surrealista, não bem  entendido por nós, mas nunca se esquivou.

Por isso eu digo, neste momento: quero 'fugir' desta terra de um novo cinzentismo retrógrado, 'fugir' com o humor do Cunha e ficar na claridade/colorida de Vila Nova de Milfontes nos dias de verão. (**)

Um abraço,
Queiroz

PS - Em anexo uma foto dos Furriéis da CART 2479, ainda em Espinho, no IAO, o Cunha está no centro da foto, facilmente identificado por ser o que se está a rir, se calhar por todos os outros estarem tão sérios.

______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 28 de outubro de 2011 >  Guiné 63/74 - P8956: O Nosso Livro de Visitas (118): Cândido Filipe da Cunha, ex-Fur Mil da CART 11 (CART 2479) (Canquelifá)

(...) Recordarei sempre o 1.º Cabo [Aux Enf, José Manuel Justino]  Laranjo [, da CART 2439, com sede em Canquelifá,] que, dias antes, me tinha tratado do paludismo e fazendo planos para vir à metrópole conhecer a filha, me ia mostrando a foto da bebé que tinha nascido há oito dias.

Tinha eu já entrado (Canquelifá), e tomava duche, quando ouvimos os rebentamentos. O Cabo Laranjo foi um dos mortos e vi-o chegar deitado num Unimog... Recordações muito tristes. (...)