Vila Real > Agosto de 1963 > CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63) > O regresso a casa... Na foto, o 1º pelotão... Repare-se no fardamento, o caqui amarelo...
Foto: Cortesia de João Baptista (2008), autor do blogue
Fulacunda (entretanto falecido)
1. Mensagem do nosso leitor
José Pinto Ferreira
Data: 13 de Agosto de 2010 23:18
Assunto: Memória Viva (Postes 2752, 3717, 3724, 3726 e 3731 (*)
Caros amigos:
Permitam-me que os trate assim. Chamo-me José Pinto Ferreira, fui nascido, baptizado e criado até aos 14 anos na freguesia de Ariz, concelho de Marco de Canaveses. Após aquela idade fui pregar para outra freguesia à procura de mais e melhores oportunidades de conquistar um futuro mais apetecível.
Já crescidinho regressei à terra natal onde resido, actualmente na Rua do Canto, nº 38, 4625-037 Ariz, Marco de Canaveses, com o telefone nº. 255589702, e em alternativa o telefone em horário laboral, nº.255589380.
Feita esta apresentação, um pouco corriqueira, vamos ao que me interessa colocar-vos à consideração e que entendi titular de Memória Viva.
Fui militar, classe de 1959. Pertenci á Arma de Engenharia, Batalhão de Transmissões , tendo sido telegrafista no R.E.2,e posteriormente no Centro de Transmissões do Quartel General da 1ª. R.M., nos anos 60/61. Neste Centro de Transmissões fui escravo da especialidade que tinha, trabalhando de noite e dia, com prevenções sucessivas como quando do assalto ao Santa Maria.
Em Julho/61 fui para a Guiné integrado no Comando do BCAÇ 237,aquartelado em Tite até Outubro/63.
Depois do que acima fica dito, quero dizer-lhes que a Guerra da Guiné merece ser contada sem paixões nem vaidades. Quase diariamente corro a persiana e espreito a janela do Vosso Blogue, o que me permite dizer ter a opinião de alguma crítica ao que é dito nos Postes referenciados.
Fui telegrafista muito activo ao serviço do Comando do BCAÇ 237, o que me permitiu assimilar algumas verdades nunca desmentidas. Dito isto, peço que aceitem e reflictam no que se diz nos Postes acima referidos:
(i) O Comandante da CCAÇ 153 foi o Capitão José dos Santos Carreto Curto, aquartelado em Fulacunda. Era um oficial corajoso, visto como inimigo fidalgal pela Rádio Conakry. Nunca terá cortado cabeças a ninguém, mas tão só sido acusado injustamente de um acto menos digno que terá sido praticado por um seu subordinado no IN, morto quando fugia para o Rio. ACTOS REPELENTES, sem confirmação, não devem ser credibilizados.
(ii) Mudando o tema, quero dizer que as tropas que foram para a Guiné a partir de 1961 também eram portuguesas. Não tiremos a Verdade à História e saibamos com humildade dignificar os que foram antes, mas também os que partiram depois.
(iii) Para terminar digo-lhes que até hoje não me apercebi que alguém tenha referido o ex-Comandante Militar da Guiné, Coronel Bessa. Este Comandante visitou Tite em Janeiro/63, dia seguinte ao ataque do Quartel [23], tendo sido afrontado pelo Comandante do BCAÇ 237, José António Tavares de Pina, de que ou resolvia rapidamente o problema da falta de meios humanos do Batalhão, ou arreava ferros e os seus homens fariam o mesmo.
Adeus, Amigos
Até Sempre (**)
2. Comentário de L.G.:
Já em tempos, mais exactamente em 23 de Abril deste ano, fui contactado, por telefone, pelo José Pinto Ferreira, natural de (e residente em) Marco de Canaveses, concelho com o qual de resto tenho afinidades, pelo casamento e pela amizade. No essencial, o José Pinto quis dar-me alguns esclarecimentos sobre o Cap Inf José Curto, comandante da CCAÇ 153 / BCAÇ 237, subunidade que estava sediada em Fulacunda, aquando do ataque a Tite em 23 de Janeiro de 1963, data tradicionalmente tida como a do início da guerra na Guiné.
Sobre a lenda do então Cap Inf José Curto (de que eu própio me dei conta na visita que fiz ao Cantanhez, no início de Março de 2008, aquando realizaçãodo Simpósio Internacionalde Guiledje, Bissau, 1-7 de Março de 2008), o ex-1º Cabo Radiotelegrafista contou-me o que sabia, nestes termos: houve um guerrilheiro que foi morto, já lá as bandas do Cantanhez, num ataque de surpresa a uma das barracas do PAIGC. Ao que parece, era um tipo importante da guerrilha, que estava no ínicio da sua organização, e que foi reconhecido pelo guia ou por um caipaio. Estávamos no início da guerra, com todo o sul já polvorosa. Um militar da companhia terá, à revelia, do seu comandante, decepado o cadáver, para trazer, para Fulacunda, uma prova da sua eliminação física.
Este terá sido o princípio da lenda... O capitão passou a ser o diabo, o terror do sul da Guiné, segundo a Rádio Conacry. Para o José Pinto, o capitão José Curto era um militar corajoso que foi apanhado pelo eclodir da guerra de guerrilha no sul (Regiões de Quínara e Tombali), e para a qual as NT estavam muito pouco ou nada preparadas, em termos humanos, psicológicos e militares... O raio de acção da sua companhia ia de Fulacunda a Cacine (onde tinha um Grupo de Combate!).
Atenção: ele, José Pinto, não presenciou este acto, "ouviu contar" à malta da companhia (que pertencia ao mesmo batalhão)... Fiquei de voltar a falar com ele, desta vez pessoalmente, em Ariz, o que até agora ainda não se proporcionou... Recebo agora este mail em que ele volta a reabilitar a memória do Cap José Curto (hoje general reformado, ao que ele me diz).
Fico na dúvida se o José Pinto quer integrar a nossa Tabanca Grande. Se sim, faltam-nos as duas fotos da praxe. Terei muito gosto em inscrevê-lo como membro do nosso blogue, para mais sendo um homem da
minha segunda terra. Fico, pois, à espera de notícias. Entretanto, para a semana talvez o possa encontrar pessoalmente.
Ao nosso blogue interessa apenas a
verdade dos factos. Como é nossa norma, não fazemos
juízos de valor sobre o comportamento, individual, de nenhum combatente da guerra colonial na Guiné, muito menos dos nossos camaradas operacionais (de soldado a capitão).
Sobre o episódio acima narrado, tenho uma outra versão, mais consistente e válida, de um graduado da própria CCAÇ 153, e que estava com o seu comandante, Cap Inf José Curto, nesse dia e local, e que portanto é uma testemunha privilegiada. Sei que, depois do regresso à metrópole, em meados de 1963, o pessoal da CCAÇ 153 nunca conseguiu reunir-se e muito menos com o seu comandante, sobre o qual de resto esse graduado confirma a opinião do José Pinto de ser um "oficial corajoso".
O nome deste camarada não será divulgado. Poderá no entanto vir a integrar a nossa Tabanca Grande, no caso de aceitar o meu convite. Até à data só tínhamos notícia do João Baptista, Fur Mil da CCAÇ 153, e açoriano, autor do blogue
Fulacunda, mas infelizmente já falecido há um ou dois anos.
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Notas de L.G.: