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sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20545: Notas de leitura (1254): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (40) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Era inaceitável não se fazer uma referência, ligeira que fosse, a quem escreveu poesia durante e depois da comissão. É a dimensão literária mais pobre que temos, mas há um ponto intrigante, a meu ver muito pouco explorado no blogue: a poesia popular. Reconheço que não se pode inventariar estes livrinhos que circulam nalgumas reuniões anuais, atribui-se pouca importância para a explicação histórica, é muito pessoal mas, reconheça-se, de grande pendor afetivo, deixo à vossa consideração a hipótese de se procurar tentar fazer um levantamento, não tenho nenhuma receita.
Para se olhar ao espelho com o bardo do BCAV 490 só me ocorre, pela máquina poética, Álamo Oliveira, o poema escolhido parece-me gracioso, um açoriano carregado de saudades da Guiné.
Que eu saiba, Álamo Oliveira não regressou ao tema.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (40)

Beja Santos

“Foi ferido um Furriel
ao pé da enfermaria.
A 489 com coragem
novamente se distinguia.

Como é de calcular,
ainda existe grande bando
e a 18 de Abril o Comando
eles vieram atacar.
Granadas começaram a jogar,
caindo muitas fora do quartel.
O nosso amigo Joel
grande susto apanhou
porque quando uma rebentou
foi ferido um Furriel.

Tudo se levantou
quando na caserna uma caiu
a mala do barbeiro se partiu,
mas ninguém se magoou.
Para as viaturas tudo abalou
onde perigo não havia.
Mas neste momento se ouvia
o Furriel Mortágua aos gemidos,
foi ferido pelos bandidos
ao pé da enfermaria.

Na 487 rebentaram
umas minas há tempos atrasados.
Ficaram alguns colegas atordoados,
mas todos recuperaram.
O Pardal foi dos que ficaram
estendidos na folhagem.
Contra o grupo selvagem
luta-se sem pena nem dó
por isso entrou em Sulucó
a 489 com coragem.

Avançando uns carreiros,
ao local preciso chegaram,
o acampamento cercaram,
desorientando os bandoleiros.
Cá de trás com os morteiros
muito fogo se fazia,
neste momento a Companhia
arrancou com os seus pelotões
e apanhando armas e munições
novamente se distinguia.”

********************

Enquanto decorrem estas refregas, cuide-se de saber se há livros de poesia dedicados à Guiné, ou com afinidades. Armor Pires Mota chegou a ser galardoado com o prémio Camilo Pessanha pelo seu livro "Baga-Baga". Há, em pequenas edições, outras obras de poesia popular. Um dia recebi de um antigo soldado, António Veríssimo, da CCAÇ 2402, um livro de perfeita rima métrica, detive-me num poema muito singelo, afetuoso, senti-o quase como padrão da poesia popular de toda a guerra da Guiné, veja-se esta “Carta P’rá Família”:

“Boa saúde a todos desejo
E que a vida vos corra bem
Eu não sei se mais vos vejo
Ou se pereço aqui, na terra de ninguém

Estou ótimo graças a Deus
Vou vivendo no meio da guerra
Esperando voltar para os meus
Para a paz da minha terra

Corre carta, corre carta
Sai daqui, vai embora
Leva a meus pais esta farta Saudade que eu sinto agora

Voa carta, carta voa
Segue sempre em frente
E quando chegares a Lisboa
Vai ter com a minha gente

Segue carta o teu caminho
Leva beijinhos e saudades também
Diz lá no meu cantinho
Que aqui mal! Eu estou bem”

********************

Álamo Oliveira
Como é óbvio, não há condições mínimas para se proceder a um inventário desta poesia popular, encontrámo-la casualmente, tal como eu tive a dita de encontrar em casa de alfarrábios esta obra do bardo do BCAV 490.
Mas há outros atrevimentos poéticos, um deles merece citação pelo que é e de quem é. “Triste vida leva a garça”, por Álamo Oliveira, Ulmeiro, 1984, precede uma obra já aqui referenciada, Até Hoje (Memória de Cão), também da Ulmeiro, 1986. Álamo Oliveira andou por Binta, honremos o bardo falando da poesia de Álamo Oliveira, aqui ficam extratos do seu poema “cantigas de ter ido à guerra não p’ra matar ou morrer – pico, soldado – mais nada”, com ressaibos açorianos, não se pode desmentir o sangue:

“Guiné, meu campo de guerra,
Gindungo com que tempero
A alcatra da minha terra…
Vinho de palma não quero.

Antes ‘cheiro’ que me aguarda
Com confeitos e alfenim.
Não fui herói de espingarda,
Não fui cobra de capim.

Noites longas, sem mulher;
Noites de cio em segredo.
- Seja soldado quem quer,
Toda a farda mete medo.
(…)
Foi mau. Foi duro. Foi reles.
(Hoje é só bruma passada).
Ó terra de curtir peles,
Mochila cheia de nada.

De resto, quem não recorda
O pavor que nos lançou
O Mastigas numa corda
No dia em que se enforcou?

Fui soldado. Simplesmente.
Soldado de corpo nu.
Amei África e sua gente…
Muito sumo de caju.

Por isso, canto, em quadra
A saudade que engatilha
A arma que me desarma:
- África-mim/minha ilha!

Dos companheiros de armas,
Guardo o rosto e afeição.
Soldados com espingardas
Murchas e presas à mão

Para puxar o gatilho
No momento de matar.
Antes, sachavam o milho,
Agora, são de odiar.

Hoje, à distância de anos,
Meia légua do caixão,
Coso, de memória, os panos:
- Meus companheiros quem são?
(…)
Que eu quis de África o chão,
O lugar e a madrugada;
Amei o seu povo sem pão…
Eu fui soldado – mais nada.

Ansumane, meu amigo,
Ainda estás na mesquita?
Sonho, às vezes, contigo,
Teu olhar mago me fita.

De toga, África te veja,
Verde-oiro bordado à mão,
Curvado – Alá te proteja! –,
Nas rezas do Alcorão.

Num só Deus me comprometo,
De um só Deus te não arranco.
O teu é negro de preto,
O meu é alvo de branco.
(…)
Terras de Binta, Mansoa,
Safim, Bissau, Jumbembem,
E outros nomes que, em boa
Verdade, não me lembro bem.

Lá no fundo da picada,
Vejo avançar para mim,
Negra balanta gingada
Com um molhe de capim.

Carrega o filho às costas,
Seios caídos de fora,
Mãe-negra, em quem apostas
O teu futuro agora?

Que eu vi cacheus e gebas
Caminharem com a maré,
Mas, por mais rios que bebas,
Não terás teu candomblé.
(…)
Mãe-negra – África-mim,
Meu postal desilustrado,
Tempo de angústia e capim
Ao meu ombro pendurado.

Que bem faço por esquecer
Armas, mosquitos, viagem.
África ferrou-me o ser,
Trouxe-a feita tatuagem.

Se da guerra me livrei,
Do seu povo é que não.
Na farda, não me piquei,
Mas trouxe, na minha mão

Ritos de fanado e morte,
Rios mansos que o sol coa,
Luar branco, trovão-forte,
Negro vogando em canoa.
(…)
Guiné! Guiné! Voz de gente!
Doce de coco e baunilha!
Bem te sinto, no meu ventre,
A pulsar no som da ilha,

Que é de mar, enxofre e lava
Hortênsias e solidão.
Guiné, minha irmã-escrava,
Mango caído no chão.”

Por aqui fiquemos, não posso escusar dizer que esta desgarrada com marca de água açoriana me impressiona profundamente, é toada nova de poesia de sabor luso-guineense, um espinho de saudade, ele é porta-estandarte dessa Guiné que ficou para muitos como uma irmã-escrava lá nas terras do poeta feitas de enxofre e lava.

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 3 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20523: Notas de leitura (1252): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (39) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 6 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20534: Notas de leitura (1253): Um relato que se vai aprimorando de edição para edição: Liberdade ou Evasão, por António Lobato (1) (Mário Beja Santos)

sábado, 2 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14553: Agenda cultural (394): Apresentação do livro "Guerra na Bolanha - De Estudante, a Militar e Diplomata", de Francisco Henriques da Silva, dia 5 de Maio de 2015, pelas 18h00, no Palácio da Independência, Largo de São Domingos, Lisboa (Francisco Henriques da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70; ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999), com data de 28 de Abril de 2015:

Meus caros,
A fim de ser eventualmente divulgado na vossa agenda cultural, junto remeto um convite para a apresentação da obra da minha autoria “Guerra na Bolanha”, na próxima terça-feira, dia 5 de Maio, pelas 18 horas, na Sociedade Histórica da Independência de Portugal em Lisboa.

Com abraço,
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alferes miliciano de infantaria da C.Caç. 2402 e ex-embaixador de Portugal em Bissau 1997-1999)


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Nota do editor

Último poste da série de 28 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14538: Agenda cultural (393): Lançamento do livro "CARTAS DE MATO" - CORRESPONDÊNCIA PACÍFICA DE GUERRA", de Daniel Gouveia que terá lugar no próximo dia 5 de Maio de 2015, pelas 15 horas, na Livraria/Galeria Municipal Verney, em Oeiras

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14545: Bibliografia de uma guerra (71): E agora? O que é que vou fazer?, do livro "Guerra na Bolanha", de Francisco Henriques da Silva, Âncora Editora, Lisboa, Março de 2015

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70; ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999), com data de 18 de Abril de 2015:

Meus caros Luís Graça, Carlos Vinhal e todos os camaradas e amigos desta tertúlia,
Na sequência da minha anterior correspondência é com o maior prazer que vos envio mais um excerto da minha obra “Guerra na Bolanha - de estudante, a militar e diplomata” (Âncora Editora, Lisboa, Março de 2015).
Desta feita, reporto-me a um tema pouco abordado - o regresso de África e a correspondente reinserção na sociedade portuguesa de então, a que dediquei toda a 3.ª parte do livro e de que aqui fica apenas, digamos um pequeno “aperitivo”.
Trata-se, obviamente, de uma perspectiva muito pessoal. O que aqui refiro consta das páginas 228 a 230 da obra.
A foto fui-a buscar à Net e é apenas ilustrativa de um embarque ou desembarque de tropas no cais de Alcântara.
Permito-me relembrar que o lançamento oficial foi efectuado em 17 de Março em Oeiras, mas está prevista uma sessão de apresentação em Lisboa, na Sociedade Histórica da Independência de Portugal em 5 de Maio, pelas 18 horas, para a qual está todos convidados e de que oportunamente enviarei para estas mesmas páginas um lembrete.

Saudações amigas
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alferes miliciano de infantaria da C.Caç. 2402 e ex-embaixador em Bissau 1997-1999)


E agora? O que é que vou fazer?

Finalmente livre da monotonia verde azeitona das fardas militares, olhei para o espelho e vi-me, tal como era: vinte e poucos anos, sem curso, sem emprego, sem namorada e, principalmente, sem saber como organizar a minha vida no imediato. Tinha de encontrar saídas e dar resposta à magna questão: que fazer? Tinha de encontrar solução para todos estes problemas, uns pequenos, outros grandes, mas que se inscreviam na pergunta soberana que pairava sempre no ar e que prevalecia sobre tudo o mais: que fazer?

Tinham-me roubado a minha juventude, preciosos anos de vida quando estava na sua plenitude, o curso que queria terminar, uma carreira profissional que queria encetar. Sentia um vazio muito grande, mas não desesperei, não havia lugar para choro, nem ranger de dentes. Não podia verter lágrimas sobre o azeite derramado, nem à boa maneira lusitana culpabilizar a situação, as circunstâncias, o Outro ou os outros ou seja, lá quem for e o que for. Sim, porque, nos parâmetros da mentalidade tuga, no mau sentido da palavra, a culpa nunca era nossa. Tinha, pois, de reagir. Tinha de avançar. Tinha de ser eu a dar a resposta certa.

E assim o fiz, talvez com hesitações, desvios, opções duvidosas, caminhos ínvios, reflexões sem rumo definido, mas bem no íntimo sentia que podia seguir em frente e que tudo dependia de mim. Tinha de fazer. Tinha de assumir uma atitude pró-activa.

Em primeiro lugar, estava firmemente disposto a completar a universidade. Com a célebre “reforma Veiga Simão,” assim chamada em nome do Ministro da Educação da época (que em várias reencarnações acabou por servir diversos regimes políticos), o meu curso havia sido reestruturado e tinha ficado com cadeiras dispersas por todos os anos e nenhum completo ou próximo disso. Podia, agora, se quisesse, chegar a bacharel, ou seja, fazendo cadeiras por atacado, como aluno-militar. O bacharelato, na altura, constituía uma novidade, uma hipótese simpática que abria as portas a uma carreira no ensino, sobretudo para quem frequentasse cursos das faculdades de Letras e de Ciências. Era uma questão de tempo, de vontade e de algum sacrifício. Mas o meu grande objectivo final consistia em ingressar na carreira diplomática, um sonho que acalentava desde miúdo. Todavia, tratava-se de um alvo de difícil alcance e demoraria anos a lá chegar. Antes do mais, teria de completar o curso e de me sujeitar a um concurso de entrada no MNE, que não era propriamente “canja”, diziam. Mas retomando o fio à meada, que diabo, já estava nos vinte e tais, não podia viver das magras economias feitas, cujas limitações eram conhecidas, nem das sopas paternas ou, melhor, maternas. Tinha de fazer alguma coisa e, como atrás, referia aproveitar o estatuto de aluno-militar que me permitia dar saltos de canguru na faculdade.

Em segundo lugar, queria encontrar um emprego, em tempo inteiro ou em “part time”, para me poder sustentar, para as minhas fantasias e, enfim, para poder juntar os tostões com que se compram os melões. Esta era uma segunda prioridade, mas que se situava quase ao nível da primeira, pois não podia andar à boa vida.

Em terceiro lugar, depois dos namoros, pseudo-namoros, ou meros “flirts” tinha de arranjar, de algum modo, uma companhia feminina certa e não andar de candeia acesa à procura da bela adormecida no bosque ou feito lobo predador a emboscar a menina do capuchinho vermelho e todas as demais, na perspectiva de que tudo o que vem à rede é peixe, como alegadamente fazia ou, pelo menos, alardeava a maioria dos jovens machos lusitanos. A sexualidade tinha de ter os seus escapes, mas eu procurava sobretudo a estabilidade - apesar dos devaneios, sentia que era monógamo por natureza.

Em quarto lugar, tinha de descansar, viajar, passear, recarregar baterias, reavivar velhas amizades, satisfazer alguns sonhos do passado até aqui incumpridos. Em suma, viver e sentir que estava vivo, bem vivo e com vontade de pontapear. Havia uma certa urgência nisto, na medida em que, apesar de jovem, o tempo ia passando e, como rezava uma velha canção da época, não voltava para trás, apesar de querermos à viva força mudar-lhe o rumo.

Finalmente, via-me coagido a esquecer o passado próximo, as memórias que o tempo afinal não apaga e ultrapassar, se é que os tinha, alguns traumas de guerra. Porém as imagens não me abandonavam, via claramente e numa base diária, as tabancas, a mata, as bolanhas, as fardas, os corpos semi-nús dos soldados, as armas; ouvia distintamente os rebentamentos dos morteiros e dos “rockets”, o matraquear das costureirinhas, o guinchar dos macacos, o grasnar de certas aves tropicais, as falas de fulas, mandingas e balantas; sentia os cheiros fétidos de algumas bolanhas, o odor das plantas estranhas que a humidade fazia sobressair, a comida do “rancho” – ou do que pomposamente se chamava messe - pouco variada e insípida, o cheiro do capim e do mato queimado na estação seca; na boca, sentia o uísque que se bebia ao fim do dia, ou a cerveja morna; o gosto da manga verde roída devagar atrás do poilão, a enjoativa ração de combate e por aí fora. Enfim, imagens, sons, aromas e paladares que não me abandonavam, mas, planando por cima de tudo, aquela impressão durável, mas indefinível, quando se pressentia que íamos entrar em combate dentro de instantes: o nó na garganta, o gosto esquisito na boca, os suores quentes e frios, as borboletas no estômago. Como esquecer, então, se ainda hoje me lembro como se fosse ontem?

Cais da Rocha Conde de Óbidos - Lisboa
Foto: © Fernando Chapouto (2006). Todos os direitos reservados.
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Nota do editor

Vd. poste anterior de 28 de Abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14536: Bibliografia de uma guerra (70): A Mina, do livro "Guerra na Bolanha", de Francisco Henriques da Silva, Âncora Editora, Lisboa, Março de 2015

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13858: Memórias de Mansabá (34): As amêndoas da Páscoa de 1969 (Francisco Henriques da Silva)

Vista aérea do quartel de Mansabá
Foto: © Carlos Vinhal


1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70; ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999), com data de 1 de Novembro de 2014:

Meu caros camaradas e amigos,
Por razões várias, tenho prestado uma colaboração muito irregular a este blogue (mea culpa!) que, aliás, leio sempre com interesse e debato os “posts” aí publicados com os meus amigos e ex-camaradas de armas Mário Beja Santos e Raul Albino.
Junto vos envio uma descrição de um grande ataque a Mansabá, em 3 de Abril de 1969, poucas semanas depois da minha companhia se ter instalado naquela localidade, para participar na protecção aos trabalhos da construção da estrada Mansabá-K3-Farim.
Não disponho de qualquer fotografia de Mansabá no meu arquivo e muito menos do ataque em questão.

 Com um abraço cordial e amigo
Francisco Henriques da Silva
Ex- alferes miliciano de infantaria, C. Caç. 2402 (Có, Mansabé e Olossato), 1968-1970
Ex- embaixador de Portugal em Bissau (1997-1999)


MEMÓRIAS DE MANSABÁ

34 - As amêndoas da Páscoa

A 3 de Abril de 1969, Quinta-feira Santa, pelas 11 da noite, dá-se o grande ataque ao quartel de Mansabá, em que o grupo de combatentes inimigos devia ser superior a 120 elementos, armado com canhões sem recuo, morteiros de 82mm, metralhadoras pesadas, para além do armamento ligeiro habitual (Kalashnikovs, “costureirinhas”, RPG-2 e RPG-7, morteiro de 60mm, etc).(1)

A intensidade de fogo nos primeiros minutos, para além do efeito surpresa, impediu toda e qualquer reacção da nossa parte. Os rebentamentos incessantes faziam-se ouvir por todo o lado e percebia-se que tinham atingido a maioria das instalações militares.

No que me respeita, tinha acabado de fechar a luz, depois de passar os olhos, como era meu hábito, por um livro qualquer, porque no dia seguinte era dia de trabalho (ou seja, de protecção aos trabalhos em curso na estrada Mansabá-Farim), quando começou o fogachal. Encontrava-me num edifício constituído por um renque de pequenos apartamentos térreos, no enfiamento da pista de aviação, portanto num local completamente aberto e exposto ao fogo do inimigo, que estava, na prática, a fazer tiro de pontaria ao casario com, pelo menos, um ou dois canhões sem recuo e duas metralhadoras pesadas, para já não falar dos lança-rockets e das armas ligeiras que disparavam ininterruptamente. A cadência de fogo era, pois, de uma enorme violência. As coisas complicavam-se. As balas sibilavam em várias direcções. Os rebentamentos persistiam. Agarrei na G-3 e nas cartucheiras, vesti apenas a camisa do camuflado. Creio que uma bala terá trespassado a rede de mosquiteiro da janela indo alojar-se na parede. As coisas estavam a ficar feias. De xanatos e, em cuecas, corri para o quarto de banho, uma pequena dependência, nas traseiras, com uma parede de separação. Preparei-me para o pior, porque a violência do tiroteio e das explosões não abrandava. No quarto propriamente dito eu estaria demasiado exposto e o fogo vinha precisamente do fundo da pista, mesmo em frente. As balas de uma “pesada” iam quebrando as telhas do meu quarto mesmo por cima da minha cabeça. Um rebentamento muito próximo – fiquei momentaneamente surdo - dava-me a entender que uma canhoada ou morteirada devia ter destruído um dos apartamentos vizinhos. Se acaso os guerrilheiros tentassem entrar nas instalações, eu dispunha pelo menos da G-3 e de 5 carregadores para me defender. Tive a nítida sensação de que podiam tentá-lo. Não se atreveriam a tanto, ficava para a próxima... Quem sabe?

 Quartel de Mansabá - 1-Quartos dos Oficiais; 2-Edifífo do Comando: 3-Messe dos Oficiais

Será que tive medo? Não, creio que não tive, ou seja, o medo emocionalmente paralisante e que inibe o raciocínio, a decisão e a acção, mas também não podia iludir o sentimento de espanto, bem como, a veemência inicial do ataque, que atingiu proporções inusitadas. Por outro lado, também não terei tido aquela sensação habitual da entrada em combate, aquele nó na garganta, a boca seca com um gosto amargo, aquela sensação indizível de que ia começar um jogo incerto, mas que de algum modo o podia controlar, pelo menos na parte que me tocava Aqui não, estava só, literalmente só. Valia apenas por mim. Era tudo.

Entretanto, o fogo inimigo abrandou, enquanto se encetava a resposta do nosso lado, tímida e lenta, primeiro na base de morteiro 81 e uns largos minutos depois com as peças de artilharia. O tempo de reacção da nossa parte foi demasiado arrastado, o que permitiu ao IN actuar com total à-vontade. Tendo o fogo do exterior abrandado, corri para um abrigo situado na extremidade da fiada de apartamentos. Ouvi uma mulher a chorar e também o que me parecia ser o choro de uma criança. Devia ser família de algum dos engenheiros civis. Passei em corrida. Trazer mulheres e crianças para a guerra!?! Francamente...

Bati à porta, energicamente e com alguma impaciência.

- Oh, minha senhora, saia daí. É melhor refugiar-se no abrigo. É mais seguro – gritei-lhe cá de fora, agachado junto a um pequeno muro de resguardo, que a bem dizer não protegia nada, porque choviam balas tracejantes por todos os lados que iam iluminando o céu estrelado.

Noutro apartamento ao lado, alguém acendeu uma luz. Crispado, já com os nervos à flor da pele, vociferei não sei muito bem para quem:

- Desligue lá essa m... imediatamente, senão ficamos aqui todos! Não vê que isso chama a atenção?

No final da fiada de casas, lá estava o abrigo. Entro e ponho logo os pés numa quantidade infinda de fezes humanas, os meus xanatos de quarto para nada serviram. Fiquei sujo quase até aos joelhos. Os nossos bravos soldados, jamais prevendo que pudessem ser alvo de um ataque, tinham transformado o abrigo em retrete colectiva!

Não estava ali viv’alma. Enfim, para que é serviam os abrigos? Boa pergunta. Uma metralhadora lá para o fundo da pista ainda estava activa. Disparei inutilmente três ou quatro tiros, naquela direcção, porém sem qualquer convicção. O certo é que não estava a fazer nada e, entretanto, o fogo tinha amainado consideravelmente, ouvindo-se apenas tiros isolados e uma ou outra rajada. Passei pelo quarto, vesti uns calções, corri então para a parada em direcção a um dos barracões onde estavam instalados os meus homens. De caminho, vi 3 ou 4 feridos, de outras unidades, um jazia numa poça de sangue a contorcer-se com dores, um outro coxeava e tinha um braço ensanguentado, mais longe perto do abrigo do morteiro 81 alguém jazia prostrado no solo, sem dar sinal de vida (Morto? Ferido? Sei lá...). Enfim, não parei. Havia gente a correr por todos os lados e ainda se respondia ao fogo.

Entro no barracão, onde estariam os meus homens e gente da minha companhia. Pergunto de chofre:
- Temos muitos mortos e feridos?

Não era um dos meus soldados, mas pertencia à C.Caç. Respondeu-me:
- Feridos há alguns, meu alferes. Mortos creio que não, mas nas outras companhias parece que morreu gente.

Os enfermeiros e maqueiros corriam de um lado para o outro. Alguns feridos pareciam necessitar de evacuação urgente, porque aparentavam ferimentos graves. Com grande parte dos edifícios atingidos (quase todos), foi um milagre não se terem verificado mais vítimas. Para tal bastaria uma canhoada em cheio numa das casernas. Procurei o nosso capitão. Estava de serviço, mas não o encontrei.

Num abrigo de pequenas dimensões, perto da messe de oficiais e da torre de transmissões, vi o comandante de batalhão, deitado numa cama a olhar para o tecto, com um ar inquieto.

- Há muitos feridos e mortos? – perguntou-me.
- Alguns, meu comandante, alguns, ainda não se sabe ao certo quantos.
- Então, têm de ser evacuados – concluiu
- A esta hora e nestas condições não creio que seja possível - repliquei.
- Você está todo enlameado – interrompeu ele, mudando de assunto e olhando para as minhas pernas.
- Não é bem lama, meu comandante. Como sabe, estamos na estação seca. É outra coisa. Com sua licença...

Dei meia volta. Creio que não se apercebeu, nem sequer pelo olfacto, do meu estado real de sujidade, nem, tão-pouco, das razões para tal.

Foto 1 > Mansabá > Alguns dos feridos esperando evacuação para Bissau

O capitão que encontrei um pouco mais tarde disse-me que o comandante de batalhão havia solicitado apoio aéreo, o que era uma asneira, pois a aviação já nada podia fazer àquela hora, uma vez que a “guerra” tinha, de facto, acabado, nem actuava em plena escuridão. Seguiu-se uma noite sem pregar olho a cuidar dos feridos, a contabilizar os homens, a verificar os estragos e à espera de ordens. A população civil da tabanca e os trabalhadores da obra tinham sido duramente atingidos, mais do que a própria tropa, e registavam-se vários mortos e feridos entre eles, para além de inúmeras moranças incendiadas.

Os comandos lá conferenciaram entre si e deram-me por missão, bem como a outros grupos de combate da minha companhia, de efectuar um reconhecimento, logo ao raiar do dia, pelos presumíveis locais de instalação do inimigo, designadamente pela pista de aviação e região circunvizinha. Verificámos dois ou três factos curiosos: antes do mais, era extremamente difícil, à primeira vista, determinar os ditos locais, uma vez que, contrariamente ao que era usual, não se viam invólucros pelo chão; em segundo lugar, os trilhos de aproximação tinham sido apagados com ramos de árvores, que nos impediam de determinar com algum grau de certeza os rodados das armas pesadas (muitas, como viemos a saber mais tarde, foram previamente desmontadas e transportadas a ombro por carregadores – técnica que era também utilizada, como se sabe, na guerra do Vietname) e as próprias pegadas do grupo inimigo; em terceiro lugar, as posições dos canhões sem recuo e dos lança-rockets só se conseguiam detectar pelas ervas queimadas ou pelos vestígios de pólvora no solo; finalmente, o terreno, vasculhado a pente fino, não estava minado, o que, felizmente, contrariava as nossas piores expectativas.

Na Sexta-feira Santa, pouco depois de terminado o nosso reconhecimento no terreno, desembarcado do helicóptero para se inteirar do que se havia passado e dar algum alento às tropas, lá estava o inefável “Caco” Baldé. Uma das alcunhas porque era conhecido, à época, António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe da Guiné. Baldé é um nome comum entre as etnias fula e mandinga e “caco” pelo facto de usar monóculo. Mostrou-se insatisfeito com o comportamento do comandante de batalhão.

Foto 3 > Mansabá > Um dos edifícios atingidos
Fotos: © Raul Albino

Uns dias mais tarde, por ordem do “hómi garandi da Bissau”, é lançada uma grande operação de retaliação na mata do Morés com pára-quedistas que, para além de terem infligido algumas baixas ao inimigo e de capturarem numeroso material de guerra, descobriram um mapa com a localização exacta das instalações militares e civis de Mansabá, com as medições em passos aferidos da localização das diferentes construções existentes e com indicação precisa das actividades que ali se desenvolviam. Ora, aí estava uma das explicações para a constante fuga de capinadores e de trabalhadores que, aliás, continuavam a circular, como sempre, sem quaisquer restrições, dentro do quartel. As deficiências da nossa intelligence foram mais que notórias, sem falar, evidentemente, das patentes falhas da segurança, que carecem de adjectivação adicional e que, aliás, continuavam.

Depois disto, Spínola, incumbiu-nos de nova missão: o Olossato, do outro lado da mata do Morés, onde iríamos terminar a nossa comissão de serviço.
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Notas do editor:

(1) Vd. poste de 24 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3146: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (12): Ataque a Mansabá

Vd. último poste da série de 2 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13457: Memórias de Mansabá (33): No dia em que morri (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA)

quarta-feira, 12 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12829: O meu baptismo de fogo (26): Có - os primeiros contactos de fogo: um teste para os "piriquitos" (Francisco Henriques da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70; ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999), com data de 10 de Março de 2014:

Meu caros camaradas e amigos,
Junto vos envio uma descrição do primeiro ataque a Có, em Agosto de 1968, algumas semanas depois de nos instalarmos naquela localidade, recém chegados à Guiné.
A minha descrição não coincide integralmente com a do Raul Albino(*), tal como descrita nas “Memórias de Campanha" pois muito embora estivéssemos presentes quando os factos sucederam tivemos visões e percepções diferentes dos acontecimentos, o que é absolutamente natural.
De qualquer forma, as descrições em larga medida são convergentes.

Não disponho de qualquer fotografia de Có no meu arquivo, de modo que remeto-vos para a foto já publicada neste blogue da CCaç 2402.
Estou a reservar este texto, juntamente com outros, para a publicação, talvez ainda este ano de um livro de memórias.

Com um abraço cordial e amigo
Francisco Henriques da Silva
Ex-Alferes Miliciano de Infantaria,
CCaç 2402
(Có, Mansabá e Olossato), 1968-1970
Ex-embaixador de Portugal em Bissau (1997-1999)


Vista aérea de Có
Foto: © Raul Albino (2006). Direitos reservados


O MEU BAPTISMO DE FOGO

Có - os primeiros contactos de fogo: um teste para os “piriquitos”

Pouco antes da Companhia completar um mês na povoação de Có, no “chão” mancanha, em finais de Agosto, juntamente com o meu grupo de combate, encontrava-me na estrada que contornava o extremo da pista de aviação, umas centenas de metros a Oeste desta última, uma vez que tinha cabido em sorte ao meu grupo efectuar, naquela manhã, a chamada “picagem” da dita pista, para efeito de detecção de minas. Esta operação rotineira e diária, indispensável para garantir a segurança das aeronaves, havia terminado e preparávamo-nos para regressar a penates. Creio que seriam para aí umas seis e meia da manhã. O dia começava a raiar. O IN, com um grupo relativamente pequeno, mas expressivo, talvez 20 a 25 homens no total, ataca o aquartelamento pelo lado norte da referida pista de aviação com armas ligeiras, morteiro de 60mm e RPG-2 (lança-granadas foguete de fabrico soviético). Foi um ataque de curta duração, cerca de um quarto de hora.

Có - Vd. carta de Pelundo 1:50.000

O Comandante manda sair um grupo de combate, o do Raul e, ao mesmo tempo, manda fazer fogo com o morteiro 81, salvo erro, a única arma pesada que a Companhia então dispunha, esquecendo-se de que eu e o meu grupo estávamos já quase numa das extremidades da pista. O grupo de combate do Raul, guiado pelo chefe dos cipaios, abandona o aquartelamento pela porta de armas em direcção à tabanca, ou seja, numa direcção contrária à da pista de aviação, até porque se o fizessem por esse lado estariam a avançar em campo aberto, completamente expostos ao fogo do inimigo, a fim de efectuar uma manobra de envolvimento. Entretanto, o meu próprio grupo movimentava-se rapidamente em direcção ao final da pista, por onde passava uma estradeca de terra batida, internando-se, porém, cautelosamente pelas bermas da via e não directamente por esta, para não se expor de peito aberto ao fogo dos guerrilheiros que batiam o caminho com uma metralhadora de alto calibre. De repente caem, duas ou três granadas de morteiro de 81mm, disparadas do quartel que afocinharam, sem explodir, muito perto de nós, uma delas a cerca de três metros do local onde me encontrava. Um dos cabos que estava ao meu lado, grita-me ao ouvido: “Meu alferes, meu alferes, agache-se! Estão a disparar do quartel na nossa direcção!” Fogo amigo! Sem dúvida... Estas “amizades” é que fazem falta! No meio daquela confusão, lá consigo comunicar por rádio - o que não foi nada fácil, porque estavam quase todos a falar ao mesmo tempo e a inexperiência pesava - e peço que suspendam imediatamente os disparos de morteiro. Agradeço, à Virgem Maria e a todos santinhos a nabice do furriel encarregado das armas pesadas que nos bombardeou com granadas encavilhadas, porque se acaso tivesse actuado com profissionalismo e segundo as regras, eu, muito provavelmente, não estaria aqui para contar a história.

A este ataque inicial e, contra todas as expectativas, após uma curta acalmia, seguiu-se um segundo assalto. Os guerrilheiros reagruparam-se e prepararam-se para nova ofensiva, agora de um ponto diferente e insuspeitado. No fundo, sabiam da nossa inexperiência - era o nosso baptismo de fogo -, dos nossos naturais temores e da nossa possível desorientação. Só que as coisas não lhes correram de feição.

Recomeçou, pois, o tiroteio. Parte do grupo atacante, já muito próximo de nós, a uns escassos 70 ou 80 metros continua a varrer a estrada com a tal metralhadora de tripé que eu e os meus homens vimos claramente, pois aproximávamo-nos cada vez mais. Para lá se dirigiam os tiros das nossas G-3. De forma totalmente inconsciente, sem dizer nada a ninguém, atravesso em passo de corrida a estrada para o outro lado, na tentativa ingénua ou, mesmo, estúpida de fazer uma manobra de envolvimento. O que é que eu sabia de guerra? As balas assobiavam por todos os lados e algumas zuniam, seguidas de embates secos, levantando poeira ao embaterem na terra da estrada, tal como nos filmes made in Hollywood ou então silvavam por cima das nossas cabeças. Zing! Zing! Verifico que estou literalmente sozinho do outro lado do caminho. No meio do tiroteio, ouço a voz de alguém: “O homem é maluco!” e, logo a seguir, um dos meus furriéis adverte-me aos gritos: “Meu alferes, meu alferes, isso aí é muito perigoso. A estrada está a ser batida por uma [metralhadora] pesada.” Como se eu não soubesse. Bom, lá atravesso eu, num ápice, outra vez a estrada para me juntar aos meus homens, com as balas outra vez a baterem por tudo quanto era sítio.

O nosso poder de fogo e a nossa superioridade numérica eram muito superiores às dos atacantes. Além disso, estes estavam já a ser envolvidos por fogos cruzados oriundos, quer do meu grupo, quer do do Raul, plenamente operacional e activíssimo que os atacava pelo lado nascente, uma vez que lhes havia seguido as pegadas, bem marcadas na lama do caminho. A metralhadora calou-se, os RPG-2 há muito que estavam silenciosos e só esporadicamente se ouviam tiros isolados de armas ligeiras, até emudecerem de vez.

Ao chegarmos ao local onde estaria a metralhadora, encontrava-se o corpo sem vida de um dos guerrilheiros, com uma farda de caqui e ostentando um pequeno emblema com a foice e o martelo no chapéu de pano amarfanhado e manchado de sangue. A arma, essa, sumiu-se.

Os meus soldados deram valentes mas inúteis pontapés no cadáver inerte do guerrilheiro, até se capacitarem de que estava morto, mas bem morto, da chamada morte matada.

Passado pouco tempo, fizeram-se ouvir novos disparos, mais a Leste era o grupo do Raul que ia em perseguição do IN. Os guerrilheiros terão sido surpreendidos com esta reacção da nossa parte, que não estariam, de todo em todo, à espera, e tiveram de debandar rapidamente, sofrendo mais um morto e um número indiscriminado de feridos.

O cabo dos cipaios, Dayan, no seu português acriolado definiu bem o baptismo de fogo daquele grupo de soldados, jovens e inexperientes nas lides da guerra:
- Companhia “piriquita”, mas boa!

No jargão da época, “piriquitos” eram os neófitos, os novatos, os militares recém-chegados à Guiné, sem experiência de combate.

Ora bem, o certo é que tínhamos passado no exame e logo na primeira chamada.

Francisco Henriques da Silva

De pé: Francisco Silva, Raul Albino e Cap Vargas Cardoso
Foto: © Raul Albino (2006). Direitos reservados
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 2 DE OUTUBRO DE 2008 > Guiné 63/74 - P3265: O meu baptismo de fogo (2): Primeiro ataque ao quartel de Có (Raúl Albino)

Último poste da série de 12 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12282: O meu baptismo de fogo (25): Monte Siai, 10 de Janeiro de 1968 (Abel Santos)

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10982: Memória dos lugares (207): Visita da Cilinha ao Olossato, ao tempo da CCAÇ 2402, em maio ou junho de 1969 (Raul Abino)


Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > "De pé, da esquerda para a direita: Aspirantes Francisco [Henriques da Silva] e Raul Albino, e Capitão Vargas Cardoso".



Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > "De pé e da esquerda para a direita, o primeiro sou eu, o segundo é o Francisco [Henriques da] Silva e a seguir o Medeiros Ferreira. Só falta nesta fotografia de grupo o Beja Santos, que, por qualquer razão, andava desenfiado. Também aqui falta o comandante da companhia, Capitão Vargas Cardoso" (RA).

Fotos (e legendas): © Raul Albino (2006). Todos os direitos reservados [Editadas por L.G.]


1. Mensagem,  com data de 20 do corrente, do Raul Albino, ex-alf mil da CCAÇ 2402, pertencente ao BCAÇ 2851 (Mansabá, Olossato, 1968/70), que embarcou no Uíge, em finais de Julho de 1968, juntamente com o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70).

Assunto: Visita da Cilinha ao Olossato

Viva,  Luis Graça,

Sobre o assunto em epígrafe, falei com o coronel  na reforma Vargas Cardoso, comandante da CCaç 2402 no período 68/70, para saber se ele se lembrava duma visita ao Olossato em meados de 69. Ele confirma que sim, pelo que lhe pedi um pequeno texto sobre o acontecimento. Ele prometeu-me redigi-lo no final deste mês, porque ia ser operado à vesícula na próxima semana, o que impedia de o escrever e de tentar encontrar fotos do evento que ele julga possuir.

A visita terá acontecido entre a segunta quinzena de Maio e a primeira de Junho de 1969 (o período em que eu estive de férias), portanto já no fim da época seca.

De qualquer modo adiantou que se encontrava nessa altura no hospital de Bissau e,  quando soube que ela ia de helicóptero ao Olossato, apressou-se a pedir autorização para a acompanhar na viagem, confirmando que passaram por várias localidades antes de chegarem ao Olossato.

Tem também relatos da sua presença em Bafatá aquando da sua 2ª comissão na Guiné, onde foi Major de Operações nessa localidade [, BCAÇ 3884, 1972/74].

Aguardemos pois pelos seus relatos. Um abraço,

Raul Albino
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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de janeiro de 2013 >  Guiné 63/74 - P10964: Memória dos lugares (206): Olossato, anos 60, no princípio era assim (2) (José Augusto Ribeiro)

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10951: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (6): A Cilinha em Bambadinca, talvez em finais de 68 ou meados de 69



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  Uma foto, algo invulgar,  que me deixou agradavelmente surpreendido, recolhida  do álbum do José Carlos Lopes, ex-fur mil amanuense, com a especialidade de contabilidade e pagadoria, especialidade essa que ele nunca exerceu (na prática, foi o homem dos reabastecimentos do batalhão: tudo o que chegava a Bambadinca, por terra, ar ou rio, e que não se  destinasse à Intendência, passava pelas mãos do Lopes, ou mesmo era dizer, era do pelouro do Lopes).

1. Na foto vê-se, acima das cabeças de um grupo de militares, a célebre Cilinha, a Cecília Supico Pinto (1921-2011), histórica fundadora e líder do Movimento Nacional Feminino (MNF), em visita ao setor L1, Bambadinca.  Ainda não descobriu em que data é que isso foi, mas  só pode ter sido no final do segundo semestre de 1968 ou no primeiro semestre de 1969. Quando estive em Bambadinca, com a minha companhia, em intervenção ao setor L1, de julho de 69 a março de 71, nunca dei conta da visita de nenhuma dirigente, metropolitana ou local, do MFN. Por sua vez, o comando e a CCS do BCAÇ 2852 foram para Bambadinca em finais de setembro de 1968, depois de dois meses en Brá. O BCAÇ 2852 foi substituir o BART 1904.

Telefonei ao camarada Lopes (, estivemos juntos em Bambadinca, de julho de 1969 a maio de 1970, ), e ele já não pode precisar em que data é que foi tirada a fotografia. Pessoalmente inclino-me mais para a hipótese de ter sido na época seca, ou seja, nos primeiros meses de 1969. Não estou a ver a senhora a andar na Guné na época das chuvas...

No lado esquerdo, vê-se um militar com os galões de major. O Lopes acha que era o major de operações Viriato Amílcar Pires da Silva que será substituído, em setembro de 1969, pelo célebre "major elétrico", o António Augusto Cunha Ribeiro.

Peço aos camaradas de então que me completem ou corrijam a legenda. 

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editada e legendada por L.G.)

2. Comentário de L.G.:

Pela consulta do livro de Sílvia Espirito Santo (Cecília Supico Pinto: o rosto do Movimento Nacinonal Feminino. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2008, p. 117), pode concluir-se que  a Cilinha esteve na Guiné em 1969, e nomeadamente em Maio:

"O tempo, o treino e o reconhecimento transformaram-na num soldado - o soldado Pinto. Teve direito a um camuflado, a uma arma e, dada 'a relevância dos actos de bravura em combate', em Bula, ma unidade do brigadeiro Henrique Calado, foi promovida de soldado Pinto a primeiro-cabo Pinto.

"Apesar de ter anunciado que não queria mais promoções, e desejava 'passar à disponibilidade' como primeiro cabo, em Maio de 1969, em Olossossato, a Companhia de Caçadores [...]  2402 nomeou-a 'Capitoa honorária'. Essa foi a patente máxima da sua 'carreira' militar' " (....).

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9519: O Nosso Livro de Visitas (127): Carlos Alberto Morais dos Santos, ex-1.º Cabo Mec Auto da CCAV 1749 (Mansabá, 1967/69)

1. Mensagem do nosso camarada e leitor Carlos Alberto Morais dos Santos, ex-1.º Cabo Mec Auto da CCAV 1749, Mansabá, 1967/69, com data de 17 de Fevereiro de 2012:

Chamo-me Carlos Alberto Morais dos Santos, fiz parte da Companhia de Cavalaria 1749 como Mecânico Auto e estava em Mansabá aquando do ataque na quinta-feira Santa de 1969, que o SR descreve no seu blogue, e que eu costumo ler, recordando tempos passados. Mas uma situação me intriga. O SR apenas faz referencia à sua Companhia e ao Batalhão 2851 então comandado pelo Tenente Coronel César da Luz Mendes, e não fala da actuação da Companhia de Cavalaria 1749, que também sofreu um morto e vários feridos. Porquê? Será por esquecimento? Gostaria de saber.

Carlos Alberto Morais dos Santos


2. Deduzido que o nosso camarada se referia ao Poste 3146* do nosso tertuliano Raul Albino (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70), foi a este pedido o devido esclarecimento.

Recebemos do Raul esta mensagem que foi reencaminhada ao Carlos Santos:

Em relação à observação do nosso ex-combatente Carlos Santos, da CCav 1749, ele tem toda a razão, eu não me refiro à sua Companhia. A razão é muito simples. Se qualquer pessoa ler bem esse post, eu tinha chegado a Mansabá dois dias atrás, vindo de Có acompanhado por mais um grupo de combate, que tinham ficado em Có para reforçar e acompanhar a passagem de testemunho para a Companhia que nos substituiu enquanto a CCaç 2402 (a dois grupos de combate) ia reforçar o contingente de Mansabá.

Eu relato claramente a minha frustração durante esse ataque, por não conhecer o aquartelamento nem o seu plano de defesa e muito menos a composição desse destacamento, ou seja desconhecia a existência da CCav 1749 ou outra qualquer Unidade lá destacada. Conhecia a minha Companhia e o meu Batalhão, como ele muito bem refere. Mais ainda, foi nessa altura que tive o primeiro contacto com o resto do Batalhão, porque tínhamos iniciado a comissão em Có como Companhia independente, reportada ao comando de Bula.

No livro da História do Batalhão, vi que está lá reportado toda a operação a um nível global, com a intervenção de todas as Unidades que responderam a esse ataque inimigo, incluindo as referências às baixas nossas e deles. Como eu só relatei aquilo que vi e que se passou comigo, não era a pessoa mais habilitada para descrever o que se passou com as outras Unidades. Isso é o que essas Unidades terão de fazer para enriquecer a história desse ataque violento, de preferência contado na primeira pessoa. Eu procurei que nos relatos que fiz sobre a CCaç 2402, já compilados em livro, que todos os participantes dessem a sua perspectiva sobre um mesmo acontecimento (ataque, emboscada, etc.), como se se tratasse de um filme com varias câmaras a captar. Nem sempre consegui a participação de vários intervenientes, possivelmente por insegurança quanto à qualidade dos seus textos. Já viram o que seria, por exemplo, a descrição desse ataque a Mansabá, visto de vários ângulos? Dava um filme...

Espero ter esclarecido o nosso bloguista Carlos Santos e sugiro que ele conte aquilo que viu e assistiu na sua campanha na Guiné. Para ele um abraço de amizade, na esperança de nos virmos a encontrar no próximo convívio do blogue.

Um bem haja,
Raul Albino


Novembro de 1971 > Testemunho da passagem da CCAV 1749 por Mansabá.
Foto de Carlos Vinhal


3. Esta foi a reacção do nosso camarada Carlos Santos:

Boa tarde
Pois meu amigo fico muito grato pela sua resposta, e compreendo perfeitamente a razão por que não faz referência à minha Companhia. Para começar a nossa conversa informo-o de que não sou homem de estudos, tenho apenas o nono ano e como tal o meu português é limitado, mas ao contrário da competência escolar, sou grande em experiência de situações vividas. Eu era à data desse ataque apenas 1.º Cabo Mecânico Auto, profissão que desenvolvi por toda a minha vida até à presente data.


Nesse dia estava de Mecânico de Dia ao Batalhão e como tal saí de Mansabá de madrugada a caminho de Bissau acompanhando a coluna. No regresso a Mansabá como saberá parávamos em Mansoa, terra onde também estive nove meses, e aí fomos informados pelo SR Comandante do Agrupamento de que o inimigo tinha sido visto em dois sítios, portanto para irmos com muita atenção porque embora não tivéssemos duas emboscadas, uma íamos ter de certeza.

Eu conduzia nessa tarde um carro civil sem a respectiva autorização, coisas da idade e o dono desse carro, que tinha um estabelecimento em Mansabá, o Sr Amadeu Pereira que tinha a cabeça a prémio ficou em Bissau possivelmente já informado do que iria acontecer e pediu-me para eu levar o carro e entregá-lo à Dona Benvinda, sra. cabo-verdiana que com ele vivia. Comecei então a ter algum receio visto que o carro civil era conhecido, mas chegamos a Mansabá sem que alguém nos perturbasse.

Pelas 11h15 ouviram-se os primeiros rebentamentos que só terminaram à meia-noite e que provocaram tudo quanto o sr descreve e muito mais. Morreu nesse ataque um soldado condutor da CCS do BCAÇ 2851 que tinha saído do hospital nessa tarde, morreu um apontador de morteiro e morreu o soldado José Maria Madeira Lorem da Companhia de Cavaria 1749 à qual eu pertencia, para além de vários civis, incluindo crianças queimadas e os que morreram posteriormente.

Tenho o histórico da minha Companhia e vou procurar mais informação sobre este ataque e vou enviar-lha, assim como as minhas fotos que pede.

Quanto a possível encontro de ex-militares estarei sempre à disposição para recordar, o que apesar de tudo ainda recordo com alguma saudade.

Saudações amigas
Carlos Alberto Soares dos Santos

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3146: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (12): Ataque a Mansabá

Em 3 de Abril de 1969, um grupo inimigo estimado em cerca de 100 elementos, atacaram Mansabá de diversas direcções com Canhão sem recuo, Morteiro 82, Lança Granadas Foguete, Metralhadoras Pesadas, Metralhadoras Ligeiras e outras armas automáticas.

O ataque começou cerca das 23,15 horas e durou 45 minutos. As nossas tropas (ao nível do Batalhão) sofreram 1 morto, 10 feridos graves e 23 feridos ligeiros. Segundo o relatório da nossa Companhia, pertencer-nos-ia 3 feridos graves evacuados para o Hospital Militar 241, tendo posteriormente um dos feridos sido evacuado definitivamente para o HMP de Lisboa, além de 16 feridos ligeiros. A população sofreu 7 mortos, 12 feridos graves e 19 feridos ligeiros.[...]


Foto 1 > Mansabá > Alguns dos feridos esperando evacuação para Bissau

Foto © Raul Albino (2008). Direitos reservados.


Vd. último poste da série de 2 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9431: O Nosso Livro de Visitas 126): Fernando Paiva, Pel Caç Nat 57, Mansoa e Bindoro, abril de 1967/abril de 1969

sábado, 21 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8309: História da CCAÇ 2403 (Hilário Peixeiro) (4): Actividade da CCAÇ 2403 em Mansabá, com passagem pelo Olossato, e regresso à Metrópole




1. Quarta e última parte da publicação da História (resumida) da CCAÇ 2403/BCAÇ 2851, Nova Lamego, Piche, Fá Mandinga, Olossato e Mansabá, 1968/70), envida pelo seu Comandante, ex-Cap Mil Hilário Peixeiro*, actualmente Coronel na situação de Reforma.






História (resumida) da CCaç 2403 – Guiné 1968/70 (4)

Actividade da CCAÇ 2403 em Mansabá, com passagem pelo Olossato, e regresso à Metrópole


Olossato

Uma das personalidades mais conhecidas do Olossato era a lavadeira Rosa que aplicava uma tabela de preços pela sua actividade, baseada no princípio de que quem mais ganha mais paga e, assim, não interessando quem entregava mais ou menos roupa para lavar, o Capitão pagava mais que todos, depois vinham os Alferes, os Furriéis e Praças sucessivamente, não havendo argumentos que a convencessem de que devia cobrar de acordo com a roupa que cada um lhe entregava. Fazia-se acompanhar pela filha pequena sempre que ia buscar e entregar roupa e um dia levou consigo uma jovem já quase adulta para a apresentar ao Capitão, como a segunda mulher do seu marido, comprada recentemente.

Contacto com a população

A estadia da Companhia no Olossato, anunciada como última até ao fim da comissão, foi de pouca duração. Poucos dias após a chegada, Mansabá sofreu um dos seus maiores ataques*, com uma duração inusual de cerca de 40 minutos que provocou grandes estragos materiais e muitas vítimas entre a população e algumas entre os militares. Logo após este ataque, a CCaç 2403 recebeu ordem de transferência para aquele aquartelamento por troca com a CCaç 2402 que ali estava colocada.

Mansabá

Em Mansabá o BCaç 2851 era comandado pelo Major Borges em substituição do Ten Coronel Luz Mendes a quem o General Spínola retirou o Comando após o ataque ao quartel. O Major Bispo tinha sido transferido para Bissau para o Serviço de Justiça, o Major Martins tinha sido evacuado por, dias antes, ter pisado uma mina, mas continuavam o Capitão Bento e o Capitão Gamelas e os Alf Mil Pimentel, Sousa, Amaral e Bentes da CCS. Foi criado um Comando Operacional sob o Comando do Ten Cor Paraquedista Fausto Marques, constituído pela CCP 122 comandada pelo Tenente Silva Pinto, a CCaç 2403 e a CCaç (?) de pessoal madeirense sob o comando do Capitão Carvalho.

Foi atribuída às Companhias do Exército, reforçadas com o Pel Daimler do Alf Mil Belo, a missão de protecção próxima dos trabalhos da estrada, enquanto a CCP 122 faria a protecção afastada através de heli-assaltos onde fossem localizadas posições do In. O COP iniciou a sua acção com o assalto a uma posição do In no Morés com o GComb do Tenente Bação, que tinha ficado em Bissau, para o efeito. Depois da actuação dos Fiats sobre o objectivo e largado o Grupo no mesmo, os helis dirigiram-se a Mansabá para transporte do resto da Companhia. Quando regressaram para transportar o terceiro Grupo, entregaram 1 Metralhadora e 1 ou 2 armas ligeiras capturadas pelo Grupo ido de Bissau.

Seguiram-se outros assaltos sempre iniciados com o Grupo que estivesse em Bissau, Tenente Terras Marques ou Tenente Avelar de Sousa, mas já sem capturas de material. A CCaç 2403 com a do Capitão Carvalho estabeleceram o sistema de protecção com 2 GComb 24 horas por dia no exterior, junto ao desenrolar dos trabalhos e desde o primeiro dia, em que foram levantadas as minas anti-pessoal colocadas na noite anterior, nunca mais, uma só que fosse, foi colocada. Quando a Companhia chegou a Mansabá, as minas, colocadas em grande quantidade, era tanto o pavor do pessoal como uma grande fonte de rendimento, dado que cada uma levantada valia bom dinheiro.

Para além da protecção aos trabalhos a CCaç 2403 ainda fez duas Operações em conjunto com a de Páras sendo, na segunda, recolhida (pela primeira vez ) de helicóptero.

Quando os trabalhos se afastaram do quartel, dificultando o apoio de fogo à reacção a prováveis ataques ou flagelações do In, a Engenharia Militar empenhada nas obras e dirigida, inicialmente pelo Capitão Engº Veiga e depois pelo seu substituto, Alf Mil Engº, também de apelido Veiga, construiu uma posição para o Morteiro 10,7 existente no quartel, a cerca de 3Km deste, protegido por um GComb. Numa das primeiras noites, após a instalação desta arma, a posição foi atacada, provocando 2 feridos ao GComb da Companhia madeirense que nessa noite a ocupava. Ou pela reacção encontrada e acção dos Páras no dia seguinte ou por outra qualquer razão foi o último ataque aos trabalhos. A partir daí apenas se verificavam flagelações de 1 ou 2 granadas de Morteiro 82 a que sempre respondia o Morteiro 10,7.

A certa altura a estrada era completamente finalizada com pavimento asfaltado, à ordem de 100 metros por dia e assim continuou até serem interrompidos os trabalhos por motivo das chuvas intensas da época. Foram terminados cerca de 6 quilómetros, até à região de Birongue, até princípios de Agosto.

Em finais de Julho o Capitão baixou ao Hospital de Bissau e foi evacuado para Lisboa, por motivos de saúde.

Após o fim dos trabalhos o Comando do COP foi transferido para a região de Bafatá e o Comando do BCaç 2851 para Galomaro, ficando apenas a CCaç 2403 em Mansabá, integrada no Batalhão de Mansoa.

Quando se encontrava em Lisboa o Capitão foi informado pelo 1.º Sargento da Companhia que o Alf Mil Brandão, em acção de patrulhamento que lhe tinha sido imposta para poder entrar de licença dias depois, tinha falecido, em 18/09/69, com um tiro, disparado, por acidente pelo Tenente que o tinha substituído no comando da Companhia, da arma de um guerrilheiro, abatido. Foi o terceiro morto da Companhia.

Não teve capacidade para vencer o pavor que tinha de sair para o mato e o Capitão nunca soube lidar com essa situação. Encontrou a morte da forma mais inesperada e estúpida.

Teve a hombridade de não ter desertado o que, quem sabe, o poderia ter tornado num importante político. Paz à sua alma.

Quando em Janeiro o Capitão teve alta do HMP contactou o Capitão Carreto Maia, então Comandante da Companhia informando-o da chegada a Bissau no dia 20 e propondo-lhe a troca de funções com a que lhe viesse a ser atribuída. No dia 21 contactado o QG de Bissau a troca não se fez porque a colocação disponível era na Companhia do Jolmete e o Capitão Maia só aceitava ficar em Bissau ou numa Companhia do Batalhão de Mansoa a que, então, pertencia e de que gostava.

No regresso a Mansabá, em 23 de Janeiro de 1970, a Companhia sofreu uma emboscada e na reacção, um acidente com um dilagrama provocou dois mortos, o 1.º Cabo Rebelo e o Soldado Alexandre e um ferido de média gravidade, o Soldado “Caracol”. Foram o quarto e quinto mortos e o primeiro ferido da Companhia.

Entretanto o General Spínola requisitou para a Câmara Municipal de Bissau o Comandante da CCS/BCaç 2851 por ser arquitecto e determinou a sua substituição por um Capitão disponível o que levou o Capitão Peixeiro de volta ao seu Batalhão, em Galomaro. Comandava o Ten Coronel António José Ribeiro e os restantes Oficiais eram praticamente os anteriores.

Em meados de Maio, com a comissão terminada, o Batalhão reuniu-se novamente em Bissau onde, 22 meses antes, tinha sido desmantelado.

Na formatura de despedida do General Spínola às tropas que regressavam à Metrópole foi lido o louvor atribuído pelo Comandante-Chefe à CCaç 2403.

Não regressaram com a Companhia: o Capitão Peixeiro que ficou a aguardar despacho do seu auto por doença em serviço; o Capitão Maia, os Alf Mil Carias e Amaral por não terem ainda terminado as suas comissões; e o Alf Mil Tavares que ficou na comissão liquidatária.

Assim, embarcou em Bissau no Navio Carvalho Araújo, em 28 de Maio e desembarcou em Lisboa em 04 de Junho de 1970, comandada pelo Fur Mil Casimiro Santos, a CCaç 2403.

Navio Carvalho Araújo

(FIM)
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Notas de CV:

Vd. postes anteriores da série de:

14 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8273: História da CCAÇ 2403 (Hilário Peixeiro) (1): Deslocação para a Guiné e chegada a Nova Lamego

16 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8284: História da CCAÇ 2403 (Hilário Peixeiro) (2): Actividade da CCAÇ 2403 e participação na Operação Mabecos Bravios
e
19 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8299: História da CCAÇ 2403 (Hilário Peixeiro) (3): Actividade da CCAÇ 2403 e participação na Operação Mabecos Bravios

(*) Vd. poste de 24 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3146: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (12): Ataque a Mansabá

terça-feira, 8 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7913: Notas de leitura (214): Jardim Botânico, de Luís Naves (Francisco Henriques da Silva)


1. O nosso camarada Francisco Henriques da Silva* (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402, , Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, enviou-nos a seguinte mensagem em 6 de Março de 2011:

Queridos Amigos,

Li a recensão crítica ao livro "Jardim Botânico" de Luís Naves elaborada pelo meu amigo de longa data e camarada de armas, Mário Beja Santos no poste (Guiné 63/74 - P7902: Notas de leitura (213): Jardim Botânico, de Luís Naves (1) (Mário Beja Santos))

Escusado será de dizer que devorei, com acrescido apetite, o romance em apreço de uma única assentada.
Concordo genericamente com os comentários do Mário e com a classificação dada. Trata-se com efeito de um belo romance, os dramas humanos da guerra civil estão bem retratados, as personagens ganham forma, dimensão e consistência ao longo das páginas, Luís Naves, como sublinha o nosso camarada Beja Santos, "ficciona superiormente um tempo de dilúvio que ainda hoje mantém um povo traumatizado".
Tenho, porém, quatro pontos críticos importantes a relevar:
- em primeiro lugar - e aqui há um erro de alguma gravidade por parte do autor - a guerra civil começou a 7 de Junho de 1998 e não a 9. Estes dois dias são importantes para se entender o encadear dos eventos. Muito embora assista ao romancista uma ampla margem de liberdade para relatar os acontecimentos e dar largas à sua criatividade, esta imprecisão histórica basilar reveste-se de enorme relevância, na medida em que os acontecimentos cruciais que desencadeiam a insurreição ocorrem a 7, com dois pontos focais: Brá (onde são inicialmente emboscados os carros do protocolo e da segurança do Estado) e nas imediações de Santa Luzia (onde se encontrava a residência do brigadeiro Ansumane Mané, líder da revolta, que "Nino" mandara deter). A situação político-militar acabaria por fixar-se, com dois campos definidos e com posições no terreno relativamente demarcadas, a 8 ou 9 de Junho. O pedido para a intervenção estrangeira (senegalesa e da Guiné-Conakry) é, oficialmente, feito a 8 (se é que não estava já na forja desde há muito). Na mesma data, uma tentativa de assalto a Brá por parte das forças governamentais falha rotundamente, sendo esta ofensiva rechaçada com grande número de baixas pelos insurrectos. É a 8 que se sabe que o cargueiro "Ponta de Sagres" poderá eventualmente deslocar-se a Bissau. Os combates, designadamente os duelos de artilharia prosseguiram com intensidade durante todo este tempo. A 9 desembarcaram os primeiros contingentes senegaleses. A fuga da população para o interior do país tem lugar logo nos primeiros dias. A evacuação dos portugueses e estrangeiros no navio referenciado só tem lugar a 11.
- em segundo lugar, Luís Naves não menciona um acontecimento fundamental do conflito de 98-99, de que o autor foi uma das raras testemunhas presenciais (que eu me lembre foi talvez o único jornalista português que assistiu a esses sucessos) e que determinou tangivelmente a sorte da guerra. É claro que o romancista é livre para o fazer, mas o episódio merecia ser relatado. Refiro-me à batalha de Mansoa que teve lugar a 22 de Julho de 1998 e que permitiu à Junta Militar de Ansumane Mané o controlo de Mansoa e do cruzamento estratégico de Jugudul garantindo-lhe o acesso irrestrito ao Leste (Bafatá, Gabu, Bambadinca) e ao Norte (Bula, Bissorã, Mansabá, Farim). Nesta batalha uma das mais importantes da guerra civil, as forças senegalesas e ninistas sofreram uma pesada derrota, tendo sido feitos prisioneiros muitos soldados bissau-guineenses, que combatiam do lado do Presidente da República, para logo em seguida mudarem de campo e se juntarem aos efectivos da Junta. Esta com a batalha de Mansoa obtém o controlo quase total do país, reduzindo-se as forças governamentais e “aliadas” ao “Bissauzinho” (a parte central da Bissau colonial). O avanço só foi sustido pela assinatura de um Memorando de Entendimento entre o Executivo de João Bernardo Vieira e a Junta Militar, a bordo da fragata “Corte Real”, mediado pelo Grupo de contacto da CPLP, em 26 de Julho. Por outras palavras, a alteração das posições no terreno teve implicações certas nas negociações de paz e na evolução da situação.
- Em terceiro lugar, tanto quanto sei e encontrava-me em Bissau, na altura, Luís Naves jamais entrou na capital ou se o fez tê-lo-á feito da forma clandestina que relata no livro, o que, a meu ver, é pouco crível dada a insegurança então reinante, correndo em permanência risco de vida. se acaso tentasse.
- Finalmente, como é relatado no romance, o regresso de 4 pessoas a Bissau, poucos dias depois de terem sido evacuadas no “Ponta de Sagres”, designadamente da médica russa (Ana), não faz muito sentido. É claro que o jornalista estava incumbido de uma missão específica, Daniel buscava os papéis da mina e o Dr. Fonseca por lá tinha os seus negócios. Há, obviamente, sempre gente para tudo e quem goste de aventuras arriscadas, mas prevalece aqui uma boa dose de exagero. Quem é que vai fazer turismo às profundezas do inferno, a não ser que a tal seja, de algum modo, obrigado?
Posto isto, li com prazer o “Jardim Botânico”, que muito me tem ajudado a meditar sobre a guerra absurda que então vivi e como o Mário Beja Santos sublinha marcou indelevelmente a Guiné-Bissau. Tenho pena que exista tão escassa literatura sobre o conflito armado. Assim, esta obra é uma referência obrigatória.
E por aqui me fico.

Como se diz na Guiné-Bissau,
Mantenhas
Francisco Henriques da Silva
(Alf. Mil da C.Caç 2402 - Có, Mansabá e Olossato, 1968-1970; ex-embaixador na Guiné-Bissau, 1997 a 1999)
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

5 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7902: Notas de leitura (213): Jardim Botânico, de Luís Naves (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7356: O Nosso Livro de Visitas (104): Hilário Peixeiro, ex-Cap Inf da CCAÇ 2403 (Nova Lamego, Piche, Fá Mandinga, Olossato, Mansabá e Bissau)

Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 (1970/72) > 12 de Novembro de 1970 Ataque do PAIGC... Enfermaria militar atingida por munição de canhão sem recuo. A CART 2732 foi render a CCAÇ 2403.

Foto: © Carlos Vinhal (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas. Todos os direitos reservados


1. Comentário de Hilário Peixeiro ao poste P3769:

Caro amigo (julgo poder tratá-lo por amigo) Raul Albino, ex-Alferes da CCAÇ 2402

Comecei, infelizmente há pouco tempo, a frequentar o Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné com muito agrado,  apesar de muitas incorrecções que encontro nos acontecimentos que vivi,  como por exemplo o desastre do Cheche [, em 6 de Fevereiro de 1969]. 

Comandei a CCaç 2403 de que não tenho conhecimento que haja história escrita e interessei-me por ler o que encontrei sobre a CCaç 2402. Como o senhor refere um possível ataque no Olossato à CCaç 2403,  resolvi contribuir com o esclarecimento de que só chegámos ao Olossato em finais de Março [de 1969] depois da Operação Lança Afiada [, no Sector L1, Bambadinca] e, ao fim de pouco tempo, ou seja a seguir ao grande ataque a Mansabá que vocês sofreram, nós fomos para Mansabá e vocês foram para o Olossato. 
É apenas um contributo e uma maneira de comunicar com os companheiros de tempos difíceis.

Um abraço com a garantia de que vou acompanhar as vossas trocas de recordações. Hilário Peixeiro
Então Capitão

 

2. Comentário de L.G.:

Meu caro capitão da CCAÇ 2403, se nos quer "acompanhar" nesta "troca de recordações" , então porque não ingressar na Tabanca Grande e passar a conviver, de pleno direito, com os 460 membros registados, sob o secular e frondoso poilão que nos inspira e protege?

Todos temos um "dever de memória" uns para com os outros, de nós connosco, e nós com os nossos descendentes... Nenhum de nós tem a versão definitiva, acabada, da história da guerra da Guiné, até porque cada um viveu no seu Bu...rako!... Só o nosso ilustre camarada António Lobo Antunes é que faz edições ne varietur (daquelas que são para ser lidas daqui a 5 mil anos, sem mais nenhuma alteração, nem de ponto nem de vírgula)... O nosso projecto é bem mais modesto e sobretudo colectivo: escrevemos a muitas mãos, centenas e centenas de mãos, e às vezes, a pontapé (sobretudo na gramática...).

Será uma honra para nós ter o 1º comandante da CCAÇ 2403 a representá-la no nosso blogue. Para já não temos ninguém que represente essa unidade. Por outro lado, dá-se a coincidência do nosso co-editor Carlos Vinhal ser da CART 2732 (madeirense) que foi render a CCAÇ 2403, justamente em Mansabá... Mas desses tempos ele, como bom "mansabense", poderá falar melhor do que eu... E que espero que possa ser, no futuro, o seu interlocutor privilegiado, aqui no nosso blogue.

Para os nossos leitores, direi apenas que o comandante da CCAÇ 2403 era Cap Inf, de seu nome completo Hilário Manuel Pólvora Peixeiro. Esta companhia foi mobilizada pelo RI 1. Embarcou para a Guiné em 24/7/1968 e regressou a casa em  20/6/1970. Esteve em Nova Lamego, Piche. Fá Mandinga, Olossato,  Mansabá e Bissau. Pertencia ao  BCAÇ 2851 (Mansabá, Galomaro).
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Nota de L.G.:

Último poste desta série 17 de Novembro de 2010 Guiné 63/74 - P7299: O Nosso Livro de Visitas (103): A Tabanca Grande não é para todos? (Eduardo G. Silva / José Marcelino Martins)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7085: Tabanca Grande (247): Alberto José dos Santos Antunes, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 2402 (Olossato) e CCAÇ 5 (Canjadude) (1970/72)

1. Apresentamos hoje oficialmente à tertúlia o nosso novo camarada e amigo Alberto José dos Santos Antunes (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 2402 (Olossato) e CCAÇ 5 (Canjadude), 1970/72.

Deste nosso camarada foi já publicado o poste 7075* com o relato da sua passagem pela Guiné, publicado no Correio da Manhã, na série de Domingo "A minha guerra", profusamente ilustrado com as suas fotos.

Do referido poste, destacamos estas suas palavras:

Alberto José dos Santos Antunes, 63 anos de idade, natural de Coimbra a residir actualmente em Ançã, Concelho de Cantanhede, Distrito de Coimbra, casado, dois filhos e duas netas, Ex-Furriel Miliciano de Transmissões de Infantaria, actualmente Engenheiro aposentado do Departamento de Física Universidade de Coimbra.

Em 8 de Janeiro de 1969 fui forçado a abandonar os estudos em Coimbra, para frequentar o 1.º ciclo do Curso de Sargentos Milicianos, na Escola Prática de Cavalaria em Santarém.

Após tirar a Especialidade de Transmissões de Infantaria em Tavira fui colocado RAL 2 em Coimbra, mas por razões que até hoje não consegui apurar (fui parar) ao RI 8 em Braga para dar instrução a recrutas do contingente geral.

Fui mobilizado para a Guiné, sem destino definido, quando ainda me encontrava no RI 8 em Braga.


Marcado o embarque para antes do Natal de 1969, adiado para depois do Natal desse ano, embarquei no Navio Mercante Arraiolos que dispunha de sete camarotes e transportava material de guerra, tendo sido promovido a Furriel Miliciano à data de embarque, fiz a viagem com mais seis elementos da classe de sargentos.

A chegada à Guiné não foi muito surpreendente pois nunca tive ideia de encontrar uma província desenvolvida.

Tinha um lema que era “viver um dia de cada vez e pensar que o dia seguinte seria melhor que o anterior ” o que me ajudou a passar o melhor possível os 2 anos e seis dias de comissão.
[...]
Não pretendo dizer que sou melhor ou pior que os outros pois cada um tem a sua maneira de sentir as situações, e perante certas situações uns choram outros riem e outros ainda não choram nem riem.

Considero que fiz amizades que ainda hoje perduram, e quando se fala com alguém que já não se vê há quase 40 anos e se consegue manter um diálogo e dar um abraço, é porque algo existe entre essas pessoas.

Nunca iria voluntário para uma guerra destas, mas depois de lá estar teria que fazer o meu melhor, pois de mim dependia muita gente.

Claro que tinha um grupo de homens bons, de que muitos não se podem orgulhar, mas esses homem tem que ter confiança em quem o chefia, tentei e tenho a certeza que consegui.


Janeiro de 1969 > Alberto Antunes durante a Recruta em Santarém

Olossato > Alberto Antunes em cima do abrigo das Transmissões

Alberto Antunes junto à placa toponímica de Canjadude


2. Comentário de CV:

Caro Alberto Antunes, bem-vindo à tabanca. Estás oficialmente apresentado à tertúlia.

Pelo que me foi dado perceber pela tua narrativa, foste mais um dos que sentiram o curso normal da sua vida alterado profundamente. Todos nós, uns mais que outros, sofremos essa perturbação nos nossos estudos e/ou na vida profissional. Quando voltávamos à vida civil, ou os currículos escolares estavam desactualizados, e quantas vezes era necessário voltar ao princípio, ou tínhamos estagnado nas carreiras profissionais, sendo por vezes ultrapassados pelos mais novos.

Agora que te juntaste a nós, esperamos pelas tuas histórias, e fotos referentes a um período da vida que não quisemos, mas, que como bem dizes, não rejeitámos, porque a responsabilidade exigia fazermos o melhor para salvaguardar a vida daqueles que estavam à nossa responsabilidade.

Recebe um abraço de boas-vindas da tertúlia e dos editores deste Blogue.
O camarada e amigo
Carlos Vinhal
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(*) Vd. poste de 3 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7075: Recortes de imprensa (33): A guerra do Alberto José dos Santos Antunes, ex-Fur Mil da CCaç 5 (Correio da Manhã)

Vd. último poste da série de 30 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7060: Tabanca Grande (246): Gil Moutinho, ex-Fur Mil Pil Av, BA12 (Guiné, 1972/73)