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quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21492: (In)citações (172): Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte I (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

1. Em mensagem do dia 27 de Outubro de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), enviou-nos um texto a que deu o título: "Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano", do qual publicamos hoje a I Parte. 


Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte I 

Manuel Luís Lomba

O blogue Luís Graça &Camaradas da Guiné constituiu-se o maior e o depositário mais fiel da história da Guerra da Guiné e os milhares de posts e de comentários a sua maior biblioteca e fonte. 

A chamada à colação pelo Jorge Araújo e pelo Luís Graça, no P21421, do livro “Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalú”, metáfora aplicada às sucessivas operações contra essa mata, redacção, revisão e edição da minha autoria (inclusive os erros ortográficos, gramaticais e outros), na evocação dos enfermeiros condecorados, incitou-me a evocar esse nosso passado. 

 A “Operação Tridente”, acontecida há quase 60 anos, foi a primeira grande manobra da Guerra da Guiné, o BCav 490 os seus actores principais, as ilhas do Como, Caiar e Catunco o seu palco, foram 72 dias de combates na mata e em campo aberto; a segunda grande manobra foram as Operações “Campo”, Alicate I e II”, a CCav 703 os seus actores principais, o eu palco foi Cufar, a sua malta escavou abrigos em todo o perímetro da sua desmantelada fábrica de descasque de arroz e viveu 63 dias como toupeiras, mais sob a terra que sobre a terra. 

 A “Operação Tridente”, entre Janeiro e Março de 1964, foi a “guerra da restauração” da soberania portuguesa sobre aquelas três ilhas, então a “República Independente do Como” proclamada por Nino Vieira, abandonadas em 1962 pelo fazendeiro Manuel Pinho Brandão, originário de Arouca (constava que passara a fornecedor do PAIGC); as operações “ Campo”, “Alicate I, II,´” e “Razia”, entre Dezembro de 1964 e Maio de 1965, foram a “guerra da restauração” da soberania portuguesa sobre a “área libertada” de Cufar, começada com a ocupação da tabanca e das ruínas da fábrica de descasque de arroz, abandonada pelo fazendeiro Álvaro Boaventura Camacho, madeirense originário de Cabo Verde (patrão e o “passador” para Conacry do então alfaiate e futebolista Bobo Quetá), continuada com a expugnação da base da mata de Cufar Nalu, comandada por Manuel Saturnino Costa, ora aumentada e reforçada com a força retirada do Como, consolidada em 15 de Junho pelas CCaç 763, 764 e 728 (Operação Satan?). 

Ilha do Como (Jan1964) - «Operação Tridente». Desembarque das forças do BCAV 490.
Foto do camarada Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 498 (1963/1965) - P12386, com a devida vénia.

Chãos de balantas e nalus, gente laboriosa e guerreira, essas ilhas e a região continental de Catió eram terras úberes da produção de arroz e óleo de palma, a alimentação base dos guineenses, o “Celeiro da Guiné” e o garante da magra ração de combate dos seus combatentes da libertação, antes de o “espírito filantrópico” do governo do reino da Suécia lha ter melhorado. 

Amílcar Cabral tinha engravidado a Guiné Portuguesa com o sémen da “libertação”, nos mais de 10 anos da diacronia dessa luta armada, outras grandes manobras aconteceram, refiro apenas a “Operação Mar Verde” a Conacry e a escalada da “crise dos 3 G´s”, e o seu aborto terá falhado, mercê da miopia política, militar e diplomática do governo de Lisboa. 

Não se podia fazer nas bolanhas e matas da Guiné o que só poderia ser feito em S. Bento e no Terreiro do Paço, em Lisboa. 

De escalada em escalada a matarmo-nos e a estropiarmo-nos uns outros, a aniquilação mútua não aconteceu, mercê de uma deriva das FA Portuguesas, gerada, nascida e nutrida pela tradicional insatisfação corporativa da classe dos capitães, sob o “manto diáfano” do acrónimo MFA, que, para não a abandonar a Guiné nem como derrotados nem como vitoriosos, passou a aliado do PAIGC, tendo cometido dois pecados originais: primeiro, criou a situação de inferioridade, depois, avançou para as negociações, querendo resolver em Bissau o que só deveria ser resolvido em Lisboa. A política ultramarina foi, mas as FA Portuguesas não saíram derrotadas pelo PAIGC; portugueses houve que se derrotaram a si mesmos… 

Mas as maiores manobras da Guerra do Ultramar são activo do MFA: as aceleradas retracções dos dispositivos, retiradas militares para a Metrópole e a “ponte aérea” da materialização da “Descolonização exemplar” de Angola e Moçambique, que evacuou centenas de milhares de gente multirracial, a força criadora da sua riqueza estruturante, muitos com a roupa do corpo como único bem - os Retornados, para a insurreição/revolução ou os Devolvidos, para os outros. E, por ter degenerado em PREC e endossado a sua guerra ultramarina a outrem (Cuba, etc), o MFA não fez uma “Descolonização exemplar” e protagonizou a maior deslocalização mundial de gente, desde a II Guerra Mundial, só ultrapassada mais de 40 anos depois, pelos fenómenos dos refugiados, vítimas dos “prec´s” degenerescentes da Venezuela e da “Primavera árabe”. 

A par da sua revelação como estratega de alto nível, a partir de 1963, Amílcar Cabral (ora alçado a segundo maior líder mundial de todos os tempos, por um grupo de historiadores (?) a soldo da BBC), revelou também um talentoso criador de fake news militares, a base de sustentação do seu markting de que o PAIGC “libertara” e exercia a soberania em 2/3 da Guiné Portuguesa. Vontade e saber muito, mas verdade pouca… 

Passados 4 meses sobre o fim da “Operação Tridente”, o nosso BCav 705 chegou a Bissau estivado no cargueiro “Benguela”, concebido e equipado para o transporte de gado, e não no paquete “Índia”, erro piedoso da CECA. Entre meados de 1964 e meados de 1965, penamos em duras, demoradas e penosas “operações de intervenção”, por terra, água e ar, nas matas do norte, do sul da Guiné e colhemos duas evidências: a dinâmica doutrinal ou subversão cabralista irradiava por esses quadrantes, mas sem o domínio das suas dimensões territorial e social. A tropa andava (e nomadizava) em todo o lado e era a ela que generalidade das populações recorria. PAIGC significava sofrimento e problemas, a tropa significava segurança e soluções. 

Por que os revolucionários desse jaez são avessos ao sufrágio universal e livre? Porque o Povo não vota em organizações violentas! 

Os 2/3 de “áreas libertadas” não passavam de atoada propagandística. Tal dimensão corresponderia à totalidade das suas massas de água e florestais, isentas da colonização, condomínios da bicharada aquática e terrestre, a sua densidade humana era muito baixa, em crescimento com a instalação de bases revolucionárias e pelo êxodo das populações rurais (a relação da densidade populacional na Guiné seria de 15hab/km2). Teria fiabilidade, muito relativa, se se referisse às áreas colonizadas e habitadas, onde um ou dois dos seus guerrilheiros/sapadores infiltrados iam acrescentando valor de “libertação”, sabotando acessibilidades, equipamentos sociais, aterrorizando as tabancas com chefes hostis e indecisos, flagelando patrulhas e escoltas militares - actividades revolucionárias suficientes para condicionar autoridades, mobilizar meios militares, exponenciais em regra, confinar e condicionar a normalidade da vida a toda a gente. 

Província da Guiné. © Infogravura Luís Graça & Camaradas da Guiné

A partir da “Operação Tridente”, as FA portuguesas passaram a garante da soberania em toda a Guiné, desassossegando os revolucionários por todo o lado, por terra, água e ar, embargando-lhes a conquista e fixação em qualquer tabanca tradicional, sempre vencedoras - menos por combates, umas vezes pela desistência a meio do jogo, outras pela sua falta de comparência. A Guerra da Guiné foi paradoxal. As FA portuguesas nunca derrotadas, mas nunca vencedoras; o PAIGC sempre derrotado, mas nunca vencido. E o vencedor foi o derrotado!... 

A relação do PAIGC com a verdade tornara-se tão impudica que até descuidava o encobrimento das suas grandes mentiras. A sua publicitação do cerimonial da Declaração da Independência ao mundo foi quase fiel: a inospitalidade do local, a hospedagem dos convidados internacionais não com 5 estrelas, mas com todas constelações da abobada celeste, a visibilidade da temeridade e improvisação do evento, ao ar livre, num outeiro periférico à tabanca de Lugajole (a Montanha de Cabral era expressão de caserna e situa-se na Guiné-Conacry), no pico da pluviosidade da estação das chuvas, – a “manobra” para embargar as manobras da tropa, por terra e ar. Mais tarde, o embaixador soviético escreveu que apresentara as suas credenciais ao Presidente Luís Cabral, não sabe onde, num “palácio presidencial” que era uma cabana, a estrutura de troncos de cibes, as ramagens das suas copas a fazer de telhado e paredes… 

O PAIGC agendara a Declaração da Independência para 24 de Setembro de 1973, mês da efeméride do nascimento de Amílcar Cabral, da sua fundação, o Dia Internacional da Paz, e, também, do fim da II Guerra Mundial. A sua logística estava montada na zona de Cubucaré, bem conhecida dos bastidores da ONU, onde, ente 1 e 8 de Abril de 1972, a sua “Quarta Comissão” se hospedara e dependurara a sua bandeira no galho duma árvore, para conceber o relatório probatório de que o PAIGC exercia todas as funções estatais e administrativas na Guiné-Bissau, com base no qual a ONU pronunciou Portugal de seu ocupante ilegal, com 500 anos de efeito retroactivo. Mas, na antevéspera a Força Aérea de Biassalanca foi destruir-lhe a festa…

Assim, os 2/3 de “área libertada” não era apenas retórica, era sofisma de justiça, instrumental à manobra da ONU. “Se possuis, assim possuirás”, jurisprudência do Tratado de Utreque, subscrita por Portugal, em 1713, da Conferência de Berlim, subscrita por Portugal, em 1886, da Sociedade das Nações, subscrita por Portugal, em 1919, em St. Germain-en-Laye, da Carta da ONU, subscrita por Portugal, em 1955. 

Redigido em Conacry e avalizado pela OUA (Organização da Unidade Africana), foi com base nesse relatório que a ONU expendeu a jurisprudência de que, considerando que havia uma dúzia de anos que o PAIGC era o Estado da Gguiné-Bissau, considerando que o domínio português estava de facto limitado a uma estreita faixa litoral da ilha de Bissau, do Geba a Safim (à margem esquerda do canal Impernal), a soberania de Portugal era considerada prescrita, de Facto e de Direito. E Cabral tornou-se um assíduo queixoso à ONU, queixas que nunca domiciliou nos ora mais de 2/3 de “áreas libertadas”, mas em Conacry, de que o Estado exercido a partir de Bissau e presente nos quatro cantos da Guiné, as milícias armadas de autodefesa e os militares portugueses da sua guarnição, porque “iam até o Estado fosse”, eram agressores, ocupantes estrangeiros da Guiné e ameaça à paz mundial (maestria do líder bissau-guineense e nódoa à “terceiro-mundista”, caída no melhor pano do que é a Comunidade das Nações). 

À data da Declaração de Independência, o PAIGC fizera zero de equipamentos sociais e mais não destruíra porque não conseguira, nesses 2/3 de “áreas libertadas”, ao passo que as FA portuguesas faziam guerra, mas também tinham expandido e requalificado a sua rede de estradas, construído cerca de 16 000 casas, 160 escolas, 40 postos médico-sanitários, 56 fontanários, 3 mesquitas e feito 145 furos de água potável… 

Na verdade, as ilhas do Como, Caiar e Catunco, dada a sua condição estratégica de encostadas à Guiné-Conacry, a adesão massiva das suas populações e por necessárias, como celeiro da alimentação dos seus combatentes, terão sido as únicas “áreas libertadas” pelo PAIGC, de curta duração, entre finais de 1962 e princípios de 1964, também porque, naquele tempo, a representação regional da autoridade do Estado sediado em Bissau residia em Catió e o administrador dessa circunscrição militava clandestinamente no PAIGC. 

Tendo provocado o abandono pelos colonos, Amílcar Cabral fez da ilha do Como a mãe de todas as bases no interior sul (a de Koundara, a sua primeira, e as em instalação em Cadigné, Boké e Sansalé situavam-se no estrangeiro), dotou as três ilhas com o efectivo de 400 combatentes, muitos recrutados no seu adversário político MLG (que iniciara a Guerra da Guiné, em Susana e Varela), equipado de armamento ligeiro e pesado de Infantaria, reforçou-os com cooperantes especialistas estrangeiros, protegeu o “espaço aéreo” com metralhadoras antiaéreas Goryunov 7,62 e Degtyarev 12,7, os aviões de pistão e a jacto vindos da Base de Bissalanca passaram a ser atingidos e afugentados, e, no relativo à problemática das acessibilidades marítimas, estava confiante da sua protecção – Sekou Touré acabara de decretar unilateralmente a dilatação das águas internacionais do seu país em 130 léguas. 

Reforçou o comando de Nino Vieira, um dos seus primeiros 12 “discípulos” e o seu mais importante comandante de campo, que tirocinara guerra revolucionária na China e armamento na União Soviética. O governo de Lisboa mandava os seus capitães tirocinar guerra contra-revolucionária em França, tendo por mestres os perdedores no Vietname e na Argélia; Amílcar Cabral mandava os seus básicos tirocinar guerra revolucionária na China, tendo por mestres os vencedores Mao Tse-Tung e generalíssimo Vô Neguyen Giap. 

Resultado: o PAIGC concebeu e executou uma guerra total, a partir das matas e dos campos sobre as povoações rurais e urbanas – e ganhou; as FA portuguesas conceberam uma guerra contra-revolucionária de orgânica convencional, a partir dos povoados sobre campos e matas – e não ganharam. 

A braços com a crise de Angola, o governo de Lisboa deu uma ajuda por omissão, não levantou ondas no relativo à dilatação unilateral das águas, o problema era o PAIGC não a Guiné-Conacry; confiante na utopia do ministro Franco Nogueira da negociação de um tratado de paz e cooperação com a Guiné-Conacry, Salazar deu luz verde à “Operação Tridente”, mas proibiu a violação das suas fronteiras e o exercício do “direito de perseguição”. 

O líder da Guiné-Conacry nem se dignou responder. A “Operação Tridente” afundou nessas águas uma embarcação que transportava militares do exército regular guinéu (seria o União, para o PAIGC e Mirandela, para o seu dono, a Sociedade Ultramarina?) e Sekou Touré absteve-se de se meter com a Armada portuguesa. Saberia que, na batalha do Como, a derrota do PAIGC vinha pelo mar. 

Considerando que essas três ilhas somam pouco mais de 300 Km2 de superfície, a sua efémera “área libertada” estava muito longe dos 2/3, apenas significava 1 % da superfície territorial da Guiné. A verdade que o “polígrafo” da história poderá apurar: a limitação da soberania portuguesa a Bissau e Safim foi uma descarada mentira do PAIGC (a encomenda da ONU?). 

Excerto de uma infografia, relativa à Operação Tridente. Reproduzida com a devida vénia. In: Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso: Os Anos da Guerra Colonial, Volumne 5: 1964 - Três teatros de operações. Lisboa Quidnovi. 2009. 17.

Derrota para o cabo de guerra Nino Vieira, o revolucionário Amílcar Cabral fez do fim da “República Independente do Como” um sucesso, a fazer jus às lições que, em 1960, recebera de Mao e do genial generalíssimo Giap (tinha derrotado o poderoso exército francês estava à beira de derrotar a poderosíssima América). Como não podia realizar o I Congresso na Cassacá da ilha do Como - “Operação Tridente” estava no auge -, mas salvou a face: realizou-o em Cassacá, na plataforma continental, entre 15 e 18 de Fevereiro, e ordenou a Nino Vieira a retirada e o acantonamento do remanescente dos 400 combatentes e famílias do Como para as bases das matas do Cantanhez e de Cufar Nalu.

Nino Vieira saiu com os seus companheiros para o Cantanhez, mas deixou no Como meia dúzia de guerrilheiros m/f, como chama residual da sua “libertação”, comandados pelo desenvolto e cabeludo jovem de 20 anos, Pansau Na Isna de nome, e pela amadurecida mulher balanta de “pistola na liga”, Sona Camará de nome, ambos heróis nacionais bissau-guineenses póstumos, que, cumprindo o “flagela e foge”, muito desassossegaram e desgastaram a malta da CCaç 557, subunidade que ficou na quadrícula em Cachile, comandada pelo Capitão João Ares (apelido do deus da guerra da mitologia grega).

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21485: (In)citações (171): Frei Henrique Pinto Rema, OFM, hoje com 94 anos, Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique (2018), autor da "História das Missões Católicas na Guiné" (1982) (João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, Nova Iorque)

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21467: (De)Caras (165): Cecília Supico Pinto, em Cufar, em fevereiro de 1966 (Mário Fitas, ex-fur mil op esp, CCAÇ 763, 1965/67)


Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, Os Lassas"  (1965/67) > Fevereiro de 1966 > Delegação do MNF, de visita a Cufar. Sabemos que nessa delegação estva integrada a 
Cecília Supico Pinto, presidente do MNF, acompanhada da Presidente da delegação de Bissau daquele movimento.A elas se juntaram também a esposa do cap Costa Campos.Mas temos sérias dúvidas sobre se alguma destas semhoras era a Cecília Supico Pinto,

Foto (e legenda): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar]: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 

Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, Os Lassas"  (1965/67) > Ao lado da Cecília Supico Pinto,  diz o Mário Fits, à sua direita, a esposa do comandante de "Os Lassas", o cap Costa Campos, Maria da Glória (França)... A outra senhora à esquerda devia ser  a Renata da Cunha e Costa, da comissõa central do MNF, que acompanhou a presidente na 1ª visita à Guiné. (**)

Por ocasião do 9º Encontro da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/67), realizado em 2007, em Almeirim, por ocasião dos 40 anos do regresso de "Os Lassas", o Mário Fitas homenageou  também a  "sra. professora, enfermeira e companheira de guerra Maria da Glória (Dª. França)", agradecendo-lhe a "doação total à CCAÇ 763", razão porque, no seu entendimento, ela devia "ser considerada como parte integrante desta Companhia".


Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, Os Lassas"  (1965/67) >  Mário, esta senhora não podia ser a Cecília Supico Pinto, aos 44 anos, com um "look" surpreendentemente jovem (1).

 

Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, Os Lassas"  (1965/67) >  Esta senhora não podia ser a Cecília Supico Pinto, aos 44 anos, com um "look" surpreendentemente jovem (2).

  

Foto nº 5 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, Os Lassas"  (1965/67) > Esta senhora não podia ser a 
Cecília Supico Pinto, aos 44 anos, com um "look" surpreendentemente jovem (3).

Fotos (e legendas): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar]: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Em fevereiro de 1966, a então presidente do Movimento Nacional Feminino (MNF)  visitou a Guiné, pela primeira vez, acompanhada de Renata da Cunha e Costa. (**) 

Não sabemos, com detalhe, o percurso da visita... Mas sabemos que esteve na Região de Tombali, em Cufar e, seguramente, em Catió...Mas também, na Região do Cacheu, em Binta, pro exemplo...

Fomos agora recuperar várias  fotos do Mário Vicente Fitas Ralhete, o nosso querido amigo e camarada Mário Fitas, cofundador e  "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô, que vive no Estoril.   

O Mário Fitas foi fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Nome de guerra: "Mamadu"...É  autor de:

(i)  "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (inédito, 2ª versão, 201o, 99 pp.);

(ii)  "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.


2. Contexto das fotos acima reproduzidas (, fotogramas de um DVD, proveniente muito provavelmente de um filme em 8 mm, a cores, feito na altura da visita, em fevereiro de 1966):

Foto nº 1:

(...) Como reconhecimento do seu trabalho, os Lassas recebem dias depois a visita da Sra. Presidente do Movimento Nacional Feminino, Dª. Cecília Supico Pinto, acompanhada da Presidente da delegação de Bissau daquele movimento. 

Deixaram uma máquina de projectar filmes de 8 mm, uma viola e mais uns pacotes de cigarros. (...)

No Hospital Militar [, onde entretanto é internado para uma cirururgia à hérnia], ao princípio da tarde Mamadu acordou. (...)

Na tarde seguinte, apareceram umas senhoras simpáticas do MNF, a quem Mamadu informou gostar bastante de ler, e pe­diu se lhe arranjavam “A Besta Humana”, do Émile Zola. Muitas desculpas mas não conheciam a obra, no entanto iam tratar do assunto. Até hoje não teria sido lido, se o próprio não o tivesse comprado. (...)

Neste tempo todo, desleixou um pouco a correspondên­cia. Fragilizado, como pedinte, apenas mandou um bate-e
stradas (aerograma) à Tânia, muito simples e cauteloso, a solicitar se queria ser sua madrinha de guerra. Era uma forma hábil de contornar e chegar lá. Sem problemas, podia morrer mouro porque ao SPM. 2628 nada chegou, vindo de Terras do Lado do Norte. Madrinha não haveria.  (...)

Fotos nºs 2, 3, 4 e 5 (***)

[enviadas por ocasião da notícia da morte da ex-presidente do MNF, extinto em 22 de juklho de 1974, por despacho do Ministro da Defesa Nacional] 

(...) Sem qualquer preconceito político, revelo aqui a minha admiração por uma mulher que soube conviver com os jovens soldados nos tempos da guerra (hoje velhos Combatentes).

Julgando ser de interesse para o Blogue e para a história do conflito na Guiné, anexo algumas fotos da D. Cecília Supico Pinto (com a esposa do Cap Costa Campos, comandante da CCAÇ 763) em Cufar, terra dos Lassas.

Em duas das fotos podemos vê-la acompanhada de D. Maria da Glória (França). (...)

3. Na altura da morte de Cecília Supico Pinto, em 25 de maio de 2011, a escassos dias de completar os 90 anos, o nosso blogue prestou-lhe uma homenagem, espontânea, a que lhe era afinal devida (****). 

Publicaram-se na altura mais de duas dezenas de  mensagens. Destacam-se a de dois camarada  que a conheceram em vida, o Joaquim Mexia Alves, régulo da Tabanca do Centro (Monte Real), e o JERO (Alcobaça), e cujas mães pertenceram ao MNF.

(i) Joaquim Mexia Alves:

(...) Caros camarigos:

Morreu uma grande Senhora!

Conheci-a pessoalmente por diversas vezes, visto que a minha mãe foi dirigente do MNF em Leiria.

A mim não me interessam neste momento quaisquer ilações politicas ou outras, mas tão só olhar a mulher que dedicou a maior parte da sua vida aos soldados de Portugal e sobretudo das suas famílias.

Quem assim se dá em prol dos outros merece sempre a nossa bondade e o nosso elogio.

Que Deus a tenha no Seu descanso.

Um abraço camarigo para todos e também para ela, que à sua maneira era nossa camariga.


(ii) JERO  [José Eduardo Oliveira]:

(...) Já lá vão uns bons 30 anos mas recorda-me como se fosse hoje. Trabalhava então na Fábrica de Porcelanas SPAL, em Alcobaça, e vindo do Sector Fabril avistei na entrada da Sala do Mostruário uma figura que, à distância, me pareceu ser familiar e que perguntava qualquer coisa à telefonista. 

Aproximei-me e percebi que a senhora em causa, de uma certa idade, pretendia comprar um serviço de chá (ou café). A telefonista Susana com a simpatia que lhe era habitual informava que a Fábrica não atendia público. Teria que se dirigir a uma loja para o efeito que pretendia.

Parei e reconheci a senhora. Era a Cilinha Supico Pinto. Disse-lhe que era o responsável comercial da Empresa e que no seu caso iríamos abrir uma excepção. «Porque a Senhora visitou em tempos a minha Companhia no norte da Guiné. Em Binta. A Companhia 675 do Capitão Tomé Pinto, que pertencia do Batalhão 490, do Tenente Coronel Fernando Cavaleiro...  Eu fui um dos seus rapazes combatentes. E a minha Mãe, Maria Fernanda Oliveira, tinha pertencido em Alcobaça ao MNF em meados da década de 60.»

Não mais esquecerei o seu sorriso e o seu abraço. Estou a escrever de lágrimas nos olhos.
Devo a essa Grande Senhora este momento de ternura e de saudade.

Bem hajam os Homens Grandes do nosso blogue por terem prestado à Dª.Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto esta merecida e sentida homenagem. Aceitem um abraço de gratidão do JERO. (...)

(***) Vd. poste de 3 de junho de  2011 > Guiné 63/74 - P8371: In Memoriam (82): Fotos de Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto, antiga Presidente do Movimento Nacional Feminino (Mário Fitas)

(****) Vd. poste de 31 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8350: In Memoriam (81): Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto, Presidente do Movimento Nacional Feminino (30 de Maio de 1921 - 25 de Maio de 2011) (Teresa Almeida / José Martins)

domingo, 26 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18953: Os 54 sargentos que tombaram no CTIG (1963-1974), por doença (n=24), em combate (n=17) e por acidente (n=13) (Jorge Araújo)


Lisboa (Cais da Rocha Conde de Óbidos), 6 de Outubro de 1964, 3.ª feira. Desfile de despedida do contingente da Companhia de Caçadores 726 [CCAÇ 726], momentos antes do embarque a bordo do N/M «Uíge»,  rumo a Bissau, unidade comandada pelo capitão Martins Cavaleiro [foto de autor desconhecido editada no cmjornal em 05.06.2010, in: http://www.cmjornal.pt/mais-cm/eu-reporter-cm/correio-do-leitor/detalhe/cacadores-726-convivem (com a devida vénia)].




Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil Op Esp  / Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974);
 coeditor do nosso blogue; tem mais de 180 referências



OS 54 SARGENTOS QUE TOMBARAM NO CTIG [1963-1974] (POR ACIDENTE, COMBATE E DOENÇA) 
(Jorge Araújo)


1. INTRODUÇÃO

Este projecto de actualização das listas dos camaradas que tombaram no CTIGuiné durante a «Guerra do Ultramar» ou «Guerra Colonial» (1961-1974), estruturado por patentes segundo a tríade em que foram agrupadas as causas das suas mortes – acidente, combate e doença – teve o seu início com os «Alferes» [P18860], seguindo-se depois os «Furriéis» [P18925, P18927 e P18935].

Hoje, apresento ao Fórum a lista dos camaradas «Sargentos» dos três ramos das Forças Armadas, organizada segundo a metodologia anterior, os mesmos quadros de categorias e ordem cronológica.

Continuamos a considerar a hipótese desta lista estar incompleta, tal como as já publicadas, na justa medida em que existem casos de militares que tombaram nos diferentes TO que estão ainda por registar e/ou recensear.

Quanto aos camaradas «Sargentos do Exército», que faleceram em combate na Guiné, recordo os nomes dos três primeiros casos, por sinal os únicos ocorridos ao longo do ano de 1965, ou seja, dois anos após o início do conflito, e que foram:

● Em 28FEV1965 – o 1.º Sargento Inf Joaquim Lopo Covas Balsinhas, da CCAÇ 726,

● Em 19JUL1965 – o 2.º Sargento Inf Leandro Vieira Barcelos, da CCAÇ 763,

● Em 11AGO1965 – o 2.º Sargento CMD Rodolfo Valentim Oliveira, da 4.ª CCAÇ.


Guileje, na manhã a seguir ao 1.º ataque (30NOV1964), vendo-se a cozinha, o refeitório, a GMC e a armação de uma das tendas, onde o 1.º sargento Joaquim Balsinhas está identificado com a letra “A”.



Idem. Em “A” continua a ser o 1.º sargento Joaquim Balsinhas; “B”: o fur enf Manuel Rodrigues; “C”: o 2.º sargento José Bebiano; “D”: o fur trms Carlos Cruz e “E” elementos da CART 495 [fotos do camarada António Pires (Teco), com a devida vénia (P2360)].


2. AS PRIMEIRAS TRÊS BAIXAS EM COMBATE NO EXÉRCITO

2.1. A 1.ª BAIXA:  1.º SARGENTO INF JOAQUIM LOPO COVAS BALSINHAS, DA CCAÇ 726, EM 28FEV1965

Da História da CCAÇ 726 [Guileje, Mejo e Cachil, 1964-1966] consta que esta Unidade foi mobilizada pelo Regimento de Infantaria 16 [RI 16], de Évora, tendo desembarcado em Bissau a 14 de Outubro de 1964, 4.ª feira, rendendo a CART 676 no dispositivo e manobra do BCAÇ 600. Sob a orientação da CCAÇ 508, fez a adaptação operacional na zona de Quinhamel, perto da capital. Em 28 de Outubro e 17 de Novembro de 1964, foram destacados para Guileje o 1.º GrComb e o 2.º GrComb, respectivamente.

Em 25 de Novembro de 1964, 4.ª feira, todo o colectivo da CCAÇ 726 estava colocado no Sector de Guileje, então criado [daí ser considerada a primeira Companhia a ocupar Guileje], primeiro na dependência do BCAÇ 513, depois na do BCAÇ 600 e ainda na do BCAÇ 1861. Anteriormente Guileje esteve ocupado por um GrComb da CART 495 [Fev1964-Jan1965].

A CCAÇ 726, ao longo da sua permanência neste Sector, só ou em conjunto com outras subunidades, tomou parte em diversas operações, patrulhamentos e emboscadas no chamado "Corredor de Guileje". Por períodos variáveis forneceu, também, Gr'sComb para reforçarem, temporariamente, as guarnições de Gadamael e Cacine.

Em 30 de Março de 1965, 3.ª feira, na sequência da «Op. Arpão» ocupou a povoação de Mejo, aí ficando instalados dois GrComb. Em 27 de Janeiro de 1966, 5.ª feira, destacou dois GrComb para o Cachil, para reforçar a CCAÇ 1424, então na zona de acção do BCAÇ 1858. Em 2 de Julho de 1966, sábado, passou a integrar o dispositivo do BCAÇ 1858, por rotação com a CCAÇ 1424, assumindo a responsabilidade do subsector de Cachil, mantendo ainda um GrComb em Mejo.

Em 16 de Julho de 1966, sábado, foi substituída pela CCAV 1484, do Capitão Cav Rui Pessoa de Amorim, seguindo para Catió, onde se manteve até à chegada da CCAÇ 1587, do Capitão Mil Inf Pedro Reis Borges. Em 6 de Agosto de 1966, sábado, seguiu para Bissau, onde no dia seguinte embarcou a bordo do Paquete «Rita Maria» de regresso à Metrópole.

A CCAÇ 726, durante a sua comissão de vinte e dois meses, teve três comandantes: o Capitão Martins Cavaleiro, o Capitão Inf Arménio Teodósio e o Capitão Art Nuno Rubim. [vidé P2360 e P10576].

Entretanto, numa das missões de contra-penetração efectuadas no «Corredor de Guileje», morre em combate, em 28 de Fevereiro de 1965, domingo, por efeito de explosão de uma armadilha IN, o 1.º Sargento Inf Joaquim Lopo Covas Balsinhas, natural de S. Brás e S. Lourenço, Elvas.

A morte de Joaquim Balsinhas, considerada a segunda baixa do contingente da CCAÇ 726 [a 1.ª foi a do Furriel António Gonçalves da Silva, natural de Penude, Lamego (P18927), ocorrida em 29NOV1964, durante um ataque à tabanca e ao quartel de Guileje (P2360)], ficou grafada na historiografia da Guerra no CTIG como a primeira em combate de um Sargento do Exército, numa altura em que o conflito armado somava, então, vinte e cinco meses.


2.2. A 2.ª BAIXA: - 2.º SARGENTO INF LEANDRO VIEIRA BARCELOS, DA CCAÇ 763, EM 19JUL1965

A morte do 2.º Sargento Inf Leandro Vieira Barcelos, natural de Porto da Cruz, Machico (Madeira), ocorrida em 19 de Julho de 1965, 2.ª feira, é considerada a segunda na cronologia dos Sargentos do Exército falecidos em combate no CTIG, e a primeira da CCAÇ 763 [Cufar, 1965-1966].

Da História da CCAÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra") consta que esta Unidade foi mobilizada pelo Regimento de Infantaria 1 [RI 1], Amadora, Oeiras, tendo embarcado a 11 de Fevereiro de 1965, 5.ª feira, a bordo do T/T «Timor» rumo a Bissau, onde desembarcou seis dias depois, em 17 de Fevereiro de 1965, 4.ª feira. Aí chegada, a CCAÇ 763 ficou instalada em Santa Luzia no BCAÇ 600, aguardando ordens para seguir para Cufar, região de Tombali, na Frente Sul, de modo a reforçar o BCAÇ 619, sediado em Catió. O seu regresso à metrópole aconteceu a 26 de Novembro de 1966, sábado, a bordo do N/M «Niassa».

Quanto à descrição do contexto onde ocorreu a morte do 2.º Sargento Leandro Vieira Barcelos vamos encontrá-la no livro de memórias "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" do nosso camarada Mário Vicente [Mário Fitas, ex-fur mil op esp da mesma companhia], o qual faz parte do riquíssimo espólio deste blogue.

No P17130 é referido: […]

"Em 8 de Julho de 1965 [5.ª feira], a Companhia [CCAÇ 763] embarca em Impungueda a fim de levar a efeito a «Op Satan». Pelas quatro horas da madrugada as três LDM que transportam a CCAÇ [763] encontram-se frente a Caboxanque. Detectadas, as forças do PAIGC abrem fogo contras as NT, as lanchas conseguem acostar e o primeiro GrComb a desembarcar contra-ataca, desalojando os guerrilheiros.

Conseguindo progredir através de Caboxanque e depois Flaque Injã, pelas 07h00 consegue-se detectar e assaltar um acampamento, o qual foi destruído bem como várias instalações e uma grande escola do PAIGC, onde é apreendido bastante material e documentação. Entre a documentação são encontradas várias fotografias, uma das quais de "Nino" [Vieira, 1939-2009] em Pequim.

Na descida de Flaque Injã para Caboxanque somos emboscados. Reagindo bem, a Companhia consegue abater seis guerrilheiros, capturar uma espingarda automática e diverso equipamento. No cais de Caboxanque, onde se nos juntara a 4.ª CCAÇ de Bedanda, enquanto se aguardava o embarque, fomos de novo fortemente atacados, mas o IN foi repelido. Sofremos um ferido grave que foi evacuado de helicóptero para Bissau. […]

[Em 18 de Julho de 1965, domingo] voltámos a Cabolol. O guia vindo do Batalhão [BCAÇ 619] garante-nos haver um novo acampamento, mas não encontramos nada. Leva-nos ao antigo acampamento que verificamos continuar destruído. Divergimos para a tabanca de Cantumane que verificamos encontrar-se deserta. Procedimento normal em termos de anti-guerrilha, proceder à revista de todas as moranças e depósitos de arroz.

Quando o grupo destinado executava essa tarefa, a CCAÇ 763 foi violentamente atacada por um numeroso grupo IN que se encontrava emboscado na mata a norte. Três ataques sucessivos cor armas ligeiras e RPG, verifica-se a impossibilidade de utilização de morteiros, resultante da proximidade em que as forças se encontram.

Nessa ocasião é-nos dada a oportunidade de contactarmos com um novo, para nós, método de
emboscada: a utilização de abelhas.

[imagem de cortiço de abelhas africanas]. Fonte: iStock, com a devida vénia.

Os cortiços são postos em pontos estratégicos e, ao desencadearem a emboscada, fazem fogo sobre os 
referidos cortiços. As abelhas "lassas" saem lançando-se enfurecidas sobre os nossos homens, desarticulando completamente o dispositivo dos grupos de combate, ficando muita gente incapacitada para o combate, e para responder à emboscada [vidé P7674].

Com algum esforço, consegue-se fazer o envolvimento do IN provocando-lhe várias baixas confirmada. Por parte das NT sofremos mais um ferido grave que não viria a resistir, o nosso "Madeira". O 2.º sargento Leandro Vieira Barcelos é atingido no fígado por uma bala depois de lhe ter perfurado o rádio. O Barcelos não se aguentou e fina-se no dia seguinte no HM241, em Bissau. A CCAÇ 763 sofre mais três feridos graves por picadelas de abelhas, que foram também evacuados para o Hospital. E assim termina a denominada «Op. Trovão»" [P17130].


2.3 .  A  3.ª BAIXA: - 2.º SARGENTO CMD RODOLFO VALENTIM OLIVEIRA, DA 4.ª CCAÇ, EM 11AGO1965

A morte do 2.º Sargento Cmd Rodolfo Valentim Oliveira, natural de Santiago, Tavira, ocorrida em 11 de Agosto de 1965, 4.ª feira, é considerada a terceira na cronologia dos Sargentos do Exército falecidos em combate no CTIG.

O sargento Rodolfo Valentim Oliveira pertencia à estrutura orgânica da 4.ª CCAÇ [Companhia de Caçadores Nativos (ou indígenas) constituída por praças africanas de Recrutamento Local, que eram enquadrados por oficiais, sargentos e praças especialistas oriundos da Metrópole.

Criada e instalada primeiramente em Bolama em finais de 1959, mudou-se em Julho de 1964 para Bedanda, por necessidades operacionais, uma vez que um dos objectivos intrínsecos para a sua criação foi/era a segurança e/ou a defesa das suas populações, estando assim implícito o conceito de "missão" ou "actividade operacional" na luta contra os grupos da/de guerrilha armados. Três anos após a instalação dos seus primeiros efectivos em Bedanda, esta Unidade é renomeada, em 1 de Abril de 1967, passando a designar-se por Companhia de Caçadores n.º 6 [CCAÇ 6 - "Onças Negras"] (vidé: P18387 e P18391).

Na sequência da actividade operacional da CCAÇ 763, caracterizada pelo camarada Mário Fitas no livro acima referido, da qual resultou a morte do 2.º sargento Leandro Vieira Barcelos, já descrita no ponto anterior, encontrámos uma primeira referência à 4.ª CCAÇ, onde dá-se conta de missões conjuntas envolvendo as duas Unidades.

É a partir dessas vivências colectivas anteriores, partilhadas em palcos comuns, que se vem a saber da morte do 2.º sargento Rodolfo Valentim Oliveira. Por ausência de informações mais precisas quanto aos detalhes que originaram a sua morte em combate, citamos o que foi possível apurar neste âmbito:

"Voltamos a caminhos de Cabolol mas seguindo a estrada, passamos nas bordinhas da mata e vamos atá à tabanca de Cobumba, numa acção punitiva, por a sua população dar guarida a um grupo de guerrilheiros, que teria causado várias baixas à 4.ª CCAÇ estacionada em Bedanda, entre as quais se contava um sargento [Rodolfo Valentim Oliveira]" [P17130].

Para que não fiquem na "vala comum do esquecimento", como costumamos afirmar, eis os quadros estatísticos dos 54 (cinquenta e quatro) sargentos [Ajud., 1.ºs e 2.ºs], nossos camaradas dos três ramos das Forças Armadas, que tombaram durante as suas Comissões de Serviço na Guerra no CTIG, sendo 13 em acidente (24.1%), 17 em combate (31.5%) e 24 por doença (44.4%).

3. QUADROS POR CATEGORIAS E ORDEM CRONOLÓGICA












Fontes consultadas [com cruzamento]:

http://www.apvg.pt/

http://ultramar.terraweb.biz/index_MortosGuerraUltramar.htm (com a devida vénia)

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.
24AGO2018.
_______________

Nota do editor:

Vd postes relacionados com este último:

19 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18935: Furriéis que tombaram no CTIG (1963-1974), por acidente, combate e doença - III (e última) Parte: Por doença (n=14) (Jorge Araújo)

16 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18927: Furriéis que tombaram no CTIG (1963-1974), por acidente, combate e doença - Parte II: Em combate (n=139) (Jorge Araújo)

15 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18924: Furriéis que tombaram no CTIG (1963-1974), por acidente, combate e doença - Parte I: Por acidente (n=68) (Jorge Araújo)

20 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18860: Os 81 alferes que tombaram no CTIG (1963-1974): lista aumentada e corrigida (Jorge Araújo)



26 de4 agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18953: Os 54 sargentos que tombaram no CTIG (1963-1974), por doença (n=24), em combate (n=17) e por acidente (n=13) (Jorge Araújo)

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17846: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXVI Parte: Cap XVI - O Adeus às Armas


Foi há 52 que a guerra acabou para os "Lassas"...com o regresso a casa, no T/T Niassa, em 26/11/1965.

Texto e fotos: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Do mesmo autor já aqui publicámos, em 2008, em dez postes, o seu fascinante livro "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.

Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. [Foto em baixo, à direita, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, março de 2016]


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XXVI Parte > Cap XV (pp. 94-97)

por Mário Vicente


Sinopse:

(i) faz a instrução militar em Tavira (CISMI) e Elvas (BC 8),

(ii) tira o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na
Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o "periquito" fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965;

(xvi) a lavadeira Miriam, fula, uma das mulheres do srgt de milícias, quer fazer "conversa giro" com o "Vagabundo" e ter um filho dele;

(xvii) depois de umas férias (... em Bissau), Mamadu regressa a Cufar e á atividade operacional: tem em Catió, um inesperado encontro com o carismático capelão Monteiro Gama...

(xviii) Op Tesoura: dezembro de 1965, tomada de assalto a tabanca de Cadique, cujas moranças são depois destruídas com granadas incendiárias.

(xix) Cecília Supico Pinto e outras senhoras do MNF visitam Cufar no início do ano de 1966 e Mamadu é internado no HM 241 (Bissau).

(xx) um mês depois, regresso a Cufar, regresso à guerra. Põe o correio em dia. Lê e relê a carta de Maria de Deus [MiMê], uma paixão escaldante dos tempos de "ranger" em Lamego e por quem estava quase para desertar, antes da data de embarque para a Guiné; a jovem morrerá prematuarmente, em França, aos 24 anos.

(xxi) revolta e dor pela morte do seu camarada e amigo, o fur mil Humberto Gonçalves Vaz (Op Teste, na região de Cabolol];

(xxii) o cap Costa Campos deixa a companhia; a comissão está a chegar ao fim: a Op Suspiro é a última operação realizada, a 5/11/1966.

(xxiii) regresso a casa, no T/T Niassa. a 26 de novembro de 1965.



Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXVI Parte: Cap XV: Adeus à guerra  [3] [pp. 95-97]

XV Adeus à Guerra




A 10 de Novembro de 1966, completamente rota, a CCAÇ 763, começa a ser rendida para regressar a casa. Os primeiros dois grupos de combate partem para Catió, no dia em que é inaugu­rada oficialmente pelo Rev Capelão do Batalhão, a Capela construída exclusivamente por elementos da CCAÇ 763. Assiste à ceri­mónia a maioria da Companhia. O restante pessoal seguirá dois dias depois.

Não sabemos quando embarcaremos, mas já estamos desarmados. Resta saber se ainda vamos para Bissau, ou como será.

Finalmente sabemos que as lanchas nos vêm buscar no dia 18 e que faremos a viagem directa para o barco. Só mais tarde viemos a saber que seria o Niassa. Sim, senhor, bem nos foderam, nem uma lembrança nos deixam levar. Tiraram-­nos tudo e para não recordarmos, nem um boneco de madeira, ou outra bugiganga qualquer de missanga podemos adquirir. Temos de nos cingir ao mercado de Catió, cujos preços sobem em flecha imediatamente. Compram-se alguns tapetes pelo dobro e triplo do preço, e ficam os militares parvos sem saberem o que levar para pais, esposas, familiares e amigos. Vão eles. Que melhor recordação se pode levar?

Foi a prenda que António e Francisca receberam: o regresso de seu filho.

O voltar para casa é um drama que nos traz sempre problemas. Os soldados, uns festejando o regresso à sua terra, outros para gastarem o dinheiro que não lhes servirá para nada, encharcam-se em cerveja e whisky. É cada bebedeira! Começamos a tentar controlar, não vá haver problemas. Os soldados não largam a casa da libanesa, e vai haver bronca de certeza. Felizmente as coisas não correram muito mal. Uma dezena de blenorragias, e os Lassas embarcam em Catió, directamente para o Niassa.


Nas lanchas que transportam o pessoal, há um misto de alegria e tristeza, reflexo do estado de espírito que antecede os grandes momentos. Os soldados olham-se incrédulos, num so­nho de abandono, ou de retomo à guerra. Vagabundo, vai olhando para as margens da floresta e do tarrafo, entrando rio dentro em maré-cheia. A Natureza pode agora ser admirada na sua pleni­tude, e volta a verificar como é linda esta terra. África! Mistério, que prende e faz o homem branco, sentir-se a ela ligado por um feiticismo indefinível, e que lhe faz sentir uma atracção especial pela Guiné! O sol esconde-se, e podemos continuar a apre­ciar ao luar, como se dia fosse, todas as suas estranhas e selva­gens belezas. Embalado pelo ronronar do barco, o furriel Vaga­bundo puxou por um cigarro, deixou-se escorregar suavemente, e o seu cérebro começou deambulando no sonho ou realidade!?

Vagueando, a sua mente navegou a seu belo sabor.

A amizade é, sem dúvida, uma perene transportadora da paz. Pode-se entender como um êmbolo corrector das tensões. Entre homem e mulher, ela pode até mesmo ensinar o homem a dominar a sua brutalidade e o seu orgulho machista e levar à doação total da mulher sem sacrifício e sem baixeza. Amizade, escolha entre pessoas. Restitui-lhes o seu lugar afectivo, consubstanciando a unidade de dois seres insubstituí­veis entre si, subtraindo-se às ligações efémeras de dois egoís­mos. Se a carne aproxima a mulher e o homem, só a amizade pode abri-los um ao outro. Nesta terra em Guerra se semeou a amizade. Minha boa Miriam!...Obrigado, não és mulher grande, mas foste uma grande mulher.

Vagabundo está encarcerado nas pa­redes da sua prisão, com falsas janelas e portas, símbolos de ilusões e indefinidas perspectivas. Está encarcerado nos seus limites, sendo um homem completamente livre. A sua alma está tão ligada à de Tânia que não necessita dela só para se abrir, mas mais para existir. Mas vê-se caminhar só, numa turbulência de sobe e desce. O vazio escurece-lhe a alma e desce mais do que sobe.

No amolecimento do deslizar da lancha, encostado ao saco de lona verde, sente-se livre da guerra, mas olha para as suas mãos, e estas apresentam-se sujas de sangue e vazias completamente. Estes últimos anos tudo tentou, mas nada en­controu. Apenas dor e guerra. Quem o ajudará a encontrar a tão necessária estabilidade de que tanto carece? Puxa novamente outro cigarro instintivamente, sem o pensamento se lhe ir. Se ao menos uma companheira, amante e amiga, lhe estendesse a mão e apenas pronunciasse:

- Vem!... O tempo é agora todo nosso, repousa no meu ombro, e varre da mente toda a lama da guer­ra!...

Maria de Deus? Tânia? Não, a realidade é outra! Há questões sem solução.

Pois não, não será assim! Apenas sua paciente mãe Francis­ca, o ajudará e sofrerá a sua recuperação de homem, esquecendo a máquina de guerra em que se transformou.

Se a morte existisse, neste momento, a união seria perfei­ta. Há duas coisas que merecem ser desejadas: o impossível e a realidade, mas sente-se, por puro desconhecimento, desejo do impossível.

A fama da guerra na Guiné alastrou cedo entre os militares, e não só. Ao próprio povo incógnito, também chegou essa informação, como ao tio Chico da Camioneta. Só quem não queira, se faz ignorante de que, a simples mobilização para a Guiné, é condenação pura a próximo de vinte e dois, ou vinte e três meses de apodrecimento, enraizados na lama das bola­nhas, dos pântanos, e dos rios de maré, piores que quatro anos de meio barril às costas, subindo a ladeira da fonte do Marechal ao Forte da Graça, em Elvas!... Resta, após a partida, o desejo que a chegada não seja entre tábuas, de muletas ou carrinho de rodas.

Só quando se chega à Guiné, se conhecem os nomes as­sombrados das matas do Cantanhez no sul e do Oio-Morés no norte. Recordando, o furriel faz a comparação, mais uma vez, das matas com a solidão.

Solidão! Degradação de existência não compartilhada!... Dementação de espírito, que  se destrama no escorregadio carrei­ro da mata, inspirando o seu nauseabundo odor a morte. Neste estádio, apenas as figuras sombras dos companheiros da frente, e a pressentida presença dos que nos precedem, momentos cruéis de stress, sentindo olhares de seres invisíveis, trespassando-nos em minuciosa tomografia computorizada, esperando a altura ideal para clicarem o botão gatilho que nos queimará a car­ne.

São estes os momentos em que a mente, em louco des­prendimento, se desapega do corpo e vagueia, em sonhos de rea­lidade distante. Mortificando, são estes os momentos que nos trazem os mais excêntricos pensamentos da vivência existida, e daquela que é o túnel escuro, do amanhã que se espera ...

Cansado o guerreiro, esgotado o cérebro, o homem duro adormeceu.

Vinte e quatro anos! Quanto pesarão estes últimos dois na sua vida?!...

Chegada a Bissau, ao princípio da tarde do dia seguinte.

Há que embarcar e distribuir o pessoal pelas camaratas, colchões colocados nos porões. Os oficiais e sargentos irão para os cama­rotes. O Niassa largará na maré cheia que acontecerá pelas duas da madrugada. Os oficiais e sargentos, que não estejam de servi­ço, são autorizados a saírem até à meia noite, impreterivelmente.

Chico Zé, Vagabundo, Jata e António Pedro saem juntos e abancam no Tropical. Camarão de Quinhamel, ostras e cerveja, até encharcarem. Fartos como brutos, bêbedos que nem cachos, cada um sonha com a chegada a Lisboa. Próximo da meia-noite, António Pedro, já amparado por Chico Zé e Jata, sobe as escadas do Niassa, mas o peso de António Pedro é cada vez maior. Vagabundo, a meio das escadas manda sentar o pessoal e diz para Chico Zé:
- Porra! Não cantamos um fado à despedida desta linda terra?

Silêncio! Os camaradas não respondem.

-É cambada, ninguém diz nada, cabrões? Se não falam, então ouçam a minha Florbela!

E parecendo que o álcool lhe tomava a voz suave e pro­funda, começou:

“Almas de Vagabundos
Onde há charcos e lagos,
Pântanos e lamas ...
Onde se erguem chamas,
Onde se agitam mundos,
E coisas a morrer. ..
E sonhos... e afagos...


Almas sem Pátria,
Almas sem rei,
Sem fé nem lei!
Almas de anjos caídos, 

Almas que se escondem para gemer
Como leões feridos!”


- Merda, já acabou tudo! Amen!...

Jata pede a Calças de Palanco que dê uma ajuda. Este estende o braço mas escorrega e cai para dentro do portaló. Dois vultos indefinidos rolam no escuro pelas escadas do Niassa. Um mer­gulha nas águas do rio Geba, o outro dilui-se.

Silêncio absoluto.  Nenhum marinheiro gritou: Homem à água!

Na sua voz pastosa alcoolizada, António Pedro perguntou:
-O que ... foi?

Calças de Palanco, agora já em pé, respondeu:
-Foi o Mamadu que não quis abandonar a sua terra e preferiu ficar nas águas e lama do Geba!
-Que fique em paz na lama a sua sombra!

Saiu em uníssono da boca dos quatro militares.
-E o Vagabundo?
-Voltou para Cabolol, para recomeçar a Guerra.


 (FIM)

[O próximo poste será o último desta série: índice, glossário, contracapa e listagem de todos os postes publicados]
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quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17715: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXV Parte: Cap XIV - Sangue, suor e lágrimas até ao fim... Op Suspiro, a última realizada pelos "Lassas", a 5 de novembro de 1966.


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763, os "Lassas" (1965/67) > Cambança do rio Ganjola, no decurso da Op Petardo, em 10 de junho de 1966.


Foto (e legenda): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 763, os "Lassas" (1965/67) >  Mapa com as zonas de intervenção dos "Lassas". Durante a comissão, estima-se que a CCAÇ 763 tenha percorrido aproximadamente 16 mil quilómetros a pé, 6 mil  de viatura e mil  de LDM. Teve 10 baixas (mortais), sendo 7 em combate e 3 por doença. Sofreu 53 feridos. Dos relatórios constam ter sido feitos 45 prisioneiros e causado 40 feridos e 107 mortos ao então IN.


Infografia: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]








Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Do mesmo autor já aqui publicámos, em 2008, em dez postes, o seu fascinante livro "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.

Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. [Foto em baixo, à direita, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, março de 2016]




Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XXV Parte > Cap XIV (pp. 87-93)

por Mário Vicente

Sinopse:

(i) faz a instrução militar em Tavira (CISMI) e Elvas (BC 8),

(ii) tira o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na
Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:
(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o "periquito" fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965;

(xvi) a lavadeira Miriam, fula, uma das mulheres do srgt de milícias, quer fazer "conversa giro" com o "Vagabundo" e ter um filho dele;

(xvii) depois de umas férias (... em Bissau), Mamadu regressa a Cufar e á atividade operacional: tem em Catió, um inesperado encontro com o carismático capelão Monteiro Gama...

(xviii) Op Tesoura: dezembro de 1965, tomada de assalto a tabanca de Cadique, cujas moranças são depois destruídas com granadas incendiárias.

(xix) Cecília Supico Pinto e outras senhoras do MNF visitam Cufar no início do ano de 1966 e Mamadu é internado no HM 241 (Bissau).

(xx) um mês depois, regresso a Cufar, regresso à guerra. Põe o correio em dia. Lê e relê a carta de Maria de Deus [MiMê], uma paixão escaldante dos tempos de "ranger" em Lamego e por quem estava quase para desertar, antes da data de embarque para a Guiné; a jovem morrerá prematuarmente, em França, aos 24 anos.

(xxi) revolta e dor pela morte do seu camarada e amigo, o fur mil Humberto Gonçalves Vaz (Op Teste, na região de Cabolol];

(xii) o cap Costa Campos deixa a companhia; a comissão está a chegar ao fim: a Op Suspiro é a última operação realizada, a 5/11/1966.




Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XXV Parte: Cap XIV:  Regresso à Guerra [3] [pp. 87-93]



Com o meu amigo Humberto já não podemos falar desta merda e do nosso velho Portugal. Agora sim, em parte estou em sintonia com ele, pois apesar de quatrocentos anos de colonização, não fize­mos aqui senão porcaria e os que não o querem ver, continuam sendo piores que os cegos. Este caso já não é de guerra é, de facto, como tu dizias, político.

Não é falta de moral, nem medo. Estou-me cagando para morrer aqui ou noutro lado qualquer! É falta de ética? Sim, é bem possível, só que agora, talvez ainda pudéssemos acompanhar o comboio e fazer algo bonito. Mas, infelizmente, não estou a ver nada. Tenho o pressentimento de que, quando alguém entender e quiser fazer alguma coisa, estaremos todos com as calças na mão e aí vai ser já muito pior para todos.

Só em pleno século vinte, começámos aqui administra­tivamente a fazer qualquer coisa. Que poderemos querer agora? Qual a cultura? Qual a história nossa aqui presente?

Recordo perfeitamente também a controvérsia quanto à utilização do termo “Velho do Restelo”. Humberto discordante, tinha uma perspectiva que roçava o incompreensível? Para quem?

Falava ele sobre o “Velho”, na assembleia que se formava na messe de sargentos. Sargentos? Porque não furriéis milicianos? Questões económicas? Interessante, a interpretação do Velho do Restelo por Humberto, dizia ele:
-Oh gentes! Deixai o “Velho” sossegado, leiam os Lusíadas, e não ponham em Camões intenções as quais ele nunca teve.

Será Camões contraditório? “C´um saber só de experiência feito,” “tais palavras tirou do esperto peito”. Esta voz veneranda é digna de ser ouvida com atenção. As palavras aos que partem, são precedidas da Mãe.
- Qual é a estrofe, Mamadu? Se não estou em erro é a 90 ou por aí, do Canto IV. E das palavras da esposa. Veja-se a visão de conjunto dos frágeis que ficam: Mães, esposas, filhos, velhos e meninos. Portanto por detrás do “Velho”, está o povo anónimo. As suas palavras são puras análises da condição humana. Segundo ele as bases da viagem do Gama são: a glória de mandar, a vã cobiça a vaidade que se apelida de fama. Impulsos que não passam de fraudulento gosto. Que se é próprio da condição humana ser insatisfeito? Dura inquietação da alma e da vida, veja-se os exemplos dados de Prometeu e Ícaro. Tenhamos em atenção que o Canto!?

-Lopêz! Vai ao meu abrigo e traz-me os Lusíadas, não vá eu confundir isto tudo!

Enquanto o impedido da messe se deslocava ao abrigo de Humberto, que se situava a norte do aquartelamento, virado para Cufar Nalu, Bernardino gerente de messe, voltava a trazer mais umas bazucas e whiskys para o pessoal. Mas entretanto o furriel Humberto ia continuando:
-O Canto IV contem 104 estrofes, pelo que a análise deve ser feita até ao final.


E mesmo com a chegada do livro, o furriel continuava a sua análise:

-Temos então que a análise que se possa fazer, sabendo o “Velho” que o homem estranho animal, que não ouve a voz do bom senso e da lógica lucidamente, ele sabe que as suas não serão ouvidas, procura então inverter os campos, veja-se… Lopez, dá cá o livro!

Folheando…
-Precisamente 100 e seguintes. Oh, gente, temos aqui então a opinião política do “Velho”, e aqui eu vejo Camões e não o “Velho”, pois estão confirmadas as duas correntes existentes no tempo, a expansão para o Norte de África em detrimento do Oriente. Não será que Camões põe na boca do “Velho” a sua própria opção? Com ela ou sem ela, aqui estamos nós, nas mesmas condições, embora com armamento diferente.
- É impossível falar com Camões! Não há duvidas que acima de tudo, mesmo considerando a corrente da época, é que ele era um grande humanista.

Sorrindo para a malta, saiu-se com esta:
-O que o Velho do Restelo critica em tom sério e austero, Gil Vicente fá-lo satiricamente! É ou não verdade?

Seriam subversivas, estas culturais conversas? Esperamos que nin­guém tenha a ousadia de nos considerar antipatriotas, pois nunca virámos a cara às nossas responsabilidades, e medo também jul­go que não o tenhamos. Aliás, valentes e loucos são todos os "Las­sas" .

Vejo-o perfeitamente, na tabanca de Impungueda, fa­zendo segurança a um comboio de barcos mercantes, para abas­tecimento a Bedanda. Eu, sentado de encontro a um cajueiro, tronco velho carcomido, mantendo a G3 assente sobre as pernas esticadas, no solo de terra vermelha. Ao lado, junto a uma palho­ta, duas crianças nuas, encostadas ao barro da parede, olham para os militares. No chão, vê-se um pau rachado em cuja ponta fendida, se encontra incrustada uma cunha de ferro, amarrada por fita de liana. Humberto de pé, à minha frente, olhando o arcaico objecto, nele pegou. Mirou-o bem, pegou-lhe pelo cabo e com movimento rápido, cravou o simulado machado, no enor­me poilão que há frente se encontrava. Aproximou-se, empurrou o capacete um pouco para trás, dobrou-se sobre os joelhos fican­do de cócoras na minha frente, sorriu e disse:
-Já viste, Mamadu!? Olha o resultado de quatrocentos anos, da nossa obra para estes desgraçados!

E apontando as crianças proferiu:
-Se não fosse a escola dos militares de Cufar, eles nem o nome de Portugal conheceriam. Olha para o instrumento de trabalho que nós damos a estes desgraçados! Vês? Mas ... há a contradição! Os pais, amigos, e irmãos deles têm armas melhores que as nossas. Como se pode comparar situações e métodos tão antagónicos?

Olhei para os miúdos, e verifiquei que Humberto estava certo. Só agora aqueles pobres diabos, podiam aprender a língua da nacionalidade imposta, há quatrocentos anos.

Assim eram muitas vezes as conversas entre estes dois furriéis.

Na semana seguinte, voltamos novamente para os lados do norte, Cabolol, e o que existe á sua volta, já se toma obses­são. Mas as coisas, vamo-nos apercebendo, não melhoram e continua tudo sem dar aquela volta necessária que se espera. A sul vamos controlando, e as populações mantêm-se relativa­mente fiéis mas, a partir de Boche-Mende, para norte, é tabu. 

Entramos então na operação Saguim, para verificar o que se passa por Cachaque. Evitamos seguir pela estrada até à ponte do rio Caianquebam, onde tínhamos sido emboscados a outra semana. Utilizamos outra forma de progressão e, pelas três da manhã, alcançamos o atalho para Cachaque, cambando o rio. Podemos agora verificar e confirmar que as coisas estão muito diferentes do que anteriormente era, pois a C.CAÇ chegou a fazer isto com dois grupos de combate. E mais, até a fazer nomadização. Agora vamos três companhias do exército e, mesmo assim, temos pro­blemas. Nós fazemos muito estrago, é verdade, mas também levamos muita pancada. Carlos tinha razão quando falava na inutilidade do Cachil.

Mas, voltemos então à Op Saguim. Após a cambança do rio, a CCAÇ e a outra companhia dispõem-se em linha e iniciam a batida no sentido norte sul. A tabanca foi cercada e a população foi reunida. Constituída por mulheres e crianças essencialmente, havendo alguns homens válidos, rece­bemos a informação que o IN não se encontrava naquela zona, mas sim mais a norte, na região de Boche-Bissã, e que, por ve­zes, transitavam por ali grupos de elementos armados, mas vin­dos de Cansalá. Desta vez regressámos sem contacto com o IN.

A oito de Março, um ano depois de aportar a Cufar, Car­los abandona os Lassas nas mãos do Bolinhas. Valha-nos São Paulo.

Quem parte não leva saudades, quem fica, tem pena de não partir. A experiência de Carlos é vista pelos cegos dos gabi­netes.

Com esta partida de Carlos, renasce uma esperança na CCAÇ 763, é possível que olhem para a nossa obra e que, em vez dos louvores e condecorações, nos coloquem num local onde se descanse um pouco, pois a continuar neste ritmo, em breve vão começar a aparecer situações graves.

Vã esperança a destes homens a quem, depois de lhe comerem a carne, irão tirar-lhe a pele e tentarão com os seus ossos refinar açúcar. Meus amigos, há três hipóteses apenas: ou morrem na estrada de Cabolol, tanto faz, ou ficam apanhados da mona e são evacuados para tratamento no Júlio de Matos, ou en­tão resistentes, antes quebrar que torcer aguentarão o pacote até entrarem directamente daqui para o Niassa.

Vontade e sorte, azar ou pouca sorte, o destino já nos está traçado.

Mamadu concentra a mente em duas forças: Ou o padre velhote orou e pediu a Deus por si e estará safo, ou então o homem grande "palhinha" de Miriam, não deixa o diabo fazer entrar bala no seu corpo. Outras alternativas não vê.

Voltamos a Darsalame, executando a Op Safanão.

Desta vez ainda entrámos nas bordinhas da mata. Não espera­vam a nossa manobra. Enquanto estavam entretidos connosco, os periquitos apareceram-lhe nas costas, e tiveram que dar às de Vila Diogo. Eis aqui a sorte, azar, ironia do destino. Os periquitos que tinham andado todo o dia na mata sem contacto e sem dar um tiro, só a sua aproximação fez o IN debandar. Quando se reuniam a nós, um tiro isolado apanha um pobre soldado em pleno coração. Mamadu, já um pouco longe do militar guerrilheiro, voltou a sentir os olhos húmidos por aquele pobre jovem.

Cuidado rapaz, ainda há muito pela frente e, se começas a ficar sentimental, é uma merda. Acorda! Isto está para durar.

Abril [de 1966]. Continuamos a obra a sul, e a manutenção da população em fidelidade. Mas há que voltar para norte. A CCAÇ começa a estar muito cansada, e as baixas vão minando o moral, influenciando e reflectindo-se no desempenho das missões, mal conseguimos arranjar dois grupos de combate, pois o resto está no estaleiro, mas vamos com a milícia efectuar a operação Toi a Camaiupa e Cachaque. Sem problemas, conseguimos falar nova­mente com o pessoal nativo de Cachaque. O chefe de tabanca informa que tinham sido levados para Cansalá por um grupo IN, chefiado por um indivíduo de nome Brandão. Mais tarde teriam fugido e regressado a Cachaque. Seria? Mamadu tomou-se incrédulo. Já não acredita em ninguém.

No regresso, no cruzamento de Cachaque com a estrada de Cabolol, monta-se uma emboscada. Nada de novo e nem viva alma. Levantamento da emboscada e voltamos a Cufar. As viaturas vão buscar o pessoal à entrada da mata de Cufar Nalu na estrada para Catió. O furriel retoma o seu velho hábito de se sentar no tejadilho do unimog, por cima do condutor. A visuali­zação da paisagem de capim seco leva-o para longas terras, para a sua planície, para confirmar o contraste. É Abril. A planície não deve mostrar a sua terra, mas sim a pujança da beleza parida no seu ventre. O furriel deixa-se levar no enlevo do seu pensa­mento, e vê os caminhos bordejantes de douradas grisandras dançando na brisa primaveril. Os montes e vales, telas verde­jantes com maravilhosas pinceladas dos arroxeados chupa-méis, alternando com a margaça e margaridas de áureo olho e alvas pétalas, mostram a beleza da Planície. Na cidade, a pequenada começará pacientemente com uma agulha, enfiando as marga­ridas em linha grossa, fazendo os seus colares e grinaldas com que se enfeitam e à boneca de trapos, que será posta em simulado altar, pedindo depois aos transeuntes e vizinhos, um tostãozinho para a “Maia”. Assim irão tentando mais qualquer coisa, para mediar o magro mealheiro. As ruas encher-se-ão de cheiroso rosmaninho, para dar passagem à procissão do Senhor dos Passos que rememorando a Via-sacra a caminho do Gólgota, percorrerá todos os Passos da cidade. A semana da Paixão termi­nará com o enterro do Senhor. É Páscoa, é Ressurreição, devia ser renovação, mas a civilização, depois de perder a Fé em Deus e no próprio homem, volta-se para a mistificação das formas e cria símbolos, embalagens ocas que, obsessivamente vai cuidando, tentando esconder o vazio em que existe.

Diz sim! Diz, Maria de Deus que eu sou um romântico, coração mole, travestido de homem duro. Podes dizê-lo, contigo eu sou obrigado a reconhece-lo, mas que mais ninguém o saiba, principalmente Tânia. Pronto, não vou pensar mais nisso! Ou vou? Eterno indeciso!...

Pensa na sua aldeia, e percorre-a através da poesia de Manel Piorna.


Recordo-te!...
Nas desalinhadas calçadas
De pedra britada.
No Rossio terreiro
Ginásio da pequenada.


Contorno-te!...
Em cada Esquina
Pilar da tua memória.
Em cada largo
A pedra marco da história.

Descubro-te!...
Em cada casa
Orgulhosa de alva brancura.
Aldeia planície
Do coração saudosa procura.

Revejo-te!...
Aninhada, ao redor da Igreja
Em penitente oração.
Vila Fernando agora...
Voltando a Conceição.

Ouço-te!...
No anunciar da Natureza
Os diversos destinos.
Repicando em festa ou dobros saudade
Os teus sinos.


Suplico-te!...
Jardim de grisandras e chupa-méis
Horizonte sem serra.
Planície! Dá-me abrigo no teu ventre...
Amada terra!


-Então meu furriel, não desce?
- O quê?
- Já chegámos?!.

Mamadu não tinha dado pelo caminho nem pela entrada no aquartelamento.

A vida não pára e os Lassas também não. Maio, Junho, o chefe de grupo armado IN Ala Na Mone e Varna Na Buta, constantes do ficheiro fotográfico, são aprisionados por um grupo de combate, numa rusga em Cantone e em Mato Farroba são aprisionados Sande Na Manan de Catunco e Sulé Na Brama de Cabedu. As operações continuam: Signo, Sonda, Sarilho, nesta operação a população de Cachaque a seu pedido, foi recolhida e levada para Catió. 

Na Op Petardo vamos para Ganjola, mas já não somos uma Companhia de Caçadores, somos um Grupo a quem outros têm de emprestar pessoal. Lá está a 1484 a ceder os seus Grupos de Combate, tempos duros, amigo Benito! Obrigado a ti e aos teus homens pelo companheirismo.

Chegamos à triste situação de só conseguirmos arregi­mentar quarenta e oito Lassas em condições operacionais. É uma tristeza!. .. Paolo chega a ir a Bissau e tomar posição, como já foi descrito. Se não fossem outras causas, o mostrar que tinha os tomates no sítio certo, podia-lhe custar uma porrada em grande. Carlos, apesar de estar fora, ainda era útil.

Na operação Petardo, foi-nos dada a oportunidade de ver um homem chorar e desistir de viver. É simplesmente horrível quando a pessoa já não acredita nos outros e em si própria. Os rios de maré são autênticas ratoeiras, para os cambar, é neces­sário esperar pelo momento certo, e saber fazer a cambança, ou seja, a passagem para a outra margem. Tem saber, não há dúvida, e só a experiência nos ensina e dá o saber. Como as margens são só lodo, a abordagem tem de ser feita de forma a haver uma distribuição do peso do corpo, por uma base o maior possível, e nunca devem vários homens passar pelo mesmo sítio; de forma, que a melhor maneira de o fazer, na generalidade é passar de gatas. Esse gatinhar terá que ser arrastante, de forma a não nos enterrarmos muito na lama, porque como nas areias mo­vediças, quanto mais força fazemos, mais nos enterramos. Foi pois o que aconteceu ao pobre soldado periquito, durante a ope­ração referida. 

Após cumpridos os objectivos, começámos o re­gresso e havia que atravessar um dos milhares de pequenos rios que enchem esta terra. Os Lassas já macacos velhinhos como o caralho e a malta da 1484, já experientes também, foram pas­sando de gatas, pondo ramos de tarrafo, para melhorar a sustentação. A ânsia do regresso, por vezes é perigosa, e já tivéramos experiências dolorosas por causa disso. Mamadu, com a sua secção em último escalão, aguardou mantendo a segurança. Praticamente tudo passado, foi a vez de Tambinha, com os seus homens do outro lado, tomar posições de segurança, para os Vagabundos de Mamadu passarem, o que foi simples e rápi­do. Só que havia um problema: um periquito, da 1499 enterrado até à cin­tura, debatia-se num descontrolo total. E para fazer parar o ho­mem? Estar quieto, não se mexer, para haver possibilidade de arrancá-lo daquela si­tuação? Era impossível! Para não lhe darem dois socos e pô-lo a dormir, como se faz aos náufragos que se estão a afogar, o fur­riel teve de gritar:
-Pára porra! Que merda é esta? Temos aqui crianças?!
-Vão-se embora! Eu morro aqui! - tespondeu o periquito.

As lágrimas caíam-lhe em catadupa, e foram as únicas palavras que lhe saíram da boca. Homem completamente no fundo, acei­tando piamente a morte.

Mamadu informa pelo rádio para na frente aguentarem um pouco. Manda cortar ramos de tarrafo, que são estendidos até junto do esgotado militar, e diz a Orlando para se esticar sobre a cama ramificada dos pedaços de tarrafo. Orlando, deitado, pede a mão ao camarada, mas sente nela uma mão vazia e sem vigor nenhum. Mamadu manda retirar a arma ao soldado e as cartu­cheiras já semienterradas. À outra malta, pede mais ramos de tarrafo, que Orlando agora vai enfiando junto às pernas do soldado, que parece ser já decepado tronco, rebentando por baixo. Trabalho pronto, vamos ao mais difícil: tentar acalmar o homem. O fur­riel, agora com voz calma e incutindo-lhe confiança, manda-o inclinar o corpo para a frente, e não fazer força nenhuma. Tem de ser rápido, pois o soldado parece estar a entrar em estado de cho­que. Pede a Orlando, que lhe agarre o camuflado com unhas e dentes. Entretanto, já uma corda humana ligada aos pés de Or­lando, estava preparada para entrar em acção.
-Atenção malta, vamos puxar o Orlando devagar até ele estar firme, e sentir que o homem está a mexer, O.K.!?
-Orlan­do, quando sentires que és capaz de o sacar, grita para dar o puxão final!
-Certo, meu furriel.
-Vá pessoal, devagar, o homem é nosso caralho! Ou ele ou nós todos juntos.

Mamadu vai entusiasmando e morali­zando os seus homens. De repente o corpo de
Orlando começa a esticar, e dá um berro:
-Força!

São momentos de sufoco. O pessoal puxa e Orlando aguenta. Não se nota nada, o camuflado do infeliz começa a rasgar e a malta começa a gritar:
-Vai! ... vai!

E foi mesmo, o corpo do homem começa a subir e o de Orlando a deslizar. Está ganho, os Vagabundos sentem-se orgulhosos, e o pobre rapaz chora, tentando pôr-se de pé. As unhas de Orlando estão rasgadas e começam a sangrar. Eis aqui com a maior sim­plicidade, a trilogia do Sangue, Suor e Lágrimas.

Mereceis melhor sorte, e regressar a casa sãos e salvos, meus valentes Vagabundos. Tenho um imenso orgulho, em ter homens com esta fibra assim. Um dia compreendereis, que a minha dureza foi e é apenas armadura para defesa de todos nós. Relembrando o seu tempo de escuteiro, Mamadu verifica a utilidade presente, dos apreendimentos de antanho. Em Cufar festejaremos com uma bazuca de 6,6 dl. 


Pela segunda vez temos novamente a porra da época das chuvas e voltam os problemas das viaturas nas picadas e nos reabastecimentos. De manhã fica-se atolado em lama, à tarde tem de se pôr um lenço na cara por causa do pó.

Mais uma emboscada na estrada maldita, mais um morto, mais uns feridos! Não interessa, estamos cá para isso, só pensamos que seja breve e sem muito sofrimento, quando nos calhar a nós. Pensamento colectivo.

A 22 de Junho [de 1966], os Lassas saem a fim de tomar parte na operação Salsifré. A Companhia, a 2 GComb reforçada com um GComb da 1484 e pessoal da Compª. Milª. 13, sai de Bedanda pelas 22H00. Progredindo pelo itinerário previamente determinado, com a 4ª.CC em 1º. Escalão, atingido o objectivo cerca das 9h00 do dia seguinte. A CCAÇ emboscou-se no itinerário Salancaur - Mejo, à direita da 4ª. CCAÇ.


Havia informações sobre uma coluna de fornecimentos para o PAIGC.
Cerca das 14h00 o inimigo fez três tiros de reconhecimento da mata em frente procurando localizar a nossa posição, não se tendo respondido. Pelas 16H00 o PCV ordenou que fosse levantada a emboscada. Com a 4ª. C.C. novamente em 1º. Escalão iniciou-se a retirada pelo itinerário previsto. O objectivo foi percorrido sem ter sido detectado qualquer coluna nem localizado algum acampamento IN. Cerca das 19h00 e quando o último GComb dos Lassas, com os Vagabundos na retaguarda se encontrava a cambar um pequeno rio, o IN abriu fogo sob as NT com armas ligeiras e uma MP. Mamadu com seu pessoal atascado na lama do rio, a merda do rádio banana sem funcionar, tentava responder de qualquer maneira. Apenas o GComb da 1484 e os outros Lassas, recuaram para ajudar à cauda da coluna, porque os meninos da 4ª. CCaç nem pararam, pois o que queriam era chegar a Bedanda. Resolvido este incidente, a Companhia reagrupou continuando a progressão em direcção a Bedanda, onde chegou cerca das 22h30, sem ter tido mais contacto com o IN.

Dia 24 os Lassas regressaram a Cufar da Op Salsifré.

Vagabundo, encontrou em Bedanda o conterrâneo sargento Ventura, também lutando naquelas paragens.

Nesta altura Baté já tinha deixado Empada e regressado a Lisboa. De certeza, os dedos calejados de tanto tocar os botões do seu “Rómio, Alfa, Delta, Índia, Óscar,” tentando desenras­car os seus companheiros.
-Poucos quilómetros nos separavam, meu amigo. Empa­da fica um nadinha a Norte! Mas, também havemos de beber um copo na nossa aldeia.

Quantos filhos teus, minha aldeia, passarão por aqui? Quantos patrícios e amigos, passarão nesta maldita terra sofrendo o mesmo ou mais ainda do que eu estou passando? Que tenham sorte! E se acreditarem, que a nossa Padro­eira se lembre deles, pois parece ser a única tábua de salvação, e, já agora, de mim também, embora eu não seja boa rês e merecedor desse dom. Não sei se, por questões militares, confio no Santo Mártir Oficial Romano, ou será que sem eu saber Tânia lhe estará orando por mim? Tudo é possível... Acreditar é difícil! Mas não é Deus grande? Não revolve a Fé montanhas? Por mim só me alegra.

Nada de distracções pois, mesmo com trovoadas tropicais, com tornados, na lama da bolanha e do tarrafo, na estrada e na mata não se pode parar, e há que realizar as operações Pinoca, Piri-piri, Patacão, Penacho I, Penacho II, Pirilampo, Pileca, Paciência, Subsídio, e a Suspiro.

Soma e segue. Na Op Penacho há mais um morto e catorze feridos. Fica a Op Suspiro, como a última operação da CCAÇ 763 em terras da Guiné, e tem de ser para os lados de onde o perigo é maior, Cabolol. É claro, embora não seja propriamente à zona quente, querem que levemos daqui uma boa recordação, pelo que nos mandam para Boche Mende, a 5 de Novembro de 1966. Seguem-se patru­lhamentos e seguranças diversas.

(Continua)

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Nota do editor: