Mostrar mensagens com a etiqueta Campanhas de Pacificação. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Campanhas de Pacificação. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17536: Notas de leitura (974): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Junho de 2017:

Queridos amigos,
A investigação de Armando Tavares da Silva não ilude (pelo contrário, ilumina) as vicissitudes da vida da província, a partir de 1879, as sublevações, os conflitos, os tratados, a paz instável. Fica-se com a noção de que neste período que vai até 1890 avultam atos de heroísmo e de galhardia militar, como Marques Geraldes, e regista-se uma governação exímia, a de Pedro Ignacio de Gouveia.
Somam-se as dificuldades, há muita tropa indisciplina, os degredados são problema, não há dinheiro para desenvolvimento. É um verdadeiro jogo do empata e da manha para tentar ocupar o território, na ausência de uma administração efetiva.

Um abraço do
Mário


A presença portuguesa na Guiné: história política e militar 1878-1926, 
Por Armando Tavares da Silva (2)

Beja Santos

Dentre os mais importantes trabalhos historiográficos referentes à Guiné, é da mais elementar justiça pedir a atenção de todos os interessados para uma investigação de grande fôlego: “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016.

Que o leitor se previna: são mais de 960 páginas, uma belíssima apresentação gráfica, poder-se-á mesmo adjetivar que é inexcedível, um bom acervo fotográfico e um conjunto de mapas que facilitam a leitura de tão avultado miolo. O investigador escolheu aquele período peculiar que vai das primícias da autonomização da Guiné face a Cabo Verde até à chegada da Ditadura Nacional, correspondente na colónia a uma fase que prometia arranque económico, num quadro de uma certa pacificação, em que a administração colonial se estava a disseminar por pontos importantes no território.

Armando Tavares da Silva é imbatível nos elementos carreados, não hesito em dizer que doravante, quem se quiser abalançar a revisitar este período histórico, tem que percorrer esta obra, sem prejuízo das outras investigações que fazem parte da bibliografia obrigatória.

Pedro Ignácio de Gouveia é o segundo governador da Guiné  [1881-1884, 1º mandato] , tem uma prosa exemplar nos seus relatórios e considero que o seu texto sobre a epopeia do Alferes Marques Geraldes que foi resgatar a Selho gente tirada de S. Belchior uma obra-prima, já o disse num dos meus livros. O autor descreve as preocupações deste governador, ele é contemporâneo de uma nova expedição contra os Beafadas de Jabadá, é favorável a tratados de paz e pressente a gravidade do que se está a passar no Forreá, um fenómeno ainda mal estudado, tem a ver com a crescente pressão dos Fulas que vieram do Futa Djalon e puseram em alvoroço o mosaico étnico, fazendo avivar guerras entre Fulas Forros e Fulas Pretos.

Dá relevo a desavenças que ocorrem em Geba e em Buba, vive-se numa turbulência constante de saqueios de povoações, roubos, atos hostis. É nesse contexto que irão ocorrer operações em Nhacra, os Balantas tinham aprisionado uma embarcação e foram assassinados alguns tripulantes. Mais negociações com rei de Safim, obteve-se uma submissão temporária. No seu segundo relatório, com data de 26 de Janeiro de 1884, o governador volta a dizer algumas verdades como punhos: insuficiência da guarnição, indisciplina militar (recomenda que se realize o recrutamento na província), propõe reformas, pede recursos para lançar empreendimentos essenciais.

Os incidentes no Casamansa vão ser uma constante a partir de 1884, a França pressiona, percebe-se claramente que quer arredar qualquer presença portuguesa na região. Problemas não faltam, o autor fala-nos de um habitualmente omitido na historiografia, o dos degradados. O governador solicitara que fosse abonada a passagem para a metrópole aos indivíduos que houvessem completado o tempo de degredo em Angola; mas este problema não se limitava às questões de patrulhamento, como escreve: “De Angola e de S. Tomé estavam sendo enviados degredados para a Guiné, onde não existia colónia penal, nem condições para evitar a fuga dos presos como já tinha acontecido”.

Pedro Ignácio de Gouveia teve uma governação sem descanso, até houve guerra entre os Beafadas e Mandingas e Fulas-Forros. Volta a fazer minucioso relatório e chega novo governador em 1885, o Capitão-Tenente Francisco de Paula Gomes Barboza [1885-1886], também não teve a vida descansada, por esse tempo uma figura que irá dar muitas dores de cabeça, Mussá Moló, ameaçou fechar o rio Geba, houve que fazer uma incursão a Sambel Nhantá, então a capital do regulado do Cuor. Marques Geraldes passa à chefia de presídio de Geba, aqui granjeará fama.

O autor desenvolve os acontecimentos do Casamansa que irão desaguar na Convenção de Maio de 1886, é capítulo de primordial importância, convém não esquecer que houve perdas graúdas como o Casamansa, mas Portugal que tinha ali uma colónia de praças e presídios ganhou território para o interior, praticamente desconhecido, sobretudo no Leste e no Sul.

No período de 1886-1887 continua-se na efervescência de todo o fenómeno da expansão do Reino de Alfa Moló que encontra apoios em Mussá Moló, entre outros, para espalhar a guerra. Marques Geraldes escreverá que “Moló lutou até ao último dia da sua vida, tendo conseguido destruir quase todo o poder dos Beafadas e Mandingas nos territórios de Geba até Gâmbia (…) As margens do rio Geba, desde a sua embocadura, eram povoadas por Beafadas e Mandingas que ainda não tinham sentido a mão do vencedor. Mussá, por meio de planos bem combinados, soube vencer aqueles restos dos grandes povos que dominaram na Guiné e que em poucos anos tinha suplantado Beafadas e Mandingas, ficando possuidor de ambas as margens do rio Geba desde a sua embocadura, e nós à sua perfeita disposição”.

Houve que fazer expedições, tiveram à frente Marques Geraldes. Em Setembro de 1886, virá novo governador, o Tenente-Coronel João Eduardo Brito [1886-1887], prosseguem as operações, os tratados de paz, sempre efémeros. Marques Geraldes preparou um ataque à capital Sancorlã, teve que suspenda a guerra, assinou-se um tratado como Mussá Moló.

Chegou o momento de tentar um esforço de síntese para apreciar o trabalho de Armando Tavares da Silva. Compila muitíssimos dados, desde as primícias da consagração da Guiné como província, mostra os meios de que o governador dispõe para proceder a operações militares, a natureza buliçosa das diferentes etnias que não se reconhecem na soberania portuguesa. Repertoria as sucessivas operações e não esconde as diferentes deceções dos governadores perante uma quase indiferença dos políticos de Lisboa, que não correspondem ao apelo de mais meios.

O período subsequente, 1887-1890, traz acontecimentos na esteira dos anteriores. Agora o governador é o Contra-Almirante [Francisco] Teixeira da Silva [1887_1888]. Problemas em Buba não faltam. Mussá Moló continua a atacar tabancas. Marques Geraldes, até então um militar de comprovado brio e heroísmo, termina a sua presença na Guiné de forma inglória. Incidentes não faltam, um pouco por toda a parte. Demarcam-se fronteiras para a província, há nova operação contra os Balantas de Nhacra. Com dor e mágoa, abandona-se Ziguinchor. Teixeira da Silva escreve relatório, é documento com laivos de amargura. O relato de conflitos e rivalidades prossegue, ocupa-se Cacine, a contragosto dos franceses. E em 1890 chega novo governador, o Major Augusto Rogério Gonçalves dos Santos [1890-1891].

(Continua)
____________

Nota do editor

Poste anterior de 30 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17526: Notas de leitura (973): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

sábado, 1 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17533: Falsificações da história (3): (i) Oliveira Muzanty foi um governador-geral controverso; (ii) nunca houve nenhuma coluna de operações proveniente da metrópole em 1891; (iii) aventuras e desventuras no Oio do "herói" Graça Falcão... (Armando Tavares da Silva, historiador)


Guiné > Região de Bafatá > Bafatá > c. 1970 > Parque da cidade com a estátua de Oliveira Muzanty (governador-geral, 1907-1909) e, ao fundo, a Casa Gouveia.

Foto: © Benjamim Durães (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O historiador Armando Tavares da Silva mandou-nos os seguintes comentários ao poste P17532, sobre o trabalho de António dos Anjos “Resumo do que era a Guiné há vinte anos…” (edição de autor, Bragança, 1937). (*)

[Foto à direita: Armando Tavares da Silva, membro da nossa Tabanca Grande, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Porto: Caminhos Romanos, 2016, 972 pp.). ]


 (i) A demarcação das fronteiras da Guiné

No início do Post apresenta-se uma imagem da estátua de Oliveira Muzanty erigida em Bafatá. A inclusão desta imagem neste Post leva-me a um comentário. Eu creio que essa estátua se destinou mais a homenagear o oficial que desempenhou um papel importante na chefia da parte portuguesa da comissão luso-francesa que procedeu à demarcação das fronteiras da Guiné, do que o governador a quem esteve confiado o território entre 1906 e Janeiro de 1909.

Nesta qualidade [, como governador,]  a sua actuação não deixou boas recordações nem resultados úteis, tendo mesmo no final do seu mandato sido objecto de fortes críticas. Muitas das campanhas militares que empreendeu, ou redundaram num efectivo fracasso, ou foram desnecessárias.

Notemos que a inutilidade da campanha de Muzanty de 1908 em Bissau fora também referida no relatório de inspecção das alfândegas da Guiné, a que procedera o comissário Henrique Gonçalves Cardoso em 1912, e que determinou uma reorganização destes serviços. No índice do relatório, na parte referente à apreciação da vida da província, são mencionados os seguintes parágrafos: “As guerras de Bissau”, “A intriga dos proprietários em Bissau”, “Necessidade de pacificação de Bissau”, “A campanha de 1908 foi inútil”. 

Caso curioso é o facto de as páginas deste relatório que conteriam estes parágrafos, não se encontrarem presentes no relatório, fazendo crer terem dele sido removidas propositadamente, talvez para esconder factos que alguém desejaria que ficassem desconhecidos.

A efectiva demarcação das fronteiras da Guiné para dar cumprimento às disposições da Convenção de Maio de 1886 desenvolveu-se em várias fases. A primeira decorreu entre Janeiro e Março de 1888, e nela foi feita a demarcação da fronteira sul, sem que problemas de maior tivessem sido levantados. Porém, a demarcação da fronteira norte vai ser fonte de dificuldades, pois obrigava Portugal a abandonar Zeguichor [, Ziguinchor ou Zinguinchor], facto contra o qual várias vozes se levantaram, originando resistências e um atraso nessa entrega, que só ocorrerá em 12 de Abril.

Após esta entrega, os trabalhos de demarcação ficam suspensos, pois a França pretendia agora que se fizesse uma alteração à Convenção de 1886, substituindo o cabo Roxo pela ponta Varela, donde partiria a linha de fronteira, o que não fora aceite. Parecia, de resto, que, conseguida a ocupação de Zeguichor, os franceses se desinteressaram de prosseguir os trabalhos de demarcação.

Estes só serão retomados no começo do ano de 1900, passados mais de 10 anos desde os trabalhos daquela primeira missão, e na sequência de uma série de diligências iniciadas com a apresentação, pelo governo português, junto do governo francês, de uma proposta com aquele objectivo, no início de 1898.


(ii) O papel do 2º tenente João Augusto d'Oliveira Muzanty na chefia da parte portuguesa da comissão luso-francesa para a demarcação das fronteiras

É para chefiar a parte portuguesa desta segunda missão que é nomeado o 2.º-tenente João Augusto d’Oliveira Muzanty. Porém, os novos trabalhos de demarcação iniciam-se pela fronteira sul, uma vez que os franceses rejeitavam o traçado fixado pela comissão de 1888, realizado com base em cartas que apresentavam erros, colocando exigências que se traduziam para Portugal na perda de territórios no Forreá. Isto conduz à ruptura das negociações e à necessidade de um levantamento rigoroso das zonas fronteiriças, e a aceitar a cessão recíproca de territórios se indicações geográficas ou outras a tornassem indispensável e fosse justificada.

Os trabalhos só são retomados em Janeiro de 1901, ficando os delegados portugueses instruídos a cingir-se, tanto quanto possível, à Convenção de 1886, mantendo-se os pontos iniciais da fronteira sobre o litoral, tanto ao norte como ao sul, nela mencionados, de modo a não diminuir a extensão da costa portuguesa. A fronteira sul ficará demarcada em Maio desse ano.

Os trabalhos de demarcação só serão retomados em finais de 1902, e Oliveira Muzanty mantinha-se a chefiar a delegação portuguesa. Novamente devido a inexactidões das cartas, nomeadamente ao facto de se ter reconhecido que, de acordo com estas, Cadé ficaria dentro do território português, contrariando os termos da Convenção de 1886, foi necessário proceder a compensações territoriais. Os trabalhos desta nova comissão ficam concluídos em Maio de 1903.

Só em Janeiro de 1904 serão retomados os trabalhos de demarcação da parte mais importante, a fronteira entre o Casamansa e o rio Cacheu, que obrigava ao levantamento destes rios, o qual fica terminado em Maio. Reiniciados no final de 1904, depois de passada a época das chuvas, virão finalmente a terminar em Abril do mesmo ano, com a colocação de um marco no cabo Roxo. Terminava assim um longo período, durante o qual a chefia da delegação portuguesa nestas comissões estivera confiada a Oliveira Muzanty.


(iii) O opúsculo de António dos Anjos contém inúmeras inexatidões, erros e omissões

O trabalho de António dos Anjos pretende transmitir a ideia de que foram múltiplas as dificuldades que se depararam às autoridades no estabelecimento de uma administração no território e, sobre este aspecto, cumpre o objectivo. Porém, devo advertir o leitor de que este trabalho contém muitas inexactidões, podendo criar uma ideia errada de alguns dos acontecimentos que procura relatar. O que é natural, pois o próprio diz “não consultei relatórios nem Boletins Oficiais”, baseando-se no que ouvira, e também no que tinha visto depois de chegar à colónia em 1911. E sabe-se quanto a transmissão oral do conhecimento leva à adulteração dos factos.

Não vamos ser exaustivos na análise do que escreve António dos Anjos. Digamos, como exemplo, que menciona a ida para a Guiné de uma coluna de operações proveniente da metrópole, aquando dos problemas de Bissau de 1891. Ora, o que é facto, é que nenhum contingente metropolitano foi enviado para Bissau nessa altura. Foram os efectivos lá existentes que protagonizaram os acontecimentos da altura.

Mas há uma parte do escrito de António dos Anjos que merece um comentário mais desenvolvido, pelas convicções que transmite e por me parecer estar bastante longe da realidade dos factos. Diz respeito ao que se passou no Oio em Março de 1897, na desastrada incursão desencadeada por Graça Falcão.


(iv) O mito do herói Graça Falcão

Jaime Augusto da Graça Falcão (e não António) tem um extenso historial desde que, como alferes, foi transferido de Angola para a Guiné por questões disciplinares em 1892, até ao momento em que, em 1926, foi aposentado compulsivamente pelo governador Vellez Caroço, por desrespeito a este. Extenso historial que não vou aqui desenvolver, acrescentando apenas que durante este período foi expulso por três vezes da Guiné, tendo a sua liberdade de movimentos na Guiné sido coarctada uma outra vez.

Digamos que a operação que ele promoveu no Oio em Março de 1897, que já tinha sido precedida de outra incursão entre Janeiro e Fevereiro do mesmo ano, que se saldara num “revés” e que o governador Pedro Inácio de Gouveia mandara sindicar, foi realizada à revelia deste, e para a qual não tinha autorização, deixando de cumprir a determinação de que os comandantes militares estavam proibidos de sair das sedes dos comandos sem ordem ou licença. 

Responsável por este desastre é também o 1.º tenente Álvaro Herculano da Cunha que, como delegado do governo no presídio de Farim, determinara a 6 de Março a organização de uma coluna de operações do Oio. Nesta incursão perderam a vida dois oficiais, dois sargentos além de vários soldados. Uma tentativa do governador de última hora, ao tomar conhecimento, através das autoridades do Senegal, de que os oincas pretendiam a paz, não resultou, alegadamente por tal intervenção ter chegado ao conhecimento de Herculano da Cunha e Falcão depois de iniciado o ataque.

Este lamentável episódio, deu origem a dois autos de averiguações, quatro relatórios, em que se procurava fazer luz sobre as razões últimas que levaram Graça Falcão a invadir o Oio, servindo-se de uma força apreciável de auxiliares.

Os relatos que até agora têm sido feitos sobre este incidente, tendentes a transformar Graça Falcão num herói, e a enaltecer o facto de este ter escapado com vida, desconhecem toda a realidade envolvida nesta lamentável aventura não autorizada, e cuja realização parece que fora previamente decidida. (**)
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 29 de junho de  2017 > Guiné 61/74 - P17523: "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é hoje", de autoria do 2.º Sargento Reformado António dos Anjos, 1937, Tipografia Académica, Bragança (1) (Alberto Nascimento, ex-Sold. Cond. Auto da CCAÇ 84, 1961/63)

(**) Último poste da série > 31 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17417: Falsificações da história (2): o ataque a Bambadinca em 28/5/1969: eu estava lá !... e vou enviar em breve um texto conjunto com o Fernando Calado com a nossa versão dos acontecimentos (Ismael Augusto, ex-alf mil manut, CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70)

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17526: Notas de leitura (973): “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016 (1) Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Junho de 2017:

Queridos amigos,
Não conheço na investigação da história da Guiné levantamento mais minucioso, ainda por cima para um período que não chega a 50 anos.
Um desastre militar em Bolor, no Norte da Guiné deixa os políticos de Lisboa siderados, dá-se a criação da província da Guiné Portuguesa, autónoma de Cabo Verde.

O ar do tempo é o da Conferência de Berlim, que se realizará anos depois: não há direitos históricos, quem quer ter colónias ocupa-as e administra-as. Assim se inicia numa atmosfera de turbulência, com levantamentos de diferentes etnias, a criação de uma capital em Bolama, surgem tensões graúdas com os franceses, os seus apetites não estão só no Casamansa, estão também no rio Grande.

Temos mais de 900 páginas para acompanhar as sagas ocorridas nesta sequência cronológica.

Um abraço do
Mário


A Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926, 
Por Armando Tavares da Silva (1)

Beja Santos

Dentre os mais importantes trabalhos historiográficos referentes à Guiné, é da mais elementar justiça pedir a atenção de todos os interessados para uma investigação de grande fôlego: “a Presença Portuguesa na Guiné: História Política e Militar 1878-1926”, Caminhos Romanos, 2016.

Que o leitor se previna: são mais de 960 páginas, uma belíssima apresentação gráfica, poder-se-á mesmo adjetivar que é inexcedível, um bom acervo fotográfico e um conjunto de mapas que facilitam a leitura de tão avultado miolo. O investigador escolheu aquele período peculiar que vai das primícias da autonomização da Guiné face a Cabo Verde até à chegada da Ditadura Nacional, correspondente na colónia a uma fase que prometia arranque económico, num quadro de uma certa pacificação, em que a administração colonial se estava a disseminar por pontos importantes no território.

O autor dá explicações para o seu trabalho: a escassez de estudos, a pretensão de dar a conhecer as razões que levaram as autoridades a empreender um conjunto de operações do foro militar que se sucederam no território durante dezenas de anos. A base principal do trabalho reside na documentação existente no Arquivo Histórico Ultramarino relativo à Guiné. Pretende igualmente o autor vincar a existência de dois grupos antagónicos que disputavam a vida económica e administrativa da Guiné.

E é na interrogação final com que termina o texto que se pretende marcar a existência de tal “problema” e, para ele, atrair a atenção do leitor. É de facto no termo do seu livro, que depois de abordar uma paz que tinha durado uns escassos 30 anos, a que se seguiria a eclosão da guerrilha que culminou na independência do Estado da Guiné-Bissau, que o autor questiona: “Seria o ressuscitar do conflito de interesses e das velhas tensões que estiveram na base das questões de Bissau de 1891, 1894 e 1915?”. A seu tempo, se procurará contestar tal questionamento, tanto no que respeita a existência dos dois grupos antagónicos como na inexistência de qualquer relação entre a guerrilha e o que se passara em poderosos conflitos havidos em Bissau, muitas décadas antes.

No capítulo introdutório, a súmula apresentada é sugestiva, tocando em aspetos essenciais: continua a não haver precisão quanto à data da chegada dos portugueses ao território do que foi a colónia da Guiné e é hoje a Guiné-Bissau; facto é que os portugueses estabeleceram relações com os potentados indígenas e que a partir da segunda metade do século XVI a presença portuguesa era um facto, ali se comerciava em concorrência com franceses, ingleses e holandeses. Os ingleses tudo tentaram para estabelecer feitorias na Guiné, privilegiaram Bolama, a colónia falhou rotundamente, o clima vitimou-os, ensaiaram continuar em Bolama houve que recorrer à sentença arbitral do Presidente dos Estados Unidos, Ulysses Grant.

Seguiram-se os franceses, nas suas cobiças no Casamansa, virão a ter sucesso nas suas pretensões na Convenção Luso-Francesa que definirá os traços essenciais da Guiné Portuguesa. E a Conferência de Berlim gerou um novo paradigma político: Portugal deixaria de se limitar a uma presença periférica, teria de conseguir uma ocupação efetiva, ter uma administração presente na colónia, cuidar do bem-estar das populações, zelar pela economia do território, pelas exportações.

 É dentro desta sequência cronológica definida pelo autor que estamos em 1878-1879, há uma visita do Governador-geral de Cabo Verde, o Ministro Thomaz Ribeiro recomenda ao Governador um plano de administração e a toma de medidas “que possam levantar aquele ubérrimo país do abatimento, do quase esquecimento em que tem jazido”.

O Governador responde com relatório, descreve detalhadamente o estado geral das fortificações de Bissau, Cacheu, Geba, Bolama, Colónia e Buba, havia os pequenos redutos de defesa em Ziguinchor, Farim, Bolor e ainda outros pontos. Sugere-se um pessoal militar à volta de um batalhão de caçadores com a força de 400 praças e uma companhia de artilharia com 100 praças europeias; havia ainda a considerar o apoio para uma força militar naval, composta de uma pequena canhoneira a vapor e três lanchões a vapor.

Em Bolor, no norte do território, tribos revoltadas tinham atacado e arrasado a população, havia incidentes no presídio de Geba e é neste contexto que ocorre em Dezembro 1878 o chamado desastre de Bolor, uma chacina que deixou os políticos de Lisboa em grande consternação, tomou-se a decisão de transformar a Guiné em província independente, o governo da província teria a sua sede na ilha de Bolama, transferiam-se de Cabo Verde para a Guiné um efetivo militar e o governo ficava autorizado a organizar uma bateria de artilharia para guarnecer as fortalezas da província da Guiné, bem como a adquirir alguns barcos de vapor.

O primeiro Governador da Guiné Portuguesa foi o Tenente-Coronel Agostinho Coelho, que toma posse em Bolama no início de Maio de 1879. É uma frase de organização do território em que a Guiné fica dividida em quatro concelhos administrados por oficiais militares, as sedes dos conselhos seriam Bolama, Bissau, Cacheu e Bolola; o concelho de Bolama compreendia a povoação denominada “Colónia”, na ilha de Orango e todos os estabelecimentos de qualquer caráter oficial que viessem a existir no arquipélago dos Bijagós; o concelho de Bissau compreendia a vila de S. José e o presídio de Geba; o concelho de Cacheu incluía a praça e os presídios de Farim e Ziguinchor e as povoações de Mata, Bolor e outras desta última dependência; o concelho de Bolola compreendia Santa Cruz de Buba e todos os mais pontos que viessem a ser ocupados no rio Grande, não se escondia haver muitos pontos ocupados e de domínio duvidoso ou mesmo não existente.

O autor reporta às forças navais no início deste primeiro governo da província da Guiné, o surgimento de problemas com forças nativas, as pretensões territoriais francesas à volta do rio Grande, a sublevação de tropas e trata, a questão da Guiné como depósito de degredados. Inicia-se a delimitação da Guiné e avançam-se medidas para tratados que permitam mais harmonia entre o colonizador e o colonizado. Enquanto decorre esta tentativa de organização do território e se procura responder às pressões francesas, encetam-se esforços para a pacificação do Forreá que culminará com um tratado de paz. Mas os problemas de pacificação estavam para durar, houve levantamento dos Beafadas de Jabadá, chegou-se a um compromisso.

Em 1881, Agostinho Coelho cede a governação a Pedro Ignácio de Gouveia.

(Continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 26 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17513: Notas de leitura (972): “A Colonização Portuguesa da Guiné 1880-1960”, por João Freire, 2016, edição da Comissão Cultural da Marinha (4) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16990: Notas de leitura (923): "A presença portuguesa na Guiné : história política e militar 1878-1926", de Armando Tavares da Silva, Porto, Caminhos Romanos, 2016, muitos anos de pesquisa de arquivo, um milhar de páginas, fotos, mapas e outra documentação preciosa... Uma obra de referência, de grande rigor, incontornável. Pref. do almirante Nuno Vieira Matias, antigo cmdt do DFE 13 (CTIG, 1968/70)


A presença portuguesa na Guiné : história política e militar 1878-1926 / Armando Tavares da Silva ; pref. Nuno Vieira Matias. - [Porto] : Caminhos Romanos, 2016. - 972 p., [64] p. il, [12] mapas desdobr. : il. ; 25 cm. - ISBN 978-989-8379-44-3 [Preço 'on lne': 56,00€]



A presença portuguesa na Guiné : história política e militar 1878-1926, de  Armando Tavares da Silva  >


 Prefácio:  “A Presença Portuguesa na Guiné”

Alm.te Nuno Vieira Matias


A análise histórica é, em qualificadas escolas, muito usada como ferramenta essencial à compreensão de fenómenos humanos e à sua condução em termos políticos e estratégicos, ainda que em épocas já muito diferentes. De facto, o conhecimento do passado de um determinado meio humano, de características com contornos bem vincados, ajuda a entender comportamentos actuais e a prospectivar medidas, ou políticas, orientadoras para novos padrões comportamentais. Este pensamento flui naturalmente com a leitura do excelente trabalho de investigação histórica que temos em presença, o qual se reveste, assim, de grande interesse actual e também futuro.

Ao longo dos trinta e dois capítulos que constituem a componente principal do livro é-nos dado a conhecer, com grande detalhe e rigor, a vivência, frequentemente conflituosa, entre várias etnias da Guiné Portuguesa e os esforços da administração portuguesa para o estabelecimento de uma governação baseada em princípios das sociedades ocidentais. São historiados 48 anos desse processo, de 1878 a 1926, período que o Autor escolheu, como justifica nas “Palavras Prévias”, principalmente “por ser aquele em que houve maior pressão para a ocupação efectiva do território, em que decorreram as conversações com a França para a sua delimitação e em que se concentraram, na quase totalidade, as chamadas operações de pacificação “.

Trata-se de um espaço temporal em que ocorreram múltiplos incidentes, que demonstram não apenas a natureza diversa e rebelde de muitas gentes guineenses, como as dificuldades no estabelecimento de uma organização política e social enquadradora da multiplicidade étnica e religiosa da população, vivendo no espaço artificialmente definido que passou a constituir a Guiné Portuguesa. A riqueza da extensa investigação dá-nos conta dos muitos conflitos verificados, quer entre as etnias locais, quer entre estas e os portugueses, mas também refere inúmeros episódios de bom relacionamento que tivemos com os nativos. Daí facilmente se extrapola que a dificuldade de convívio tem sido uma constante, que chega até aos nossos dias.

O autor, Armando Tavares da Silva, o mais recente membro
da nossa Tabanac Grande 
Esta é uma ideia que perpassa por toda a obra, excelentemente enquadrada pela Introdução onde o Autor faz um resumo da história do território, desde a chegada dos primeiros portugueses à região. Nuno Tristão terá sido o primeiro a chegar e a constituir a primeira vítima mortal das frechas envenenadas de mandingas, em 1446, talvez na foz do Rio Gâmbia. No ano seguinte, seria a vez do escudeiro norueguês de D. Afonso V, Valarte, que comandava nova expedição, de ser morto ou capturado, já não em terra de mandingas, mas na de outras etnias não claramente definidas.

Os nossos navegadores, os primeiros homens brancos a chegarem àquelas terras, foram descobrindo também que ali havia uma enorme diversidade étnica. Esta, sabemos hoje, foi consequência de muitas migrações de povos diversos do nordeste africano os quais, ao longo de séculos, procurando melhores condições de vida, se foram deslocando para as férteis costas guineenses, empurrando à sua frente os que já lá se encontravam. Os bijagós foram mesmo pressionados a deixarem a terra continental e a ocuparem o conjunto de ilhas adjacentes que tomaram o seu nome.

Não demoraria muito, contudo, para os portugueses entenderem que deveriam ter com aqueles povos um relacionamento cautelar, como o prova a excelente expedição de Diogo Gomes, em 1456, que o Autor caracteriza – em consonância com a apreciação de Teixeira da Mota (1946) – indicando: “ A acção por ele desenvolvida fornece-nos ‘um quadro típico da atitude civilizadora dos portugueses na Guiné’: a preocupação das ‘relações pacíficas com o gentio, tratando-o com humanidade e generosidade’; a superação do conflito religioso com a conversão do régulo; ‘um esforço de educação civilizadora, pelo envio de sacerdotes, técnicos construtores e animais domésticos’. O navegador é, assim, ‘um dos mais inteligentes’ capitães henriquinos.”

Essa atitude de procurado bom relacionamento, de tolerância e de aceitação da diferença que sempre tem caracterizado os portugueses em qualquer parte do mundo, notei-a também nas duas longas comissões de serviço que fiz em Angola e na Guiné. Neste último território ultramarino português, entre 1968 e 1970, testemunhei exactamente a constante que a presente obra evidencia das turbulências de relacionamento, aumentadas então pela guerrilha com forte apoio do exterior, sobretudo da esfera soviética, mas também verifiquei a amizade que muitas etnias mantinham connosco, levando-as até a combaterem bravamente pelo nosso lado. E a prova maior da nossa tolerância é constituída pelo facto de os islamizados guineenses terem sido dos nossos maiores aliados e de muitos terem combatido e alguns morrido nas nossas fileiras. Na região onde predominavam no leste da Guiné, a de Gabú, havia uma paz que contrastava com a luta de guerrilha, por vezes violenta, que ocorria nas regiões dos rios Cacheu, a norte, do Cubijã e do Cacine, a sul, no Oio, etc.

Recordo que, no destacamento de fuzileiros especiais que comandei, havia guias de religião muçulmana e que todos acatávamos com respeito as suas práticas religiosas e os seus hábitos, por exemplo, alimentares. Também relembro uma missão que me foi atribuída de estabelecer segurança na zona do farol situado no limite norte da Guiné, na região de Varela, a fim de permitir a uma equipa das Oficinas Navais de Bissau efectuar a sua reparação, repondo o funcionamento há muito interrompido. Preparei cuidadosamente a missão na incerteza do que poderia encontrar, uma vez que a norte do Cacheu e junto à fronteira do Senegal a guerrilha era muito forte. Contudo, a surpresa foi grande quando, após o nosso desembarque, apareceram grupos de felupes recebendo-nos com música. Enquanto as reparações se processavam, continuámos o relacionamento, partilhando as rações de combate do nosso almoço e até fazendo habilidades com as fundas que usavam para atirar pedras ao gado que guardavam. Estas eram, afinal, práticas bem conhecidas sobretudo dos meus fuzileiros alentejanos…

O livro termina com o capítulo onde são abordadas as usuais dificuldades governativas no período de que trata (1925-26), mas também o esforço persistente de organização administrativa, incluindo o aparecimento da terceira Carta Orgânica da Guiné e, ainda, a extinção da marinha colonial.

O interesse do valiosíssimo texto é acrescentado pela inclusão no seu interior de dois cadernos com muito curiosas fotografias de uma vasta colecção sobre “povos, vistas e paisagens e temas militares”, onde nos aparecem lindas ilhas dos Bijagós, algumas povoações e também imagens com relevo histórico militar. No final da obra, somos brindados com um “Apêndice Iconográfico” que inclui cerca de três dezenas de fotografias de navios da Armada que serviram na Guiné, a que se segue um encantador acervo de elementos de cartografia desse Território, respeitantes aos finais do séc. XIX e princípios do séc. XX. Reproduzem atraentes elementos onde a toponímia antiga nos é revelada, assim como outros dados raros, nomeadamente itinerários de algumas operações militares.

O conjunto dos cinco anexos do livro enriquece ainda mais a obra, contribuindo com detalhada e precisa informação, quer para fundamentar exigentes trabalhos de pesquisa, quer para satisfazer a curiosidade mais profunda de leitores especializados. De facto, o Autor preocupou-se em disponibilizar dados úteis e interessantes sobre aspectos tão diversos quanto as “Etnias” do território da Guiné, os “Tratados, Convenções e Autos”, a lista de “Governadores e Encarregados do Governo”, assim como a de “Ministros e Chefes do Governo” e, ainda, uma muito interessante e plena de significado, “Missiva do régulo Mamadu Páte para o governador Judice Biker”.

Em conclusão, estamos perante um livro que constitui, na verdade, uma notável obra de investigação histórica, produzida com grande rigor científico e que exemplifica bem o gigantesco esforço que um povo pouco numeroso, saído do extremo oeste da Europa, desenvolveu, pioneiramente, pelo mundo fora. Eram poucos os Portugueses, mas eram grandes no saber, no querer e no sentido fraterno dos seus contactos. Por isso, foram os primeiros a estabelecer-se em África e os últimos a sair.


Alm.te Nuno Vieira Matias [, foto à esquerda, cortesia do sítio da Câmara Municipal de Porto de Mós, sua terra natal]

[Fixação de texto, realces a amarelo e negritos, da responsabilidade do editor do blogue; a reprodução deste prefácio foi-nos devidamente autorizada pelo autor do livro]

___________________

Nota do editor:

Último poste da série > 23 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16982: Notas de leitura (922): “De África a Timor, uma bibliografia internacional crítica (1995-2011)”, por René Pélissier, Edições Húmus, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16987: Tabanca Grande (424): Armando Tavares da Silva, nosso grã-tabanqueiro nº 734, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Caminhos Romanos, 2016), livro galardoado com o prémio "Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo"


Capa do livro do prof Armando Tavares da Silva,“A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)”, Porto, Caminhos Romanos, 2016, ISBN 978-989-8379-44-3).

O nosso mais recente membro da Tabanca Grande, o historiador Armando Tavares da Silva, foi galardoado com o prémio  Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo, pela publicação deste livro. O prémio foi dado pela Academia Portuguesa da História, e a cerimónia de entrega decorreu em 7 de dezembro de 2016, pelas 15,30 horas na sede desta Academia, Palácio dos Lilases, Alameda das Linhas de Torres, 198-200, 1769-024 Lisboa. A cerimónia foi presidida pelo Presidente da República.


1. Mensagem,  de 23 do ocorrente, do nosso leitor e escritor Armando Tavares da Silva,  convidado a integrar a Tabanca Grande em 6/12/2016 (*):

Prezado Professor Luís Graça, demais Editores do blogue e caros Grã-Tabanqueiros

É para mim uma grande honra e prazer pertencer a esta grande comunidade, aceitando o convite que me foi dirigido. Honra que é acrescida pelo facto de considerar este blogue do máximo interesse e importância por documentar, pela voz dos próprios interventores, grande parte do que foi a luta na Guiné durante os anos 1961-1974. Quem quiser, assim, fazer a história dos acontecimentos deste importante período, não poderá prescindir do manancial de informação que ele contém. É este um motivo do agradecimento que deve ser feito aos promotores deste blogue e a todos os que nele colaboram.

Eu não estive na Guiné, mas não é difícil de imaginar que, tendo durante cerca de uma dezena de anos feito uma extensa investigação sobre o que foi a presença portuguesa neste antigo território ultramarino português (agora a República da Guiné-Bissau) entre os anos 1878-1926, siga com grande interesse e apreço tudo o que respeita a este território, sua história presente e passada.

Devo começar por esclarecer que o meu interesse pela história do território resultou do facto de um avô meu, como aspirante de marinha, ter participado, em 1904, na chamada guerra do Churo, uma das operações militares ditas de “pacificação” da Guiné. O Churo era uma região de povos da etnia papel ao sul de Cacheu, os quais amiudadas vezes atacavam esta praça causando mortos entre os seus habitantes.

Aquele interesse foi acrescido por se ter dado a coincidência de o chefe-do-estado-maior na altura (major Lapa Valente) ser casado em segundas núpcias com a minha avó materna. Lapa Valente serviu na Guiné durante 7 anos – uma das mais longas presenças de militares – e durante este período foi por 3 vezes governador interino e uma vez encarregado do governo, tendo participado nas expedições ao Jufunco em 1901, ao Nhacre e ao Oio em 1902, ao Arame em 1903 e ao Churo em 1904.

Foi por verificar quão escassa era a historiografia portuguesa relativa à Guiné que decidi empreender a morosa tarefa de mostrar quais foram os problemas – militares a administrativos – que as autoridades portuguesas tiveram de defrontar para o estabelecimento de uma efectiva administração num território onde Portugal dispunha de várias praças, presídios e feitorias, a qual se tornou premente na sequência das resoluções da Conferência de Berlim de 1885.

O trabalho empreendido levou à publicação em 2016 do livro “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Caminhos Romanos, ISBN 978-989-8379-44-3) (**). Foi abrangido o período de quase 50 anos que se seguiu à separação administrativa da Guiné relativamente a Cabo Verde em 1879, período em que se verificou a quase totalidade das operações militares no território após a delimitação de fronteiras com a França em 1886.

Com a realização deste trabalho fiquei a compreender a razão por que o partido independentista criado nos finais dos anos 1950 dizia respeito não apenas à Guiné, mas simultaneamente também a Cabo Verde. E fiquei ainda a compreender a particular composição do grupo dos seus promotores e principais dirigentes.

Nesta perspectiva, aquele livro lança-nos luz sobre os antecedentes da luta travada para expulsão dos portugueses daquele território entre 1961 e 1974, e permite-nos compreender melhor o seu real significado, bem como os desenvolvimentos que têm ocorrido na Guiné-Bissau até aos nossos dias.

A este propósito tem interesse transcrever o Prefácio que o Almirante Nuno Vieira Matias, que comandou na Guiné de 1968 a 1970 um destacamento de fuzileiros especiais, elaborou para o livro.


2. Resposta der ontem do nosso editor:

Meu caro Armando: Acabo de ver a sua mensagem, vou no Alfa a caminho de Braga, onde tenho um júri de doutoramento na área das ciências da comunicação.

Regresso ao fim da tarde. Já comecei a editar os seus textos: a apresentação à Tabanca Grande (, vou procurar mais umas notas bibliográficas... a seu respeito) e o prefácio ao seu livro (que vou ilustrar com imagem da capa). Os nossos postes, como sabe, não podem ser muito extensos, daí esta minha opção.

Naturalmente que respeitarei a sua (e a do prefaciador) opção no que diz respeito à ortografia. Os nossos autores e comentadores têm essa liberdade, faz parte do nosso "livro de estilo".

O meu amigo irá ser apresentado mais logo, na viagem de regresso (espero estar despachado por volta das 17/18h). Será o grã-tabanqueiro nº 734, e a sua presença muitos nos honra, enquanto blogue dos "amigos e camaradas da Guiné". [Últimas duas entradas, mais recentes, Braima Galissá e Armando Gonçalves] (***). Já sabe como são as regras: aqui, os camaradas de armas tratam-se por tu; os amigos dispensam as formalidades, os títulos... Mas todos respeitam todos...

Fique com o meu número de telemóvel (...). Já corrigimos a gralha que apontou, no marcar do nosso blogue [Armando Tavares da Silva]...

Boa saúde, boa continuação do seu valioso trabalho de pesquisa. Luís Graça

3. Nota biográfico do nosso grã-tabanqueiro nº 734:




4. Citação do prefácio do livro (, assinado pelo Almirante Nuno [Gonçalo] Vieira Matias, que comandou na Guiné,  de 1968 a 1970, um destacamento de fuzileiros especiais (, o DFE nº 13) [. é atualmente Presidente da Academia de Marinha, vice-presidente da Direcção da Sociedade de Geografia de Lisboa, membro correspondente da Academia das Ciências de Lisboa, membro de mérito da Academia Portuguesa da História, entre outros cargos]: 


__________________

domingo, 3 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15569: Historiografia da presença portuguesa em África (68): As colónias portuguesas: a província da Guiné, vista em 1884, em livro da biblioteca do povo e das escolas (Lisboa, David Corazzi, Lisboa, 2ª ed.) - II (e última) parte (António J. Pereira da Costa, cor art ref)


Capa do livro "As colónias portuguesas", 2ª ed. Lisboa: David Corazzi, 1884, 63 pp., (Col "Biblioteca do povo e das escolas", 25)

[Sobre a casa editora David Corazzi, ler aqui: tratou-se de uma caso de grande sucesso,. no mercado livreiro de Portugal e do Brasil; A coleção "Biblioteca do Povo e das Escolas" totalizou 237 livros, publicados durante 42 anos, entre 1881 e 1913.  "Os volumes eram publicados quinzenalmente, nos dias 10 e 25 de cada mês, cada um com rigorosas 64 páginas, em formato de 15,5 X 10 centímetros , de composição cheia. A edição dos dois primeiros volumes foi de 6 mil exemplares cada. A partir do terceiro volume começaram a ser impressos 12 mil exemplares de cada vez. A tiragem subiu para 15 mil exemplares a partir do volume 10. A cada seis volumes, os livros recebiam uma única encadernação de capa dura, constituindo uma série. Ao longo dos 42 anos em que a coleção circulou, foram encadernadas 29 séries."]









pp. 26-30



O rei dom Luís I, de Portugal (1885). Fotografia de Augusto Bobone. 
Lisboa, Palácio Nacional da Ajuda. Imagem do domínio público. Cortesia de


Comentário dos editores: É espantoso que, antes da separação (administrativa) da Guiné e de Cabo Verde, em 1879, o recenseamento da população guineense, que estava debaixo da bandeira portuguesa, fosse exatamente de 6154 habitantes, distribuídos por 1386 fogos, circunscritos a Bolama, Bissau e Cacheu... Estes números dão-nos uma ideia do "raio de ação" da soberania portuguesa no tempo da Monarquia Constitucional.  Em 1879 era rei Dom Luís I... E o primeiro governador da província portuguesa da Guiné era Pedro Inácio Gouveia (1881-1884), um homem belicoso, conhecido por "frasquinho do veneno"...

Dos povos da Guiné, há um destaque para os mandingas, "os mais civilizados, industriosos e ativos dos povos de África" e, para mais, "alegres, dóceis e amigos dos europeus" (sic)... Reconhece-se que a província está atrasada em muitos aspetos a começar pela "instrução pública": na época só havia 7 (sete) escolas primárias, todas para rapazes, obviamente... Indústria colonial não havia e a pouca agricultura que existia estava nas mãos dos caboverdianos...

O orçamento da província era deficitário, sendo a principal receita a provenientes dos direitos alfandegários... O défice orçamental era suprido por "subsídios da metrópole" (sic)... Não se fala de "imposto de palhota", mas de "contribuição predial"... Findo o "odioso" (sic) comércio de escravos, que alimentou "grandes fortunas", o principal produto de exportação, no ano econonómico de 1877/78, era já a mancarra (40 milhões de litros)... As principais casas comerciais eram... francesas, e Marselha o principal porto europeu para os produtos provenientes da (e destinados à) Guiné... Havia um vapor, da carreira da África ocidental,  que escalava todos os meses  Bolama...

O tom do livrinho era de otimismo em relação ao futuro do território, na  condição de "continuar a reinar a paz com os gentios"... Falsa ilusão: a chamadas "campanhas de pacificação" já estavam em marcham, desde 1882 e iriam até meados dos anos 30 do séc. XX com o objetivo de assegurar a ocupação efetiva do território... (LG).


1. Continuação da publicação dos excertos da obra "As colónias portuguesas" (Lisboa, 2ª edição. 1884) enviados em suporte digital, pelo nosso camarada António J. Pereira da Costa 

[,cor art ref, ex-alf art na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmdt das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567,Mansabá, 1972/74]... 

II (e última parte) (**)


______________

Nota do editor:

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15374: Por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-mar em África, etc.: legislação régia (1603-1910) (4): aberto um crédito especial de 250 contos, em 27/2/1908 (escassas semanas depois do regicídio), para fazer face às despesaas com operações militares na "província da Guiné", ao tempo do governador Oliveira Muzanty, 1º tenente da armada


Guiné > Bissau > Fortaleza da Amura >  1908 > "Bissau: Soldados em grupo dentro da fortaleza"... Foto proveniente do Arquivo Histórico Militar.  Ainda hoje a fortaleza está coberta de poilões centenários como este, seguramente contemporâneos das "campanhas de pacificação" da Guiné e do capitão Teixeira Pinto (1913-1915) (LG).


1. 

MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS DA MARINHA E DO ULTRAMAR

Direcção Geral do Ultramar



Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > PORTARIA, 14 DE AGOSTO DE 1900 > Portaria (ministerio da marinha e Ultramar — Diario do governo n.° 210, de 18 de setembro) determinando que as duas companhias de infanteria da guarnição da provincia da Guiné formem uma unidade administrativa com a designação de «grupo de companhias de infanteria da Guiné»
MINISTÉRIO DA MARINHA E ULTRAMAR, Livro 1900.




Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > DECRETO, 29 DE AGOSTO DE 1901 > Decreto (Ministerio da Marinha e Ultramar — Diario do Governo, n.º 213, de 23 de setembro) approvando a reorganização do pessoal das officinas da esquadrilha da Guiné e seus vencimentos
MINISTÉRIO DA MARINHA E ULTRAMAR, Livro 1901.





Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > DECRETO, 25 DE AGOSTO DE 1903 > Decreto (Ministerio da Marinha e Ultramar — Diario do Governo, n.° 19, de 26 de janeiro de 1904) determinando que os dois pelotões independentes de dragões da provincia da Guiné Portuguesa sejam substituidos por um esquadrão de dragões indigenas conformo o quadro annexo
MINISTÉRIO DA MARINHA E ULTRAMAR, Livro 1903.





Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > DECRETO, 22 DE FEVEREIRO DE 1908 > Decreto (Ministerio da Guerra — Diario do Governo, n.° 56, de 10 março) pondo á disposição do Ministerio da Marinha e Ultramar um corpo expedicionario de tropas para a provincia da Guiné
MINISTÉRIO DA GUERRA, Livro 1908




Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > DECRETO, 27 DE FEVEREIRO DE 1908 > Decreto (Ministerio da Marinha e Ultramar — Diario do Governo, n.° 49, de 29 de fevereiro) determinando a abertura de um credito especial destinado ás despesas a fazer com as operações militares da Guiné
MINISTÉRIO DA MARINHA E ULTRAMAR, Livro 1908.


PROPOSTA DE ORÇAMENTO DE ESTADO PARA O ANO DE 1908-09




Proposta de orçamento geral do Estado para o ano de 1908-1909: o total das receitas era de cerca 70,5  mil contos e o total de despesas de 71,8 mil contos: Défice; mais de 1,3 mil contos. No final da monarquia, em 1910, o nosso PIB (Produto Interno Bruto) andava por volta de 1 milhão de contos (1.000.000.000$000), sendo 1 conto igual a 1.000$000 (equivalente à importância de mil réis - 1$000 - multiplicada por mil,  ou seja,  1 milhão de réis). Com a República, em 1910, o real foi substituído pelo escudo ($) e, em 2002, pelo euro (€).


Discriminação das despesas (ordinárias e extraordinárias) do Direção Geral do Ultramar: 150 contos é a verba originalmente proposta para custear o envio de coluna militar para o sul de Angola...

Fonte: Portugal. Ministério das Finanças - Orçamento Geral e proposta de lei das receitas e despesas ordinárias e extraordinárias do Estado na Metrópole para o ano económico de ... Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1884 - 1925. [Consult em 14 de novembro de 2015]. Disponível em
http://purl.sgmf.pt/OE-1908/1/




Guiné > Região de Bafatá > Bafatá > c. 1970 > Parque da cidade com a estátua de Oliveira Muzanty e,  ao fundo, a Casa Gouveia, dois símbolos do colonialismo... A estátua foi apeada depois da independência da Guiné-Bissau. 


Foto: © Benjamim Durães (2011). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

1. Para melhor se entender estas peças, soltas, da legislação régia, datadas da primeira década do século XX, é preciso recordar que a "campanha de pacificação" (sic) da Guiné é um longo e sangrento processo que vai da década de 80 do séc. XIX até aos anos 30 do séc. XX... E nesse processo tiverem particular dois grandes militares portugueses, Oliveira Muzantey 8em 1907-08) e Teixeira Pinto (1913-1915)... Foram 70 anos a fazer a ocupação, "efetiva", do interior da Guiné... 

Este período tem de ser entendido à luz do processo de "partilha" de África pelas potências coloniais europeias, na sequência da Conferência de Berlim de 1884/85... O que se passava em 1908, o ano do regicídio (que ocorreu em 1/2/1908, na Praça do Comércio, em Lisboa, na cabeça do império) ?

Escassas semanas depois da trágica morte do rei D. Carlos e do príncipe herdeiro Luís Filipe, o Governo do almirante Ferreira do Amaral  aprova,  em 27/2/1908, a abertura de um crédito especial de 250 contos para fazer face às despesas com operações militares na "província da Guiné" (, nesta época, o legislador nunca usa o termo "colónia" para designar os territrórios ultramarinos portugueses; "colónias" são as britãnicas)... Convenhamos que 250 contos (250 milhões de réis= 1000 x 1000 x 1$000) na época era muito dinheiro, que o tesouro não tinha...

Deslocava 1757 t, tinha de comprimento  73,8 m, 4 mil cv de
propulsão (2 máquinas a vapor,  com 4 caldeiras alimentadas a
carvão).  Velocidade: 18 nós. Tripulação: 208 elementos.
O seu primeiro comandante foi o capitão de mar e guerra
Ferreira  do Amaral,  Participou,  na I Grande Guerra,
em operações 
militares  contra os alemães no norte
de  Moçambique.  Foi abatido ao efetivo em 1934

Fonte: Wikipedia.
Como termo de comparação, cite-se o custo do cruzador Adamastor: cerca de 382 contos, em 1897 (equivalente a 8 milhões de euros em valores atuais). Construído nos estaleiros navais de Livorno, Itália, em 1896, e lançado à água em 1897, foi financiado por uma patriótica subscrição pública, organizada em resposta ao ultimato inglês de 1890.

Estava então à frente dos destinos da província o governador João Augusto de Oliveira Muzanty (1906-1909),  1º tenente da Marinha.  Sobre as campanhas de Oliveira Muzanty, nos anos de 1907-08, vd., aqui texto do José Martins.

Recorde-se também as campanhas militares de Oliveira Muzanty foram acompanhadas pelo primeiro fotógrafo de guerra português, José Henriques de Mello.

E acrescente-se também este pequeno trabalho de historiografia, que nos vem do Brasil (e que merece uma leitura mais atenta):


“A campanha da Guiné é um diário de guerra escrito pelo tenente de artilharia da marinha portuguesa Luiz Nunes da Ponte, onde ele narra a sua primeira experiência em uma guerra [Luiz Nunes da Ponte, A campanha da Guiné 1908, Porto, typographia a vapor da Empresa Guedes,108 pags.]. 

"O diário é de recordação pessoal, que foi impresso, em março de 1909, em numero limitado e presenteado a amigos militares próximos. O tenente Nunes inicia o seu diário relatando a noticia que leu no jornal O Século, do dia 05 de dezembro de 1907, que dizia: 'pelo Ministério da Marinha foi feita ao Ministério da Guerra requisição de forças para uma expedição á Guiné', nesse mesmo mês chegou a Portugal D. José relatando horrores da colônia, a sua missão na metrópole era conseguir uma expedição para a 'pacificação' da Guiné, de imediato não foi atendido, mas com a mudança no comando do ministério da Guerra mais uma vez ele solicitou essa expedição o que conseguiu para o mês de março de 1908. 

"O contexto da produção deste diário encontra-se nos desdobramentos da partilha e colonização do continente africano pela Europa no final do século XIX, apesar de que Portugal já se encontrava em partes do que hoje é a Guiné antes da partilha, nessa nova fase do contato português com os reis da região da Guiné muitos se levantam para repelir essa 'dominação'. 

"Quais seriam as causas dessas reações? O que verdadeiramente mudou na relação entre Portugal e os reis da região após 1880? Com um novo desenho espacial da região, o que isso afetou nessa relação? São questões que estão aqui postas para reflexão e que junto com o diário, publicações periódicas e leitura de texto,s serão desenvolvidas a partir deste trabalho” (…).

Fonte: Barreto, F. e Carvalho, J. - A Campanha da Guiné 1908. [Em linha] Anais Electrónicos. VI Encontro Estadual de História. Associação Nacional de História, Seção Bahía [ANPUH/BA]. 2013. [Consult em 15 nov 2015]. Disponível em http://anpuhba.org/wp-content/uploads/2013/12/Fabio-Barreto.pdf

sábado, 2 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8038: Notas de leitura (224): João Teixeira Pinto, A Ocupação Militar da Guiné (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Março de 2011:

Queridos amigos,

Os relatórios do então Teixeira Pinto são uma preciosidade para o entendimento das mentalidades e da concepção imperial do tempo. Não se pode compreender a pacificação sem este conjunto de operações sob a batuta de um militar galvânico, valoroso e susceptível de entusiasmar as tropas irregulares, surpreendendo os seus relatórios pela minúcia como pede louvores e condecorações relatando factos e situações de inatacável heroísmo e valentia.

Um abraço do
Mário


João Teixeira Pinto, a ocupação militar da Guiné
por Beja Santos

Trata-se de um livro fundamental para entender as campanhas desenvolvidas por Teixeira Pinto, entre 1913 e 1915, e como estas alteraram o poder colonial português numa região em permanente perturbação e sublevação étnica. A edição desta obra é da Agência Geral das Colónias, 1936, a publicação foi determinada pelo próprio Ministro das Colónias.

Escreve-se no prefácio o seu filho, igualmente oficial e de nome João Teixeira Pinto:

Tudo o que aqui ficar dito, desejo que não seja considerado como o elogio de uma glória individual, mas como a afirmação de uma força e de uma superioridade natural da Raça e da Nação que realizou a ocupação da Guiné, usando de meios aparentemente tão frágeis que por outra Nação seriam considerados como absolutamente insuficientes e improfícuos (…) Em 1912 a nossa colónia da Guiné voltara a ser uma simples ocupação de praças-fortes, essas mesmas ameaçadas das consequências de uma nova revolta mais completa ou mais violenta (…) O que eu desejo fazer ressaltar é apenas a forma, bem portuguesa, como pôde ser realizada esta obra de ocupação militar e de pacificação, sem o mais leve dispêndio de dinheiros da metrópole e sem qualquer expedição de tropas metropolitanas. São publicados alguns documentos que revelam este facto notável de campanhas coloniais cujas despesas foram pagas com a simples pacificação do território – no imediato ingresso de impostos indígenas. Em todas as campanhas, ao lado do chefe e de um punhado de brancos, alguns dos quais ressaltam dos relatórios como verdadeiros heróis que merecem do seu país, batem-se os auxiliares indígenas. O que resulta de mais extraordinário desta ocupação militar da Guiné realizada por João Teixeira Pinto é que na obra de guerra como na obra de pacificação ela foi uma constante obra de captação do indígena (…) O prestígio que sobre os auxiliares escolhidos ele adquire chega a tomar aspectos de sobrenatural. Através dos relatórios das campanhas vêm-se surgir figuras de um heroísmo lendário. Entre eles ressalta a figura de Abdul Injai que merece ficar na história da expansão portuguesa como um herói (…) A falta de espírito colonial que certos governos e a falta de continuidade governativa não deixaram que o pacificador da Guiné fosse também o realizador da obra construtiva de que a Guiné necessitava e que para ele seria mais fácil do que para qualquer outro, porque o prestígio do seu nome entre os indígenas lhe facilitava toda a acção assimiladora e administrativa a realizar”.


Segue-se a nota de assentos onde ressalta, no essencial: desembarca em Bolama em Setembro de 1912, nomeado chefe do Estado-Maior da Província; no ano seguinte faz parte, como comandante, da coluna para estabelecimento de postos militares na região de Mansoa e Oio; faz parte como comandante da coluna de operações de Cacheu de 23 de Dezembro de 1913 a 14 de Abril de 1914; faz parte como comandante da coluna de operações aos Balantas de 15 de Abril a 2 de Julho de 1914, percorre regiões como Binar, Encheia e Bissorã; regressa à Guiné em Janeiro de 1915 e foi comandante da coluna de operações contra os Papéis e Grumetes revoltados na ilha de Bissau, participa na fortaleza de Bissau, toma Intim e Antula, Cumura e Prabis e Biombo. Recebeu inúmeros louvores e as mais altas condecorações.

Um exemplo: louvado pelos actos heróicos praticados como comandante de diminuta força de tropas regulares apoiada por uma pequena força de auxiliares que operou nas regiões de Mansoa e Oio, conseguindo estabelecer, apesar da grande resistência do inimigo, um posto militar, obrigou o gentiu a aceitar a nossa autoridade e ao pagamento do imposto e, bem assim, pela valentia, valor e coragem inexcedíveis e actos de verdadeiro heroísmo com que levou a cabo o estabelecimento de um posto militar em Mansabá, fez quebrar o valor guerreiro do já lendário Oio, desarmando e recebendo o imposto de palhota, submetendo os povos rebeldes da Guiné.


Os relatórios daquele tempo primavam por uma linguagem informal, faziam ressaltar a categoria cultural do seu autor e até os seus dotes literários. Teixeira Pinto assim procede com a operação do Oio. Começa por ir a Bafatá conversar com o administrador Vasco de Calvet de Magalhães, em Bolama prepara uma expedição, assentando-se que se deveria estabelecer um posto em Porto Mansoa e fechar o cerco à região do Oio. Disfarçou-se de inspector comercial e percorreu em Janeiro de 1913 toda a região entre Mansoa e Farim, atravessando o Oio. Apercebe-se que ao Norte de Morés tem muita população hostil, socorre-se de lanchas-canhoneiras para me intimidar as populações rebeldes. Ao pormenor, descreve os factos das diferentes incursões, é um relatório cheio de vivacidade, organizado como um diário, há voltas e reviravoltas, castigos exemplares, tabancas incendiadas, exaltação de comportamentos tanto das tropas regulares como o serviço dos irregulares.

Aqui se pode ler: não há maior suplício que o da sede mais foi suportado por todos sem mais o mais pequeno murmúrio”. Há imensos cuidados com os feridos, as matas são densas, os rebeldes expelem fogo em sortidas e depois desaparecem, a disparidade de armamento nunca é escondida. A capitulação é mencionada como o corolário lógico do esforço inaudito: “Prendi o grande xerife do Oio que era acusado por toda a gente como um grande investigador da revolta, tendo feito por várias vezes sacrifícios de crianças, e Talicô, régulo de Gendum, que gozava de grande influência, sendo um dos que dirigiu os massacres que tivemos anteriormente… Faltava ainda submeter os Balantas do Oio ao norte de Bissorã, mandei para ali o chefe Alpha Mamadu Seilu e da maneira como correu esse serviço dá o tenente Lima conta no seu relatório com uma apreciação minha. A 16, chamei todos os chefes das tabancas e disse-lhes que tinham de entregar o imposto de palhota pelos três últimos anos conforme V. Ex.ª me tinha indicado. E assim termina: “V. Ex.ª desculpar-me-á o mal alinhavado deste relatório que é singelo mas verdadeiro”.

Calvet Magalhães também faz o seu relatório e lança-se logo com uma preciosidade da forma: Sem pretender imitar o grande pregador, direi também “que bem tosca pode ser uma pedra, mas a paciência e perícia de um estatuário consegue transformá-la numa obra de arte, num objecto de valor. E continua: Porque essa obra, quando nela se empregue todo o esforço individual, toda a boa vontade para produzir alguma coisa de útil, não há contrariedades, não há revezes, nem dissabores, nem momentos de desalento e desespero que possam fazer vacilar e acobardar, e que num momento de hesitação se atire para o abismo e perca vãmente tudo quanto já se tinha feito. Está batido o Oio? Quantos pasmam? Quantos ainda duvidam? Tão terrível era a ideia que faziam desse horrível fantasma. E o administrador de Bafatá vai esmiuçando os pormenores, foi destruindo tabancas dos Oincas, acompanhas o transporte das munições e das armas, tudo tintim por tintim e assim termina: “. Ex.ª disse-me que após a guerra viria a esta localidade para combinar a forma da anexação dos territórios, porém eu neste pequeno território nada digo neste sentido nem dou a minha opinião sobre este assunto, o que só farei se V. Ex.ª entender que me deve ouvir.
Segue-se o relatório referente às operações na região de Cacheu. (**)

(Continua)
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P8017: Notas de leitura (222): A Luta pela Independência, por Dalila Cabrita Mateus (2) (Mário Beja Santos)

(**) Vd. também, poste de 20 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1615: Historiografia da presença portuguesa (5): O Capitão Diabo, herói do Oio, João Teixeira Pinto (1876-1917) (A. Teixeira-Pinto)
Vd. último poste da série de 31 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P8022: Notas de leitura (223): Spínola, o anti-general, de Eduardo Freitas da Costa (José Manuel Matos Dinis)

sábado, 27 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7350: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (21): Cap Teixeira Pinto e as guerras de pacificação

1. Texto de Cherno Baldé:


Data: 23 de Novembro de 2010 12:43
Assunto: Cap Teixeira Pinto e as guerras de pacificação na Guiné (*)

Caro Luis Graça (*),

Como deves saber, nós africanos, pelo grande respeito que dá-mos a idade e aquele que nos é mais velho, nunca nos podemos considerar iguais aos mais velhos, é uma questão cultural, sim senhora, mas também filosófica, metodológica, antropológica etc. 


Nunca posso esquecer o facto de que, quando eu ainda deambulava quase nú no quartel,  já alguns de vocês eram oficiais do exército. Sobre isto nada se pode sobrepor, nada, nem a idade entretanto adquirida, nem a experiência acumulada, nem a formação académica. O respeito e admiração que tive por vocês ficou gravado para sempre na minha memória.
Lembro-me que nós reproduziamos nas nossas brincadeiras o comportamento das hierarquias militares tal qual observávamos no quartel:


(i) O Capitão era o mais sério, o mais corajoso, o primeiro que seguia para a frente do combate no seu pequeno Jipe,  em pé,  ao lado do condutor (esta era a reprodução da figura do Cap Carvalho); quando passeava punha sempre uma das mãos, normalmente a esquerda,  atrás das costas ou copiando o General Spínola, tinha uma bengala ou chicote na mão direita;


(ii)  O Alferes era o que sempre estava muito perto do Capitão,  pronto para o substituir em caso de...


(iii) Os furriéis eram os mais aprumados, impecáveis, bem parecidos, mulherengos... 


(iv) Os Sargentos eram identificados com a figura do Vagomestre, um pouco mais velhos, maus por norma e barrigudos, era raro encontrar um Sargento que fosse também bom atleta; eram mais ou menos solitários, mais ou menos melancólicos, cara de poucos amigos, até os soldados fugiam deles, nem oficiais nem subalternos, uma posição complicada, eram bons na aplicação de castigos. 


Perdíamos horas a fio nessas brincadeiras de figurinos teatrais do comportamento da tropa metropolitana. Por serem nossos, desvalorizávamos os milícias que não passavam de réplicas sem grande jeito, mas quando era preciso ir para a guerra, socorrer uma aldeia, sabíamos que eles é que iam a frente. 

No intuito de seguir o teu conselho e ver alguns trabalhos sobre o Cap Teixeira Pinto,  acabei por cair no poste P1615: Historiografia da presença Portuguesa(5): Capitão Diabo, herói do Oio, João teixeira Pinto (1876-1917). 


[ Foto à esquerda: João Teixeira Pinto (1876-1917), com barbas compridas e os galões de alfres; foto com uma dedicatória manuscrita do oficial português "à sua querida mulher com um beijo do seu marido muito amigo. 27 de Maio de 19__(?). Oferece João Teixeira Pinto".]

[ Foto«: © A. Teixeira-Pinto (2007). Direitos reservados.]

Penso que há um erro de localização do Sancorlá na frase que diz: "Fulas Forros de Sancorla (No Cuor, a nordeste de Missirá". Aqui, com toda a certeza,  faz-se referência ao regulado que mencionei nas minhas memórias, da casa real de Canhámina, cujas ligações com a minha familia também falei. 


O Boram Jame do texto é o Patriarca e régulo de Sancorlá, nosso avó comum (Buran Djame ou Braima Djame) dos tempos do Administrador de Geba, Calvet de Magalhães. Durante o seu reinado, o regulado de Sancorla foi um aliado fiel da administração colonial e amigo do Governador Muzanty, tendo combatido ao lado desta entre os rios Geba e Cacheu, com Sousa Lage (1891-1892) contra Mussa Molo, Graça Falcão (1897) no Oio/Morés e João Teixeira Pinto (1913-1915) em toda a Guiné.


Tudo o que sei de concreto sobre o Cap Teixeira Pinto, encontrei em livros, com destaque para o livro, história da Guiné,  de René Pelissier. As nossas fontes tradicionais,  além de escassas (os griots são os fieis depositários), normalmente, são mitológicas e algo deformadas com o passar dos tempos. 


Contam-se muitas histórias sobre estas guerras e há referências a certos locais e pessoas que se destacaram numa ou outra batalha, em especial a última repressão aos Canhabaques (Bijagós) mas sem muito rigor nem datas e locais precisos. Seria preciso fazer uma vasta colecta e depois comparar as narrativas de diferentes fontes orais.   

Com um grande abraço,
Cherno Baldé

____________

Nota de L.G.:

(*) Na sequência de comentários ao poste de 21 de Novembro de 2010

(i) Comentário do Cherno Baldé:


Caros amigos,

Desculpem a intromissão em assuntos de mais velhos mas, na minha opinião, Portugal, cometeu erros estratégicos na Guiné por não ter dado a devida atenção as lições do Capitão Teixeira Pinto.

Eu sei que o contexto não era o mesmo mas ele teve o mérito de, em pouco tempo, fazer uma avaliação correcta da situação e decidir que, para o caso da Guiné não precisava de batalhões de tropas metropolitanas nem de muitos Grumetes a mistura. Claro que esta decisão teve suas consequencias boas e más, todavia ele foi eficaz e os efeitos foram, de certo modo, duradouros.

De resto, todos estamos de acordo que a solução final só podia ser política. Cherno Baldé.



(ii) Comentário de L.G.:


Cherno:

A Tabanca Grande é uma "sociedade de iguais"... onde não há a classe dos "mais velhos" (com excepção do Rosinha, mas só por graça...) nem dos "djubis" (com excepção de ti, por que para nós serás sempre o Chico de Fajonquito, "menino e moço"...).

Humor à parte, conta-nos lá a "tua" história sobre o Capitão-Diabo (como ficou conhecido entre os guineenses) (...).
 

Último poste da série > 18 de Setembro de 2010