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segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16853: O nosso querido mês de Natal de 2016 e Ano Novo de 2017 (7): José Martins (ex-fur mil trms, CCAÇ 5, "Gatos Pretos", Canjadude, 1968/70)



Original foto de Canjude, região de Gabu, com votos de Boas Festas, enviada pelo José Martins [ex-fur mil trms, CCAÇ 5, "Gatos Pretos", Canjadude, 1968/70)


Foto: © José Martins (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Para todos os camaradas

Votos de Feliz Natal 

e prosperidades no Novo Ano de 2017

José Marcelino Martins




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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de dezembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16852: O nosso querido mês de Natal de 2016 e Ano Novo de 2017 (6): Benjamim Durães [ex-fur mil op esp, Pel Rec Info, CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)]

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16611: Inquérito 'on line' (76): Dúvidas dos respondentes: (i) quando se esteve em dois ou mais quartéis diferentes (Carlos Alberto Fraga, Mansoa, 2.º semestre de 1973); e (ii) o caso específico das tropas africanas e suas famílias que as acompanhavam (José Martins, Canjadude, 1968/70)



Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 4612/72 > "Numa picada numa operação de patrulhamento. Eu estou em primeiro plano. À frente os guias. Creio que foi numa picada que ia de Mansabá em direcção ao Sara-Changalena, picada que não era utilizada há anos e que pretendiam reabrir para aceder directamente a uma localidade que não me lembro o nome, picada que atravessava o Sara-Changalena".

Foto (e legenda): © Carlos Alberto Fraga (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís
Graça & Camaradas da Guiné]


I. Mensagem de Carlos Alberto Fraga que foi alf mil na 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, em Mansoa, na segunda metade do ano de 1973 [foi adjunto, num curto período de 4 meses, até finais de 1973, do cap José Manuel Salgado Martins, indo depois ele próprio comandar, como capitão, uma companhia em Moçambique, a seguir ao 25 de abril de 1974].

Data: 17 de outubro de 2016 às 10:42
Assunto: inquérito

O inquérito sobre os familiares no mato parece-me que pode conduzir a erros, da maneira que está formulado.

Por exemplo, eu estive em Mansoa e quando lá estive não havia familiares de militares em Mansoa, embora me dissessem que em tempos esteve lá um casal (um alferes miliciano e mulher). Mansoa era uma zona bem protegida com várias companhias, etc, etc. Mas, em Bissorã, cerca de 30 kms a Norte,
um local menos defendido do que Mansoa, aí havia familiares de um oficial superior.

Portanto,  respondendo só sobre Mansoa, a resposta é não; respondendo mais genericamente,  a resposta é sim por causa de Bissorã. Qualquer das respostas não será exacta.

Cidades como Bissau, Nampula, Beira, Nacala, Vila Cabral etc.,  creio que não podem ser consideradas «mato». Aí havia montes de familiares de militares. Eram zonas seguras. Parece-me que o objectivo do inquérito - ou terei percebido mal -, se referia a zonas não totalmente seguras.
O «mato» por definição não é uma zona segura.

Abraço
Fraga


Guiné > Zona leste > Região do Gabu > Recepção do povo de Nova Lamego ao Ministro do Ultramar, 14 de Março de 1970 (**)

Foto (e legenda): © José Corceiro  (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


III. O comentário do nosso colaborador permanente José Martins [ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70] levanta a questão da especificidade das tropas africanas, como era o caso da CCAÇ 5 - Os Gatos Pretos -, que estiveram sempre em Canjadude, região de Gabu (*):

No meu caso, por estar colocado numa unidade da Guarnição de Recrutamento Local, estas questões são um pouco atípicas.

As tropas africanas, na sua maioria, pelo menos na CCAÇ 5, eram casados e alguns com já bastante tempo de tropa. Em 1974, quando foi extinta, havia recrutados de 1961, tendo, nesse caso, feito o pleno da guerra.

As mulheres e os filhos, que viviam na parte civil agregada ao quartel, só não os acompanhavam nas operações no mato. Nas colunas à sede do batalhão, marcavam sempre presença.

No caso de europeus, apenas, e estou a tentar reportar desde 1961 a 1964, apenas houve uma
residente efetiva. A esposa de um capitão que foi destacado do comando da CCS do Batalhão de Nova Lamego, para a CCAÇ 5. Em tempo recorde foi construído, dentro do perímetro militar, um abrigo para alojar o casal. A senhora ficou em Nova Lamego apenas o tempo da construção do abrigo. Assim que ficou "habitável" o abrigo,  transferiu-se para Canjadude, frequentando o refeitório dos graduados, nas refeições, à excepção do pequeno almoço, que o serviço de "catering" lhes levava.

Um outro caso, posterior à minha presença: houve um Furriel QP que esteve doente, vindo a falecer, que não foi evacuado, mas foi "patrocinada" a presença da esposa no aquartelamento.

Portanto, a minha resposta  é Sim, estiveram no aquartelamento mulheres e filhos, de militares, quer africanos quer europeus.


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > Saída de Nova Lamego para Canquelifá com "armas, bagagens, mulheres e filhos dos nossos soldados"

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


III. Comentário do editor, respondendo às dúvidas levantadas sobre o inquérito a decorrer até 5.ª feira...

Recorde-se que o nosso questionário tem a seguinte configuração:

"NO MATO, NO(S) SÍTIO(S) ONDE EU ESTIVE, NA GUINÉ, HAVIA FAMILIARES NOSSOS"...


1. Sim, esposas (não guineenses)

2. Sim, esposas e filhos (não guineenses)

3. Sim, familiares guineenses (sem ser das milícias)

4. Não, não havia

5. Não aplicável: não estive no mato

6. Não sei / não me lembro

A questão que o Carlos Fraga nos coloca amavelmente é pertinente, mas tem de ser resolvida com bom senso, objetividade e honestidade: o Carlos esteve em Mansoa, na região do Oio, na segunda metade de 1973,  e nessa altura não havia familiares de militares, metropolitanos, a viver no quartel (e vila) de Mansoa. (Não importa se, por exemplo, no tempo do César Dias, em 1969/71, a situação fosse outra, e ele tivesse convivido com familiares de militares nossos.)

Mas ele tem conhecimento de que em Bissorã. mais a nordeste, também na região do Óio, há um oficial superior que tem lá familiares... Mansoa e Bissorã ficam no "mato", disso ninguém tem dúvidas. A resposta do nosso camarada Carlos Fraga só pode ser, honestamente, a resposta 3 (Não, não havia)... E a do César Dias será 1. Sim, esposas (não guineenses).

Em caso de dois ou mais aquartelamentos por onde passou, no TO da Guiné, o respondente ao inquérito deve tomar como referência aquele onde esteve a maior parte da comissão: por exemplo, se se esteve 15 meses no Xime, e os restantes 6 meses em Quinhamel, deve-se tomar como referência o Xime e não Quinhamel, e sempre o período em que lá se esteve (por exemplo, 1969/71 ou 1972/74).

O formato do questionário só nos permite trabalhar com mais de uma pergunta. Além disso, a pergunta tem de ser curta... Admite, no entanto, mais do que uma resposta: neste caso, por exemplo, até 3 respostas:

1. Sim, esposas (não guineenses); 2. Sim, esposas e filhos (não guineenses); 3. Sim, familiares guineenses (sem ser das milícias).

O Zé Martins tem razão no que diz respeito às tropas do recrutamento local (excluindo milícias...) como era o caso da CCAÇ 5 (a que ele pertenceu, em 1968/70) ou a CCAÇ 12 (a que eu pertenci, em 1969/71) ou a CART 11 (a que pertenceu o Valdemar Queiroz, 1969/70).

No caso de Canjadude, se calhar não havia uma clara distinção entre a tabanca e o aquartelamento. Pode-se considerar que os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 5 viviam com as famílias no perímetro militar... Já no caso da CCAÇ 12, não, os nossos soldados africanos viviam com as famílias nas tabancas (Bambadinca e Bambadincazinho), fora do "arame farpado", e sempre armados de G3... Não havia casernas para eles, no quartel de Bambadinca. No meu caso, a única resposta que eu deu foi 1. Sim, as esposas (não guineenses)... 

Também passei quase dois meses em Contuboel (junho/julho de 1969), mas não me lembro de lá "ter visto" sequer esposas de militares metropolitanos...

Os camaradas que estiveram em Bissau optarão, honestamente, pela hipótese de resposta: 5. Não aplicável: não estive no mato.

Os respondentes podem sempre, até ao encerramento do inquérito (ou ao "fechar da urna", corrigir a sua opinião /mudar de voto (*).
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segunda-feira, 11 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16291: Revisitando o "chão fula", e ligando o passado com o futuro (Patrício Ribeiro, Impar Lda) - Parte IV: A Canjadude dos Gatos Pretos, a CCAÇ 5



Foto nº 1 >  O brasão dos Gatos Negros, a CCAÇ 5


Foto nº 2 > O Patrício Ribeiro junto aos restos do aquartelamento


Foto nº 3 > Aqui foi, durante toda a guierra, a casa dos "Gatos Pretos"


Foto nº 4 > A carrinha da Impar Lda junto a uma das famosas pedras de Canjadude


Foto nº 5 > Uma das pedras (rcohedos) de Canjadude donde se vê a tabanca


Foto nº 6 A  > A tabanca de Canjadude,. em  primeiro plano o centro de saúde


Foto nº 6 > Vista da tabanca de Canjadude


Guiné-Bissau > Região de Gabu > Canjadude> Julho de 2016

Fotos: © Patrício Ribeiro (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro Patrício Ribeiro, de 68 anos de idade, português de Águeda, vivido, crescido, educado e casado em Angola, Nova Lisboa / Huambo, antigo fuzileiro naval, que retornou ao "Puto" depois da descolonização, fixando-se entretanto na Guiné-Bissau, há 3 décadas, país onde fundou a empresa Impar Lda, líder na área das energias alternativas; é um daqueles portugueses da diáspora que nos enchem de orgulho e nos ajudam a reconciliarmo-nos com nós mesmos e afugentar o mau agoiro dos velhos do Restelo, dos descrentes, dos pessimistas...

Para ele, e todos os demais portugueses da diáspora, da Guiné-Bissau a Timor, um alfabravo verde-rubro do tamanho do mundo... Para o Cherno Baldé que, findo o jogo Portugal-França, nos telefonou emocionado a dizer: "Viva Portugal! Parabéns, Portugal!"... O golo da vitória foi marcado por um "patinho feio" chamado Éder, nascido em Bissau...


Data: 8 jul 2016



Assunto - O que o tempo leva, e o que fica para sempre, as pedras...


Boas,

Junto algumas fotos (em duas partes), de "peças de museu!, não quero fazer concorrência com outros fotógrafos…

Das minhas visitas na Zona Leste (*), lá vão mais algumas fotos.

Primeiro, de Candjadude,e depois de Piche

O que resta dos abrigos do "antigo quartel tuga" [, que foi sede até ao fim, da CCAÇ 5, os "Gatos Negros"].

Onde muitos se abrigaram... As pedras que ninguém leva... Onde muitos passaram noites e noites de G3 na mão...

Onde tenho que subir, para apanhar rede para o telemóvel,  E de onde se pode ver a tabanca... Em 1º plano está o Centro de Saúde  (fotos nº 6 e 6A].

Em Canjadude, como em Piche, como largas dezeanas de tabancas do antigo !ch
ão fula", estamos agora a colocar água potável para a população.

Nestes passeios na nossa viatura, conseguimos por vezes ouvir a RTP África através do emissor de Gabú. Esta semana fiquei surpreendido com a entrevista que a locutora do PAIGC, no tempo da luta, na Rádio Liberdade, deu ao Delegado da RTP África em Cabo Verde.

Que já naquele tempo, uma das músicas que passavam, para animar os combatentes do PAIGC, era a "Grândola Vila Morena", do Zeca Afonso, que também serviu para o 25 de Abril...

Abraço

Patricio Ribeiro
«impar_bissau@hotmail.com



Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 >  Guião dos "Gatos Pretos"



Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 > 1974 > Os últimos dias dos "Gatos Pretos": o pessoal da tabanca teve autorização para ficar com os bidões vazios. Foi uma verdadeira corrida para ver quem conseguia ficar com eles.

Fotos (e legendas):© João Carvalho (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15786: Memória dos lugares (335): As "viagens" a Madina do Boé e a Béli (Abel Santos, ex-Soldado da CART 1742)




1. Em mensagem do dia 9 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) fala-nos das assustadoras colunas de reabastecimento a Madina do Boé e Béli.




As "viagens" a Madina do Boé e Béli

As colunas de reabastecimento para Madina do Boé e Béli revestiam-se de muita precaução e requeriam uma preparação por parte dos militares que eram escalados para tal missão, que só se atinge ao fim de algum tempo de estadia no teatro operacional.

Mais um dia de azáfama no quartel onde a CART 1742 estava sediada (Nova Lamego) com os preparativos para mais uma viagem até Madina e Béli, para o reabastecimento do pessoal lá instalado que aguardava a nossa chegada ansiosamente.

Mas antes da ida para Madina a Companhia já se tinha deslocado a Bambadinca para carregar os bens essenciais para os transportar e entregar aos camaradas aquartelados nos confins do mundo. Era uma viagem penosa e perigosa, pois requeria a máxima atenção e concentração, que por vezes era feita a corta mato fugindo da picada, o que nos garantia outra segurança.

A caminho de Madina

Dois grupos de combate, dos quais fiz parte, preparados e armados com o que de melhor existia na época, bazuca, morteiro 60, metralhadora MG42, além da nossa amiga e companheira de todas as ocasiões, a G3. Éramos apoiados por uma auto metralhadora Daimler, connosco viajava também o pronto-socorro que no regresso acabou por ser necessário, mas este elemento ficou no aquartelamento do Ché Che por ser demasiado pesado para a jangada que nos transporta para o lado de lá e vice-versa.

Partimos manhã cedo de Nova Lamego rumo ao objectivo, passando por Piche e Canjadude até atingirmos o Ché Che, sem nada de anormal ter acontecido. A travessia do rio Corubal foi feita com o máximo cuidado e segurança, a instalação do pessoal na outra margem ficou pronta por volta das 4 horas da tarde, não sem que antes a aviação fizesse a limpeza da zona bombardeando a área e mantendo a vigilância até ao escurecer, só então retirando-se para a base.

O Rio Corubal no Che Che

Travessia do Rio Corubal

Depois de uma noite passada em alerta permanente, partimos manhã cedo entrando numa zona cujo terreno árido mais parecia uma queimada, mas agora com o apoio dos nossos camaradas da Força Aérea pilotando os Fiat e os T-6, que com a sua presença retiravam ao IN qualquer veleidade de atacarem a coluna ou emboscar e, ao mesmo tempo, mostrando a sua destreza aos comandos das aeronaves. Estou recordando agora um episódio protagonizado pelo piloto Honório, que ao sobrevoar a coluna picou o T-6 rumo ao solo na lateral, passando pelo intervalo de duas viaturas, o que causou na malta júbilo pelo espetáculo proporcionado por esse cavaleiro dos ares, que ainda o recordo com saudade.

Apoio aéreo a uma coluna auto em Madina
Foto: © Manuel Coelho

Entretanto o dia ia avançando e a coluna também, a malta estava ansiosa por chegar ao objectivo, mas um contratempo nos esperava através de um inimigo inesperado, as abelhas, sim abelhas que causaram alguns estragos na caravana, mais propriamente na milícia e nos civis que nos acompanhavam, estes que aproveitavam as colunas para visitarem os familiares. Eu consegui passar através daquele zumbido provocado pelas voadoras, que mais pareciam os Fiat picando sobre a malta apontando os seus rockets prontas a deixarem a sua marca, mas com dizia, passei a zona de morte sem uma picada, pois consegui com ajuda do quiico enterrado na cabeça, cobrindo orelhas, e com o lenço tapando o rosto. Desta vez fomos metralhados de maneira diferente.

Pelo trajecto fomos encontrando os efeitos das anteriores viagens para esta região, viaturas incendiadas e outras minadas, mais parecendo um cemitério de ferro velho, como as fotos documentam.
O cenário que me foi dado observar fez-me pensar quão penoso terá sido para outros camaradas, que como eu tiveram de fazer aquele percurso, sofrendo emboscadas constantes, perdendo homens. Ainda hoje muitos sofrem o trauma de uma guerra que não nos levou a lado algum.

A caminho de Beli

Por fim chegamos ao objectivo e fomos recebidos efusivamente pelos camaradas residentes  que nos obsequiaram com um repasto quentinho (bianda com salsicha), acção que nos tocou profundamente. Para quem andava a ração de combate, foi um manjar dos céus.

Depois foi o merecido descanso, mas antes tivemos uma recepção de boas-vindas por parte do IN, já que era habitual enviar as boas-noites com umas morteiradas, mas desta vez não provocaram mossa.

O dia seguinte foi iniciado com os preparativos para o regresso a casa (Nova Lamego), pelo mesmo itinerário, com os nossos amigos da Força Aérea fazendo companhia à malta, atentos lá do alto a qualquer movimentação que fosse nociva à nossa segurança.
E assim atingimos o aquartelamento do Ché Che, local onde pernoitamos após a travessia do rio Corubal, para no dia seguinte retomar a viagem até ao nosso aquartelamento. Antes porém, aconteceram alguns contra tempos, o que provocou entre a rapaziada um sentimento de revolta pelo acontecido, já que a coluna, entre o Ché Che e Canjadude, acionou duas minas anticarro em locais onde nada o fazia prever, mas vamos aos factos.

Coluna auto em  Madina
Foto: © Manuel Coelho

O primeiro rebentamento foi provocado pelo rodado dianteiro direito de um unimog, não provocando vítimas nem tão-pouco no condutor que não precisou de ser evacuado e, foi aqui que entrou em acção o pronto-socorro que rebocou a viatura minada suspensa pela dianteira, para uns quilómetros mais à frente acontecer o caso mais grave desta expedição a Madina e Béli.

A dado momento aconteceu novo rebentamento, a auto-metralhadora tinha accionado uma mina anti-carro, cujo rodado dianteiro direito quase me atingia. Desta vez foi trágico, porque o camarada condutor faleceu no local. O inexplicável da situação é que a Daimler acidentada seguia logo atrás da viatura rebocada, que sendo a primeira a passar pela mina, não a accionou, gerando um sentimento de revolta e a pergunta do porquê de os restos do unimog não terem ido pelos ares em vez da Daimler? Tinha que se perder um homem?

 Daimler acidentada na estrada Canjadude-Che Che

A guerra é isto mesmo, cruel, assassina, estropia homens que nada tem a ver com ela, mas que são a tal carne que o canhão necessita para júbilo dos Senhores da Guerra.

A CART 1742 mais uma vez contribuiu com o seu sangue, suor e lágrimas para amenizar as agruras que aqueles camaradas passavam naquelas terras de ninguém, e que nos recebiam de braços abertos, o que prova que a solidariedade castrense é das coisas mais lindas que me foi dado apreciar. Ainda hoje comungo esse ideal.

Vivam todos os Combatentes,
Viva Portugal

Nota: A CART 1742 fez mais três colunas a Madina e a Béli.

Abel Santos
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Nota do editor

Poste anterior da série de 17 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15761: Memória dos lugares (334): Fulacunda (Fernando Carolino, ex-alf mil, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74; natural de Alcobaça, a viver em Valado dos Frades, Nazaré)

sábado, 13 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14740: O cruzeiro das nossas vidas (22): A viagem no Alenquer, a chegada, o desembarque e o rumo ao destino (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 3 de Junho de 2015, falando-nos desta vez da chegada a Bissau.

Meus amigos
Depois da Partida, eis que chega a Chegada (passe o pleonasmo).
Faz 47 anos que pisei aquela que é, para nós, a segunda pátria.
No próximo dia 10, fará 45 anos do regresso definitivo.

Abraço
Zé Martins


A CHEGADA

Dos doze passageiros que embarcaram no Alenquer, apenas três eram milicianos. Os restantes, os marinheiros e um furriel enfermeiro, eram do quadro permanente.

A viagem foi tranquila, pois despojados das fardas, que foram encerradas nos armários até ao dia do desembarque, todos vestíamos roupas civis. O próprio fardamento da tripulação, nada tinha a ver com o rigor militar.

Dado o reduzido número de passageiros, até o aviso de que as refeições iam ser servidas, era transmitido pessoalmente no convés, ou, quando caso disso, com pancadas leves na porta dos alojamentos.

Calmamente, com a calma que o mar transmite, fomos passando os dias em que foram sendo percorridas as milhas náuticas que nos separavam de África, até que, na manhã de 3 de Junho [ano de 1968], as máquinas reduziram a pressão e o barco ancorou ao largo de Bissau. Era uma Segunda-feira.

Ponte-cais, Bissau. Em primeiro, vê-se o monumento a Diogo Cão. 
Bilhete-postal, colecção "Guiné Portuguesa, 110". © Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL. Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalizações: Luís Graça & Camaradas da Guiné 2010.

Lá longe, no cais, havia um grande vaivém de pessoas e barcos. Já não era o dia de “São Vapor” de que nos fala Amândio César no seu livro Guiné 1965 – Contra Ataque, assim era chamado o dia em que atracava um barco ao porto, fazendo com que a população se deslocasse até lá.

Ao largo, assim que começaram a descer as LDM – Lanchas de Desembarque Médio – houve um autêntico enxame de pequenas embarcações, movidas a motor ou a remos, em torno das mesmas a oferecer a venda de serviços ou comida tradicional. A tripulação que descera já dentro das lanchas, ia assumir de imediato a sua missão deslocando-se para o cais militar. Abandonaram aquela zona entre acenos despedidas e votos de boa sorte.
Mesmo nas vindas a Bissau, de férias ou em serviço, nunca mais voltei a encontrar estes companheiros de viagem. A Guiné é pequena, mas as coisas nunca estão ali à mão.

No porto do rio Geba, em Bissau, a chegada e a partida de embarcações era banal que o Alenquer teve de aguardar, ao largo, autorização e espaço no cais para poder atracar.

A acostagem só se efectuou perto da hora de jantar.
O Imediato veio informar-nos que, a partir daquele momento, a viagem tinha terminado. No entanto, como já era tarde, aconselhava-nos a pernoitar no barco, porque sendo já tarde, era muito difícil arranjar acomodações militares ou mesmo civis. Mais! Como iam demorar cerca de dois dias com as operações de descarga do navio, podíamos continuar alojados no mesmo, como convidados, devendo, no entanto, providenciar a nossa instalação futura.

Antes de jantar fomos a terra. Queríamos começar a conhecer a terra, mas também, tomar algo de fresco, porque o calor, mesmo para os que já lá estavam há algum tempo, era, digamos, insuportável. Andando e observando a cidade fomos dar ao Café Bento, conhecido pela “5.ª Repartição do QG”, uma vez que se encontrava sempre, a qualquer hora, repleto de militares em passagem por Bissau, quer na ida ou regresso de férias, quer por se encontrarem em consulta externa no Hospital Militar ou ainda a aguardar colocação.

Nos cafés a lista dos serviços que ofereciam, das bebidas aos tabacos, eram quase iguais às que oferecia qualquer café da metrópole. A diferença era no preço: a moeda local, o Peso, não tinha centavos ou pelo menos não circulavam, sendo o arredondamento efectuado, quase sempre, para a unidade inferior, o que naquela altura representava algum benefício.
As notas emitidas na metrópole eram sempre muito bem recebidas, já que tinham um valor acrescido de dez por cento. Às moedas já não lhes atribuíam qualquer mais valia.

No dia seguinte, segunda-feira, apresentamo-nos no Quartel-General do CTIG, em Santa Luzia, ficando a aguardar transporte para as respectivas unidades. Tínhamos o tempo todo livre, mas teríamos de nos apresentar, todos os dias, no Serviço de Pessoal do QG, a fim de sabermos quando e de que forma seria efectuado esse transporte para as nossa unidades.

Nesse mesmo dia, Terça-Feira dia 4 de Junho, durante o almoço a bordo do Alenquer, o imediato veio falar connosco, informando-nos que a descarga do navio estava a ser mais rápida do que o previsto. Seria aconselhável, para nós que, o jantar e a pernoita, fossem efectuadas já em terra, uma vez que tudo indicava que largassem ainda durante a madrugada do dia seguinte.

Terminada a refeição fomos apresentar, ao comandante e tripulação do navio, as nossas despedidas e sobretudo, agradecer a forma amável e distinta com que nos tinham tratado desde que a saída de Lisboa. Depois lá rumámos em direcção aos alojamentos destinados aos sargentos no Quartel-General em Santa Luzia, a escassos quilómetros da cidade.

Como era de prever, e isso mesmo já tínhamos constatado, o local, apesar de limpo e arejado, era o protótipo de local de passagem. As camas não dispunham de roupa nem havia qualquer local onde se pudesse requisitar material de aquartelamento.
Acomodamo-nos o melhor possível para passar a noite, não sem antes termos visitado o bar de sargentos, para o que já começava a ser habitual: tomar uma qualquer bebida fresca.

No dia seguinte, após passagem pelo Serviço de Pessoal para cumprimento das instruções recebidas, e não havendo qualquer previsão de transporte para os nossos destinos, como que impulsionados por uma mola dirigimo-nos ao cais.

Navio de carga "Alenquer" - Armador: Sociedade Geral do Comércio, Indústria e Transportes - Lisboa
Com a devida vénia a Navios Mercantes Portugueses

Surpresa... tristeza... desilusão... O Alenquer já não estava nem no porto nem se avistava no estuário. Já tinha partido.

O desalento foi total. Foi como se nos tivessem cortado o cordão umbilical, que nos ligava à metrópole. Dias depois cada um seguiu o seu rumo, que, acaso do destino, ficava quase nos vértices do triângulo que a província formava: Nova Lamego, Bedanda e Farim.

José Martins
14/JULHO/2000
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14672: O cruzeiro das nossas vidas (21): Os últimos dias, a família, os amigos e finalmente o embarque, em 28/5/1968 (José Martins)

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14672: O cruzeiro das nossas vidas (21): Os últimos dias, a família, os amigos e finalmente o embarque, em 28/5/1968 (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 27 de Maio de 2015, falando-nos do Cruzeiro da sua vida.

Amanhã, 28 de Maio, faz 47 anos que iniciei o meu primeiro cruzeiro da minha vida, que podia ser o cruzeiro da minha morte.

Abraços
Zé Martins


O EMBARQUE

Os amigos e conhecidos ao saberem da minha mobilização, mesmo sem lhes ser pedido, passaram a fazer as suas recomendações, sobre os problemas e carência comuns a qualquer das frentes de combate. No casão militar adquiri uma quantidade enorme de fardamento, para fazer face às necessidades em campanha, e, sobretudo, porque lá não haveria a possibilidade de adquirir algo que tenha faltado ou que fosse necessário substituir.

Mais uma vez, com as malas às costas e de volta a Torres Novas, nova guia de marcha para Lisboa, para me ir apresentar no Depósito Geral de Adidos, na Ajuda.

Os mobilizados em rendição individual mais não eram que pedras de xadrez num tabuleiro desmantelado, em que era extremamente difícil deslocar-se qualquer que fosse a direcção. Com apatia, insensibilidade, desmotivação ou desprezo, temos de admitir, era assim que os militares, independentemente da patente, eram recebidos. Os soldados que desempenhavam as funções de recepção, não só não tinham qualquer preparação para a tarefa, como não tinham qualquer problema em mostrar desagrado.
A falta de organização dentro da unidade, apesar de ser compreensível dada a quantidade de militares que chegavam e partiam, originavam enormes problemas de logística; a marcação dos embarques e o seu adiamento sistemático, provocava uma sensação de vazio e mal-estar, que obrigava a que cada um procurasse, fora do âmbito militar, o apoio que necessita naqueles dias difíceis.

Cargueiro N/M Alenquer, da Sociedade Geral 
© Foto Google – imagens de navio Alenquer

Esta situação originou que efectuasse várias viagens Lisboa/Porto e Porto/Lisboa, obrigado a noites mal dormidas, a gastos inesperados de dinheiro, e, sobretudo, a despedidas contínuas. Foi numa dessas vezes, ao deixar a casa paterna, que ouvi um barulho fora do normal. Parei. Pensei em voltar atrás. Mas fosse o que fosse, nada poderia fazer. Cerrando os dentes a apertando com mais força as pegas do saco de viagem que transportava, segui em frente, segui o curso da minha própria história.

Só dois anos mais tarde, já de regresso e com a missão cumprida, apesar de ter estado duas vezes de licença na metrópole, é que soube que, perante a impossibilidade de fazer parar e/ou alterar os acontecimentos, o meu pai, na sua raiva e desespero igual à de tantos outros pais, tinha partido o tampo da mesa da sala.

Enfim. Ao cabo de quase uma semana de “embarca hoje de avião”, “o voo foi adiado vinte e quatro horas”, “o embarque aéreo foi cancelado”, “vão de barco dentro de dias”, chegou o dia do meu embarque.

Nesse dia, sabendo da odisseia passada nos Adidos, ou melhor, à sua volta, o meu irmão mais velho, o João, invocando que tinha de resolver alguns assuntos em Lisboa, telefonou e marcamos um encontro para a hora do almoço.

O local do encontro foi algures na baixa lisboeta. Com o meu irmão, vinha a minha cunhada, a Lai.

Como o João era vegetariano, de curta data, rumamos para a Rua da Emenda, ao Bairro Alto, para um almoço de vegetais no restaurante Colmeia.

A ementa era extremamente simples: vários vegetais cozidos, acompanhados com um sumo de laranja e como sobremesa um doce de cenoura.

A minha cunhada apenas observou o almoço. O seu seria a seguir num restaurante mais tradicional na Rua Primeiro de Dezembro, e com uma refeição menos sofisticada: bife com batatas fritas, que, por cavalheirismo e porque realmente “aquilo dos vegetais não era propriamente almoço”, a acompanhei “aviando” uma boa costeleta.

Mal sabia eu que este duplo almoço do dia 27 de Maio de 1968 me ficaria na memória para sempre, sendo recordado, com saudade, especialmente quando me sentava à mesa para a refeição, no destacamento longínquo perdido no leste da Guiné, e tinha para comer, quase invariavelmente, feijão ou arroz com chouriço ou salsichas.

A hora da partida aproximava-se e o carro rumou o Cais da Rocha do Conde de Óbidos.
Naquela tarde de Maio de 68, o cais e a zona envolvente estava calma. Só o N/M Alenquer deixava escapar algum fumo pela chaminé, prenúncio de que aquecia as máquinas para a viagem que iria iniciar.

Não havia a aglomeração de militares e de suas famílias, a que nos habituara, desde há muito, a televisão. Constatou-se que havia, como passageiros, apenas, quatro furriéis e oito marinheiros, que constituíam as tripulações de duas lanchas LDM que estavam embarcadas no convés, mas, no porão, a carga era constituída por armamento e munições, mas que só o viemos a saber quando o navio procedia à descarga.

Despedi-me da família e subi a bordo, onde um velho guarda-fiscal me saudou militarmente. A promoção a Furriel Miliciano era tão recente, que nem sequer raciocinei de que já tinha direito a continência. Correspondi com um “boa tarde” seguido de um aperto de mão, a que o guarda correspondeu entre o satisfeito e o surpreendido.
O alojamento duplo que me estava destinado para os dias seguintes, podia ser catalogado como de cinco estrelas e era de fazer inveja a muitos hotéis da capital. Além das duas camas, dispunha de dois guarda-fatos individuais, uma secretária com material para escrita, e além de uma zona de descanso, dispunha de instalações sanitárias amplas e modernas.
Mas a família tinha ficado no cais. Há que voltar ao convés para corresponder ao sinal de despedida que, os que ficavam em terra, queriam enviar.

Tirando a boina e despindo o blusão, fui até à amurada.

Ouviu-se um silvo agudo seguido pelo roncar das máquinas do N/M Alenquer e do rebocador que o auxiliava na manobra.

Algo estranho se passou, pois um militar não chora (?). Tirei um cigarro do bolso e escondi as lágrimas, que me escorriam pela cara abaixo, atrás do fumo que o mesmo libertava.

Lisboa ficava para trás, iluminando-se, cada vez mais longe, na noite cálida. A proa indicava o futuro e o futuro, naquele dia, chamava-se África...

Chamava-se Guiné!

12 de Julho de 2000
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10958: O cruzeiro das nossas vidas (20): Viagens de avião de ida para a Guiné, e volta, patrocinadas pelo Estado Português (Henrique Cerqueira)

quinta-feira, 19 de março de 2015

sexta-feira, 13 de março de 2015

Guiné 63/74 – P14357: Divagações de reformado (Pacífico dos Reis) (7): Vivo num país que não me faz chorar, faz-me enraivecer

1. Em mensagem do dia 8 de Março de 2015, o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), envia-nos mais uma Divagação de um Reformado, no caso o Cor Cav Ref Pacífico dos Reis, ex-Capitão Cav e Comandante da CCAÇ 5 entre 1968 e 1970:

Bom dia
Tive ontem noticias do "meu comandante" e nosso camarigo Pacifico dos Reis.
Junto o texto recebido, depois de complementado com fotos.

Bom Domingo para todos.
Zé Martins

Divagações de Reformado

7 - Vivo num país que não me faz chorar, faz-me enraivecer


Já estou na idade da “lágrima fácil“. Vivo no entanto num país que não me faz chorar, faz-me enraivecer. Li que 26% dos portugueses não ”mexeriam uma palha” se tivessem que defender o seu País. De quem é a culpa? Deles? Não! Dos muitos pseudo políticos que inculcaram nos jovens uma vida de facilitismo, das famílias que não souberam passar valores à nova geração, dos progenitores que pretendiam que os filhos não passassem as dificuldades que eles passaram.
Nas décadas de 60/70 muitos milhares defenderam o Portugal de então. Nessa altura o nosso Portugal estava espalhado por três continentes. Íamos para o Ultramar com Portugal no Coração. Agora os políticos pavoneiam-se com Portugal na lapela.
Morria-se a defender o País. Neste momento a gente séria morre de vergonha com a catadupa de escândalos de corrupção, lavagens de dinheiro, subserviência ao poder estrangeiro, etc., etc.
À, Eça tanto material que terias agora para as tuas escritas.

Secção de Comando Dragão 
© Foto: José Martins

Por isso prefiro relembrar as saudades que tenho da Guiné e dos tempos que passei em Canjadude, a comandar homens com H grande, guinéus mas portugueses completos, que tinham Portugal no Coração. Sofremos, mas todos em conjunto. Combatemos lado a lado. Sentimos a dor dos feridos (felizmente nunca tivemos mortos debaixo do meu comando) que caíram ao nosso lado.

Prefiro recordar as bolanhas, os espaços livres, a vida simples da população, todo um conjunto de pequenas coisas que sociedade europeia já esqueceu preferindo viver sem valores, formatada pelos grandes banqueiros, secundados pelos políticos corruptos e por um sistema que prepara todo um envolvimento para facilitar a vida a uma corja de privilegiados.

Recordo que muitas vezes saí em operações somente com a secção de Comando (10 homens), todos africanos, sem qualquer problema. Porque eles eram e sentiam-se portugueses. Tinham algo para mostrar ao Mundo. Queriam ser portugueses para todo o sempre. Tinham valores que respeitavam. Muitos depois do 25/4 morreram por manterem esses ideais.

2.º Sargento Enfermeiro Cipriano Mendes Pereira, tombado em 16 de Novembro de 1970, durante um ataque a Nova Lamego 
© Foto: José Manuel Corceiro

Prefiro recordar com saudade o meu Sargento Enfermeiro, também guinéu, que me salvou a vida por duas vezes. A primeira quando adoeci com paludismo cerebral, que geralmente é fatal, mas que conseguiu debelar pelo seu enorme conhecimento das doenças tropicais e grande dedicação.
A segunda quando um dos militares da Companhia se etilizou e meteu na cabeça que queria matar o Comandante. Estava à espera na Parada que chegasse ao pé de mim. Era fundamental para a minha credibilidade na Unidade. Já tinha visto que a Madsen que ele trazia estava em segurança. Não havia perigo iminente. No entanto o sargento Cipriano com risco para si próprio injectou-lhe um calmante que o pôs a dormir.
Este homem bom, cidadão português, corajoso, foi morto em Nova Lamego conjuntamente com a família pelos “libertadores“, já depois de eu ter saído da Companhia

É isto que, já no final desta passagem por este mundo louco, pretendo recordar.
É por isso que nesta ”idade do condor“ esqueço as dores nas articulações e recordo com saudade as dores em todo o corpo ao fim de 4 a 5 dias de operações.
Recordo com saudade a “granada de 60“ vulgo garrafa de cerveja que me vinham trazer mal chegava. Nunca mais bebi uma cerveja tão gelada e tão boa. Recordo emocionado o dia em que retornei a Canjadude para desactivar um campo de minas e toda a Companhia me levou em ombros até ao meu antigo gabinete julgando que ia regressar ao Comando da Unidade. Foi difícil e pungente desenganá-los. E mais tarde, já no ”Puto“, tive o prazer de receber muitos daqueles portugueses africanos que removeram céus e terra para me encontrarem. Muitos com marcas do que sofreram às mãos dos “libertadores”, com histórias daqueles que fugiram e agora eram mercenários noutras terras, aqueles cujas famílias desapareceram, etc..

Tudo isto faz uma vida.
Tudo isto recordo com saudade.

Pacífico dos Reis
Gato Preto
“Faca de Mato “
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de agosto de 2010 > Guiné 63/74 – P6911: Divagações de reformado (Pacífico dos Reis) (6): TAP ou TAPioca…? (José Martins)

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13698: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (9): 7 de Abril de 1974




1. Chegados ao 25 de Abril de 1974,  a independência da Guiné estava por um fio. Assim termina este trabalho de pesquisa e compilação do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), que diz respeito aos últimos 5517 dias de luta pela independência daquele novo país.




José Marcelino Martins
Setembro de 2014
josesmmartins@sapo.pt

(FIM)
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Nota do editor

Postes da série de:

28 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13660: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (1): Preâmbulo e O Início

29 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13665: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (2): 3 de Agosto de 1959

30 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13670: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (3): Recenseamento, Inspecção e Distribuição de Pessoal; Os Tombados em Campanha e Os Que Foram Agraciados

1 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13673: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (4): 8 de Agosto de 1962

2 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13678: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (5): 23 de Dezembro de 1964

3 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13684: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (6): 4 de Setembro de 1968

4 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13689: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (7): 3 de Agosto de 1969
e
5 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13694: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (8): 7 de Janeiro de 1973