Mostrar mensagens com a etiqueta Carlos Matos Gomes. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Carlos Matos Gomes. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24719: Notas de leitura (1621): "Tertúlias da Guerra Colonial"; edição da Associação dos Pupilos do Exército, 2021 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Fica aqui um histórico dado por um elemento da Marinha acerca do Destacamento de Fuzileiros Especiais 8 entre 1971 e 1973, um caso de Marinha no mato, pois estavam instalados num aquartelamento em Ganturé, com missões de patrulhamento no rio Cacheu, seguiram para Gampará, aí em instalações muito precárias, atividade operacional intensa e alimentação mais deficiente, conheceram o castigo, percorreram o rio Corubal e caminharam até Buba, voltaram para Ganturé, a comissão terminou em abril de 1973, assistiram ainda a intensidade da vida operacional do PAIGC e à chegada dos mísseis. Foi esta intervenção e a de Carlos de Matos Gomes que respigámos num conjunto de tertúlias promovidas pela Associação dos Pupilos do Exército.

Um abraço do
Mário.



O modo dos portugueses fazerem a guerra no mato (2)

Mário Beja Santos

Tertúlias da Guerra Colonial é uma edição da Associação dos Pupilos do Exército, 2021, o presidente da associação convidou um conjunto de oficiais das Forças Armadas que ao longo de quatro sessões, sempre através da plataforma Zoom, analisaram as quatro dimensões tidas como mais interessantes para as tertúlias: antecedentes políticos e fundamentos; combater no mato; efeitos colaterais e sentimentos coloniais; do 25 de Abril à descolonização. Estas quatro sessões realizaram-se em outubro e novembro de 2020. É da temática “combater no mato” que vamos aqui resumir as comunicações de Carlos de Matos Gomes sobre a quadrícula do Exército e a Marinha na guerra no mato da Guiné por Alcindo Ferreira da Silva. No número anterior procedeu-se a recensão da comunicação de Carlos Matos Gomes, vejamos agora aspetos principais da intervenção de Alcindo Ferreira da Silva. Começa por nos dizer que no início dos anos 1970 a Marinha tinha na Guiné três Destacamentos de Fuzileiros Especiais de origem metropolitana e dois Destacamentos de Fuzileiros Especiais Africanos. Ele chegara a Bissau em princípios de junho de 1971. Seguiu para o mato, primeiro para Ganturé, situado na margem norte do rio Cacheu, junto de um antigo armazém da CUF, 9 casamatas-abrigos dispostos em círculo, e descreve o ambiente. No rio havia uma ponte cais onde atracavam com frequência a lancha de fiscalização grande que estava em missão na área e as lanchas de desembarque média que patrulhavam o rio. Da ponte cais partia uma picada que atravessava a base e se dirigia em linha quase reta até Bigene, onde estavam outras unidades militares. A missão principal do destacamento consistia em efetuar a interdição da passagem de pessoal e material do Senegal para o interior do território da Guiné através do corredor de Sambuiá, para além de efetuar operações na margem sul com o objetivo de desarticular o dispositivo do PAIGC.

Dois botes com três fuzileiros cada, armados com uma metralhadora e bazucas e outros elementos armados com armas ligeiras fiscalizavam o tarrafo à procura de indícios da presença do inimigo. Por vezes os botes eram emboscados na entrada ou passagem de uma clareira ou deparavam com uma canoa ou bote de borracha atravessar o rio. Uma ou duas vezes por semana, o destacamento realizava uma operação na margem norte do rio Cacheu para tentar intercetar alguma coluna de reabastecimento do PAIGC. Quando as operações se realizavam na margem sul tinham como objetivo assaltar acampamentos, eram recontros normalmente breves.

Ao fim de uns meses, o destacamento saiu de Ganturé e foi enviado para Gampará onde decorria, desde há cerca de dois meses uma operação de reocupação do território e ali se preparava a construção de reordenamento. Ali se encontraram com o Destacamento de Fuzileiros Especiais 21 de fuzileiros africanos e uma companhia do Exército. O acantonamento era constituído por um quadrado desenhado por covas de lobo, cobertas por ramagem, à sua volta construíram-se mesas e bancos, enfim uma vida muitíssima rudimentar. Nas redondezas do acantonamento encontravam-se alguns grupos dispersos de população que tinha sido desalojada das suas tabancas quando estas foram destruídas no início da ocupação. As restantes populações e os guerrilheiros do PAIGC tinham retirado alguns quilómetros para a margem sul do rio Pedra Agulha, junto de Ganquelé. Foi intensa a atividade operacional, nas atividades de proteção, patrulhando a região afim de contrariar a penetração dos guerrilheiros para norte do rio Pedra Agulha. Operações que exigiam um esforço físico violento, em percurso em corta-mato, em zonas em que se respiravam impregnado de pó da terra e do capim queimado. Dois meses e meio que levaram a um pleno cansaço, foram depois rendidos por uma companhia de paraquedistas. Depois de uns dias de descanso em Bissau partiram para operação conjunta Pato Azul, na região do Quínara, em que participaram forças especiais. Após Gampará foram enviados para Cacheu, com a missão de patrulhar o rio e afluentes e de realizar semanalmente uma ou duas operações nas proximidades da Caboiana, um santuário do PAIGC. Com alguma regularidade, também efetuavam operações conjuntas. Ao fim de três meses, foram novamente enviados para Gampará, aqui houve um incidente entre um fuzileiro e um elemento do Exército, Spínola determinou que o destacamento, por castigo, realizasse uma operação, subiram em botes o rio Corubal e percorreram cerca de 40 quilómetros uma região controlada pelo PAIGC, até Buba.

Meses depois, seguiram novamente para Ganturé, aqui terminou a comissão em finais de abril de 1973. Foi em Ganturé que se começou a percecionar a intensificação da atividade da guerrilha, viveram os últimos dias em Ganturé com o aparecimento de dois mísseis. Esta foi a vida no mato do Destacamento de Fuzileiros Especiais 8. E concluiu assim a sua intervenção:
“O estar no mato significou, para todos os que por lá andaram, o possível e o próximo contato de fogo quando saiam para operações no mato ou no decorrer dos ataques ao aquartelamento nas suas horas de serviço ou descanso e, por isso, a necessidade permanente de manter a disciplina e a segurança, a coesão e o espírito de unidade, o treino e as armas sempre prontas, mas o que marcava este decorrer dos dias era, sobretudo, a rotina, a espera de que qualquer coisa acontecesse, a contagem do tempo que não passava, o isolamento, a solidão mesmo que rodeado de camaradas, ausência de informação, a saudade e para muitos a participação numa guerra imposta, ou injusta, ou sem sentido”.


Render fuzileiros na Guiné, imagem da RTP, com a devida vénia
____________

Nota do editor

Último poste da série de 29 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24712: Notas de leitura (1620): "Tertúlias da Guerra Colonial"; edição da Associação dos Pupilos do Exército, 2021 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24712: Notas de leitura (1620): "Tertúlias da Guerra Colonial"; edição da Associação dos Pupilos do Exército, 2021 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Do conjunto de intervenções que deram origem à publicação da responsabilidade da Associação dos Pupilos do Exército, optei por aquelas que são assinadas por Carlos de Matos Gomes e Alcindo Ferreira da Silva, a primeira sem a ver com as observações sobre a quadrícula, a presença da Companhia do mato, os seus méritos e deméritos, a lógica do Regime em fazer suprir as ausências da administração por um contingente militar a quem se multiplicavam as missões e as obrigações, acabando por implicar essa unidade, em zonas de média e alta intensidade bélica, a um recuo nos patrulhamentos e operações, delegando-se nas Forças Especiais, a realização de grandes atos ofensivos. E veremos seguidamente o testemunho de quem foi fuzileiro especial e combateu em pleno mato, em Ganturé e Gampará.

Um abraço do
Mário



O modo dos portugueses fazerem a guerra no mato (1)

Mário Beja Santos

Tertúlias da Guerra Colonial é uma edição da Associação dos Pupilos do Exército, 2021, o presidente da associação convidou um conjunto de oficiais das Forças Armadas que ao longo de quatro sessões, sempre através da plataforma Zoom, analisaram as quatro dimensões tidas como mais interessantes para as tertúlias: Antecedentes políticos e fundamentos; Combater no mato; Efeitos colaterais e entimentos coloniais; Do 25 de Abril à descolonização. Estas quatro sessões realizaram-se em outubro e novembro de 2020. É da temática combater no mato que vamos aqui resumir as comunicações de Carlos de Matos Gomes sobre a quadrícula do Exército e a Marinha na guerra no mato da Guiné por Alcindo Ferreira da Silva.

Carlos de Matos Gomes observa que a quadrícula constituía a base do dispositivo militar português nesta guerra: malha de unidades, organicamente e hierarquizadas, cobrindo o território de acordo com a intensidade da atividade dos guerrilheiros, da densidade populacional, da importância económica ou tática.

 Lembra também que desde 1959 existiam estudos no Ministério do Exército para a criação de um novo tipo de unidades e de novas táticas para fazer face à evolução da situação em África. Esta quadrícula foi o dispositivo territorial exclusivo do Exército, gozou de várias designações: Regiões Militares, Comando Territorial, Zonas de Intervenção Operacionais (estas comandadas por oficiais generais e coronéis, delas dependiam os setores que por sua vez integravam batalhões e na base da quadrícula situava-se a Companhia).

A opção por este dispositivo respondia a uma dupla necessidade: a de reconquistar e manter os locais onde haviam ocorrido ações violentas de sublevação; e a de instalar órgãos de soberania e de administração até aí inexistentes.

 Era a dupla necessidade de ocupar militar e administrativamente parcelas do território onde, até ao início das ações violentas não havia presença de órgãos do Estado, nem de administração, nem serviços públicos. O autor recorda que em 1961, no norte de Angola, não existia um só quilómetro de estrada alcatroada, não existia uma rede de telecomunicações com o mínimo de eficácia e não existia uma só unidade militar. Pode mesmo tomar-se os acontecimentos da Baixa do Cassanje, janeiro de 1961, prelúdio da violentíssima sublevação dos Dembos, como prova de ausência do Estado, não assegurando as funções elementares de garantia da justiça e segurança das populações. “Não foi por acaso que as ações violentas da guerra ocorreram em zonas onde a administração do Estado estava pouco presente, ou era quase inexistente, como acontecia no norte de Angola e no norte de Moçambique”.

A Companhia de quadrícula tinha demasiado tarefas, sobre ela recaía: administrar pessoal e equipamento, incluindo a defesa e o abastecimento da tropa; órgão de soberania e de administração do território, por ausência de outro, providenciando serviços mínimos de saúde, de educação e até de justiça, agindo segundo as normas da ação psicológica; e, acima de tudo, realizar operações militares, nomadizar, fazer patrulhamentos ofensivos. “Desde cedo foi percebido pelos comandantes dos teatros de operações que só era possível cobrir todas estas tarefas em zonas de baixa intensidade operacional, onde não fosse provável a ocorrência de situações de envergadura por parte do inimigo. Onde o pelotão/grupo de combate não era suficiente, e em boa parte dos teatros de operações deixou de ser nos primeiros anos da guerra, a atividade operacional ficava circunscrita às imediações do aquartelamento e quase se reduzia às colunas logísticas de reabastecimento, era uma atividade que se limitava à presença e à ação psicológica”.

Esta implantação territorial na quadrícula de companhia, observa o autor, teve o mérito de aproximar os seus militares das populações africanas, a quem proporcionaram significativas melhorias das condições de vida, mas desviavam o Exército da função principal de combater, o que fez com que as ações militares de alguma envergadura tivessem de ser assumidas pelas forças de intervenção, maioritariamente constituídas pelas tropas especiais. E há os efeitos perversos: “A reduzida capacidade operacional das companhias da quadrícula provocou o aumento de efetivos de unidades de intervenção, quase sempre especiais, mais caras e mais difíceis de obter. A quadrícula de companhia tornou ainda o Exército, no seu todo, como uma força defensiva, fixa ao território, sem mobilidade, com as suas unidades vulneráveis, e exigiu um esforço excessivo e pouco remunerador para manter este dispositivo. No final da guerra, em especial na Guiné e em Moçambique, a quadrícula de companhias consumia-se em boa parte para manter uma ocupação ineficaz do território, os seus quartéis constituam alvos fixos e remuneradores para os guerrilheiros”.

O regime de Salazar viu nesta solução de administração militar uma série de vantagens: era barata, pois os recursos das Forças Armadas substituíam o que competia com uma administração civil; solução que também agradava os militares, pois era moralmente mais recompensador dedicarem-se a tarefas de apoio social do que à guerra. “Em Angola, onde os efetivos em 1960 eram de cerca de 70 mil homens, o general Fraser, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas sul-africanas, numa reunião com as autoridades portuguesas, calculava que um máximo de 30 mil homens seria suficiente, desde que empregues naquilo que as Forças Armadas poderiam fazer, combater o inimigo, e desde que existisse um bom governo civil”.

E há o chamado sentimento de dever, a razão por que se luta, que o autor assim resume: “Na guerra colonial, curiosamente de forma muito semelhante ao que aconteceu com a participação de Portugal na Grande Guerra, as tropas nunca souberam com clareza por que combatiam. As respostas que davam nos inquéritos referem o cumprimento de um dever (resignação); defender o que é nosso (a adoção de um discurso vazio, que era contrariado por parte dos militares quando reconheciam que a guerra aproveitava a uns poucos que com ela enriqueciam à custa do sacrifício dos soldados). Mas as tropas, também como na Grande Guerra, foram, no geral, mal instruídas, e o seu nível quer de motivação quer de instrução sofreu uma contínua degradação ao longo dos anos de guerra”. O autor explana ainda a opinião dos Aliados, a situação em Moçambique e conclui assim: “A guerra colonial era, por motivos históricos e de conjuntura nacional, uma guerra perdida à partida, no sentido em que a vitória seria manter no último quarto do século XX uma entidade política com uma pequena cabeça na Europa, espalhado por três continentes e pelos três oceanos do planeta. Mas a guerra travada no mato, nas florestas, nas chanas, nas bolanhas de Angola, de Moçambique e da Guiné sofreu dos condicionamentos gerais da participação de Portugal na Grande Guerra. O mato de África não foi um lugar de glória nem de boa memória”.

Vamos de seguida ver uma exposição sobre a Marinha na guerra no mato da Guiné.

(continua)
Alferes Marques Vieira, 1971. Imagem carregada por Kai Archer, com a devida vénia
Viagem num rio da Guiné. Imagem retirada de GUINÉ BISSAU - Memórias, com a devida vénia
Fuzileiros a caminho de uma operação na Guiné. Imagem retirada de fuzileiros especiais 12 - 1970 / 1971 - guiné, com a devida vénia
Parte do armamento apreendido na Operação - Cocha, na base do PAIGC zona de Cumbamory, pelo destacamento de Fuzileiros Especiais. Imagem retirada de fuzileiros especiais 12 - 1970 / 1971 - guiné, com a devida vénia


Fixação do texto e edição de imagens: Carlos Vinhal
____________

Nota do editor

Último poste da série de 25 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24697: Notas de leitura (1619): "PAIGC A Face do Monopartidarismo na Guiné-Bissau", por Rui Jorge Semedo; Nimba edições, 2021 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23633: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (13): Cumbamori, uma das mais violentas acções das NT em território estrangeiro e um dos maiores desaires do PAIGC... Mas falta-nos a versão do outro lado...


 
Batalhão de Comandos da Guiné (1972/74): Guião



1. Guidaje, Guileje e Gadamael, os famosos 3 G... Daqui a menos de um  ano, em maio e junho de 2023, a "batalha dos 3 G" vai fazer meio centenário...

Será que já está tudo dito, escrito e lido sobre os 3 G ? De modo nenhum,  e sobretudo aqueles de nós que não viveram na pele as agruras daqueles longos, trágicos mas também heróicos dias de maio e  junho de 1973 (e que se prolongam até julho, no caso de Gadamael), continuamos a querer saber mais,,, 

Foram dos combates mais violentos que se travaram em toda a guerra, desde o início de 1963, a par da Op Tridente (1964) e da Op Mar Verde (1970)... A batalha dos 3 G  (há quem não goste da designação)  não se pode resumir à contabilidade (seca) das munições gastas ou das baixas de um lado e do outro (e foram muitas, as baixas, as perdas). E menos ainda aos "roncos" como a destruição de material fornecido pelos russos e outros ao PAIGC. No balanço dos ganhos e perdas, o PAIGC, apesar da destruição (parcial) da base de Cumbamori,  é capaz de ter marcado pontos ao nível político e diplomático, junto da OUA (Organização de Unidade Africana) e países do bloco soviético e até de alguns dos nossos amigos nórdicos, com o seu cerco a Guidaje (e depois Guileje e Gadamael). Deixemos esse balanço para os historiadores.

Passados 49 anos sobre a Op Amílcar Cabral, em que o PAIGC jogou forte (em termos de meios humanos e materiais mobilizados) contra as posições fronteiriças de Guidaje ou Guidage (no Norte) e Guileje e Gadamael (no Sul), parece-nos que continua a ser oportuno e importante, para os nossos leitores,  repescar alguns postes e comentários que andam por aí perdidos... E publicar novas histórias ou informação de sinopse dos acontecimentos  

Daí esta série "Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra?" (*).

É uma pena que os camaradas ainda vivos, que podem falar "de cátedra" sobre os 3 G, Guidaje, Guileje e Gadamael, não escrevam, ou já não escrevam ou ainda não tenham escrito tudo sobre o assunto.  Infelizmente, há outros que a morte já levou, sem que tenham sequer passado ao papel as suas memórias: é o caso, se não erramos, do próprio comandante da Op Ametista Real, o então major Almeida Bruno, 1º cmdt do Batalhão de Comandos da Guiné,  recentemente desaparecido...Enfim, ficou pelo menos o relatório da Op Ametista Real, que será da sua autoria (...) (**) 

Do lado do PAIGC,  já não temos grande esperança de ainda podermos conhecer a versão dos seus combatentes, "na primeira pessoa do singular". Do lado das NT, republicamos mais um resumo sobre a Op Ametista Real, em que foi invadido o território do Senegal para destruir ou neutralizar a base de Cumbamori (ou Kumbamory) e aliviar a pressão sobre o nosso aquartelamento fronteiriço de Guidaje.

Infelizmente, também está pouco ou nada documentada, em termos de imagens, esta operação em que os nossos bravos comandos pagaram uma "fatura elevada", em "sangue, suor e lágrimas". Como já aqui temos comentado, não sabemos por andaram os fotocines do exército durante a guerra do ultramar / guerra colonial. E o arquivo da RTP, sobre esta matéria, é de um pobreza franciscana...

Por outro lado, já chamámos a atenção para o facto de, em duas das maiores (e mais temerárias, do ponto de vista político e militar) operações terrestres em território estrangeiro, a Op Mar Verde (Guiné-Conacri, 22 novembro 70) e a Op Ametista Real (Senegal. 19-20 mai 73), Spínola não ter arriscado o envio de tropas metropolitanas (páras e comandos, por exemplo). Foram os comandos africanos  (1ª, 2ª e 3ª CCmds Africanos, do Batalhão de Comandos da Guiné) que deram o corpo ao manifesto (para além dos nossos pilotos da FAP: os bombardeamentos aéreos de Cumbamori foram decisivos, como é público e notório,  no desfecho da Op Ametistra Real). 

O risco era menor, de todos os pontos de vista... Mas os comandos africanos acabaram por ser "usados e abusados" (se nos é permitida a expressão)  e em Cumbamori enfrentaram não só os combatentes do PAIGC como inclusive tropas paraquedistas senegalesas... Vale a pena reflectir sobre isto... Em todo o caso, é bom lembrar que o  BCP 12 também participou nesta operação, mas do lado de cá da fronteira. Releia-se o precioso e dramático testemunho do nosso querido amigo e camarada Victor Tavares, no poste P1316, de 26/11/2006: 

(...) "A 17 de Maio de 1973, a Companhia de Caçadores Paraquedistas 121 recebe ordem para se integrar na operação acima referida [,a Op Ametista Real] , tendo-lhe sido atribuída a missão de garantir a segurança de um corredor entre Ujeque e Guidaje, através do qual se processaria a retirada dos Comandos Africanos. (...) (**)


17 de Maio de 1973: início da Op Amestista Real  (***)


Início da Operação Ametista Real, em que o Batalhão de Comandos da Guiné assalta a base de Cumbamori, do PAIGC, situada em território do Senegal

A operação destinava-se a aliviar o cerco do PAIGC a Guidage e a permitir o reabastecimento daquela guarnição.

Só a destruição da base de Cumbamori, a grande base do PAIGC no Senegal, na península de Casamança, permitiria pôr fim ao cerco a Guidage. A operação era difícil e de resultados imprevisíveis. O ataque ao Senegal foi atribuído ao Batalhão de Comandos Afruicanos  [ou melhor, da Guiné, constituído pela 1ª, 2ª e 3ª CComds Africanos]
, comandado pelo major Almeida Bruno – que tinha por hábito atribuir às acções militares o nome de pedras preciosas: esta ficou Operação Amestista Real.

Na tarde de 19 de Maio de 1973, uma sexta-feira , 450 homens do Batalhão de Comandos Africanos embarcavam, em lanchas da Marinha e subiram o rio Cacheu até Bigene onde chegaram ao pôr-do-sol. À meia noite a força de ataque seguiu dividida em três grupos de combate:
  • o Agrupamento Bombox, comandado pelo Capitão Matos Gomes;
  • o Agrupamento Centauro, sob o comando do Cap Raul Folques;
  •  e o Agrupamento Romeu, comandando pelo capitão paraquedista António Ramos.

O Comandante da operação, Almeida Bruno seguiu integrado no Agrupamento Romeu, que levava um grupo especial comandando por Marcelino da Mata. Avançaram, durante a madrugada e pisaram território senegalês, cerca das seis da manhã do dia 20, sábado.

Às oito horas, uma esquadrilha de aviões Fiat iniciou pesado bombardeamento da zona. Os pilotos atacaram um pouco às cegas, porque a axacta localização da base da guerrilha não era conhecida. Mas por sorte as bombas da avião acertaram, em cheio nos paióis. 

Mal cessou o ataque aéreo , que não terá demorado mais do que dez minutos, os grupos comandados por Matos Gomes e Raul Folques lançaram-se ao assalto, enquanto o Agrupamento Romeu, comandado por António Ramos, e onde seguia o comandante da operação, Almeida Bruno, tomava posição como força de reserva. Os três agrupamentos envolveram-se em duros combates: “Os soldados de ambos os lados estavam tão próximos uns dos outros que era impossível delimitar uma frente”.

O combate foi corpo a corpo e desenrolou-se até às 14h10, quando Almeida Bruno deu ordem para o Agrupamento Centauro apoiar uma ruptura de contacto entre as forças do Batalhão de Comandos e as do PAIGC. O Agrupamento Bombox estava praticamente sem munições e o Agrupamento Centauro substituiu-o no contacto. Entretanto, Raul Folques, o comandante do Agrupamento Centauro, apesar de gravemente ferido numa perna, conseguiu a ruptuta do combate. A marcha do Batalhão de Comandos em direcção a Guidage foi lenta e com várias emboscadas pelo meio.

Resultados

Pelas 16 horas cessaram os combates e às 18h20 os primeiros homens do Batalhão de Comandos começaram a chegar a Guidage. Tinham sido destruídos:

  • 22 depósitos de material de guerra;
  • duas metralhadoras antiaéreas;
  • 50 mil munições de armas ligeiras;
  • 300 espingardas Kalashikov;
  • 112 pistoals PPSH
  • 560 granadas de mão;
  • 400 minas antipessoal:
  • 100 morteiros 60;
  • 11 morteiros 82;
  • 138 RPG7:
  • 450 RPG2;
  • 21 rampas de foguetões 122.

O PAIG sofreu 67 mortos entre os quais uma médica e um cirurgião cubanos e quatro elementos mauritanos, enquanto os Comandos sofreram dez mortos, dos quais dois oficiais, 23 feridos graves (três oficiais e sete sargentos) e três desaparecidos.

Uma nova coluna de reabastecimento ficou retida em Farim, por ter sido atacada uma coluna entre Mansoa e Farim de que resultou a destruição de três viaturas que ficaram, no terreno, tendo as forças portuguesas sofrido quatro mortos e 16 feridos, dos quais nove graves.

Na luta por Guidage o PAIGC utililizou a sua infantaria apoiada por artilharia pesada e ligeira, além de um grupo especial de mísseis terra-ar. Em armamento utilizou foguetões de 122 mm, morteiro 120 e 82 mm, canhões sem recuo de 5,7 e 7,5 cm, RPG2 , RPG7, armamento ligeiro e mísseis Strela. (...)

Fonte: Excerto de Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso - Os anos da guerra colonial: volume 14: 1973: Perder a guerra e as ilusões. Matosinhos: Quidnovi, 2009, pp. 41-45. (Com a devida vénia..)

[Seleção / revisão / fixação de texto,  para efeitos de edição deste poste: LG. ]
_________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 18 de setembro de  2022 > Guné 61/74 - P23625: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (12): A Op Ametista Real: o batalhão de comandos em Cumbamori, no Senegal, 19 de maio de 1973 (Amadu Bailo Djaló, alf graduado 'comando', 1940-2015)


(***) Vd. informação mais detalhada no poste de 18 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23364: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (5): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte IV: Op Ametista Real, de 17 a 21 mai73, destruição da base de Cumbamori, no Senegal

Vd. também o testemunho, na primeira pessoa, de Amadu Djaló (1940-2015):

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23619: Lembrete (42): Convite para o lançamento de "O Gémeo de Ompada", de Carlos Vaz Ferraz, que se realiza no dia 20 de Setembro, às 18h30, na Sala de Âmbito Cultural (piso 6) do El Corte Inglês de Lisboa

C O N V I T E


1. Mensagem do nosso camarada Carlos Matos Gomes, Coronel Cavalaria Reformado (ex-2.º CMDT Batalhão de Comandos da Guiné, 1972/74), escritor e historiógrafo da guerra colonial, com data de 15 de Setembro de 2022:

Meu caro Carlos Vinhal,
Junto envio o convite para a apresentação do meu novo romance O gémeo de Ompanda.
Teria o maior prazer na companhia dos camaradas da tertúlia e das aventuras da Guiné, do Luís Graça e Camaradas.

Aqui fica o convite com o antecipado prazer de ver e rever as gentes de África

Contracapa do livro

Um abraço amigo
Carlos Matos Gomes
Dia 20, às 18.30 no El Corte Inglês, piso 6.

____________

Notas do editor:

Vd. poste de 25 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23554: Agenda cultural (820): "O Gémeo de Ompanda - e as suas duas almas", por Carlos Vaz Ferraz. No dia 27 de agosto, às 17:00, o autor vai estar em sessão de autógrafos no Espaço Porto Editora | Bertrand Editora da 92.ª Feira do Livro de Lisboa e, no dia 20 de setembro, pelas 18:30, na sala de Âmbito Cultural (piso 6) do El Corte Inglés de Lisboa, sessão de lançamento da obra com apresentação de Augusto Carmona da Motta e Fernando Alves

Último poste da série de 20 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23372: Lembrete (41): 37º Encontro Nacional do Pessoal do BENG 447, Brá, Bissau, sábado, 25 de junho, Restaurante O Paraíso do Coto, Caldas da Rainha: há autocarros a partir do Porto e de Lisboa

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23554: Agenda cultural (820): "O Gémeo de Ompanda - e as suas duas almas", por Carlos Vaz Ferraz. No dia 27 de agosto, às 17:00, o autor vai estar em sessão de autógrafos no Espaço Porto Editora | Bertrand Editora da 92.ª Feira do Livro de Lisboa e, no dia 20 de setembro, pelas 18:30, na sala de Âmbito Cultural (piso 6) do El Corte Inglés de Lisboa, sessão de lançamento da obra com apresentação de Augusto Carmona da Motta e Fernando Alves


A busca da identidade num mundo de diferenças

Em O Gémeo de Ompanda – e as suas duas almas, Carlos Vale Ferraz convida-nos a fazer uma viagem épica com partida numa pequena localidade do sul de Angola

Com mestria, Carlos Vale Ferraz dá uma vez mais vida a personagens memoráveis em O Gémeo de Ompanda – e as suas duas almas. Um romance indispensável sobre a busca da identidade num mundo de diferenças, que decorre entre Portugal e Angola. O tempo dos missionários laicos portugueses em Angola e a Guerra Civil neste país africano servem de pano de fundo a uma história feita de escolhas. Nela, os protagonistas lutam não só contra os estigmas de duas sociedades, como também contra si próprios.

O livro já se encontra em pré-venda e estará disponível nas livrarias a 25 de agosto.

Conheça a obra nas palavras do próprio autor:



No dia 27 de agosto, a partir das 17:00, o autor vai estar em sessão de autógrafos no Espaço Porto Editora | Bertrand Editora da 92.ª Feira do Livro de Lisboa.

A 20 de setembro, pelas 18:30, na sala de Âmbito Cultural (piso 6) do El Corte Inglés de Lisboa, decorre a sessão de lançamento da obra, com apresentação de Augusto Carmona da Motta e Fernando Alves (TSF).



SOBRE O LIVRO:

O Gémeo de Ompanda – e as suas duas almas

Castor e Pólux, duas das estrelas mais brilhantes do firmamento, gémeos mitológicos que, não conseguindo viver um sem o outro, optaram por repartir a eternidade entre o Céu e o Inferno. Mas nem toda a salvação vem dos céus… Para Atsu, gémeo negro sobrevivo a uma maldição, padecendo do sentimento de culpa por ser o que escapou, surge na figura de um amaldiçoado como ele, seu reflexo branco. Nos céus de Ompanda, terra das avestruzes e pátria dos cuanhamas, entre o sul de Angola e o norte da Namíbia, há momentos em que as estrelas mais brilhantes de Gémeos são visíveis. Nos de São Pedro de Moel, terra de navegantes e pátria dos portugueses, também. Entre Angola e Portugal, as vidas de Aliene (a cuanhama branca), Francisco Boavida (o branco criado por negros) e Atsu (o negro europeizado) – três lados de um triângulo de amor, ainda que não amoroso – vão-nos sendo desvendadas à luz da sua busca pela identidade. Uma demanda pela essência do ser, entre dissemelhanças pessoais e soci! ais, dinheiro e política, que culmina com o regresso a casa, a África.


Título: O Gémeo de Ompanda – e as suas duas almas
Autor: Carlos Vale Ferraz
Páginas: 192
PVP: 16,60€

Ver primeiras páginas


SOBRE O AUTOR:
Carlos Vale Ferraz

Pseudónimo literário de Carlos de Matos Gomes, nasceu a 24 de julho de 1946, em Vila Nova da Barquinha. Foi oficial do Exército, tendo cumprido comissões em Angola, Moçambique e Guiné. Investigador de História Contemporânea de Portugal, publicou como Carlos de Matos Gomes e em coautoria com Aniceto Afonso Guerra Colonial, entre outros. No catálogo da Porto Editora figuram ainda os seus romances A Última Viúva de África, Prémio Literário Fernando Namora 2018, Nó Cego, Que fazer contigo, pá? e Angoche.

____________

Nota do editor

Último poste da série de 8 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23507: Agenda cultural (819): No passado dia 2 de Julho de 2022, foi apresentado, na Casa Pia de Lisboa, o livro "Alfredo Ribeiro – História, Memória, Saudade - O Universo Casapiano", da autoria de Luís Vaz. Alfredo Ribeiro foi Furriel Miliciano na CCAÇ 4150/73 (Albano Costa)

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23515: In Memoriam (446): Gen João Almeida Bruno (1935-2022), que esteve connosco no CTIG, foi comandante da mítica Op Ametista Real, à frente dos seus bravos Comandos da Guiné, e participou depois no 25 de Abril


Lisboa >  2009 >  Da esquerda para a direita, o cor inf 'comando' ref Raul Folques e o ten general 'comando' ref Almeida Bruno (os dois primeiros comandantes do Batalhão de Comandos Africanos da Guiné, e ambos Torre e Espada) e o saudoso grã-tabanqueiro Amadu Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015).

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2015). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




João Almeida Bruno (19935-2022)


1. Mensagem do nosso amigo e camarada Mário Vitorino Gaspar:

Data - 11 ago 2022 9h18

Assunto - Morreu o general Almeida Bruno, capitão de Abril 

Caras Amigas e Caros Amigos

Estive mais uma vez hospitalizado no Hospital das Forças Armadas (HFAR), e tive a companhia, na mesma Enfermaria, do General Almeida Bruno.

Tive Alta a 8 de agosto e o Capitão de abril faleceu a 10.

Paz à sua alma (*)…

Mário Vitorino Gaspar
 

2. Presidente da República evoca General Almeida Bruno

10 de agosto de 2022

O Presidente da República evoca, com respeito, admiração e amizade, o General João de Almeida Bruno, apresentando as suas condolências à Família e ao Exército Português, que serviu com independência, sentido de missão e devoção integral.



3.  Recorte do Diário de Notícia, de  10 ago 2022, às 18h42 (com a devida vénia):

Morreu o general Almeida Bruno, que a PIDE tentou matar a um mês do 25 de abril

(...) Morreu esta quarta-feira o general João de Almeida Bruno, aos 87 anos, no Hospital das Forças Armadas.

Um dos mais condecorados oficiais da Guerra Colonial, participou no Golpe das Caldas, em que se tentou acabar com a Ditadura que vigorava em Portugal, um mês antes da revolução do 25 de abril de 1974. Nessa altura, foi alvo de uma tentativa de homicídio por parte da PIDE.

Almeida Bruno incorporou o Exército em 1952 e serviu as Forças Armadas ao longo de mais de quatro décadas, tendo estado na Guiné-Bissau e em Angola durante a Guerra Colonial e integrado o curso de oficiais da Academia Militar em 1953, ao lado de Loureiro dos Santos, Gabriel Espírito Santo, Ernesto Melo Antunes e Ramalho Eanes.

Após o 25 de abril, o general assumiu o cargo de diretor da Academia Militar. Entre 1994 e 1998, antes de passar à reforma, foi presidente Supremo Tribunal Militar.

Ao longo da carreira foi distinguido com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, com as medalhas de Valor Militar e da Cruz de Guerra, e com a Ordem Militar de Avis, entre outras condecorações. (...)



O comandante da mítica Op Amestista Real 


4. Na sua página do Facebook, escreveu hoje, às 8h53,  o Carlos Matos Gomes (ambos participaram na mítica Op Amestista Real, de que o major Bruno Almeida era o comandante, à frente dos seus bravos Comandos da Guiné):

No falecimento do general Almeida Bruno.

Acima de tudo a tristeza de ver partir um amigo, mas depois a de ver partir um ser excecional de generosidade, de coragem e de afetos, Ficarei com a memória de momentos muito difíceis partilhados e da sua atenção para com os amigos.
 
As Forças Armadas perdem um dos seus melhores. A democracia e a nova posição de Portugal no mundo após o 25 de Abril devem-lhe muito (mais do que é comum ser dito).  Um dia será reconhecido.

Eu perco uma voz e uma presença com quem cada momento era de cumplicidade e de respeito.

Até sempre, comandante. Encontramo-nos em Cumbamory, em Madina, no Estoril, na Amadora, em Caxias, em Brá, no Jóquei, na Colina. Uma bela coincidência, esta, a do nome do último restaurante onde nos encontrávamos.


5. Comentário do editor LG:

Não convivi com o gen (capitão no meu tempo, 1969/71) Almeida Bruno. Era então ajudante de campo do gen Spínola (que, entre as várias alcunhas que tinha, também era conhecido como o "Aponta, Bruno").

Para além das anedotas e dos "faits-divers" (e dos pequenos "desaguisados", das "frases menos felizes", etc.) ficam os homens, os portugueses que honraram Portugal, seja nas armas seja nas artes, nas letras, na ciência, no desporto, na política, etc... O Almeida Bruno já lá estará no "céu dos guerreiros" e no "cantinho dos portugueses"...

Que a família, os amigos do peito e os camaradas mais próximos saibam suportar a dor da sua perda.  
A Tabanca Grande, que representa o blogue dos amigos e camaradas da Guiné, apresenta condolências à família e aos camaradas que com ele combateram ou privaram de mais perto. 

sábado, 18 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23364: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (5): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte IV: Op Ametista Real, de 17 a 21 mai73, destruição da base de Cumbamori, no Senegal


Raúl Folques, com o posto de major foi o último comandante do Batalhão de Comandos Africanos, antes do 25 de Abril de 1974, mais exactamente entre 28 de Julho de 1973 e 30 de Abril de 1974, tendo sido antecedido pelo major Almeida Bruno (2 de Novembro de 1972 a 27 de Julho de 1973), e imediatamente seguido pelo Cap Matos Gomes (1 de Maio a 12 de Junho de 1974). Os dois aparecem aqui na foto, à esquerda, o Matos Gomes, e à direita o Folques.

Foto editada, extraída de Amadu Bailo Djaló - Guineense, comando, português. Lisboa: Associação de Comandos, 2010, p., 240 (com a devida vénia...)

Estes três oficiais, juntamente com o cap paraquedista António Ramos, foram os únicos europeus a participar, com os militares do Batalhão de Comandos Africanos, e o Grupo do Marcelino da Mata, na célebre Op Ametista Real, de assalto à base do PAIGC em Cumbamori, no Senegal, em 19 de Maio de 1973, e cujo sucesso permitiu aliviar a pressão sobre Guidaje. Nessa dramática operação, o major Folques foi ferido. Os números oficiosos apontam para 9 mortes, 11 feridos graves e 23 ligeiros, entre as nossas força.




Lisboa >  2009 >  Da esquerda para a direita, o cor inf 'comando' ref Raul Folques e o ten gen 'comando' ref Almeida Bruno (os dois primeiros comandantes do Batalhão de Comandos Africanos da Guiné) e o saudoso grã-tabanqueiro Amadu Jaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015).

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2015). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

O Amadu Jaló tem onze páginas (pp. 248-258), no seu livro "Comando, Guineense, Português" (edição da Associação dos Comandos, 2010), de grande intensidade dramática, sobre a Op Ametista Real, e nomeadamente sobre a retirada dos comandos africanos até Guidaje e depois até Bigene, com o Raul Folques ferido e amparado pelos seus soldados.



1. Guidaje, Guileje e Gadamael, os famosos 3 G... Daqui a  um ano, em 2023, a "batalha dos 3 G" vai fazer meio centenário...

Será que já está tudo dito, escrito e lido sobre os 3 G ?  Não, ainda há muito coisa para dizer, ler, ouvir e aprender, sobretudo aqueles de nós que não viveram na pele as agruras daqueles longos, trágicos mas também heróicos dias de maio e junho de 1973... Dias que não se podem resumir à contabilidade (seca) das munições gastas ou das baixas de um lado e do outro (e foram muitas, as baixas, as perdas).

Nestes dia que correm de fim de primavera, em que passam 49 anos sobre a Op Amílcar Cabral, em que o PAIGC jogou forte (em termos de meios humanos e materiais mobilizados) contra as posições fronteiriças de Guidaje (no Norte) e Guileje e Gadamael (no Sul), pareceu-nos oportuno repescar alguns postes e comentários que andam por aí perdidos... E publicar novas histórias ou informção de sinpose dos aconteimentos.

Daí esta série "Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra?"...

Felizmente que ainda temos muitos camaradas vivos, que podem falar "de cátedra! sobre os 3 G, Guidaje, Guileje e Gadamael... Outros, entretanto, já não estão cá, que "da lei da morte já se foram libertando"... Do lado do PAIGC, por seu turno, é cada vez mais difícil poder-se contar com testemunhos, orais ou escritos, sobre os acontecimentos de então.

Damos continuação à publicação de um excerto da CECA (2015) sobre estes acontecimentos (*).


CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 2. Nossas Tropas >

 2. 2. Operação Ametista Real - 17 a 21Mai73


(...) A partir da segunda semana de Maio de 1973 a situação na área de Guidaje foi-se agravando, quer pelas flagelações inimigas ao aquartelamento, quer pelos ataques lN às colunas de reabastecimentos vindas de Farim.

Houve a notícia de movimentações de tropas do PAIGC junto à fronteiran com a República do Senegal e existiram dificuldades em evacuar os feridos em combate devido às limitações de emprego dos meios aéreos.

Estes factos levaram o Cmdt-Chefe a decidir avançar com uma operação de grande alcance para conter as forças do PAIGC que atacavam Guidaje e abrandar a tensão sobre este aquartelamento a fim de possibilitar o reabastecimento da guarnição militar e a evacuação dos feridos.

A missão de executar a operação foi atribuída ao Batalhão de Comandos da Guiné.

Transcreve-se o relatório da operação elaborado pelo Cmdt do BCmds em 25Mai73. Estão omitidos os Anexos A, B, C e D.

Relatório da Operação "Ametista Real"

Realizada de 17 a 21Mai73 na Região de Guidaje - Bigene - Binta. Referência: Folhas da Carta de Guiné: Guidaje - Bigene - Binta. Escala 1/50.000

1 - Situação

a. Forças Inimigas

- O mencionado na ordem de Operações "Ametista Real"

b. Forças Amigas

- COP 3 Bigene; Guidage. | COP 2 Binta | BA 12 6 aviões "G-91", alerta em Bissau.

2 -Missão

Aniquilar ou, no mínimo desarticular os elementos ln na região compreendida ntre Guidaje e Bigene.

3 - Forças Executadas

a. Comando: Cmdt/Oper - Maj Cav, "Comando" João de Almeida Bruno.

b. Composição e Articulação de Forças

- Agr Centauro (3ª CCmds a 6 Gr Cmds) | Comandante Cap Inf"Comando" Raul Folques.

- Agr Bombox (2ª CCmds a 6 Gr Cmds) | Comandante Cap Cav "Comando" Matos Gomes.

- Agr Romeu (1ª CCmds a 6 Gr Cmds + 1 Gr COE) | Comandante Cap Para António Ramos.

c. Meios:  13 CCmds; 2ª CCmds; 3ª CCmds; 1 Gr COE; 4 helis ALL III - TEVS; 2 helis ALL III - armados; 6 aviões G-91 - ATIP e ATAP (alerta em Bissau); 4 aviões DO-27 - DCON.

d. Alterações à Orgânica Regulamentar - Nada.

4 - Planos estabelecidos para a Acção

Foram estabelecidos contactos pessoais com a REPOPER, REPINFO, COAT/BA 12 CMDDEFMAR.

5 - Desenrolar da Acção

Dia 17Mai73:  18h00- Saída de Bissau para Bigene em LDG.

Dia 18Mai73: 23H50 - Saída de Bigene para a base de ataque.

Dia 19Mai73

06h20 - Chegada à base de ataque.

08h20 - Início do bombardeamento da FAP e exploração da zona de objectivos.

09h05 - Estabelecido o primeiro contacto com o lN.

14h10 - Estabelecido o último contacto com o lN. ln estimado em 500/600 elementos armados, com apoio de mort 82 mm, canhões s/recuo e foguetões.

14h30 - Início da progressão para a base de recolha.

18h20 - Chegada a Guidaje.

Dia 20Mai73

08h30 - Saída para Binta.

19h30 - Chegada a Binta.

Dia 21Mai73

07h30 - Saída de Binta para Bissau.

16h00- Chegada a Bissau.

6 - Resultados obtidos

(1) Obtidos pelas NT sobre o lN

a. Baixas causadas ao ln

- Mortos (confirmados) 67.

- A FAP deve ter provocado com os seus bombardeamentos elevadas baixas ao lN que se estimam, dado o facto de o último bigrupo lN referenciado ser de efectivo de cerca de 150 elementos, entre 100 a 150 elementos.

b. Material destruído e capturado:

Material destruído

- Depósito de Material 16

- Paiois (bombardeados pela FAP) 6

- Mort AA (bombardeados pela FAP) 2

- Munições de armas ligeiras 50 mil

- Esp aut Kalashnikov 300

- Pist metr PPSH 112

- Gra mão 560

-Minas A/C  505

- Minas A/P  400

- Metr Lig  Degtyarev 100

- Mort 82 mm 11

- Canhão s/r  14

- LGFog RPG-7 138

- LGFog RPG-2 450

- Gran Canhão s/r  1.100

- Gran mort 60 mm 225

- Gran mort 82 mm 406

- Gran LGFog  RPG-7 54

- Rampas de foguetões 122 mm 21

- Foguetões de 122 mm 53

Estes números são estimados, embora tenha havido o cuidado de, tanto quanto possível, contar o material destruído.

Os paióis destruídos pelos bombardeamentos da FAP devem triplicar o material destruído mas não é possível estimar nem o seu volume nem a sua natureza, embora se pense que seriam na sua grande maioria munições de morteiro e de canhão s/r, dados os violentos rebentamentos que provocaram.

c. Material capturado

- Anexo B

d. Documentos

- Nada

e. Objectivos lN destruídos

A FAP e as FT devem ter destruído quase na totalidade a organização militar lN sediada na Zona. No entanto julga-se que o lN ainda ficou com algumas instalações que não poderam ser
referenciados na altura.

(2) Baixas causadas às NT pelo lN

a. Pessoal

- Anexo C

b. Material

- Anexo A

(3) Baixas sofridas pelas NT por outras causas.

a. Pessoal

- Nada.

b. Material

- Anexo A

(4) Munições consumidas

- Anexo A

7 - Serviços

- Ração de reserva para 4 dias | Água para 4 dias.

8 - Apoios

O COATIBA 12 apoiou a Operação em ATAP e ATIP com aviões G-91

9 - Ensinamentos colhidos

a. Referentes ao lN

- Revelou-se muito forte e organizado, defendendo a todo o custo as suas posições.

- Além de enquadramento cubano (?), foram referenciados 4 elementos da Mauritânia (3 mortos e 1 ferido que veio a morrer posteriormente).

b. Referentes às NT

- Necessidade de armas de apoio (mort 81 mm e canh s/r  5,7 cm).

10 - Diversos

a. Citações

- Anexo D.

ANEXOS

A - Mat das NT extraviado, danificado e consumido.

B - Mat capturado ao lN.

C - Baixas sofridas pelas NT.

D - Citações [... ]"

Execução"

"As forças do batalhão de comandos saíram em 17 de Maio de Bissau numa LDG, apoiadas por duas LFG, e desembarcaram em Ganturé nessa tarde. 

Depois de briefing em Bigene, saíram pelas 23h50 para norte, pela seguinte ordem: agrupamentos Bombox, Centauro e Romeu.

Pelas 05h30 de 19 de Maio, a testa da coluna alcançou o itinerário que apoiava a base de Cumbamori, objectivo principal da operação. O agrupamento Bombox passou para norte da estrada, o agrupamento Centauro ocupou posições a sul e o agrupamento Romeu instalou-se à retaguarda, numa pequena povoação.

Às 08h20 iniciou-se o ataque aéreo com aviões Fiat G-91, que destruíram os paióis da base, tendo as munições explodido durante algum tempo.

Às 09h05, o Agrupamento Bombox executou o assalto inicial, provocando o primeiro contacto com as forças do PAIGC. Estes combates desenrolaram-se até às 14h10, quando o comandante da operação deu ordem para o Agrupamento Centauro apoiar uma ruptura de contacto entre as suas forças e as do PAIGC.

Foi uma operação de grande dificuldade, porque os combatentes de um e de outro lado se encontravam muito próximos. O comandante do Agrupamento Centauro  [Raul Folques]
 ferido, mas conseguiu realizar essa separação [... ]. 

Às 14h30 o batalhão de comandos iniciou o movimento para a base de recolha e às 18h20 os seus primeiros elementos chegaram a Guidaje. 

Em 20 de Maio, o mesmo batalhão saiu de Guidaje para Binta, a pé, deixando ali os seus feridos e os militares que não se encontravam em condições de prosseguir a marcha. Em Binta, embarcou numa LDG de regresso a Bissau".

[Nota: Aniceto e Gomes, Carlos de Matos, "Guerra Colonial" ... pp. 506-507. ]

(Continua)


Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo ads Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 313/319. (Com a devida vénia...)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos e itálicos, pata efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

______________

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22740: Notas de leitura (1394): "Madrinhas de guerra, A correspondência dos soldados portugueses durante a Guerra do Ultramar", de Marta Martins Silva, prefácio de Carlos de Matos Gomes; Edições Desassossego, 2020 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,

É uma terna surpresa, esta investigação de Marta Martins da Silva, uma viagem circundante pelas guerras do Império, as madrinhas de guerra vinham procurar aplacar a solidão daqueles jovens que procuravam amarras na comunicação com o mundo de onde provinham, alguém fora dos contatos estabelecidos pelos vínculos familiares ou um quadro afetivo de onde se sabia de antemão que vinham abraços de coragem, família e amigos situavam uma atmosfera de identidade, as madrinhas de guerra era outra coisa, propiciavam oportunidade de abrir portas a um mundo desconhecido, quem escrevia ignorava a vida do outro e numa espiral podia crescer a intimidade, a madrinha enviava dados da sua vida e prometia companhia a quem combatia lá longe. 

Marta Martins da Silva vai ao passado da I Guerra Mundial, exatamente como faz agora com livro recém-publicado e intitulado Cartas de Amor e de Dor, recordações íntimas e poderosas do Ultramar, Edições Saída de Emergência, 2021, de que mais tarde falaremos. Posso estar equivocado, mas não há relato tão belo sobre o desempenho destas mulheres anónimas como este livro que se revela um verdadeiro prodígio de História Oral.

Um abraço do
Mário



A madrinha de guerra sabe que é importante distrair o seu afilhado

Mário Beja Santos

"Madrinhas de guerra, A correspondência dos soldados portugueses durante a Guerra do Ultramar", de Marta Martins Silva, prefácio de Carlos de Matos Gomes, Edições Desassossego, 2020, é um livro surpreendente, pela inovação da pesquisa, pela abrangência do tratamento da temática, pelas questões sociológicas que ousa levantar. E Carlos de Matos Gomes abre as hostilidades com um magnífico prefácio:

“É uma obra sobre as estratégias pessoais dos jovens portugueses feitos soldados para preservarem a corrente que os liga à origem, para resistirem às várias mortes, a física e a emocional. As madrinhas de guerra constituíram uma das amarras que permitiram ao mobilizado continuar a fazer parte da sua comunidade, enquanto ser social (…)

A correspondência trocada entre os militares portugueses e as suas madrinhas de guerra revela que aquela não era uma guerra que pudesse ser ganha por aqueles soldados. As primeiras cartas falam do cumprimento de um dever, de um tributo a pagar, mas, logo de seguida, do regresso, do vazio da missão que cumprem. Não se vislumbra nenhum sentimento de orgulho por estarem os militares mobilizados a contribuir para uma vitória ou para uma grande causa. As cartas manifestam, isso sim, preocupações com a sobrevivência, com o desejo que o tempo passe sem deixar grandes marcas (…) 

Da leitura das cartas subentendemos que a guerra também foi o pretexto para procurar uma companhia, um destino, um futuro. Umas vezes o resultado foi feliz, noutras nem tanto. Em muitos casos, os correspondentes e as madrinhas perderam o rasto um dos outros. Quando as promessas trocadas nos aerogramas não se concretizavam na chegada dos militares à metrópole, muitas madrinhas e muitos dos mobilizados acabaram por queimá-los e a outras recordações da guerra, como um adeus ao passado. Marta Martins Silva reconstrói com emoção parte dele”.

A primeira surpresa que a autora nos proporciona é falar-nos de um livro de um pioneiro da arqueologia, Coronel Afonso do Paço que escreveu o livro "Cartas às madrinhas de guerra", com data de 1929, e nos fala da guerra das trincheiras. E temos a história de um grupo de mulheres que incentivou esta forma de comunicação, os extratos que a autora nos oferece dão conta da evolução do estado de espírito do combatente Afonso do Paço, basta o extrato de uma carta de fevereiro de 1918:

“Se a madrinha soubesse o quanto nós sofremos nesta vida de trincheira!? Se pudesse imaginá-lo!? Diria que era uma vida inteira votada à dor e ao sofrimento, porque só de dor e sofrimento é feita a nossa vida na trincheira. Sofre-se de metralha que nos corta as carnes em paroxismo de dor. Sofre-se de gases que nos queimam o corpo, que secam as goelas, fazem espirrar como cabritos ou chorar como Madalenas. Sofre-se de frio, os pés na lama, a roupa pegada ao corpo, as articulações emperradas de reumatismo. Sofre-se de piolhos que nos roem a pele. Sofre-se na terra de ninguém rastejando sobre a lama ou cadáveres em putrefação”.

E daqui partimos para os aerogramas, em Jumbembém Manuel de Sousa vai contando o seu fadário, e vem logo a propósito conhecer a popularidade do chamado bate-estradas, grátis para um militar, a preço insignificante para as famílias, envolveu o Movimento Nacional Feminino (MNF), o Serviço Postal Militar, a TAP, os transportes marítimos. 

A dirigente do MNF, Cecília Supico Pinto, define a competência da madrinha: escreve ao afilhado pelo menos todas as semanas, procura ser sempre agradável, versando os assuntos que mais possam interessá-lo, escreve para o distrair. Porque, como nos recordou Carlos Matos Gomes, quem partiu para aqueles teatros de guerra a tudo quer resistir quando sentiu que quebrava uma ligação ao que lhe era matricial à sua terra, à sua família, à sua comunidade, aos seus projetos de vida. E a autora desenvolve habilmente a origem e o sucesso deste meio de comunicação, dá-nos o essencial do que foi o papel do MNF, como se chegava à madrinha de guerra, muitas vezes era graças às revistas mais populares da época, caso da Crónica Feminina, talvez o maior sucesso de todos os tempos em Portugal de uma revista de entretenimento. Um meio que permitiu enredos, aproximações que levaram à descoberta do amor ou que respeitaram à mera formalidade da ajuda que era pedida para distrair um militar.

E temos uma correspondência que permite conhecer o perfil de quem escreve, como vive, do que gosta, como ocupa o tempo, como trabalha. O militar responde, começa então respeitoso e vai-se desprendendo, pergunta se há namorado na costa, pede fotografia, umas vezes é comedido a descrever os horrores da guerra, outras vezes não tanto, trabalha na padaria, na manutenção de viaturas ou na secretaria, e não quer dar parte de fraco. 

Essa riqueza epistolar é-nos dada pela autora através de uma transcrição muito bem escolhida que intitula “Amor em tempo de guerra”, no fundo o triunfo dos aerogramas, tudo vai acabar bem, no altar ou na conservatória, com o copo-de-água possível. O primeiro contacto é sempre tocante, caso de Mário Silva para a menina Rosa Maria:

“Menina, você dizia-me que gostava de saber de onde eu era, pois eu sou de aí de perto, tão perto que pertenço à mesma freguesia. Sou natural de Vilarinho, mas já vivo fora da terra natal há 10 anos, estando os últimos anos como padeiro em Lisboa. Menina, quando me escrever, não se importava de me mandar dizer se é natural de Cacia e ao mesmo tempo agradecia que me trates por tu. Se por acaso a menina não se importasse podíamos escrever como madrinha e afilhado? Agradeço uma vez mais a atenção dispensada".

Nem todos os casamentos irão ocorrer pouco depois da chegada do jovem, a autora deixa-nos para o fim um amor de longa espera entre Maria do Céu Cadima e Fernando Paredes. A Maria do Céu nunca deu ao Fernando qualquer sinal de que queria ser mais do que a sua madrinha de guerra, nunca se ultrapassava a linha da amizade, o Fernando queria mais. A vida trocou-lhes as voltas, Fernando casou com Maria Olinda, sem nunca deixar de pensar na sua Céu. A mulher de Fernando adoeceu e morrer em 2010, pouco depois Fernando também adoeceu com linfoma nos ossos, chegou a ir viver para um lar, onde contava a sua antiga história de amor, os moradores, comovidos, encorajaram-no a encontrar-se com a amada. E como no romance de Gabriel García Márquez, "O Amor nos Tempos de Cólera", cinquenta anos depois, Fernando plantou-se à porta da Céu, ela disse que não mas aceitou reatar a amizade. O resto merece ser transcrito:

“Casaram a 13 de maio de 2015 pelo civil e a 1 de agosto passaram a morar os dois em Alfarelos, a terra do noivo. O casamento pela igreja fez-se a 7 de novembro, na Igreja de S. Martinho, em Montemor-O-Velho, a terra da noiva. A cerimónia teve guarda de honra dos Bombeiros Voluntários. Mas a felicidade que tardou a chegar para o casal não ficou durante muito tempo e por isso Céu não pôde ajudar Fernando a contar esta história, a história de um amor que venceu passado 50 anos com uma guerra pelo meio e muitas adversidades. ‘Só estivemos juntos um ano e meio, a Céu teve uma pneumonia e como tinha as defesas em baixo não resistiu a uma bactéria hospitalar. Foi um golpe duro depois de tanto lutarmos por este amor’, conta Fernando comovido. Céu, a fininha de voz doce que lhe disse naquele primeiro baile que não sabia dançar, morreu no dia 8 de janeiro de 2016. ‘Céu, eu nunca te vou esquecer’."

E com este ponto culminante finda um itinerário que é mar ignoto para as novas gerações, tudo parece inacreditável ter havido mulheres que escreviam a um desconhecido, por sugestão do Movimento Nacional Feminino, dando alento e por vezes lugar a declarações apaixonadas, algumas que chegaram ao altar.

É uma dádiva maravilhosa, a de Marta Martins Silva, pôr estas mulheres esquecidas em cena pela voz das próprias, acabaram por ser protagonistas de uma guerra que seguramente nada lhes dizia, cumpriram o seu dever e até por vezes encontraram amor para toda a vida.

____________

Nota do editor

Último poste da série de 15 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22721: Notas de leitura (1393): "História da África Contemporânea, da Segunda Guerra Mundial aos nossos dias", por Marianne Cornevin, I Volume; Edições Sociais, 1979 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22588: (Ex)citações (393): Estas teses elaboradas sem reflexão e apreciadas por ignorantes, obrigam-me a vir ajudar a clarificar o que respeita aos militares dos Comandos (Cor Art Ref Morais da Silva)


1. Mensagem do Cor Art Ref António Carlos Morais da Silva, (Instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, Adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972), enviada hoje mesmo ao nosso Blogue:

Agradeço a publicação do meu comentário ao texto do Beja Santos porque excede o nº de caracteres autorizado.[*]

Abraço
Morais Silva




Estas teses elaboradas sem reflexão e apreciadas por ignorantes obrigam-me a vir ajudar a clarificar o que respeita aos militares dos Comandos.

Transcrevo pois os depoimentos do TenGen Sousa Pinto e do Cor Matos Gomes que não deixam dúvidas aliás há muito mais tempo esclarecidas pelo então 2º Cmdt do BatCmds/Guiné o hoje Coronel Glória Alves.



TRANSCRIÇÂO:

Título: Pronunciamento Militar do 25 de Abril de 1974

Sub Título: V Conferência do Núcleo Impulsionador das Conferências da Cooperativa Militar (NICCM)

Editor: NICCM

Coordenação e Revisão: Coronel António Carlos Morais da Silva | Transcrição de texto e Imagens: Ana Teresa Oliveira Marques | Design da capa: Coronel Sérgio Parreira de Campos

Impressão e Acabamento: ACD PRINT, S.A. Tiragem: 300 ex.

Depósito Legal: 375023/14 ISBN: 978-989-20-4761-4

Debate no final do Painel IV


Tenente-general Sousa Pinto


Sou o General Sousa Pinto, e atendendo a que o meu General (Mateus da Silva) e o Matos Gomes saíram de Bissau relativamente cedo, em relação à permanência em que Portugal ainda esteve em Bissau, eu gostaria de transmitir aqui testemunhos que me parece poderem ajudar a perceber como é que as coisas… como é que a transição correu na Guiné. A primeira questão é que, logo a partir do Verão em Junho ou Julho, agora não me lembro, o Matos Gomes falou nisso, um delegado do PAIGC, passou a estar em Bissau e a partir daí começaram a chegar elementos do PAIGC a Bissau. Eu era o Comandante da Segurança de Bissau, uma vez que a Polícia de Segurança Pública não tinha… perdeu toda a sua eficácia e eu comandava a Polícia Militar que foi reforçada. Demos instrução a um Batalhão de Cavalaria que entretanto tinha vindo para Bissau, de maneira que tinha bastante Polícia Militar sob o meu Comando. 

E entretanto chegou a Bissau o “Gazela”, o Comandante de uma das frentes, nomeado como Comandante da Segurança pelo PAIGC, portanto a partir de Julho e até Outubro, diariamente havia patrulhas mistas, entre a Polícia Militar e elementos do PAIGC que patrulhavam… Todas as manhãs eu reunia-me com o dito Gazela e combinávamos como é que esse dia ia correr, nunca houve o mais pequeno problema, nem com militares nem com civis. 

Um segundo testemunho que eu gostaria de dar, tem a ver com o seguinte, que em muita literatura que se tem publicado, está profundamente alterado. Foram postos à disposição dos comandos africanos os meios aéreos necessários para os transportar para Portugal, a eles e às famílias. Inscreveram-se para vir para Portugal cerca de trezentos elementos, não havia trezentos comandos africanos mas contando com as famílias…

Eu não me lembro do número, mas contando com as famílias eram trezentos e muitos. Foram reservados lugares para toda essa gente vir. É o comando africano, Capitão Sayegh, que sendo parente de alguns elementos do PAIGC se reuniu com eles no Senegal, e eles o convenceram que iriam fazer daqueles comandos africanos, a tropa de elite do PAIGC. E é o Sayegh que convence todos aqueles que já estavam inscritos a não virem. Eu assisti ao Governador Fabião a querer convencer o Sayegh que ele estava doido, ele que não impedisse quem quisesse vir, porque senão aquilo podia dar para o torto e as promessas podiam não vir a ser cumpridas. Todos eles desistiram, como se sabe vieram para Portugal aqueles que não tinham dúvidas, o Marcelino da Mata e mais três ou quatro, mas não é verdade que Portugal tenha tido qualquer coisa a ver com o facto de que eles não tenham vindo. Não vieram porque não quiseram e esse testemunho parece-me que também é importante porque há muito boa gente que pensa que as coisas não são bem assim. 

A terceira questão que eu queria testemunhar aqui que julgo que também não é do conhecimento geral, é o seguinte: Houve os acordos, houve os anexos, mas depois houve questões de pormenor que foram combinadas lá. Quando começamos a recolher as forças para Bissau, como sabem, a maior parte conhece a Guiné mas aqueles que não conhecem, Bissau por causa dos rios, era uma ilha, uma ilha grande mas era uma ilha. Não esquecer que as últimas Forças Armadas, que regressaram à metrópole, regressaram em Outubro, não me lembro agora a data mas na primeira quinzena de Outubro, 7, 8 ou 9 de Outubro (intervenções assistência). A independência tinha sido reconhecida, tinha havido cerimónias públicas com convites aos estrangeiros e tudo, a independência foi marcada para o dia em que fazia um ano da independência unilateral, portanto 17 de Setembro se não me engano (emenda da assistência) como? 24 de Setembro, portanto a Guiné já era independente, formalmente reconhecida por Portugal como independente e na ilha de Bissau ficou acordado com as forças do PAIGC, em acordo privado, digamos assim, acordo particular mas que foi cumprido, em que a Bandeira Portuguesa só seria arreada no dia em que partissem as últimas forças. Portanto a Guiné Bissau já era independente, reconhecida internacionalmente e reconhecida por Portugal e na ilha de Bissau, o Presidente da Câmara por exemplo, que já era um homem do PAIGC, a quem o Presidente da Câmara Português tinha entregue o poder no dia 24 ou até parece-me, uns dias antes da independência, mas a bandeira que estava na Câmara de Bissau continuava a ser a portuguesa até ao dia do embarque das últimas forças. Julgo que isto é pouco conhecido das pessoas e julgo que dá uma ideia de que as coisas não correram como às vezes as pintam. Era este o testemunho que eu queria dar.

********************

Coronel Matos Gomes

Ainda relativamente aos Comandos Africanos, a questão que o General Sousa Pinto colocou é exactamente assim, logo a partir de Maio, há elementos do Batalhão de Comandos Africanos que começam a ter ligações e contactos com elementos do PAIGC. É interessante também dizer que, e isto foi uma experiência que eu penso que é única no mundo, nunca houve um fenómeno de africanização da guerra tão intenso quanto se fez na Guiné e não há nenhuma Unidade parecida, nem nos Estados Unidos no Vietnam, nem nos franceses na Argélia, como aquele Batalhão de Comandos que combateu no estrangeiro várias vezes, com muito poucos quadros portugueses, três ou quatro, em situações de grande isolamento e sabendo nós, e sabíamos, que no Batalhão de Comandos Africanos havia muitos elementos com ligações fortíssimas ao PAIGC. No caso do Capitão Sayegh, ele tinha um irmão que era do PAIGC e a mulher também era. Um dos irmãos dele é actualmente professor numa universidade que existe em Bissau. O Alfredo Sisseco, era primo do Nino Vieira, o Sayegh era primo do Luís de Almeida Cabral, que depois foi Ministro. Portanto houve esse mecanismo e a crença, como aliás eu referi há pouco, em que todos nós estávamos convencidos que estes elementos se iam integrar na nova ordem. Houve sempre a intenção, num outro aspecto das negociações, que era, não foram negociados documentos, nem assinados documentos formais para definir o futuro desses militares. Esses documentos formais a partir do momento em que a Guiné fosse independente não tinham nenhum valor. O outro aspecto é que, se eu incluir a Carta dos Direitos do Homem, como aliás está praticamente incluída na Constituição da Guiné Bissau, não é isso que tem evitado esta série continuada, de quase de dois em dois anos, de golpes de Estado e de violência, portanto não são os documentos que fazem essas alterações. O que há ali, foi um pouco aquilo que eu referi desta teia de enganos, de má avaliação e que deu este resultado.
[...]

____________

Notas do editor

[*] - Vd. poste de 30 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22584: Recortes de imprensa (119): Reacção de Mário Beja Santos ao artigo do "Diário de Notícias", de 29 de Setembro de 2021, "Comandos africanos nas Forças Armadas Portuguesas. Histórias de abandono e traição"

Último poste da série de 16 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22548: (Ex)citações (392): Vamos lá pôr os pontos nos iii... “Exageros de Marcelino da Mata?“ (Carlos Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879)