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terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3638: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (3): Jan 73: Com o Cherno Rachide, em Aldeia Formosa

1. Mensagem do Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã (Cumbijã, 1972/74) (*):

Camaradas e Amigos,

Após a minha leitura diária no nosso Blogue e quando há tempo e alguma dificuldade em escrever, exactamente o que nesta fase da história da Companhia me está a acontecer , busco em postes antigos, tudo o que tenha a ver com a passagem pela Guiné dos Tigres do Cumbijã.

Hoje li um poste do camarada Antero Santos sobre o chefe religioso Cherno Rachide (**), bem como um comentário sobre o mesmo, do nosso camarada L.G. (**)

A minha participação de hoje é mais de índole fotográfica. Vou enviar quatro fotos do arquivo da patroa e transcrever o que nelas escrevi em Janeiro de 1973. Por favor, se for caso disso corrijam algum lapso.

Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 1. "A população na sua maior parte constituída por homens grandes (velhos ) segue a missa (leitura do Alcorão) pelo Cherno Rachide. Todos estão descalços e sentados em esteiras ou panos. Os fatos que envergam não os usam habitualmente, mas só em dias festivos como o Ramadã ou a Festa do Carneiro que para eles significa o início de um Novo Ano".

Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 2. "Depois da degola do carneiro. O Cherno é o que tem a faca na mão. À sua esquerda está um dos filhos".

Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 3. "Festa Fula da matança do carneiro. A figura central é o chefe religioso Cherno Rachide, que neste preciso momento acabou de sacrificar o carneiro depois de ter rezado missa". [O periquito do Cap Mil Vasco da Gama, por detrás do Cherno Rachide, não perde pitada da cerimónia]

Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (***) > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 4. "Festa do carneiro, Janeiro de 1973". [O Cap Mil Vasco da Gama segue atrás do Cherno Rachide.]

Um abraço para todos

Vasco da Gama

PS - L.G., o teu comentário merece a minha total concordância, e se não fossemos exagerados/revoltados aos vinte e poucos anos na Guiné, mal de nós. Acrescento apenas que as ofertas em dinheiro e em ouro e não digo mais, também são prática no nosso burgo...

Fotos (e legendas): © Vasco da Gama (2008). Direitos reservados

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

7 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3581: A História dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (1): Apresentação e Chegada a Bissau

15 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3624: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (2): Natal de 1972 em Aldeia Formosa

(**) Poste de 18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)


Vd. também os seguintes postes:

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)
(...) "Cheguei à Guiné em 23 de Março de 1972 e fiz parte de CCAÇ 3566 - Os Metralhas [a mesma unidade a que pertenceu o Xico Allen]; a partir de 4 de Janeiro de 1973 e até ao fim da comissão passei a fazer parte da Companhia Africana CCAÇ 18 - Aldeia Formosa (Quebo para os africanos), tendo regressado [ à Metrópole] em 24 de Junho de 1974.
"De momento pretendo somente acrescentar uma nota acerca do chefe religioso Cherno Rachide que também conheci pessoalmente: faleceu em 1973 (dentro de dias informo a data exacta) durante o período em que estive em Aldeia Formosa.
"Na realidade o poder deste chefe religioso era enorme: a guerra parou para que um conjunto de autoridades religiosas dos países vizinhos se deslocasse a Aldeia Formosa para participar no seu funeral.
"Antero Santos, ex-furriel miliciano" (...)
4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).
(...) "Tive hoje, aliás, a oportunidade de conhecer pessoalmente o Cherno Rachid e constatar o seu carisma e o poder de atracção que ele exerce sobre os africanos islamizados. Esteve vários dias em Bambadinca, de visita ao chão fula. Com avioneta ou helicóptero, às ordens, claro!
"Sentado numa esteira, de pernas trançadas, recebia nos seus aposentos privativos os fiéis que, descalços como na mesquita, o iam cumprimentar, trazendo-lhe presentes, sobretudo em dinheiro (às vezes mesmo somas importantes!) em troca duma oração, dum conselho ou dum objecto cabalístico" (...).

Sobre as possíveis ligações do Cherno Rachide ao PAIGC, vd. os postes de:

27 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3361: PAIGC - Docs (2): O grande marabu Cherno Rachide, de Aldeia Formosa: um agente duplo ? (Luís Graça)

28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3374: Controvérsias (8): Cherno Rachide Djaló: um agente duplo ? ( José Teixeira / Manuel Amaro / Torcato Mendonça)
(***) A Região de Tombali fica situada no Sul da Guiné-Bissau, fazendo fronteira com as Regiões de Bafatá, Bolama/Bijagós, Gabú, e Quínara. Tem uma superfície de 3.736 Km2, e uma população de c. 90 mil habitantes. Os sectores que compõem a Região de Tombali são:
Bedanda; Catió; Komo; Quebo; Quitafine. (Fonte: PAIGC)

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3374: Controvérsias (8): Cherno Rachide Djaló: um agente duplo ? ( José Teixeira / Manuel Amaro / Torcato Mendonça)

Guiné > s/d > Bilhete Postal > 11- Raça Maometana (sic). Trajos Típicos [da] Guiné. Edição Foto Iris, Bissau, Guiné, Portugal. Impresso em Portugal [...] Lisboa. Reprodução proibida.
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.

Um observação, mais uma vez, por parte do editor do blogue, para não se deixar passar, impunemente, uma crassa asneira que pode ser atribuída, no mínimo, a ligeireza ou a santa ignorância e, no máximo, a racismo encapotado, a incultura geral, a apressada exploração comercial, por parte do editor deste postal, a Foto Iris, do exotismo da Guiné - aos olhos dos tugas que chegavam, aos milhares, nos T/T Niassa, Uíge, Alfredo da Silva, Ana Mafalda... (Tratava-se, aliás, de um negócio altamente lucrativo, dada a procura dos postais ilustrados).

Primeiro, não há uma 'raça maoematana' (!!!). Aliás, não existe o conceito (antropológico) de raça aplicado aos seres humanos. Só há uma raça (ou melhor: uma espécie), a do Homo Sapiens Sapiens... Os grupos humanos distinguem-se sobretudo pela cultura (etnia, língua, apropriação do espaço, usos e costumes, produção, religião...), embora haja diferenças a nível do fenótipo (por exemplo, a cor da pele).

Por outro lado, não havendo mais do que uma raça (o que remete para o genótipo e não para o fenótipo), também não poderá existir um raça...maometana. Tal como não existe uma raça... cristã. Maomé e Cristo são apenas fundadores de religiões, o islamismo e o cristianismo. Há cristãos e muçulmanos... "brancos, pretos e amarelos"!

Na Guiné-Bissau, o que havia (e há) são diferentes grupos étnico-linguísticoss, alguns dos quais islamizados, como os fulas, os mandingas e os biafadas, que tendiam (tendem) a adoptar o vestuário árabe, de resto generalizado entre as populações norte-africanas e sub-saharianas, porque muito mais apropriado ao clima, e mais confortável e saudável, do que o vestuário ocidental.

Por razões de aliança histórica e estratégica, as autoridades portugueses, sob o governo de Spínola (1968-1973), deram um tratamento especial às autoridades tradicionais locais, políticas e religiosas, ligadas aos grupos islamizados e, em especial, aos fulas que habitavam maioritariamente na Zona Leste (concelhos de Bafatá e Nova Lamego) . O Cherno Rachide Djaló, futa-fula, que vivia em Aldeia Formosa e que já morreu, era naquele tempo a autoridade máxima religiosa do Islão na então província portuguesa da Guiné.

Sobre o Islão e a Guiné Portuguesa, vd. o texto, em linha, de Francisco Proença de Garcia > Os movimentos independentistas, o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974) (LG).


Comentários ao poste de ontem, sobre o Cherno Rachide, de Aldeia Formosa (Quebo) (*):


Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > CCAÇ 2381 (1968/70) > O Maioral Zé Teixeira, 1º cabo enfermeiro, junto ao obus 14 que batia a zona fronteiriça...

Fotos: © José Teixeira (2006). Direitos reservados.

1.José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70)

Sobre o Cherno Rachide, sempre o tive como agente duplo. Recordo que o então Major Carlos Azeredo em 1968, todos os dias o ia visitar, quando ele estava em Quebo. Um dia chegou ao refeitório e deu ordens para irmos todos para a paliçada as 17.30 h. Precisamente a essa hora começou um ataque de armas pesadas. Só que as granadas rebentaram todas para além da pista, exactamente o lado oposto da população.

Comentava-se que era para evitar que o Cherno corresse riscos de vida. Dizia-se por lá que o comandante de zona do PAIGC era sobrinho do Cherno e por isso Quebo estava bem protegido. De facto ali à volta toda a gente sofria ataques e Quebo apreciava à distância ou enviava granadas de obuz 14 mm para a tabanca atacada, como aconteceu com Mampatá e Chamarra.

2. Manuel Amaro (ex-Fur Mil Enf, CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71)

Meu Caro Luís Graça,

Eu conheci pessoalmente o Cherno Rachide Djaló, chefe dos muçulmanos, em Aldeia Formosa. E confirmo que este grande marabu era amigo do General Spínola e de mais alguém em S. Bento, Lisboa, que lhe pagava as viagens para Meca.

Em Dezembro de 1969, era eu professor do Posto Escolar Militar de Aldeia Formosa. Já tinha ouvido algumas histórias sobre a influência, o poder e os "poderes" do Cherno.Um dia fui abordado por um milícia, com ar preocupado, porque o filho (ou sobrinho?) do Cherno queria falar comigo, mas como não falava português, então ele, o milicia, seria o intérprete.

Recebi o visitante, que estava nervoso, mãos a tremer, que não falava português, mas percebia perfeitamente as minhas respostas. A preocupação do Cherno centrava-se na possibilidade de as cerca de trinta crianças que frequentavam a escola, serem aliciadas com o ensino da religião católica.
- Nada disso... zero... zero... - respondi, gesticulando. - E mais, se necessário, eu próprio vou falar com o Cherno, para garantir que não será ensinada religião católica.

Proposta aceite. Reunião marcada. No dia seguinte, lá fui à tabanca grande do Cherno Rachide Djaló.

Primeira surpresa, agradável, o aspecto luxuoso dos tapetes que cobriam aquele chão.Tirei as botas e sentei-me. Segunda surpresa, desagradável. Tinha na minha frente um homem abatido, com ar doente, olhar distante, que nem as vestas brancas, debroadas de amarelo torrado, conseguiam amenizar. O grande marabu estava mesmo preocupado.

Falei-lhe em voz baixa, pausadamente, reafirmando o que já tinha dito ao ajudante. Apenas ia ensinar os alunos a ler, escrever e contar. Fora da Escola, ao ar livre, faríamos educação física, jogos e canções. Mas nada de religião.
Enquanto o milícia traduzia, o Cherno fazia pequenos gestos de concordância.
Depois, fez uma pausa e disse que se era assim os meninos podiam frequentar a Escola.

Ficou tranquilo. Menos tenso, mas nunca sorriu. Despediu-se afectuosamente, como se estisse a abençoar-me. Agradeci, por mim e pelos alunos.

Regressei ao Quartel, mas pelo caminho uma dúvida permanecia no meu espírito.
Alguma coisa não estava certa. Um chefe religioso, mesmo ali, naquele sítio, naquela situação de guerra, não tem aquele comportamento. E hoje ao ler o post do Luis Graça, fez-se luz. Era isso, o "agente duplo".

O Cherno Rachid Djaló era um homem de confiança do PAIGC, pois embora estivesse no terreno ocupado por Portugal, tinha muita influência na população e não deixaria avançar a difusão da cultura e muito menos da religião dos portugueses. Aliás, nos ataques a Aldeia Formosa, os danos civis são quase nulos.

Manuel Amaro
ex-Fur Mil Enf
CCaç 2615,
1969/71


3. Torcato Mendonça (ex-Alf Mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69)

Olá, Boa Noite, muito breve numa, nem é comentário, pequena chamada de atenção para o titulo - Agente Duplo. Se me é permitido, falar assim daquele homem, pelo conhecimento que tenho é violento.

Mas ficam muitas interrogações no ar, desde as apontadas pelo Zé Teixeira, as visitas dos Governadores (conheci dois), os antecedentes e a implementação do PAI e PAIGC... e muito, muito! Quantos agentes duplos haveria na Guiné? Porque teria o Cherno de Aldeia Formosa tanto poder?

Isto dava uma bela conversa. Sim, porque há assuntos que se falam...só [, ou a sós ', meu caro José ?].

Os duplos...os duplos... e hoje???

Um tri-abraço do Torcato

Torcato Mendonça
________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 27 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3361: PAIGC - Docs (2): O grande marabu Cherno Rachide, de Aldeia Formosa: um agente duplo ? (Luís Graça)

Vd. também:

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)

4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).


(**) Vd. poste des

18 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3326: O meu baptismo de fogo (12): Aldeia Formosa, 23 de Abril de 1970: realiza-se a premonição de um furriel enfermeiro (Manuel Amaro)

29 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2895: Tabanca Grande (72): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2895 (Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71)

Guiné 63/74 - P3366: PAIGC - Docs (2): O grande marabu Cherno Rachide, de Aldeia Formosa: um agente duplo ? (Luís Graça)



Pasta: 07197.164.011
Assunto: Relatório da viagem a Hamedalaye e Sansalé
Termos de referência: Relatório da viagem a Hamedalaye e Sansalé: encontro com Daouda Camara, missão a Cacine, dificuldades em contactar Pedro Duarte, informações sobre os elementos de confiança do partido e elementos da PIDE, dados militares de Cacine, Gadamael e Catió.
Data: s/d
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios XIII.
Nível 2: 04.PAI/PAIGC Nível 3: Relatórios/Directivas
Fundo: Relatórios/Directivas

formato .pdf 07197.164.011

Fonte: Fundação Mário Soares > Dossiês > Guiledje · Simpósio Internacional · Bissau, Guiné-Bissau · 1 a 7 de Março de 2008 > Arquivo Amílcar Cabral > PAI/PAIGC > Relatórios/Directivas



______________

PAIGC > Docs (2) > Relatório da viagem (*)
Tr. do francês: L.G. (**)

Chegados a Hamedalaye [Amedalai, na Guiné-Conacri], recebemos instruções do camarada Secu Na Bayo para nos encontramos em Sansalé e contactar as organizações militares e administrativas [do Partido], afim de nos conduzirem até ao pé da fronteira.

Em Sansalé, depois das formalidades, obtivemos instruções respeitantes à nossa estadia.

Em Tanéné fomos recebidos pelo camarada Tomás Queta, chefe da aldeia. Por seu intermédio, conseguimos falar com o camarada do Partido, Daudá Camará, de Cacoca. Depois de uma longa sessão informativa sobre a vida do Partido no chão dos nalús e mais particularmente sobre a sua organização do interior da região, o camarada Daudá Camará mereceu a nossa confiança. E foi assim que nós o encarregámos de uma missão junto do camarada Pedro Duarte, em Cacine.

No regresso, recebemos as seguintes informações:

(i) É difícil contactar o Duarte, é vigiado dia e noite por um Alferes Indiano, que trabalha no mesma repartição com o seu adjunto, um caboverdiano de nome Carvalho, que é um grande inimigo da nossa causa, juntamente com o régulo de Cacine, de seu nome Tomás Camará, igualmente nefasto.

(ii) A casa do Duarte é guardada dia e noite por soldados africanos; já não tem jipe de serviço, desloca-se agora num jipe do exército. A sua mulher, que o denunciou, regressou a 7/12/1961;

(iii) Todos os régulos nalus foram convocados a Cacine, para receber as seguintes informações: Supressão do sistema de registo de denominação indígena; deixa de haver distinção entre brancos e negros, tanto os grandes como os pequenos devem passar a possuir um bilhete de identidade de cidadão português; este bilhete de identidade deve ser pago, mas ainda não foi fixado o respectivo preço. Supressão do imposto indígena. O preço dos produtos agrícolas passam a ser fixados pelos proprietários (sic). As regiões convocadas foram Catió, Cacine, Buba, Fulacunda, Gadamael, Bedanda, Cacoca, Quitafine, Sanconhá, Camissoro, etc.,

(iv) Que é preciso ter muito atenção a Álvaro Queta, de Sanconhá, Munini Camará (Lumba jodo), de Cacoca, que são elementos muito perigosos da PIDE. Circulam por todas as regiões (do sul).

(v) Os elementos de confiança do Partido são: em Cacoca, Daudá Camará, Abdulai Conté, Mbadi Bonhequi ; em Cacine, Laminé Camará, o relojoeiro, e Cassamá, motorista; em Missidé (Quebo), Aliu Embaló, e o grande marabu Cherno Rachid. [Negritos de L.G.] (**)

Informações de carácter militar:

A entrada da Cacoca é guardada por elementos da polícia administrativa [cipaios] dos quais 8 são africanos e um europeu. Entre os africanos, figuram: Lopes (Malagueta), Lassana Turé, Alséni Jaló, Samba Sanhá e José, que são muito violentos,

(i) Em Cacine encontram-se estacionados 140 portugueses, com o seguinte equipamento: 2 jipes, 2 anti-aéreas, 1 grande canhão (sic), 2 cargas de napalm; a pista de aviação é alcatroada, pode receber aviões modernos e é guardada, dia e noite, por saoldadoa europeus;

(ii) Gadamael: 50 soldados equipados com 2 canhões, 1 jipe e 1 anti-aérea.

(iii) Catió: aqui encontra-se a sede da PIDE. Os soldados são em pequeno número.

(iv) Missidé (Quebo): 80 soldados europeus, equipados com 1 camião, 1 jipe, 1 antiaérea, 1 canhão (*).

_______


Notas de L.G.:

(*) Vd. primeiro poste desta série > 19 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3330: PAIGC - Docs (1): Comunicado de 27 de Abril de 1964 sobre a vitória na batalha do Como (Amílcar Cabral)

(**) O documento, dactilografado, é redigido em francês, com errros ortográficos e de dactilografia. Julgo que às vezes o autor do relatório usa o sistema francês de registo de nomes (Nom + prénom). Nalguns casos, alterei, sendo o apelido (nom) antecido do nome próprio (prénom): por ex., Dauda Camará (no relatório, Camara Daouda)...

No que diz respeito, ao armamento identificado nos nossos quartéis, é bem possível que o autor se queira referir ao obus quando fala de canhão grande, e possivelmente a canhão sem recuo quando fala simplesmente de canhão... Também é possível que tenha confundido a metralhadora pesada e antiaérea...

(***) É um pouco surpreendente, pelo menos para mim, esta confissão do autor do relatório. Não sei se estamos a falar da mesma figura, do dignatário religioso que vivia em Aldeia Formosa, que eu conheci, em Bambadinca, e que no meu tempo (Junho de 1969/Março de 1971) era tido como um dos poderosos aliados dos portugueses, ouvido amiudadas vezes pelo Spínola (dizia-se)...

Havia, por ooutro lado, a lenda de que Aldeia Formosa (Quebo) nunca era atacada pelo PAIGC por deferência, respeito ou temor da figura do Cherno Rachide, ou- segundo outra versão, mais popular entre os meus soldados fulas - devido ao poder (mágico-religioso) do Cherno Rachide, que com os meus mezinhos fazia gorar todas as tentativas de ataque dos turras... Nunca estive em Quebo nessa altura, não posso confirmar ou infirmar nenhuma das versões (ou lendas).

Sobre o Cherno Rachid, vd. postes de:

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)

4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)

15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).

Sobre o Islão e a Guiné Portuguesa, vd. também o texto de Francisco Garcia:FRANCISCO PROENÇA DE GARCIA > Os movimentos independentistas, o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974)

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)

Capa do livro de Manuel Dias Belchior, editado no início da década de 1960, A Grandeza Africana – Lendas da Guiné Portuguesa.

Foto: © Torcato Mendonça (2008). Direitos reservados


1. Texto enviado pelo Torcato Mendonça, alentejano e algarvio, andarilho, cidadão do Fundão, cidadão do mundo, nosso querido amigo e camarada, ex-Alf Mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69:



GRANDEZA AFRICANA > LENDAS DE FULAS E MANDINGAS


Em Julho de 1963, ofereceram-me alguns livros sobre África. Restam-me alguns, devido mais ao meu saltitar por vários poisos do que à voragem do tempo.

Foram trazidos agora á luz do dia, quando, talvez em Maio de 2006, senti vontade de falar de África apesar de, mentindo, mais a mim do que aos outros, ter dito: A guerra há muito acabou para mim… mas digo só que o Malan… foi o primeiro de demasiados escritos, ao longo destes quase dois anos.

Para melhor, não digo recordar, mas para ter mais a certeza do que escrevia, procurei certos livros, agendas e outro material. Lá estava este livro. Saiu portanto, do arquivo morto (onde já ouvi isto?!), A Grandeza Africana – Lendas da Guiné Portuguesa. Autor, o Dr. Manuel Dias Belchior, com muito belas ilustrações de José Antunes. O prefácio é do Major Carlos Gomes Bessa, (em 1961/63?), Comissário Nacional para o Ultramar da Mocidade Portuguesa.

Lembram-se da Mocidade Portuguesa? Óptimo. Camisa verde…cinto com fivela com S, de serviço… e lá vamos nós cantando e rindo.

No livro, além da beleza das ilustrações, temos, fruto da pesquisa do autor, quinze lendas de mandingas e fulas, desde o Século XIII até ao Século XIX; do Velho Mondem (foco original dos mandingas) ou no reino fula de Maciná – transcrição do livro, página 18. As últimas lendas já se passam na actual Guiné – Bissau.

Deve ser lido para assim melhor compreendermos o sentir e a cultura de outros Povos que connosco conviveram durante quase cinco séculos. A partir dos anos sessenta muitos de nós por lá andaram dois anos. Curiosamente, alguns tecem hoje rasgados elogios “ao bom povo… às boas gentes… que antes eram os sacanas dos turras e nharos de merda…e, porque não alguns, talvez devido ao excesso de sóis africanos, ainda dizem, hoje, que aquele povo não é capaz de"…

Não quero, ao escrever assim, ofender puristas ou anti-puristas. Colonialistas ou anti-colonialistas. Cada um é livre de sentir e viver como entende. Mas sejam frontais a bem da verdade. Compreende-se contudo certas tomadas de posição.

Este livro, estas lendas, abordam e mostram algo que merece relato, certamente propiciador de um maior e melhor conhecimento da cultura Africana e Guineense em particular.

Não comento o livro e menos ainda transcrevo qualquer lenda. Abordo muito ligeiramente o posfácio. Nele fala-se de um Homem Grande , nosso contemporâneo, a viver em Aldeia Formosa (hoje Quebo) e visitado pelo autor do livro. Esse Homem Grande era Cherno Rachide.

Ficou o autor encantado com o seu saber e simplicidade. Depois de conversarem e antes de se despedirem, Cherno Rachide, a pedido do autor, ofereceu-lhe escrito em árabe a sua canção – A Canção de Cherno Rachide, cantada diariamente pelos seus alunos.

O autor tentou, segundo diz, na transcrição para português, manter o ritmo e a musicalidade.

É essa canção que a seguir transcrevemos.

«Cherno Rachide mostra-se grato, pelo Governo da Província por haver possibilitado a realização do sonho de sua vida: a peregrinação a Meca». Transcrito do livro.

Se não for abuso talvez, um dia, se transcreva uma ou outra lenda. Talvez possa ter interesse, mais á cultura mandinga e fula ou Guineense.

Talvez…mas se tem para mim porque não para outros… Um dia…talvez!


Abril/08 TM
_______________________________

Canção do Cherno Rachide
tr e adapt. do árabe: Manuel Belchior

Filhos amados, vosso pai Rachide
Uma regra de vida vos vai dar,
Segui-a com rigor e não tereis
Nada que lastimar.
Raparigas sabei que um homem espera
Encontrar na mulher três qualidades:
Respeito aos seus segredos, ao leito
E a todas as vontades.
A vós rapazes dou-vos um conselho
Que todo o sábio para si tomou
De outro, ainda mais sábio, Logomane
Que outrora assim falou:

- «Deves ter fé em Deus que tudo vê
«E tudo pode acerca dos mortais
«Trabalha com ardor e serás útil
«A ti e aos demais.

- «Estuda e elevarás a tua alma
«Que os livros bons te podem ensinar
«Muitas coisas Formosas deste mundo
«E a Deus agradar.

- «A palavra, o alimento e o sono
«Como remédio deverás tomar:
«O bastante p’ra que o corpo não sofra
«Mas sem nunca abusar.

- «A boca é uma e as orelhas duas
«Isso te indica como proceder
«Usa o ouvido mais do que o falar
«E saberás viver.

- «Em três partes o estômago divide
«P’ra comida só uma reservar
«As outras hão-de ser bem necessárias
«P’ra água e para o ar.

- «A noite é grande e não deve ser gasta
«Do sol posto à manhã, toda a dormir,
«Destina parte dela à oração
«Terás feliz provir.

- «Deves casar p’ra nunca cobiçares
«Mulher doutro. Não nego, o casamento
«Traz desgosto profundo.
«Mas se a fêmea procuras fora dele,
«Em vez desse desgosto terás dois
«Neste e no outro mundo".

Meus filhos, quem seguir estes conselhos
No decurso da vida há-de contar
Satisfação a esmo.
E maiores triunfos que o atleta
Que vença toda a gente nos torneios,
Pois vence-se a si mesmo.

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Notas de L.G.

(1) Referência bibliográfica constante da página
Memória de África, com a seguinte i

[190874]
BELCHIOR, Manuel
Grandeza africana : lendas da Guiné Portuguesa / Manuel Belchior ; capa e il. de José Antunes. - [S.l. : s.n., s.d.] (Lisboa : Oficinas de S. José : Edições O Mosquito. - 125 p., 23 p. il. ; 25 cm
Descritores: Artes Literatura Cultura regional Guiné
Cota: 2048/04AHSTP

Outras publicações referenciadas, de Manuel Dias Belchior ou Manuel Belchior:

Nas vésperas de um centenário : a grandeza de Mousinho / Manuel Dias Belchior In: Boletim da sociedade de geografia de Lisboa.- série 73, nº 1- 3 (Jan.- Mar. 1955), p. 47- 66.

Sobre a origem do termo Guiné / Manuel Dias Belchior.- In: Boletim Cultural da Guiné portuguesa / Centro de Estudos da Guiné Portuguesa. - vol.XVII, nº 65 (Janeiro 1962), p.41-56.

Presença da Guiné / Manuel Belchior. In: Portugal em África. - Vol. 20 (1963), p. 240-250

Evolução política do ensino em Moçambique / Manuel Dias Belchior. - Lisboa : ISCSPU, 1965. - 42 p.

La actualidad social en las provincias portuguesas de Ultramar / Manuel Belchior. In: África. - Anõ 22, nº 282 (Jun 1965), Tercera epoca, p. 16-18

Fundamentos para uma política multicultural em Africa / Manuel Belchior. - [S.l. : s.n.], 1966. - 311 p.

O espírito ecuménico dos portugueses e seu valor gráfico actual / Manuel Belchior. In: Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. - vol. XXII, nº 87-88 (Julho-Out. 1967), p. 293-308.

Para uma idade de ouro no ultramar português / Manuel Belchior. In: Permanência: revista mensal de actualidades ultramarinas. - ano 1, nº 6 (Out. 1970), p. 17, il..

Les congrés du peuple de la Guinée / Manuel Bechior. - Lisboa : Arcádia, 1973. - 126 p.


(2) Sobre o Cherno Rachide (ou Rachid), vd. posts de:

4 de Junho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)

18 de Abril de 2006 >
Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)

16 de Dezembro de 2005 >
Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).

Sobre o Islão e a Guiné Portuguesa, vd. também o texto de Francisco Garcia:

FRANCISCO PROENÇA DE GARCIA > Os movimentos independentistas, o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974)

(...) "De acordo com o 'Relatório de Serviço' (...) , na antiga Província Portuguesa, de 16 de Junho de 1972, elaborado por Amaro Monteiro na sequência de missão determinada pelo Ministro do Ultramar, as linhas de articulação dos dignitários islâmicos, no âmbito interno e no contexto africano, eram:

(...) "2) No tocante à confraria Tidjanya, dizia a mesma fonte:

"Os dignitários islâmicos mais proeminentes eram Al-Hajj Cherno Rachid Djaló (futa-fula) de Aldeia Formosa (rebaptizada Quebo, após a independência), o Xerife Secuna Haydara (de linhagem xerifina) de Ingoré e, em Cambor, o Al-Hajj Cherno Mamagari Djaló (futa-fula).
"Cherno Rachid apresentava, como figura tutelar, seu irmão Al-Hajj Califa Mamadu Cabiro Djaló com posição prioritária honorífica e consultiva, embora o autêntico poder de accionamento fosse detido pelo Cherno Rachid. Articulava-se em consulta ao Califa Abdul Azis Sy (em Tivouane, a NE de Dakar) e, suplementarmente, a Al-Hajj Seydou Nourou Tal do mesmo país (em Dakar), conselheiro governamental e 'director de consciência' dos tidjanistas tocolores e guineenses. Exercia influência religiosa interna do tipo polarizante em todo o território, nomeadamente na áreas de Fulacunda e Gabú (postos não especificados) e, externa, como consultor, no Senegal (Casamansa), na República da Guiné (pontos não especificados) e no Mali (Bamako). Manifestava acatamento xerifino do tipo idêntico ao dos pólos de Jabicunda e Bijine tendo, também, feito a dádiva recomendável ao Xerife Yussuf Haydara" (...).

quarta-feira, 15 de junho de 2005

Guiné 63/74 - P57: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça)

Excertos do diário de um tuga. L.G.


Bambadinca. 1 de Dezembro de 1969

Registam-se agora as temperaturas mais baixas do ano nestas paragens tropicais. Eu próprio não imaginaria que iria tiritar de frio nesta terra, emboscado, à noite, com os meus homens, sob um temperatura de 15º.

À noite, os africanos acendem fogueiras à porta ou no interior das suas pobres tabancas de colmo. A chuva dá lugar ao cacimbo. É o início da estação seca.

Entretanto, os negros islamizados (fulas, futa-fulas, mandingas, beafadas...) acabaram de celebrar o Ramadã. Um mês de jejum e oração culmina na grande festa colectiva em que o batque é a expressão viva do ritmo interior, da alegria física e do sentido lúdico do homem africano. Reconheço que não foi um mês fácil para os meus soldados.

Bambadinca. 10 de Janeiro de 1970

O Cherno Rachid é a autoridade máxima do Islão na Guiné. De etnia futa-fula, vive em Aldeia Formosa [Quebo], rodeado duma auréola de lenda e santidade: a sua simples presença, asseguram os meus soldados, faz malograr qualquer ataque dos guerrilheiros àquela povoação onde aliás esta sedeado urn batalhão, e os seus mezinhos (amuletos ou talismãs) imunizam os homens-grandes, quer dizer, aqueles que praticam os preceitos do Alcorão, contra as balas do inimigo.

0 ascendente que ele tem sobre a população islamizada da Guiné, confere uma dimensão política à sua personalidade de mauro (sábio). E o general Spínola reconhece-o, chegando ao ponto de ir expressamente a Aldeia Formosa para visitar o Cherno Rachid e consultá-lo sobre problemas que obviamente nada terão a ver com a exegese do Déftere (Alcorão).

Pode dizer-se que ele é o chefe ideológico (e não apenas religioso e espiritual) da casta feudal que se aliou ao colonialismo português contra o movimento nacionalista de libertação.

Tive hoje, aliás, a oportunidade de conhecer pessoalmente o Cherno Rachid e constatar o seu carisma e o poder de atracção que ele exerce sobre os africanos islamizados. Esteve vários dias em Bambadinca, de visita ao chão fula. Com avioneta ou helicóptero, às ordens, claro!

Sentado numa esteira, de pernas trançadas, recebia nos seus aposentos privativos os fiéis que, descalços como na mesquita, o iam cumprimentar, trazendo-lhe presentes, sobretudo em dinheiro (às vezes mesmo somas importantes!) em troca duma oração, dum conselho ou dum objecto cabalístico.

Como seria de esperar, o Cherno Rachid, acompanhado da sua comitiva de servos e discípulos, foi depois por seu turno apresentar cumprimentos às autoridades militares locais (comando do batalhão)... Noblesse oblige!

Post scriptum

Lisboa, 16 de Junho de 2005

Amigos e camaradas:

Nunca fui a Aldeia Formosa (aliás, Quebo, para os guinéus). No nosso tempo não dava para fazer ecoturismo, como vocês muito bem sabem... Mesmo assim cheguei a conhecer o famoso Cherno Rachid, de acordo com os papéis que desenterrei do baú…

Falei pelo telefone com o José Carlos Mussá Biai… Tem estado fora, a fazer trabalho de campo. Ele trabalha em cartografia, no Instituto Geográfico Português. Teve irmãos na tropa em Farim. Vai mandar-nos documentação para a nossa página. Já falou com o seu professor do Xime, o Carvalhido da Ponte. Mas nunca mais teve notícias dos outros professores que vieram a seguir, o furriel Osório da CCAÇ 12 (que estava no Xime em 1973) e da esposa. Alguém tem notícias desta malta ?

O José Carlos, o djubi do Xime (como lhe chama carinhosamente o Sousa de Castro), e que é mandinga pelo lado do pai, diz-me que cherno em fula quer dizer tio… Eu tinha ideia que cherno era o termo usado para designar um chefe religioso muçulmano… Mas a verdade é que há nomes próprios, fulas, que começam por Cherno: nós próprios, na CCAÇ 12 (1969/71), tínhamos dois soldados de nome Cherno Baldé…

Em conclusão, o Cherno Rachid, de Quebo (que já deve ter morrido, pela ordem natural das coisas,não me tendo constado que tivesse tido problemas com as novas autoridades saídas da independência, apesar de não gozar das simpatias do PAIGC), não era mais do que o Tio Rachid...