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domingo, 12 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24060: Notas de leitura (1553): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte XI: Cobumba, manga de minas?!... Vamos lá levantá-las e noutro dia arrasar aquela... brincadeira!


Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1956)  > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bedanda,  Cobumba, Cufar e rio Cumbijã.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Continuação da leitura do livro de Manuel Andrezo, pseudónimo literário de Aurélio Manuel Trindade, ten-gen ref,  que foi cap inf no CTIG, o último comandante da 4ª CCAÇ e o primeiro da CCAÇ 6. Fez a sua comissão sempre em Bedanda, entre julho de 1965 e julho de 1967. (*)

Com mais três comissões, primeiro na Índia, depois em Moçambique, como capitão (1962/64) e outra em Angola, já como major (1971/73), é um militar condecorado com Medalha de Prata de Valor Militar com Palma, Cruz de Guerra, colectiva, de 1.ª classe, Cruz de Guerra de 2.ª Classe, Ordem Militar de Avis, Grau Cavaleiro, Medalha de Mérito Militar de 3.ª Classe e ainda Prémio Governador da Guiné.

Participou no 25 de Abril, como major, tinha então 41 anos e estava colocado na EPI, Mafra. 

À frente da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67), o cap inf Trindade revelou-se um excecional comandante operacional, como testemunha o episódio autobiográfico, um pouco extenso mas revelador das qualidades de um grande milatar de infantaria que a seguir se transcreve (no original, "Alerta Minas!, pp, 57-65).

 A narrativa. em que o autor privilegia os diálogos (entre o "capitão Cristo" e os seus subordinados, os alferes e o seu guarda-costa, Lassen), é também reveladora das duras condições em se travava a guerra contra o PAIGC. 

Na época (1965/67), o IN já recorria em larga escala a um das mais sujas e temíveis armas, que eram as minas A/C e A/P, além das armadilhas ou fornilhos. Provocaram muitas vítimas, entre mortos e estropiados. 

Numa companhia, de praças africanas e quadros metropolitanos, como a 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, em que não havia um sargento sapador, o capitão determinado e destemido,  pega na sua  faca de mato e em 10 metros de cordão,  e faz, ele mesmo,  esse trabalho, meticuloso e perigoso, que era levantar as minas, identificadas pelos picadores, no percurso entre o porto exterior de Bedanda e as imediações da tabanca de Cobumba... Ou seja, nas barbas da guerrilha e da população IN. Com 3 Gr Com e dois morteiros 81.  Em seis horas, das 10h00 às 16h00, levantou quatro minas, que deram direito ao prémio então instituído por apreensão de material ao IN em combate. Com o dinheiro recebido, os participamtes da operação fizeram uma farra, beberam uns bons  copos de cerveja.

Percebe-se melhor, com episódios como este, porque é que houve, no TO da Guiné, grandes combatentes, grandes comandantes operacionais
que sabiam mandar e ser obedecidos, não porque puxavam dos galões, mas porque  davam o exemplo como líderes  (etimologicamente falando, os que vão à frente mostrando o caminho). O cap inf Trindade foi seguramente um deles.

Imagem à direita: Pormenor da capa do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010], 399 pp. il, disponível em formato pdf, na Bibilioteca Digital do Exército. Na foto da capa, podemos ver o "capitão Cristo"("alter ego" do autor), sentado ao centro, com a mão direita no rosto, visivelmente bem disposto, em agradável convívio na casa do Zé Saldatnha [
antigo militar,   e depois encarregado da Casa Ultramarina, em Bedanda, e onde se comia lindamente, graças aos dotes culinários da esposa, a balanta Inácia]. Por trás, em pé, os alferes Carvalho e Ribeiro e ainda o dono da casa, o Zé Saldanha.


Cobumba, manga de minas ?!... Vamos lá levantá-las 
e noutro dia arrasar aquela... brincadeira! 
(pp. 57-65)

por Manuel Andrezo / Aurélio Manuel Trindade

Cobumba, logo do outro lado do [rio ] Cumbijã [a oeste de Bedanda] era uma área controlada pelos guerrilheiros e constituía um perigo para a navegação no rio e também para o pessoal
dos barcos quando ancorados no porto exterior de Bedanda

A tabanca ficava a 2 km do porto e todos os homens estavam armados constituindo uma milícia do inimigo.

Nas proximidades havia um acampamento de guerrilheiros que tinha por missão estabelecer a ligação a Chugué e a Cabolol, ao mesmo tempo que controlava a tabanca e flagelava o porto. 

Cobumba está localizada na área da companhia de Cufar, mas o que lá se passa interessa mais a Bedanda porque é pelo rio e pelo porto que a Companhia, uma vez por mês, recebe os géneros para a alimentação, as munições e todos os demais reabastecimentos, incluindo medicamentos. É portanto uma área sensível para os militares de Bedanda

É raro a companhia de Cufar subir 
frequente a de Bedanda, com ou saté Cobumba, mas éem autorização do Comando do Batalhão, penetrar na área, atravessando o rio de noite no porto exterior. 

Por isso e porque a livre descarga dos barcos sempre preocupou o capitão Cristo em termos de segurança, resolveu atravessar o rio, penetrar em Cobumba e fazer uma batida para localizar o acampamento inimigo. Era preciso ir lá urgentemente, até para poder combater o mal-estar causado por aquela outra operação em que nem o rio foi atravessado.

─ Lassen 
 [1] ─ chamou o capitão Cristo, ─ vai chamar os nossos alferes.

─ Sim, nosso capitão. Também vou chamar o nosso alferes Ribeiro?

─ Sim, Lassen, quero aqui no gabinete todos os nossos alferes.

Meia hora depois os alferes batiam à porta do gabinete do capitão e entravam.

─ Bom dia, meu capitão, há guerra?

─ Guerra há sempre porque estamos em zona de combate e cercados por todos os lados. Agora, no entanto, quero tratar duma guerra especial. Falem-me de Cobumba, começamos pelo Oliveira.

─ Meu capitão, eu nunca fui a Cobumba pois estou na companhia há pouco tempo. Dizem que é perigoso ir lá sem apoio aéreo. Os guerrilheiros estão no meio da população e todos os homens estão armados. Dizem que o caminho entre o porto e a tabanca está minado.

─ Carvalho, sou todo ouvidos.

─ Meu capitão, o Oliveira tem razão. É uma zona má. É impossível chegar lá de surpresa, o rio é muito largo. Peço ao meu capitão para pensar um pouco antes de decidir ir lá sem outra companhia.

─ Muito bem, é a sua vez, Cordeiro.

─ Meu capitão, aquilo em Cobumba é duro, mas quem vai à guerra dá e leva. É verdade o que já foi dito. Penso, no entanto, que ou vamos sozinhos ou não vamos, porque o batalhão não vai pôr uma companhia à nossa disposição.

─ Se quiser ir a Cobumba, ─ diz o Ribeiro ─ conte comigo que eu gosto de festa. 
Tudo o que foi dito sobre Cobumba é verdade. Já lá fui e fiquei à porta, não nos deixaram entrar na povoação. É uma tabanca grande, com as casas espalhadas e estendidas de ambos os lados da estrada. O terreno favorece quem defende. Quando lá fui apenas chegámos até às primeiras casas. Depois, bem depois foi o inferno e tivemos que retirar. Todos os homens estão armados. Um grupo mais aguerrido está num acampamento que fica próximo, quase, quase agarrado à povoação. Além disso, Cobumba pode ser facilmente reforçada por indivíduos vindos do Chugué e de Cabolol. Penso que é possível lá ir, mas teremos dissabores. Além disso, o porto exterior, do lado de lá, costuma estar minado e a estrada para Cobumba também. Para mim, no entanto, o mais perigoso é atravessar o rio que é largo naquele ponto e tem de ser atravessado de noite. Para aniquilar a 1ª secção, basta um homem do lado de lá, à espera, pronto para lançar uma granada de mão para dentro do barco. Se tal acontecer, perdemos uma secção e não atravessamos o rio. É possível irmos lá mas com muito cuidado.

─ Muito bem, estou elucidado. Em resumo, riscos elevados na travessia, um percurso por estrada minada, baixas se uma mina for accionada e guerrilheiros postos em alerta. Na povoação, quando lá chegarmos, encontraremos um grupo aguerrido que nos vai impedir a entrada e que pode ser rapidamente reforçado. No final, temos que retirar e regressar ao rio para o atravessar de novo com a hipótese de, nessa altura, sermos acossados pelos guerrilheiros. É este o resumo de tudo o que me disseram. Eu acrescentaria que não temos apoio aéreo e que se tivermos mortos ou feridos teremos que os trazer para casa às costas. Correcto, este resumo?

─ Está sim, meu capitão ─ disseram os alferes.

─ Muito bem 
 disse o capitão Cristo. ─ Vamos a Cobumba por fases. Na 1ª fase levantamos as minas no porto exterior e limpamos a estrada. Vamos fazer isto amanhã. Quem na companhia já levantou minas?

─ Ninguém, disse o Ribeiro. ─ Tínhamos um sargento que fazia isso mas já foi transferido. Eu posso levantar.

Como ninguém sabe levantar minas vou fazer eu o serviço. Saímos amanhã de manhã, às 9 horas. Vou eu com o Ribeiro, o Cordeiro e o Carvalho. O Oliveira toma conta do aquartelamento e providencia para que, às 10 horas da manhã, estejam três barcos de borracha com motor no porto exterior. Vai lá uma camioneta levá-los para não cansar os homens. Vamos a pé e quando chegarmos, o pelotão do Carvalho entra nos barcos e passa para a outra margem ficando instalado a sul da estrada. Os barcos regressam e passam o pelotão do Cordeiro que vai ficar do lado norte da estrada. O Ribeiro monta segurança no porto, do lado de Badanda, impedindo envolvimentos. Leva dois morteiros 81 e monta uma base de fogos no mesmo local. Nomeia um sargento e três soldados para picarem o porto e a estrada. Sinalizam as minas e eu levanto-as. Não regressamos a casa enquanto não picarmos a estrada e as minas não forem levantadas. Eu não posso levantar as minas e comandar a tropa ao mesmo tempo. O Cordeiro substitui-me no comando da tropa que está na margem do lado de Cobumba enquanto eu estiver a levantar as minas. Tem de resolver todos os problemas porque eu não venho embora sem levantar as minas e não deixo o meu trabalho por mais tiroteio que haja. A vossa missão é dar-me segurança, a mim e aos homens que picam a estrada. Entendido?

─ Sim, meu capitão.

─ Só mais uma coisa. Formem os homens meia hora antes de sairmos e expliquem-lhes o que vamos fazer e qual o nosso objectivo. Quero que seja bem frisado que não pretendemos ir a Cobumba mas apenas levantar as minas para termos o porto e a estrada desimpedidos. Quando regressarmos, quero que os homens possam comparar o que fizemos com o objectivo que tínhamos e deduzam se cumprimos ou não a missão. Podem sair. Às 9 horas estamos todos na povoação comercial para sairmos.

─ Até logo, meu capitão ─ disseram os alferes.

─ Até logo.

À saída do gabinete os alferes traziam cara de preocupados. O caso não era para menos. Iam levantar minas e só o capitão as sabia levantar. Uma mina podia rebentar e perdiam logo o capitão. Podiam ter que pagar um preço muito elevado pelas minas.

O capitão tinha razão. As minas tinham que ser levantadas para demonstrar aos guerrilheiros que não valeria a pena voltarem a colocá-las porque não seria isso que impediria o avanço da tropa de Bedanda quando esta quisesse passar. 

Por outro lado, ia haver tiroteio de certeza. Os guerrilheiros ouviriam as camionetas e os motores dos barcos, e instalar-se-iam na orla da tabanca à espera da tropa. É certo que se tudo resultasse, esta acção iria ter um efeito positivo no moral dos soldados, enquanto os guerrilheiros ficariam preocupados e com o moral em baixo.

Os pensamentos do capitão e dos seus alferes, quais seriam? Apreensão? Receio? Todos tinham que saber o que fazer no caso de a operação dar para o torto. Todos tinham que estar preocupados em providenciar todo o material necessário para o trabalho que iam executar. O capitão Cristo transmitiu as ordens ao seu guarda-costas.

─ Lassen, quero a minha arma bem limpa aqui no gabinete. Quero todos os carregadores com munições e quatro granadas de mão, duas ofensivas e duas defensivas. Quero a minha faca de mato preparada e quero um cordão com dez metros de comprimento. Não quero o cordão muito grosso. Dizes ao nosso sargento do material de guerra que se não tiver cordão bom na arrecadação que vá à povoação comercial comprá-lo. Quero ver tudo isso antes da noite. Vamos sair, prepara-te para saíres comigo.

─ Sim senhor, nosso capitão. O Joãozinho 
 [1] também vai?

─ Vai, mas só lhe dizes amanhã de manhã ao café.

─ Onde vamos?

─ Não sei, e a ti não te deve interessar muito o local onde vamos.

No dia seguinte, às 9 horas da manhã, o capitão chegou à povoação com os pelotões do Carvalho e do Cordeiro. O Ribeiro já estava à sua espera com o seu pelotão pronto para integrar a coluna. O capitão mandou o Ribeiro seguir à frente pois a segurança no porto era a primeira acção a executar. A seguir ia o Carvalho e por fim o Cordeiro.

Seguiam pela ordem em que tinham de actuar. Praticamente não houve conversas. Os oficiais tinham confiança uns nos outros e sabiam que todos se tinham preparado muito bem para cumprirem a sua parte da missão. Às 10 horas chegaram ao porto exterior ao mesmo tempo que chegavam as viaturas com os barcos que, rapidamente, foram preparados para a travessia. O Carvalho atravessou com o seu pelotão e desapareceu no tarrafo  [2] 

Os barcos regressam e só um deles iniciou nova viagem para transportar o capitão, os seus guarda-costas e a equipa que ia picar a estrada. O capitão desembarcou e esperou na outra margem enquanto a equipa de picagem começava picar o porto e a estrada. O barco regressou à outra margem, por segurança. Estava tudo silencioso. 

Os homens do Carvalho e do Cordeiro estavam já à frente, a cerca de 1 km da margem. Foram mandados parar e abrigar nos ouriques da bolanha. No porto não foi localizada nenhuma mina. Começaram a picar a estrada e de imediato localizaram e sinalizaram uma mina. Foram também mandados parar e abrigar-se nos ouriques  [3]  . O capitão Cristo avançou.

─ Cordeiro, aqui Cristo. Foi localizada a primeira mina, vou começar o levantamento. Como vai isso por aí? Está tudo demasiado silencioso. Tanto tu como o Carvalho devem ter cuidado com os fulanos. O pior que nos podia acontecer era os gajos meterem-se entre nós e o rio em vez de nos atacarem do lado de Cobumba, escuto.

─ Cristo, aqui Cordeiro. Vejo alguns elementos a vigiarem-nos do lado da povoação. Julgo que eles ainda não perceberam qual é a nossa ideia, escuto.

─ Cordeiro, aqui Cristo, aguenta o barco e não me chateies mais.

─ Ribeiro, aqui Cristo. Morteiros apontados a Cobumba. Fogo apenas à ordem do Cordeiro. Aguenta-me essa retaguarda e cuidado com envolvimentos por indivíduos que atravessem o rio, mais acima ou mais abaixo. Sem ti e sem os teus barcos estamos perdidos.

─ Cristo, aqui Ribeiro. Esteja descansado. Se eles quiserem vir que venham pois saberão que estamos muito bem preparados para uma boa recepção. Sorte no levantamento das minas.

─ Cordeiro, Carvalho e Ribeiro, aqui Cristo. Vou iniciar agora o trabalho. Terminado.

O capitão, com a sua faca de mato, começou a picar a estrada a toda a volta da mina. Identificou esta mina e transmitiu a identificação ao Lassen para que a transmitisse aos pelotões. O Lassen transmitiu a indicação.

─ Cordeiro, Carvalho, Ribeiro, mina identificada. É de madeira e de pressão. Cristo continua a picar a terra em volta para a desenterrar completamente porque receia que esteja armadilhada. Terminado.

O capitão, indiferente a tudo o que se passava à sua volta, continuava a picar a terra, tentando fazer um buraco debaixo da mina. O suor escorria-lhe pela testa. Era grande a tensão pois sabia que um pequeno erro podia ser a sua morte ou, no mínimo, a sua incapacidade física. Os seus guarda-costas estavam a 5 metros de distância com os ouvidos atentos à voz do capitão. 

Eles sabiam, como veteranos de guerra que eram, que o seu capitão corria perigo e que eles nada podiam fazer para o ajudar. Conseguiu furar a terra por baixo da mina sem a molestar e começou a passar o cordão por baixo. O cordão passou, a mina foi amarrada e o capitão disse ao Lassen para informar os alferes.

─ Carvalho, Cordeiro, Ribeiro. Mina presa pelo cordão, capitão vai puxar a mina depois de se abrigar. Se rebentar, é porque está armadilhada e não há problema. Terminado.

A mina foi puxada e não rebentou. O capitão retirou e guardou o cordão, tendo de imediato retirado o detonador da mina. Entregou a mina ao Joãozinho para que a fosse levar ao porto, tendo recomendado para que o detonador e a mina ficassem separados, e seguiu para o local onde outra mina já tinha sido localizada. Já havia três minas localizadas e os picadores ainda só tinham andado 300 metros.

Agora, junto da segunda mina, o capitão começou a repetir as operações de levantamento. O terreno desta vez era mais duro. A mina foi identificada e era igual à anterior. Mais uma vez o Lassen informou os alferes e perguntou se havia novidades por Cobumba.

─ Cristo, aqui Cordeiro, há movimentos em Cobumba. Deve estar próximo um arraial de porrada, escuto.

─ Cordeiro, Cristo diz para aguentares. Mas se necessário, avancem mais um bocadinho. Continua a não querer entrar em Cobumba, a missão principal é protegêlo enquanto levanta as minas. Diga se entendeu, escuto.

─ Lassen, aqui Cordeiro, ─ diz ao Cristo que o festival vai ser grande, mas nós aguentamos. Terminado.

O capitão continuava a levantar a mina. Já estava toda a descoberto, faltava apenas fazer o buraco por baixo para meter o cordão quando o tiroteio rebentou. O barulho dos tiros dos guerrilheiros e a resposta dos soldados tornavam aquela área um inferno. Calmamente, o capitão continuava a levantar a mina.

─ Cristo, aqui Cordeiro, isto está um inferno. A orla da povoação está cheia de homens e de armas. Estou a ser atacado e o Carvalho também. É difícil aguentar o barco, acabe com as minas senão ainda cá ficamos todos.

─ Cordeiro, aqui Cristo, não exagere. Eles não querem que a gente levante as minas, mas eu vou levantá-las, é a nossa missão principal. Aguenta-te e não me chateies que eu tenho que me concentrar no que estou a fazer. Pede ao Ribeiro fogo de morteiro sobre Cobumba, vê com a Companhia para apoio de fogo de artilharia. Assim que terminar o trabalho eu digo-te e vamos embora. A segunda mina está pronta a ser puxada e só tenho mais duas para levantar. Terminado.

─ Nosso capitão, ─ disse o Lassen ─ há uma metralhadora enfiar-nos, os tiros batem aqui perto de nós. Deixe isso porque parado e desabrigado é um bom alvo.

─ Lassen, vai chatear a tua tia. Quem manda aqui és tu ou sou eu? Se tens medo vai-te embora que isto aqui é para machos.

Se nosso capitão fica eu fico, mas isto está muito perigoso. Eu e o Joãozinho vamos tomar posições.

─ Afasta-te. Não quero ninguém a menos de 5 metros de mim. Agora deixa-me trabalhar.

Já tinham ido duas minas e a terceira estava quase. Serenamente o capitão Cristo levantou a terceira e ainda uma quarta. Nem ouvia o tiroteio à sua volta. Os alferes estavam preocupados, mas a pressão dos guerrilheiros abrandou com as granadas de morteiro e da artilharia sobre Cobumba. O tiroteio foi diminuindo e terminou com tiros esporádicos, mais para mostrar presença do que para vencer a batalha. O capitão tinha vencido. Bedanda tinha cumprido a missão e os soldados aperceberam-se de que massa era feito o seu capitão.

─ Cordeiro, Carvalho e Ribeiro, levantei as quatro minas. Não foi localizada mais nenhuma. Cumprida a missão, vamos regressar a Bedanda. O Ribeiro manda avançar os barcos para a margem de cá. O Carvalho e o Cordeiro mandam retirar metade dos pelotões e tomam posição junto do tarrafo do porto e aguardam. Logo que estejam instalados, os restantes avançam para os barcos. Na segunda viagem vai o resto do pessoal. O Ribeiro fica atento. Se recomeçar o tiroteio vindo de Cobumba, devemos nós recomeçar o fogo sobre a povoação. Assim que chegarmos à outra banda regressamos à Companhia. Os barcos vão nas viaturas que já devem estar voltadas para Bedanda. Escuto.

─ Cristo, aqui Cordeiro. Entendido, escuto.

─ Aqui Cristo, vou dirigir-me para o porto.
 
Apenas com tiros esporádicos dos guerrilheiros fez-se a travessia do Cumbijã. O regresso a Bedanda foi o prémio apetecido. Tinham começado a acção às 10 horas da manhã e só foi dada como terminada às 4 horas da tarde. Tinha valido a pena o sacrifício e toda a tensão vivida porque a missão foi cumprida e provaram aos guerrilheiros e à própria companhia que eram capazes de ir a Cobumba, sempre que quisessem, as minas não seriam obstáculo. 

Todo o dinheiro das minas ─ o material capturado dava origem a uma gratificação ─ foi transformado em cerveja. Beberam oficiais, sargentos e praças, todos os que tinham tomado parte na operação. A alegria era grande entre todos. Antes de ir descansar, o capitão falou com os alferes.

─ Tudo correu bem e a vossa tropa portou-se maravilhosamente. Fizemos o que tínhamos planeado e isso é importante. É preciso mostrar ao inimigo e aos nossos soldados que vamos onde quisermos e quando quisermos. Por isso, nunca podemos deixar de cumprir as missões que planearmos. Obrigado ao Antunes, o nosso artilheiro-mor, pelo apoio de fogo que nos prestou. Estamos todos de parabéns. Digam isso aos homens. Depois de amanhã, voltamos a Cobumba para arrasar aquela brincadeira. Falaremos disso amanhã. Agora vão descansar, que bem precisam.

─ Lassen.

─ Pronto, nosso capitão.

─ Pega na arma e nas granadas. Quero tudo bem limpo e arrumado. Vou-me deitar. Que ninguém me acorde. Enquanto eu não sair do gabinete não estou para ninguém a não ser que o sangue comece a correr no quartel. Diz isso aos nossos alferes. Se eu não aparecer à hora de jantar, jantam sem mim.

─ Sim senhor, nosso capitão

E assim começou o repouso e o descanso dos guerreiros.
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Notas:

 [1 ] Larsen e Joãozinho: guarda-costas do capitão.

 [2] Tarrafo: terreno junto dum rio com arborização ligeira por oposição a mata cerrada.

[3] Ouriques: diques, numa bolanha, geralmente feito de lama e paus, para controlar a entrada e saída de água nos arrozais.

[Seleção / revisão e fixação de texto / parênteses retos / título / negritos, para efeitos de publicação neste blogue: LG]
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Último poste da série "Notas de leitura" > 10 de fevereiro de  2023 > Guiné 61/74 - P24055: Notas de leitura (1552): Uma safra de leituras, sábado na Feira da Ladra, em tempos de pandemia (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23669: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (17): Uma emboscada junto ao cais do rio Cumbijã

1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga, Bissau, 1972/74) com data de 21 de Julho de 2021:

Amigo Carlos

Tinha pensado não voltar a falar de Cobumba, mas hoje, talvez por me lembrar de um funeral que lá aconteceu, levou-me a voltar a falar daquele sítio. Embora gostasse de esquecer, mas por tudo aquilo que nós lá vivemos não me é possível.


Certo dia um grupo de elementos da nossa companhia foi a Cufar, como acontecia algumas vezes, tendo usado o nosso sintex. Nesse dia eu estava de serviço de condutor, ao fim da tarde fui com a viatura e mais três ou quatro camaradas para o cais, junto ao rio Cumbijã, onde estivemos durante algum tempo à espera que eles chegassem para os trazer de volta ao destacamento.

Enquanto esperávamos, os Fiat iam bombardeando não muito longe de nós. Naquele tempo, ao contrário do que acontecia antes dos strela por lá terem chegado, altura a que eles faziam os bombardeamentos era bastante mais afastada do solo o que nos permitia vê-los. Durante o tempo que lá estivemos à espera, a conversa não parou, durante a qual alguém afirmou que a Maria Turra tinha dito que breve nos iam atacar. Era coisa tão normal ela dizer que nós não demos importância, dizia muitas coisas que não eram verdade. “Quando em Mansambo fomos atacados, a primeira e única vez enquanto lá estivemos, no outro dia ela apareceu na rádio a dizer que nos tinham feito grandes estragos, entre os quais a destruição de um abrigo, o que era mentira, dentro do destacamento, nesse dia, apenas caíram duas granadas.”
Entretanto os Fiat terminaram o seu trabalho e foram embora. Passados poucos minutos de terem partido começamos a ouvir alguns rebentamentos, e a nossa primeira reação foi pensar que eles tivessem voltado, pensamento que durou apenas breves instantes, rapidamente nos apercebemos que afinal éramos nós que estávamos a ser atacados. Ataque continuado e diversificado no armamento por eles utilizado, tendo sido o que demorou mais tempo dos vários com que fomos flagelados enquanto por lá permanecemos. A sorte naquele dia esteve do nosso lado, mas o susto motivado pela impotência com que nós fomos confrontados junto ao rio, foi terrível, nada podíamos fazer. Com uma das armas utilizada, o morteiro 82, eles conseguiram colocar uma granada de cada lado da picada com uma distância de cerca de quarenta ou cinquenta metros, uma da outra, desde o início das primeiras tabancas até a poucas dezenas de metros do local onde nós nos encontrávamos, que era a uma distância de cerca de quinhentos metros. Restava-nos ir para dentro do rio, naquela altura com a maré muito baixa. Foi o que fizemos, recordo-me de com as mãos tirar o lodo para os lados e me ter deitado nesse espaço, um disparate mas naquele momento tudo nos ocorria ao pensamento.

O armamento por eles utilizado estava distribuído por quatro locais: os RPG 7, um do lado de Pericuto, outro do lado oposto, início da mata de Cablolo; o canhão s/r deles, era daqueles que quando se ouvia a saída, a granada já estava a cair; o morteiro 82, dada a precisão com que eles colocaram as granadas junto à picada, só podia estar na direção da mesma, penso eu. Porque a sorte esteve do nosso lado, apenas tivemos um ferido leve, o apontador de um dos nossos canhões sem recúo, o que fez com que ele tivesse feito apenas um disparo.

Passados largos minutos passamos a contar com a ajuda dos obuses de Catió. Se os camaradas que tinham ido a Cufar, têm chegado alguns minutos antes, tudo nos podia ter acontecido, dado o trajeto que nós tínhamos de fazer para regressar ao destacamento, atendendo à precisão com que eles colocaram as granadas junto à picada.

Entre a população houve uma vítima mortal, uma senhora. No outro dia efetuaram o seu funeral, tendo sido enterrada junto à tabanca onde morava. Nesse dia apareceram por ali algumas pessoas vindas de outros locais. Ao fim do dia havia alguns com pedaços daquilo que nos parecia ser carne de porco, não chamuscado, gostava de saber se seria alguma tradição Havrá alguém que saiba?

António Eduardo Ferreira

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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22395: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (16): A caminho de Mansambo com o pensamento na Nazaré

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23620: (Ex)citações (415): Hoje decidi fazer mais uma pequena viagem ao passado, em Cobumba (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)

Cobumba - António Eduardo Ferreira - Saída do abrigo

1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873 (Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 13 de Setembro de 2022:

Amigo Carlos Vinhal
Faço votos para que te encontres bem junto dos que te são queridos.
Um abraço


Hoje decidi fazer mais uma pequena viagem ao passado

Ultimamente apareceram uns trabalhos publicados no blogue falando do sítio onde durante algum tempo esteve a minha companhia. Refiro-me a Cobumba, junto ao rio Cumbijã - o que me tem levado a pensar naquilo com que por lá fomos confrontados, e que fez com que eu entenda melhor as dificuldades que a nossa companhia lá teve de enfrentar.

Pessoal novo, por lá, só estavam crianças, algumas que diziam ser oriundas de Bedanda. Os mais velhos eram poucos, estavam por lá todo dia e de lá não saíam. Chegava a acontecer, em alguns dias, aparecerem por ali vários homens mais novos, não sabíamos de onde vinham, que passavam o tempo que lá estavam, a beber numa espécie de taberna que tinha sido feita depois de nós lá termos chegado, cujo dono servia de tradutor quando era necessário falar com alguma população que não conhecia a nossa língua. Quando chegava o fim da tarde iam todos embora, na maioria bêbados. Às vezes acontecia cenas de pancadaria entre eles em que nós agíamos como se nada estivesse a acontecer… era problema deles.

Outra coisa que me deixava algo pensativo era um filho do chefe da tabanca ir todos os dias à escola a Pericuto, que ficava próximo de Cobumba, mas onde nós não íamos. Essa escola só podia ter a ver com o PAIGC. Esse menino que era chamado por Zé, um dia disse-me que aquilo que mais os assustava, antes da nossa tropa ter ido ocupar aquela zona, era o passarinho grande - o avião quando por lá andava a bombardear. Disse-me também que quando andavam na bolanha deitavam-se, só ficavam com um olho fora de água até que o avião fosse embora.

Naquele sítio estava a maioria da formação da nossa companhia, e mais dois pelotões, assim como o pessoal encarregado do morteiro, creio que era calibre 120, e alguns elementos que tinham a seu cargo o canhão sem recuo. Já antes de nós lá termos chegado, existia um abrigo, debaixo de um mangueiro, onde parte da população, durante alguns dias, passava a maior parte o tempo - o que era para nós motivo de preocupação…

A nossa companhia ocupava dois dos três sítios que ficavam a uma distância de cerca de trezentos metros, em linha reta, uns dos outros. Havia mais um grupo de tropa que compunha o triângulo, onde existia população, não sei a que companhia pertenciam, chegaram depois de nós. Apesar de ficar a pouca distância de nós, apenas lá fui dentro uma vez, em que estava de serviço, com a viatura para retirar lixo. Se o tempo de serviço de reforço durante a noite acontecia-nos todos os dias, já o serviço de condução não era assim. Próximo do fim da nossa permanência ali, chegou a ser com um intervalo de cerca de dez dias.

Localização de Cobumba no itinerário Bedanda/Estrada de Catió


Quando fomos para lá, levámos quatro viaturas, uma acionou uma mina logo no dia que chegamos, com o passar do tempo, foram todas destruídas por minas, sendo possível recuperar só uma delas que depois acabou também por avariar no dia que viemos embora. Por consequência foi necessário cada um transportar as suas coisas às costas para a LDG até ao rio Cumbijã. Ironia do destino, eu estava tão fragilizado que não as conseguia levar, apenas levei a G3, tive de pagar a um elemento da população que tinha sido carregador do PAIGC para as levar - chamava-se Miranda, dizia ter chegado a ir com granadas à cabeça, junto com os guerrilheiros, até ao Xitole.

Outra das coisas que por lá aconteceram, que algumas vezes me ocorre à memória, tem a ver com uma menina elegante e muito bem vestida que certo dia lá apareceu, não ficamos a saber de onde tinha vindo, acompanhada por vários meninos, com uma galinha para vender, coisa que nunca tinha acontecido, nem voltou a acontecer. Galinha essa que alguns condutores lhe compramos. Isto aconteceu da parte da manhã, durante a tarde, nesse mesmo dia, fomos flagelados à distância, três vezes. Quando começou o ataque, estava o nosso camarada, o condutor Cruz, dentro da vala a começar a fritar a galinha. Toca a recolher para o abrigo, como era normal. Quando supúnhamos que a flagelação tinha terminado, voltamos a sair, pouco depois voltaram a atacar e nós recolhemos uma vez mais. Quando imaginávamos que a festa tinha acabado, aconteceu o terceiro ataque. Foi então que o Cruz, depois de sair do abrigo disse:
- Agora, voltem a atacar ou não, enquanto não fritar a galinha não volto mais para o abrigo.

Mas ao fim do terceiro ataque, naquele dia, as coisas acalmaram.

Foram estes alguns dos momentos que lá passámos, não falando nos mais dramáticos que aconteceram, que foram muitos, mas esses é melhor procurar esquecer.

António Eduardo Ferreira

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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23587: (Ex)citações (414): Um "presente envenenado": a minha transferência da CCAÇ 1621 para a CCAÇ 6, em 1/7/1967, em substituição do alferes miliciano acusado de roubar o arroz às "mulheres do mato" (Hugo Moura Ferreira)

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23590: Notas de leitura (1489): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VII: A incrível história do soldado 25, cabo-verdiano, aliciado pela amante, uma "mulher do mato" de Cobumba, para cometer um acto de alta traição: tomar o quartel e matar todos os tugas...



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 4ª CCAÇ (1965/67) > s/d > "Mulheres do mato. Ao centro está o alferes Oliveira." 

Fonte: Manuel Andrezo . "Panteras à Solta", edição de autor, s/l, 2010, pág. 398 (Com a devida vénia...).



O gen Arnaldo Schulz em visita à 4ª CCAÇ em Bedanfa, s/d (c. 1964/67). Foto do Arquivo Histórico Militar, reproduzida por CECA (2014), p. 257.


Fonte: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª Edição; Lisboa (2014), pág. 257
.


1. Continuação da leitura do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010], 399 pp. il, disponível em formato pdf, na Bibilioteca Digital do Exército). [ Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/jul 67] (*)

No livro "Panteras à solta" (que cobre o período que vai de julho de 1965 a julho de 1967, em que o cap inf Aurélio Manuel Trindade esteve à frente da 4ª CCAÇ e depois CCAÇ 6, em Bedanda),  há várias referências ao "comandante militar" e/ou "brigadeiro comandante militar" sem nunca o autor o nomear.  Também não há qualquer referência ao com-chefe e governador da Guiné, desse tempo, o brigadeiro e depois general Arnaldo Schulz...

Rcorde-se que desde o início da guerra,  era comandante-chefe o coronel tirocinado do CEM, Fernando Louro de Sousa (nomedo em 19mar63). Irá exercer as funções cumulativamente com as de comandante Militar, tendo substituído no cargo o coronel do CEM João Augusto da Silva Bessa. Promovido a brigadeiro (em 9jul63),  terminaria a comissão em 20mai64, altura em que  seria  substituído,no dia seguinte, pelo brigadeiro Arnaldo Schultz, que por sua vez acumularia as funções com as de governador da província. Promovido a general em 20abr65, Schulz cessaria funções em 23maio968. A partir de 7set66, há um novo comandante militar, o brigadeiro António M. Malheiro Reymão Nogueira.  Para os leigos, nem sempre é clara a distinção entre comandante militar e comandante-chefe...
 
Uma das preocupações iniciais do cap inf Cristo ("alter ego" do autor), quando chega a Bedanda,em rendição individual, em julho de 1965, para comandar a herogénea 4ª CCAÇ, é o reforço da coesão,  do espírito de corpo, da disciplina e da lealdade dos seus homens. 

Tanto Bissau como o comando de sector,  o S3, em Catió (onde estava sediado o BCAÇ 619, 1964/66, rendido depois pelo BCAÇ 1858) tinha  reservas em relação a esta companhia de guarnição normal, por alguns incidentes de natureza disciplinar. Era considerada uma boa companhia, do ponto de vista operacional, mas com altos e baixos, e a passar em meados de 1965 por um "mau momento"... 

Havia, ao que parece, por parte de Bissau (onde na época o governador geral e com-chefe já era o gen Arnaldo Schulz que nunca é mencionado no livro) um preconceito, fundamentalmente racista, em relação aos "caçadores nativos" (e em especial aos "cabo-verdianos"). A perceção de que os principais dirigentes do PAIGC eram cabo-verdianos ou de origem cabo-verdiana (a começar pelos irmãos Cabral) pode ter alimentado e agravado a desconfiança em relação os militares das NT, cabo-verdianos ou de origem cabo-verdiana.

Aiás, só tarde, e devido à persistência do cap Cristo, os "soldados nativos" passaram a ter a novíssima G3 em lugar da velhinha Mauser, da II Guerra Mundial... E combatiam um inimigo dotado de armamento superior (a começar pelas armas automáticas, como a Kalash). Diz o tenente-coronel que vem de Bissau, mandado pelo "brigadeiro omandante militar":

(...) "Você tem que compreender que comanda uma companhia de negros em quem não confiamos totalmente. Já houve aqui uma tentativa de revolta e ninguém nos diz que não possa haver outra, e era muito aborrecido se eles fugissem para o mato com as G3. (...) (pág. 124).

A situação deveria ser semelhante nas outras duas companhias de "caçadores nativos", de guarnição normal: a 1ª CCAÇ, que estava em Farim (e que deu origem à CCAÇ 3); e a 3ª CCAÇ (que estava em Nova Lamego) e que deu origem à CCAÇ 5.  O nosso colaborador permanente José Martins, ex-fur mil trms dos "Gatos Pretos" (CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70) recorda-se que que na sua secção, no seu tempo,  havia 6 mausers e 6 G3...
 
2. Por volta de finais de 1964 ou princípios de 1965, tinha havido, na 4ª CCAÇ, um incidente grave que poderia ter  tido consequências trágicas,  Recorremos a alguns excertos do livro que estamos a ler, "Panteras à Solta":

(...) "─ Eu também queria dizer algo meu capitão ─ disse o 1º Sargento. ─ Há alguns meses atrás, antes de eu vir para a companhia, houve qualquer coisa com alguns soldados negros, principalmente cabo-verdianos, que fez com fossem conduzidos ao Comando do Batalhão, em Catió, onde ficaram detidos. São soldados da companhia que ainda lá permanecem presos. Não sei o que se passou mas a companhia tem necessidade de resolver este assunto. (...) (pp- 31/32)

(..) ─ Obrigado ─ disse o capitão. ─ Algum dos senhores sabe alguma coisa mais que me queira dizer sobre os soldados da companhia presos em Catió?
─ Eu, meu capitão ─ disse o Alferes Ribeiro. ─ Eu já estava na companhia quando
isso aconteceu. Não falei antes porque julguei que em Bissau, quando por lá passou, o nosso capitão Xáxa ou alguém lhe tivesse falado nisso. 

O alferes Ribeiro descreveu, então, os antecedentes da situação.  Um dia, ao cair da noite, estavam para sair para uma operação e dispunham de um prisioneiro, capturado na operação anterior que ia servir de guia. Aconteceu que o alferes Cordeiro encontrou o prisioneiro, fora da prisão, a sair calmamente do quartel. Prendeu-o novamente e interrogou-o para saber como tinha conseguido sair da prisão, tanto mais que havia um soldado a guardá-lo à vista. 

Inicialmente o prisioneiro não queria falar mas com a habilidade do alferes Cordeiro ele acabou por confessar que tinha sido solto pelo soldado 25 e que se dirigia para o seu acampamento, em Cobumba

Chamado o soldado 25, outro cabo-verdiano, foi o mesmo posto perante os factos. Negou, a princípio, qualquer interferência, mas perante as evidências acabou por confessar. A declaração dos motivos foi bem mais difícil de obter. Mas o alferes Cordeiro, perito na arte do interrogatório, conseguiu que o soldado 25 confessasse os motivos da sua acção.

Tinha uma amante, mulher do mato da zona de Cobumba. Todos as semanas a mulher vinha à povoação comercial vender arroz e comprar cana e tabaco, e dormia uma noite com o soldado. Na cama, ela ia procurando saber coisas da companhia.

Tantas vezes dormiram juntos, tanto falaram da companhia, que a mulher lhe prometeu o comando de Bedanda se ele a ajudasse a tomar o quartel. As promessas eram tão aliciantes que ele aceitou ajudar desde que lhe dissessem o que tinha de fazer e lhe comunicassem o momento de agir. Fez ligações com outros soldados do seu pelotão, na maioria cabo-verdianos, e estabeleceram um plano de acção que, na sua essência, apontava para a tomada do quartel pelas força. 

Na noite aprazada para o ataque, os cabo-verdianos, ao tempo do pelotão do alferes Barata, facilitariam a entrada dos guerrilheiros, matando nos quartos todos os brancos, oficiais e sargentos e alguns cabos especialistas. Durante o ataque, o pelotão dos revoltosos e mais alguns soldados negros que aderissem ao movimento, liquidariam todos os soldados que não quisessem juntar-se aos guerrilheiros. 

Conquistado o quartel e feita a limpeza de militares e de civis que não aderissem, o 25 passaria a comandar toda a área de Bedanda. Como tudo se veio a saber por confissão do soldado 25, todos os militares implicados foram presos e enviados para Catió onde seu deu início aos autos. Nessa noite, ninguém saiu para o mato, refizeram-se os pelotões até que se recebessem novos efectivos em praças. 

A partir dessa data passou a exercer-se um controle apertado de entradas e saídas das mulheres do mato, para se averiguar as que dormiam em Bedanda, onde e com quem.

─Meu capitão, nós todos, oficiais e sargentos, ficámos convencidos de que estávamos sentados num barril de pólvora. Se dessa vez tivemos sorte ao descobrir a tempo a conspiração, na próxima poderemos não ter, pelo que todos temos  de ficar atentos e permanentemente vigilantes. " (...) (pp. 32/33).

Ficamos sem saber se os militares sediciosos da 4ª CCAÇ, tal como soldado 25, maioritariamente "cabo-verdianos" (sic), eram nascidos em Cabo Verde ou na Guiné. Sendo do recrutamento local, era mais provável que fossem guineenses, de origem cabo-verdiana...
 
3. Ficamos, todavia,  a saber que, ao tempo da 4ª CCAÇ (e mesmo depois, com a CCAÇ 6), havia um sistema de livre trânsito em Bedanda, para as "mulheres do mato", que iam à "povoação comercial" vender os seus produtos e comprar outros que lhes faziam falta. 

Em geral, eram mulheres, mães, filhas  ou parentes de guerrileiros.   Eram oriundas "de Cobumba, de Pericuto, de Chugué. (...) (pág. 116), ou seja, de povoações que ficavam a escassos   quilómetros,  em redor de Bedanda.

As mulheres vinham de zonas onde havias boas bolanhas, e que continuavam a ser cultivadas. O arroz (e outros produtos, como a mandioca) era suficiente para as necessidades dos guerrilheiros e da população sob o  seu controlo. Em contrapartida, havia falta de arroz (e produtos frescos) em Bedanda.

Sabe-se que populações balantas emigraram, nos anos 20/30, para a região de Tombali e ali desenvolveram a cultura do arroz. No sul, os balantas (mas também biafadas, mandingas, nalus, sossos...)  são aliciados pelo PAIGC.  A economia da região fica totalmente desarticulada. Bedanda, em pleo chão balanta, é agora ocupada maioritariamente por fulas fugidos do Cantanhez e doutras partes.

(...) "O capitão não aceitava que a população sob o controlo das suas tropas vivesse pior do que a população controlada pelos guerrilheiros. Do lado deles não havia falta de arroz, mancarra, mandioca e óleo. Do lado da tropa tinham apenas cana, tabaco e panos que os comerciantes traziam de Bissau, e o arroz que compravam às mulheres dos guerrilheiros.  

Fazia-se um intercâmbio grande entre a população comercial e as mulheres do mato. Traziam arroz, mancarra e óleo, e voltavam com tabaco, cana e panos para elas e para os homens. Se era difícil para os militares compreender a sua posição como um elo na cadeia logística dos guerrilheiros, mais difícil era verificar que os outros tinham mais comida do que a população que a tropa controlava. O capitão ia reagir a esta situação de uma forma pouco usual. (...) (pp. 76/77).

Em suma, a tropa facilitava a entradas das "mulheres do mato" em Bedanda por onde circulavam livremente (exceto nas intalações militares), havendo todavia sido criado, para o efeito, um mecanismo de controlo (que não vem descrito em detalhe no livro): 

(...) Dado estar autorizada a entrada das mulheres do mato na povoação comercial, existe um sistema de controlo que permite ao coma companhia saber quantas mulheres entraram e donde vieram. Muitas vezes as mulheres trazem galinhas e ovos para vender, e o próprio capitão tem comprado algumas, pondo-as numa capoeira no pelotão da cantina. Normalmente tem lá três ou quatro galinhas.

 O capitão, acompanhado do Lassen, desloca-se muitas vezes aos acessos a Bedanda, de manhã cedo, para falar com as mulheres do mato e aproveita para mandar a sua mensagem. Quando quer saber informações de determinadas áreas, o capitão utiliza várias pessoas que vão desde comerciantes a soldados ou aos homens grandes da tabanca, nomeadamente soldados da milícia. Quando isso acontece, o capitão autoriza que se façam despesas nas casas comerciais, em tabaco e em cana, para se criar um clima de confiança. Por vezes é um trabalho demorado mas permite ao capitão ficar a saber o que se passa na mata à sua volta. (...) (pág. 102)-

Chegaram a estar em Bedanda, num só dia,  uma centena de "mulheres do mato" que o cap Cristo também usava para fazer a sua "psico" e obter informações sobre o que se passava do lado de lá, ao mesmo tempo que aproveitava para  transmitir "recados" aos "homens do mato", e em última análise ao 'Nino' Vieira:

(...) "No dia seguinte, às onze e meia da manhã, mais de 100 mulheres estavam
concentradas no pelotão da cantina. O capitão tinha mandado recolher aos abrigos todos os soldados. Além disso, tinha avisado a tabanca, o administrador e todos os comandantes de pelotão de que a artilharia iria fazer fogo ao meio-dia". (...) (pág. 272).

Segundo o cap Cristo, o 'Nino' teria estatado inicualmente na tropa portuguesa, dizia-se. E tinha estado justamente em Bedanda. Razão por que Bedanda era um "espinho encracado" na sua garganta (pág. 269). Daí a tentativa, gorada, de um dia tentar conquistar, ocupar e ou destruir Bedanda. Falava-se num força de 800 homens. (Vd. capáitulos "Os 800 do Nino", pp. 269-273).

(...) Utilizando o cabo Francisco o capitão dirigiu-se às mulheres.
─ Soube que os vossos maridos e filhos se preparam para atacar Bedanda para matar o nosso capitão. Mas nosso capitão não tem medo nem que venham mil guerrilheiros. Nosso capitão sabe que Nino só ainda tem 800 para o vir atacar. Digam-lhe que é pouco. Para entrar em Bedanda e matarem nosso capitão precisa de muito mais gente. Nosso capitão não foge suma galinha. Quem foge suma galinha são os vossos maridos, são os guerrilheiro do Nino. Traduz para elas." (...) (pág. 272)

Mas, como vimos com a história do soldado 25, o sistema também funcionava a favor do PAIGC. Digamos que havia um "modus vivendi" que agradava a todos, por muito insólito que isso possa parecer hoje aos olhos dos nossos leitores que não conheceram o sector S3... Noutros sectores como o L1 (Bambadinca), que eu cnheci (em 1969/71) as coisas não funcionavam assim: as "mulheres do mato" arriscavam ser emboscadas, presas ou mortas, quando se dirigiam a Nhabijões e a Bambadinca, cambando o rio Geba,  para visitar os parentes e/ou fazer compras...

(Continua)
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Notas do editor:

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23485: (In)citações (211): Quando o ontem e o hoje pode não ter nada a ver (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR)

1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873 (Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 30 de Julho de 2022:


QUANDO O ONTEM E O HOJE… PODE NÃO TER NADA A VER

Por vezes, vou assistido a algumas conversas entre ex-militares que, como eu, andaram pela então província da Guiné; em que as opiniões que eles vão expressando sobre o que por lá passaram chegam a ser tão diferentes que, alguns, são levados a pensar que os outros não estão a ser muito corretos acerca daquilo que dizem; porque estão a falar de um sítio por onde também eles tinham andado e não era bem assim.

Cada um pode pensar o que quizer!... Mas é bom termos em conta que, apesar de ser um território relativamente pequeno - era povoado por várias etnias, em que algumas tinham comportamentos muito diferentes de outras, para connosco… Depois, com o evoluir da guerra as coisas foram sofrendo grandes alterações. Se no início existiam sítios que eram considerados muito maus… mais tarde, podia já não ser tanto assim… o contrário também aconteceu.

À medida que o tempo foi passando, para além da preparação mais acentuada dos guerrilheiros, com a vasta experiência que foram adquirindo, também muito do armamento por eles utilizado passou a ser diferente… melhor que o nosso. Por tudo isso nenhum de nós que por lá andamos deve de dizer que o outro não está a falar correto… As coisas, com o passar do tempo, foram sofrendo grandes alterações… Se no início da guerra havia companhias que faziam dezenas de quilómetros a pé, sem picar os caminhos ou trilhos por onde passavam, mais tarde, isso era impossível…

Nos cerca de vinte sete meses que a companhia de que fiz parte por lá andou, foram muitas as alterações com que fomos confrontados, sobretudo, depois de termos saído de Mansambo e a consequente ida para Cobumba, a que se juntou o efeito provocado pela chegada dos Strela. 

Assim, como também o que depois nos aconteceu quando nós regressamos a Bissau, onde estivemos alguns meses, em que a nossa companhia que estava prestes a fazer dois anos de comissão, passou a ser totalmente operacional… só os criptos e dois da secretaria não saíam… Os outros passaram a fazer todos os mesmos serviços, que foram vários, sempre com a G3 como companheira e a ter de ir para muitos sítios…

Quando estávamos em Mansambo, todas as semanas íamos a Bafatá buscar duas vacas “pequenas” para consumir durante a semana. Em Cobumba, com o efeito provocado pelos Strela e os estragos que eles começaram a fazer, tivemos duas semanas em que não recebemos alimentos frescos como era normal acontecer - os helis durante esse tempo não apareceram por lá, e os bens alimentares estavam a acabar. Houve um dia em que o nosso almoço teve de ser arroz cozido com um pedaço de marmelada… 

Mais grave ainda, foi quando num desses dias uma viatura nossa acionou uma mina a poucos metros do arame farpado do nosso destacamento de que resultaram alguns feridos graves, que depois estiveram durante várias horas deitados nas macas no local onde os helis costumavam descer - enquanto nós íamos esperando que eles chegassem, como era costume!… Mas eles não chegaram a aparecer! Foi necessário, à noite, irmos levá-los nos nossos sintex a Cufar, com a companhia de alguns fuzileiros que vieram do Xugué, de onde depois foram evacuados para o hospital militar de Bissau.
O estado em que ficou a viatura que acionou a mina

Isto são apenas alguns exemplos, ainda que resumidos, daquilo que nós por lá passamos, “como aconteceu a outros”. Foram muitas as mudanças que aconteceram em pouco tempo com as quais passamos a ter de conviver… Por isso, quando vejo alguns relatos escritos sobre o que por lá terá acontecido, algumas vezes, por pessoas que nem sequer lá foram… chega a dar-me que pensar…

António Eduardo Ferreira

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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23375: (In)citações (210): O Vinho Nosso de Cada Dia (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872)

sábado, 10 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22361: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (15): A religião, a fé e o medo

Cobumba - António Eduardo Ferreira - Saída do abrigo


1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, MansamboFá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 8 de Julho de 2021:


A religião, a fé e o medo

Quando a religião, a fé e o medo se misturavam, por vezes, aconteciam coisas que ainda hoje me dão que pensar. Não sou a pessoa mais indicada para falar destes assuntos…, mas, posso e quero falar sobre duas situações a que assisti quando da minha estadia em Cobumba. A primeira teve a ver com uma missa, a única que por lá aconteceu e a que eu assisti. Estávamos ainda há pouco tempo naquele sítio. Um dia, apareceu lá um padre não sei como nem de onde veio, talvez de alguma companhia próximo dali.

Naquele local, onde a missa aconteceu, estavam dois pelotões da nossa companhia, quase toda a formação e ainda uma secção encarregada do morteiro que lá se juntou a nós… Todos os que estávamos por ali, disponíveis, fomos assistir à missa. Não sei se seria hábito de todos os que assistiram à cerimónia irem à missa nas suas terras na metrópole. Eu não era um grande frequentador… os domingos e dias santos eram para mim os principais dias de trabalho.

Apesar da missa ter acontecido junto a uma árvore, não muito grande, sem nenhumas condições, todos os que a ela assistiram, de pé, estavam com muita atenção, parecendo estar a viver intensamente aquilo ali que estava a acontecer.

Algum tempo depois num dia em que eu estava de serviço, de condutor, ao fim da tarde, com mais seis camaradas fomos até junto ao rio Cumbijã com a viatura, onde esperamos pela chegada do sintex com o pessoal que nele regressava depois de uma ida a Cufar, como acontecia algumas vezes. Estávamos já há cerca de meia hora à espera que eles chegassem, e ao mesmo tempo íamos vendo e ouvindo os Fiat que andavam por ali perto a bombardear, em que era fácil de os observar. Se noutro tempo… algumas vezes, eles chegavam a voar quase junto às árvores, depois da chegada dos mísseis Strela as coisas mudaram muito no que diz respeito à altitude em que efetuavam os bombardeamentos!... Durante a conversa que fomos mantendo enquanto esperávamos, alguém do grupo disse que a “Maria turra” de que todos nós ouvíamos falar, tinha dito que em breve nos iam atacar.

Era uma conversa normal que ouvíamos com frequência, na rádio, em que ela dizia que tinham feito grandes estragos em alguns sítios com flagelações em que tinham destruído abrigos e provocado baixas nas nossas tropas, em que grande parte dessas notícias eram falsas. Entretanto, os Fiat foram embora enquanto nós íamos esperando pelo pessoal que tardava em chegar.

Passados poucos minutos, dos Fiat terem abalado começamos a ouvir rebentamentos, não muito longe, a nossa primeira sensação foi de que seriam os Fiat que tinham voltado a bombardear, mas a realidade era outra, foram precisos breves instantes para nos apercebermos que agora quem estava a ser bombardeados éramos nós. 

Foi a flagelação mais intensa, à distância, com que fomos contemplados enquanto estivemos em Cobumba. Naquele dia, foram vários sítios de onde nos atacaram em que utilizaram três tipos de armas, o canhão sem/recuo, o RPG e o morteiro. 

A sorte naquela tarde esteve connosco, apesar de todo aquele arraial apenas um dos nossos apontadores de canhão sem/recuo sofreu ferimentos leves, ainda antes de disparar o canhão foi atingido por estilhaços de uma granada de RPG que rebentou próximo dele, em que o canhão ficou inoperacional. Com o morteiro eles fizeram fogo com uma precisão que se tem sido alguns minutos mais tarde podia ter resultado em graves consequências para nós… 

Desde o inicio da picada que tínhamos de percorrer do rio até ao ponto mais distante onde se encontravam as nossas tropas, eram cerca de quinhentos ou seiscentos metros, em linha reta, eles conseguiram colocar uma granada de cada lado ao longo da picada, com cerca de setenta metros entre uma e outra. As últimas duas caíram próximo do sítio onde nos encontrávamos, junto ao rio. 

E foi aí que uma vez mais a religião, a fé ou o medo, voltaram a fazer-se sentir. Alguns dos que estavam por ali, em condições normais, por vezes, até diziam mal dos padres da religião e de alguns que a seguiam. Mas, aquilo a que foi possível assistir, foi ver todos a entrar para dentro do leito do rio, naquele momento a água tinha descido muito o que era normal… e vê-los e ouvi-los a rezar em voz alta. Enquanto eu, cheio de medo, entretive-me a tentar fazer um buraco na lama dentro do leito do rio, para lá me deitar. Disparate meu, mas em situações assim… por vezes o disparate acontece! Por isso já me desculpei…

Algumas vezes, ainda sou levado a pensar na frase, que, com frequência ouvia falar, que a fé move montanhas. Não sei se move…, mas em conjunto com o medo, pelo menos, naquele caso mudou comportamentos. 

Quando os camaradas chegaram no Sintex, junto de nós, o ataque já tinha terminado, ainda bem que eles demoraram, assim safamo-nos de ter vivido aquela situação na picada no regresso… onde não havia sítios para nos abrigar, se tal fosse necessário.

António Eduardo Ferreira

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE FEVEREIRO DE 2017 > Guiné 61/74 - P17059: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (14): A minha ida ao Xime

sábado, 29 de maio de 2021

Guiné 63/74 – P22234: (Ex)citações (385): Recordando as minhas lavadeiras (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493/BART 3873)

Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Março de 1973 > As lavadeiras no lavadouro público
© Foto de Francisco Gamelas, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73)


1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, MansamboFá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 28 de Maio de 2021:

Amigo Carlos
Uma vez mais a conversa do costume, que te encontres de boa saúde. Que mais podemos nós desejar depois do tempo que já passou. Poder ambicionar mais podemos, mas nunca devemos esquecer que quando a saúde falta o resto pode ter pouco valor.

Recebe um abraço
António Eduardo Ferreira


Recordando as lavadeiras

Depois de muito ter ouvido falar acerca das lavadeiras que tínhamos na Guiné, nem sempre pelos mesmos motivos, hoje decidi falar das duas que tive durante o tempo que passei em Mansambo. A primeira foi a Califa, uma menina ainda muito nova. A esta distância no tempo já não me lembro como foi que ela apareceu como minha lavadeira, talvez já desempenhasse esse serviço para os condutores que nós fomos substituir, apesar da sua idade… era muito responsável. Passados alguns meses da nossa companhia estar naquele local, a Califa deixou Mansambo e foi casar com um homem bastante mais velho que ela. Foi mais um acontecimento que me causou algum espanto… o que era normal para quem não tinha nenhum conhecimento da vida e das tradições daquele povo, como era o meu caso… ver uma menina com tão pouca idade ir casar com um homem muito mais velho, que diziam… já ter mais algumas a quem ela se ia juntar!

Depois da partida da Califa… a minha lavadeira passou a ser outra de quem já não me recordo o nome, mas não esqueci que era alguém bela elegante e muito calma, sempre bem vestida mais parecia uma menina identificada com outro tempo!... Apesar de ainda nova já tinha um filho que trazia sempre consigo quando vinha buscar ou entregar a roupa. Pouco tempo antes da nossa saída de Mansambo para Cobumba, um dia estava eu sozinho no abrigo, como acontecia muitas vezes, quando ela lá apareceu levar-me a roupa com o seu menino ainda pequeno às costas, como era hábito das mães… andarem com os filhos, sentou-se na minha cama com o semblante carregado próprio de quem estava a sentir-se perturbada e disse-me, António estou grávida. Notava-se que tinha vontade de falar… não sei se seria com todas as pessoas… estivemos algum tempo a conversar em que foi ela quem mais falou, entre outras coisas, disse-me que o pai do seu filho e daquele que vinha a caminho… também era tropa e naquela altura estava em Bambadinca. Depois de termos estado algum tempo a falar, quando abalou as lágrimas bailavam-lhe nos olhos, o que me deixou por momentos algo perturbado. Das mulheres com quem tive oportunidade de falar e de ouvir durante o tempo que estive na Guiné, atendendo ao tempo que por lá andei não foram muitas… era aquela alguém diferente de todas as outras!...

Em Cobumba não tive lavadeira, nem ouvi falar que houvesse por lá alguém que tivesse. A roupa que eu lá trazia vestida também era pouca, apenas uns calções e nos pés uns chinelos de plástico sem peúgos. Só durante a noite quando estava de serviço, a fazer reforço, que fazia todas as noites, algumas vezes vestia o camuflado. A minha falta de jeito para lavar roupa, apesar de ser pouca a que tinha de lavar, ajudou a valorizar ainda mais o serviço das lavadeiras que tive em Mansambo. Espero que ainda por lá estejam… e que a vida lhe tenha corrido o melhor possível.

António Eduardo Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE MAIO DE 2021 > Guiné 63/74 – P22219: (Ex)citações (384): As crianças de Mansambo e de Cobumba - Que jamais esquecerei (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493/BART 3873)

sábado, 22 de maio de 2021

Guiné 63/74 – P22219: (Ex)citações (384): As crianças de Mansambo e de Cobumba - Que jamais esquecerei (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493/BART 3873)

1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, MansamboFá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 21 de Maio de 2021:

Amigo Carlos Vinhal
Faço votos para que te encontres de boa saúde junto dos teus. Com a nossa idade podemos ainda desejar muitas coisas!... Mas certamente a saúde é a mais importante.
Recebe um abraço



As crianças de Mansambo e de Cobumba

Há dias, quando da passagem de mais um aniversário (já são 71) o amigo Cherno Baldé[1] ao enviar-me os parabéns dizia que eu ainda não teria esquecido as crianças de Mansambo assim como de outros sítios por onde passei na Guiné. Se existe alguém que eu jamais esquecerei “enquanto a mente me permitir” são as crianças da Guiné daquele tempo.
Crianças de Mansambo, ao tempo da CART 2339 (1968/69)
Foto ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados

Começando pelas de Mansambo, a esta distância no tempo, basta, mentalmente olhar para lá e logo as vejo a brincar... com particular destaque para o tempo que eles passavam a jogar a bola, que era muito. Os condutores de que eu fazia parte, éramos oito no mesmo abrigo, tínhamos um menino que durante algum tempo trabalhava para nós... a quem chamávamos faxina, o primeiro foi o xerife (o nome porque era conhecido, não sei se era assim que se escrevia) o serviço que lhe estava destinado era ir à cozinha buscar a comida na hora das refeições para trazer para o abrigo... depois comia connosco e a seguir lavava a loiça. Ao fim do mês recebia algum dinheiro que todos lhe dávamos, já não me recordo qual era o valor. Passado alguns meses de lá estar vim de férias à metrópole, mas antes já lhe tinha prometido quando voltasse que lhe levava uns sapatos.

Passado o mês de férias quando regressei a Mansambo o xerife tinha sido substituído, não sei qual o motivo... o seu lugar passou a ser ocupado pelo António a quem assim que cheguei lhe pedi para ir à tabanca chamar o xerife para lhe entregar os sapatos conforme lhe tinha prometido, pedido por ele logo aceite. Assim que o xerife chegou ao nosso abrigo e lhe entreguei os sapatos novos foi grande a alegria que ele não conseguia disfarçar... e a minha não foi menor. No outro dia, logo pela manhã, o xerife apareceu lá no abrigo acompanhado por vários meninos da tabanca, todos muito alegres, e veio levar-me uma galinha. Passado algum tempo o António foi embora, (diziam que a sua partida tinha a ver com o fanado) sendo o seu lugar ocupado pelo Demba, um menino mais novo que os seus antecessores a quem prometi quando voltasse de novo à metrópole de férias, como tinha previsto, que lhe levava também uns sapatos novos. Mas as coisas alteraram-se e os sapatos para o Demba (com grande pena minha) não chegaram a ser entregues.
A nossa companhia foi transferida para Cobumba e foi já depois de lá estar que voltei de férias à Metrópole, não mais voltei a ver os meninos de Mansambo.

Em Cobumba também havia crianças, mas a distância entre eles e nós, pelo menos no início, era diferente, não estavam habituados a ter a companhia de tropa branca. Mas a alegria com que eles brincavam levava-me a pensar como era possível a viver num ambiente tão complicado como aquele que tinha lugar em Cobumba e eles sempre alegres passando muito tempo a brincar como se nada de anormal estivesse a acontecer. Certamente que os meninos da Guiné também choravam, mas durante o tempo que por lá estive nunca vi isso acontecer!... Algumas vezes, alguns atravessavam o rio Cumbijã a nado e riam-se quando sabiam que alguns de nós não sabíamos nadar. Já próximo do fim da permanência da nossa companhia naquele local, as minas na picada entre os três sítios em que se encontravam as nossas tropas, eram cada vez mais. Alguém decidiu que enquanto a viatura andasse em movimento (já só tínhamos uma pronta a andar, as outras três já tinham sido destruídas pelas minas) tinha que andar sempre alguém da população ao lado do condutor!... Os condutores éramos muitos, para uma só viatura, pelo que o nosso serviço de condução tinha um intervalo bastante grande. Só me recorda de ter de andar um dia em serviço acompanhado em que tive a companhia do José, um menino que era filho do chefe da tabanca. Foi um dia de muita conversa em que eu procurei saber como era a vida naquele local antes de nós lá chegarmos, das várias coisas que ele me falou, há uma que eu não mais esqueci, foi quando ele a rir me disse que daquilo que eles tinham mais medo antes de nós lá termos chegado, era do passarinho grande (o avião) quando andavam na bolanha. Assim que o viam deitavam-se ficando apenas com um olho fora da água enquanto ele andasse por ali.

Junto à tabamca onde se encontravam dois pelotões e quase toda a formação da nossa companhia, quando lá chegamos já eles tinham um abrigo junto a um mangueiro onde várias pessoas da tabamca, certos dias, passavam grande parte do tempo, o que nos causava alguma apreensão, talvez eles soubessem de alguma coisa que nós desconhecíamos.

A vida das crianças em Mansambo e Cobumba, sempre me causou bastante preocupação ainda que nem sempre a expressasse. Esse modo de eu as observar e sentir alguns dos problemas que elas tinham de enfrentar, talvez tivesse a ver com a situação difícil porque passei quando parti para a Guiné (a primeira vez) no dia 24 de janeiro de 1972 o meu filho tinha ficado com a mãe no hospital, onde tinha nascido há dois dias.

António Eduardo Ferreira
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Notas do editor:

[1] - Comentário deixado no Poste 22201:
Anónimo Cherno Baldé disse...
Amigo Eduardo Ferreia, um abraço de parabéns, com votos de saúde e felicidades na certeza de que não se esqueceu das crianças de Mansambo e d'outras localidades por onde tem passado na Guiné.
Cherno AB


Vd. poste de 5 DE JULHO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10119: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (3): Crianças de Mansambo, jamais vos esquecerei!

Último poste da série de 7 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 63/74 – P22079: (Ex)citações (383): Os conflitos e a dedicação do povo. Gratidão. (José Saúde)

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19452: Estou vivo, camaradas, e desejo-vos festas felizes de Natal e Ano Novo (13): António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor da CART 3493


Cobumba - António Eduardo Ferreira - Saída do abrigo, local que servia de sala de refeições.


1. Mensagem do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74) com data de 23 de Janeiro de 2019:

Amigo Carlos Vinhal

Faço votos para que te encontres de boa saúde junto dos que te são queridos, e que o novo ano te corra o melhor possível.
Apesar de continuar a ser leitor assíduo do blogue há já algum tempo que não dava notícias, mas um sonho e a data que foi marcante para mim levaram-me a escrever aproveitando para dizer que estou vivo

Recebe um Abraço
António Eduardo Ferreira

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As voltas que vida dá

Hoje tenho algumas dúvidas, se é o tempo que passa depressa ou se somos nós que passamos pelo tempo sem reparar na velocidade a que seguimos, e algumas vezes, sem saber muito bem por onde. Isto para vos dizer que faz amanhã, dia 24 de janeiro, quarenta e sete anos que viajei pela primeira vez de avião. Cerca das seis horas da manhã partimos de Figo Maduro rumo a essa terra desconhecida, para mim, e para quase todos os que seguíamos a bordo, a então província da Guiné. Estava muito frio, cerca de quatro graus em Lisboa, depois de uma breve paragem no aeroporto dos Pargos, em Cabo Verde, tinham passado cerca de nove horas quando chegámos a Bissau onde a temperatura rondava os trinta graus. Se o desnorte já era grande, é fácil de imaginar como fiquei, eu e os que pela primeira vez faziam aquela viagem.

Quando ouvimos algumas pessoas agora acharem estranho como as coisas aconteciam, assim com normalidade, entre os jovens da nossa geração no que diz respeito à nossa ida para a guerra, por vezes dá que pensar. Mas a esta distância no tempo, não admira que assim pensem. Embora, por vezes, nos custe a aceitar o desconhecimento que a esmagadora maioria demonstra em relação àquela época.

Também eu chego a dar comigo a pensar como era diferente a vida da nossa gente naquele tempo. O meu primeiro filho nasceu no dia vinte e dois de Janeiro, ficou no hospital com a mãe e, dois dias depois eu parti para a guerra…

Todos sabemos como é importante arrumar o passado de forma a não lhe tropeçar, sobretudo, naquilo que menos desejamos. Levei muito tempo a arrumar o meu, não foi fácil, mas consegui, o que não significa que por vezes não lhe tropece. Foi que aconteceu na noite passada, quando dei comigo a percorrer quase todos os sítios por onde andei na Guiné, e foram muitos, ao mesmo tempo a ver todos os ex-camaradas que me eram mais próximos e muitas das situações que por lá tivemos de viver… Fiquei triste ou aborrecido por ter feito essa viagem? Não! Antes pelo contrário. Foi a oportunidade de rever a imagem de alguns amigos que já não estão connosco, e ficar com a certeza que esse tempo já não me causa perturbações como durante muito tempo aconteceu.

Serve também este texto para fazer a minha prova de vida, e desejar a todos, um novo ano com tudo de bom, o que nem sempre acontece, mas isso também é normal. Já agora, quero desejar também o melhor tempo possível a todos os que estão a contas com a chamada doença prolongada, como muita gente gosta de lhe chamar, eu por mim prefiro chamar-lhe oncológica, talvez por estar habituado à sua companhia há já quinze anos…

Um abraço a todos
António Eduardo Ferreira

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2. Comentário do editor

Caro António Eduardo, muito obrigado pelo teu contacto, pois há bastante tempo que não sabíamos nada de ti.

Sabemos que desde há alguns anos tens lutado contra a doença, esperamos que estejas "por cima", o mesmo que dizer, que estejas bem tanto quanto é possível, já que o inimigo é difícil de combater.

Ficas intimado a, pelo menos de vez em quando, dares sinal de ti com ou sem os teus contributos para o Blogue.

Em nome dos editores e da tertúlia, deixo-te um abraço com os melhores votos de saúde.
CV
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19436: Estou vivo, camaradas, e desejo-vos festas felizes de Natal e Ano Novo (12): António Paulo Bastos, que andou em viagem pelas arábias, ex-1.º Cabo do Pel Caç Ind 953 (Teixeira Pinto e Farim, 1964/66)