Fado (1910), quadro a óleo sobre tela, de José Malhoa (1855–1933). Museu de Lisboa. Imagem do domínio público. Cortesia da Wikimedia Commons.
Na tropa e na guerra era mais conhecido por Jerónimo. Lutou quase 20 anos, desde 2004, contra um cancro. Criou o blogue Molianos, viajando no tempo, em data difícil de precisar (c. 2013/2014). No nosso blogue é autor das séries O tempo que ninguém queria e Pedaços de um tempo,
As tabernas, para além das bebidas… eram também o local onde se vendia quase tudo que as pessoas necessitavam para o dia a dia: o açúcar, o café (para fazer na cafeteira), a massa, o arroz, o colorau, o petróleo, o bacalhau, o sebo para as botas, entre muitas outras coisas. [ Noutras sítios também se chamava "venda" à taberna onde se ofereciam, para venda, além de vinho e comida, artigos de mercearia; topónimos como Venda das Raparigas podem ter na sua origem um destes estabelecimentos à beira da estrada; e nas feiras a taberna era a "tenda". ]
Naquele tempo, na aldeia de Molianos, as mulheres não frequentavam as tabernas, a não ser para irem fazer as compras e logo regressavam a casa. Diziam os homens que as tabernas não eram para as mulheres. Mas não se pense que algumas, mesmo sem estarem na taberna, de vez em quando, não apanhavam também a sua piela de tal tamanho... que as fazia ziguezaguear, não conseguindo passar despercebidas junto das pessoas com quem se cruzavam.
Por aquela altura não existiam na aldeia coletividades de desporto, cutura e recreio ou outros espaços públicos onde os homens se pudessem juntar, a não ser nas tabernas, ou no tempo da apanha da azeitona em que também os lagares eram sítios onde muitos se encontravam no fim do dia. Apesar de ser no inverno, os lagares eram locais onde existia um ambiente confortável a que eles não estavam habituados, um espaço aquecido… e com boa iluminação, coisa inexistente nas casas da aldeia.
Naquele tempo, as pessoas não saíam para fora da terra a não ser para trabalhar, algumas vezes para muito longe. Os transportes públicos apenas havia à segunda-feira, para Alcobaça, por ser o dia em que lá tinha lugar o mercado. Os transportes particulares também não haviam.
Só à segunda-feira, havia a camioneta da carreira como as pessoas lhe chamavam, mas mesmo assim nem todos a utilizavam, eram muitos os que faziam os dez quilómetros para cada lado a pé, para pouparem o valor do bilhete… que era pouco, mas necessário para ajudar nas compras que iam fazer, o pouco dinheiro de que dispunham a isso os obrigava.
Se as tabernas durante algum tempo era o sítio onde os homens se encontravam quando não era possível trabalhar, também havia algumas épocas em que os frequentadores eram poucos. Isso acontecia, quando quase todos os homens e rapazes, alguns com doze ou treze anos, saíam da aldeia para irem trabalhar para as vindimas para a região saloia, assim como para outros serviços, em particular, para a zona de Lisboa.
Quando regressavam à terra voltava a ser grande o ajuntamento nas tabernas aos domingos à tarde, onde a bebida e as conversas à mistura eram sempre muitas.
As tabernas, para além do já referido… desempenhavam também uma "função social": não davam nada a ninguém, mas tornavam possível, sem aumento de preço, a algumas pessoas, adquirir bens essenciais para o dia a dia das famílias, quase sempre numerosas, permitindo-lhe comprar fiado com a promessa de vir pagar quando tivessem dinheiro. Se assim não fosse, as pessoas não podiam comprar e as dificuldades que eram sempre muitas, seriam ainda mais. (...) (*)