Mostrar mensagens com a etiqueta Comandos. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Comandos. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19869: Notas de leitura (1184): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (9) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Fevereiro de 2019:

Queridos amigos,
Chegou a hora do bardo invocar a primeira perda do BCAV 490, o que nos remete para lembranças dolorosas e poderosos textos em que a literatura de guerra é fértil. A nossa memória esvoaça para aqueles acidentes estúpidos de viaturas, de afogamentos, saltamos para teatros de operações onde o apontador de dilagrama se enganou no cartuxo e só não morreu por acaso, jaz a nossos pés como um Cristo a descer da Cruz. Por acidente ou combate, é uma perda. E decidi-me remexer nessa obra-prima que é o "Nó Cego", de Carlos Vale Ferraz para bater à porta do horror.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (9)

Beja Santos

“Quando veio do Continente

Quando veio do Continente
trouxe o destino marcado.
A 28 de Agosto
morreu num tronco estampado.

Quem lhe havia de dizer,
quando de lá abalou,
quando seus pais abraçou
que os não tornava a ver.
Neste sítio veio morrer,
numa morte tão de repente.
Deixou pena a muita gente
e à sua família querida.
Trazia a sina já lida,
quando veio do continente.

Conduzindo uma viatura,
no dia 28 a certa hora
saiu da estrada fora
onde teve a desventura.
Ali teve a morte escura
este pobre malfadado.
Em Bissau foi sepultado.
Tão longe da sua terra,
morreu sem lutar na guerra,
trouxe o destino marcado.

A morrer foi o primeiro
cá do nosso Batalhão,
a todos deixou paixão
este amigo e companheiro;
esse soldado solteiro
andava sempre bem disposto.
Sua mãe já não vê o rosto
do filho que tanto amou
porque numa árvore se estampou a 28 de Agosto.

Pois ele vinha a guiar
ao lado um superior.
Foi ele quem viu o condutor
com a morte labutar.
O Furriel não pôde salvar
o rapaz por ele estimado.
Já não mais se pôs ao lado
de António Silva Pereira,
porque na maldita 4.ª-feira
morreu num tronco estampado.”

********************

É por demais sabido que a mina ou emboscada, a troca de tiros numa operação, o descabelado acidente pesam mais na memória, quando é a primeira vez. E a literatura da guerra está pejada destes momentos infaustos, obrigatório é contá-los, fazem parte do narrador, é um dever não o obliterar, na narrativa devem constar todos os ingredientes, a dor própria e a dor alheia, o acabrunhamento que se instala nos circunstantes. E assim se chega a um romance maior, "Nó Cego", por Carlos Vale Ferraz, começa-se por um episódio relacionado com a primeira operação de uma Companhia de Comandos:
“O jovem comandante da Companhia, seco de carnes e de rosto de feições regulares, inspirava confiança, apesar de ser quase da mesma idade dos homens que comandava. Mantinha uma distância de reserva entre si e eles que alguns confundiam com arrogância. Deu as ordens com voz calma, como se estivesse ainda em exercício de preparação e só depois se aproximou do soldado ferido deitado sobre um pano de tenda.
O Pedro, que ele escolhera pessoalmente para número um do primeiro Grupo, era o primeiro ferido da sua Companhia. Um dos pés estava transformado numa massa de formas irregulares onde se misturava o coiro preto da bota com a terra castanha empapada em sangue, e de onde emergiam tendões brancos desligados dos ossos.
À vista deste espectáculo empalideceu. Não conseguiu evitar esse sinal de fraqueza. Sentou-se a observar os gestos do enfermeiro: primeiro, uma injecção de morfina, depois, apertar o garrote para estancar o sangue, de seguida, uma injecção de vitamina K para facilitar a coagulação e, por fim, os movimentos tensos de limpar o melhor possível a pasta avermelhada antes de a envolver num penso.
Depois de acabar o penso que envolvia o que restava do que fora o pé do soldado Pedro, o enfermeiro arrumou a bolsa dos primeiros socorros, enterrou os novelos de algodão ensanguentados, as gazes sujas e as ampolas vazias, para o inimigo não saber que um soldado fora ferido, e preparava-se para se sentar um pouco mais longe.

- Fica aí perto, ele está a recuperar – mandou o capitão ao enfermeiro.

Vindos de muito longe, chegaram ao soldado Pedro a voz e o rosto do capitão. Lentamente começou a ver as folhas brilharem ao sol, a ouvir um zumbido na cabeça. Tentou mexer os dedos das mãos, dobrou as pernas. Parecia estar inteiro. Ele era ribatejano e tinha sido forcado amador. Sentia-se como depois de uma pega de caras: dorido, mas completo, quando muito, com alguma coisa fora do lugar.
- Não me dói, meu capitão, só tenho sede.
- É assim mesmo, vamos mandar vir um helicóptero para a evacuação, vais ver que ficas bom – disse-lhe enquanto lhe dava água.
Só então o Pedro olhou para a extremidade da perna e viu a bola branca a tingir-se de vermelho, as ligaduras ensopadas em sangue. Mas sentia o pé lá em baixo, até podia mexer os dedos!”.


Esta Companhia de Comandos, destinada a ir ao assalto de santuários da Frelimo, viverá horas de horror, aqui se deixa alguns parágrafos dispersos de uma escrita universal sobre os nossos trabalhos africanos, uma lembrança intemporal para as dores que qualquer combatente tem pouca vontade de transmitir:
“Os homens moveram-se sem necessidade de ordens. Ligaram os cabos dos guinchos de reboque ao casco e à torre da autometralhadora para libertarem do interior do blindado o corpo meio esmagado do furriel do Esquadrão de Cavalaria a escorrer sangue e espuma da boca. Desceram-no, desarticulado, da velha lata para os braços do enorme soldado Bento, que pegou nele ao colo como a um menino.
Deitou-o docemente à sombra de um arbusto compondo-lhe os membros. A cara de criança em corpo de gigante do soldado dos Comandos enfrentou a do outro, com a face branca da morte, sem acreditar que já não estivesse vivo. O gigante Bento, que mal cabia na farda camuflada, voltou pelo mesmo caminho na sua passada de urso cansado, com a espingarda, que parecia um brinquedo, pendurada às costas, à espera de o mandarem fazer mais algum serviço.

- O apontador da metralhadora também está morto, esmagado pela torre que saiu dos encaixes. O condutor é que não sei, não se pode passar para o seu lugar – explicou um dos que tentavam enfiar-se dentro da Fox. – Pelo menos os pés devem estar desfeitos…
- Para já é preciso tirar este caixão com rodas daqui para podermos continuar.”

E despedimo-nos com outra água-forte deste notabilíssimo romance, o fim do desventurado Casal Ventoso:
“No rescaldo, ainda com o coração a saltar debaixo da pele os homens correram para ele, para amparar o Casal Ventoso. O capitão, o Cardoso, o Lencastre, o Lino, o Torrão, o Transmissões, chegaram perto do soldado criado no maior barro de lata de Lisboa.
O Lencastre foi o primeiro a levar a mão ao nariz e a engolir um vómito seco, mas os outros também não conseguiram reprimir um gesto de repulsa quando encararam a barriga aberta do Casal Ventoso e viram as volutas azuladas dos intestinos a engrossarem viscosas entre os dedos ensanguentados. O Casal Ventoso espalhava diante deles o que todos temos trazido escondido no nosso interior, e sentiram as pernas fraquejar à vista do repugnante espectáculo das vísceras que nos fazem idênticos aos animais de talho. Agoniaram-se com o cheiro das fezes soltas e escorrerem pelo camuflado roto”.

(continua)
____________

Notas do editor

Poste anterior de 31 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19844: Notas de leitura (1182): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (8) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 3 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19853: Notas de leitura (1183): "Entre o Paraíso e o Inferno (De Fá a Bissá)", por Abel de Jesus Carreira Rei; edição de autor, 2002 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18958: Notas de leitura (1095): Nó Cego, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2018 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Julho de 2018

Queridos amigos,
Depois de um repouso na ilha de Moçambique, algo que nos lembra, transviado, o episódio da Ilha dos Amores, inicia-se o derradeiro ato da vida daquela Companhia de Comandos que acabará desmembrada, a operação Nó Cego, a convicção do general K que encontrara uma poção mágica para varrer a Frelimo do Planalto dos Macondes. Tudo vai correr às avessas e a guerra mudará de rumo.
Como numa trágica comédia em imenso palco, homens mansos descobrirão a bravura, serão forjados alguns falsos heróis, um comissário político da Frelimo avisará o capitão da inutilidade do que por ali andam a fazer e o general K está em impante de alegria, considera que houve uma retumbante vitória.
É nesta feira cabisbaixa que Carlos Vale Ferraz escreve esta obra imponente, um clássico na justa medida em que fica esculpida, em toda a sua inutilidade, aquela guerra já sem sentido.

Um abraço do
Mário


Nó Cego, a obra maior de toda a literatura da guerra colonial (4)

Beja Santos

"Nó Cego", por Carlos Vale Ferraz, Porto Editora, 2018, impôs-se ao longo de 35 anos, como leitura obrigatória, é a obra mais universal da nossa literatura da guerra colonial, o romance mais poderoso, melhor arquitetado e de dimensão clássica. E, prova provada, inultrapassável.

Chegou a hora de uma certa quietude, a Companhia vai fazer uma pausa na ilha de Moçambique, encruzilhada nas viagens da carreira da Índia. Vamos conhecer o funcionamento da administração colonial, o castigo das palmatoadas, os conflitos entre a fação do administrador e a do juiz da comarca. Como na Ilha dos Amores, haverá o repouso idílico do capitão, com senhoras de vária idade. É este o prólogo do quarto e último andamento, chegou o momento da operação desenhada pelo impante general K, sempre seguido pelo séquito de ajudantes de campo, ele sonha com o dia histórico em que se vai dar a estucada de morte na Frelimo em todo o Planalto dos Macondes. É a operação Nó Cego, estariam localizadas com exatidão as suas três grandes bases: a Gungunhana, a Moçambique e a Nampula. Um coronel do Estado Maior sumariza o que se vai passar:
“Cerca-se esta zona – o coronel apontou –, aproveitando as estradas existentes e construindo com engenharia as que faltam, para fechar um quadrado de cerco que será guarnecido com emboscadas permanentes realizadas por tropas normais e patrulhamentos regulares com esquadrões de reconhecimento. Quando a ratoeira estiver montada, quando ninguém puder entrar ou sair, lançaremos ao assalto das bases as nossas companhias de tropas especiais: os comandos para a Base Alfa, nome de código da Gungunhana, os paraquedistas para a Bravo, da Moçambique, e os fuzileiros, em segunda fase, para a Charlie, da Nampula.”

E o general K declamou eufórico:
“Dentro deste quadrado tudo o que mexer é inimigo, será a guerra total! Esta é uma luta de vida ou de morte. Mas nós vamos ainda dar uma oportunidade às populações enganadas na sua boa-fé. Assim, durante este mês, faremos uma gigantesca operação de acção psicológica: as populações serão avisadas das consequências do apoio aos terroristas, serão convidadas a apresentarem-se voluntariamente nas nossas guarnições militares”.

E um outro coronel apresentou o plano de ação psicológica e social:
“Além dos panfletos serão lançados vários objetos que demonstrarão a nossa boa vontade, uma técnica que desde as Descobertas tem dado muito bons resultados no contacto com os nativos. Serão lançadas duas toneladas de roupa interior de mulher, tais como soutiens e calcinhas, canetas, sapatilhas, óculos escuros, bandeirinhas nacionais. Paralelamente serão difundidos programas de rádio a prometer terras e a vinda para o Sul. Paz e trabalho a todos os que se apresentarem. Este programa será realizado aproveitando os antigos terroristas capturados e recuperados pela DGS”.

É um momento alto em que Carlos Vale Ferraz esboça estereótipos inesquecíveis, como aquele capitão Vouzela que se compraz com as campanhas de pacificação de Mouzinho de Albuquerque, a arengada do general comandante-chefe às tropas a caminho da operação, os comentários brejeiros às senhoras do Movimento Nacional Feminino. E a Companhia de Comandos saiu à frente para assaltar a base Gungunhana. O foguetório começa cedo, explode uma mina no esquadrão de cavalaria do capitão Vouzela, o capitão está morto.
Um alferes de cavalaria justifica-se:
“Vínhamos à confiança, sem esperar minas. Está aí toda essa tropa a montar emboscadas…Rebentou a primeira e a autometralhadora da frente foi pelos ares, o nosso capitão mandou avançar a dele para a proteger e foi também pelo ar…”.

O poder narrativo espraia-se em pequenos flashes de estados de alma de oficiais, sargentos e praças, entrara-se na floresta de árvores a pingarem cacimbo, iam furando o capim ainda húmido, encontram-se trilhos, o cansaço alastra-se, inicia-se um brutal golpe de mão, a brutalidade toma conta do texto, uma jovem negra é sistematicamente violada. Queima-se tudo, há que continuar, a base de Gungunhana deve estar perto, há tiros, morteiradas, as tropas da Frelimo estão a reagir, recolhem-se vários feridos e um morto, irá morrer o alferes Fernandes, o capitão segue condoído, aquele seu alferes era de todos o mais frágil e normal. “Um miúdo de vinte e um anos… - o capitão cerrou os lábios -, tão zeloso que até as últimas palavras foram ordens para tratarem das suas cartas, apenas lhe escapou a derradeira, o apelo irreprimível à mãe, que parece ser o chamamento final dos homens que partem para a viagem de regresso às origens”.

Nestes tiroteios, é capturado o comissário político da zona, Alberto Chinavane, é duríssima a conversa travada entre o comissário e o capitão, mas o comissário morre devido aos ferimentos. E prossegue o caminho para a base, a Companhia de Comandos é recebida com silêncio, ninguém lá estava, todos tinham fugido. E, súbito, estoira o fogo inimigo, o capitão é ferido, na manhã seguinte chega a nova Companhia de Comandos, a base está completamente queimada. “O general comandante-chefe desembarcou do helicóptero seguido da comitiva. Vinha barbeado, de camisa e calças verdes, de boné de pala, como usava no seu quartel-general. A única concessão que fazia nas suas visitas às unidades em operações era calçar umas botas em vez de sapatos”. O capitão é exibido aos órgãos de comunicação social, o teatro e a política convergem no mesmo ato. E o capitão é evacuado. O general K dará uma conferência de imprensa anunciando que na operação Nó Cego se joga o futuro do Ocidente.

A Companhia de Comandos irá ser desmantelada, haverá ainda mais reação das forças da Frelimo, todos aqueles homens estão a mudar, há mansos transformados em lobos, há quem mude em herói por múltiplas razões do acaso. A dissolução daquela força de tropa especial é irreversível, alguém comenta: “Uma Companhia só é uma boa Companhia quando tem um bom capitão, um bom enfermeiro e um bom transmissões, esta já não os tem”.

Lá longe, no Algarve, gozando férias, o capitão medita: “Condecoraram, promoveram, graduaram, transferindo, reclassificaram, recompletaram. A nossa velha Companhia desapareceu”. O general K está eufórico, grita a todos os ventos que houve uma retumbante vitória. Como se sabe, a Frelimo saiu fortalecida, vão ficar para a História as explicações daquela guerra insana e destes mártires que, no Nó Cego, foram os mártires da mais dementada guerra que Portugal alimentou, um Nó Cego que só o 25 de abril desapertou.

Documento e monumento literário, este Nó Cego devia pelo menos ser livro obrigatório em todas as bibliotecas públicas, nenhum outro livro assume esta capacidade explicativa do que foi, no seu todo, a mais inútil das guerras em que Portugal participou. Salvou-se a comunicação entre todas as parcelas do Império, mas duro foi o seu preço.
____________

Notas do editor:

Vd. postes de:

6 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18901: Notas de leitura (1089): Nó Cego, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2018 (1) (Mário Beja Santos)

13 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18919: Notas de leitura (1091): Nó Cego, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2018 (2) (Mário Beja Santos)

20 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18940: Notas de leitura (1093): Nó Cego, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2018 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 24 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18950: Notas de leitura (1094): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (48) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18940: Notas de leitura (1093): Nó Cego, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2018 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Julho de 2018

Queridos amigos,
Justifica-se plenamente que aqui se insira o que se publica na contracapa deste precioso livro:
"Nó Cego é hoje um clássico da literatura portuguesa. Objeto de estudo e de atenção nos meios universitários, é sobretudo um grande e poderoso romance dos nossos dias, essencial para as atuais gerações de portugueses viverem esse período crucial da nossa História que foram os anos da guerra colonial e o fim do regime de ditadura, bem como para conhecer os dramas, as angústias, as alegrias e as tristezas da geração que fez a guerra e que a terminou, abrindo Portugal à modernidade".
Continuação de boa leitura e um abraço do
Mário


Nó Cego, a obra maior de toda a literatura da guerra colonial (3)

Beja Santos

"Nó Cego", por Carlos Vale Ferraz, Porto Editora, 2018, impôs-se ao longo de 35 anos, como leitura obrigatória, é o mais universal dos romances, o mais poderoso, melhor arquitetado e de dimensão clássica. Romance centrado numa Companhia de Comandos, acompanhamo-la desde a sua primeira operação, como numa encenação teatral vão-se apresentando os protagonistas, capitão e alferes, sargentos e praças, há segredos e preconceitos, há dramas ocultos, diálogos truculentos, naquela região do Planalto dos Macondes algo está a mudar, o Tio Abílio deu lugar a um oficial que quer resultados, custe o que custar. Concluiu-se a operação A Volta ao Mundo, há estranhas manifestações de fúria, o Tino, numa ira imprevista, atira uma garrafa de cerveja à cara do Três Centímetros, o capitão vai falar com o médico, o Três Centímetros não deveria ficar cego mas teria de ir ao hospital de Nampula, e somos embrenhados na vida do quartel, mais queixas, desta vez o agente Celestino da PIDE/DGS queixava-se do Cardoso, fora insultado.

E temos agora a primeira operação que iam realizar sob as ordens do novo comandante do batalhão de M, o substituto do Tio Abílio. Não esquecer que havia já sinais de mudança com a chegada do general K ao Comando-Chefe de Moçambique. É apresentado este novo comandante de batalhão:
“De cabelos brancos prateados, muito lisos, com o rosto de feições corretas bem escanhoado, magro, a farda impecavelmente passada a ferro, estava para o Tio Abílio como um nobre proprietário de terras para o feitor. Trouxera com ele, para seu oficial de operações, um major seráfico, de olhos fundos e nariz comprido”. A Companhia de Comandos iria fazer um golpe de mão à Base Provincial 25, os dois guias, prisioneiros, tinham dado a sua versão ao agente da PIDE quanto ao local do acampamento. “Pelas contas do capitão, deviam estar perto da base que a Frelimo tinha instalado na antiga machamba do Kavandame”. O mais velho dos guias é espancado, quando os Comandos descobrem que estavam a andar às voltas. E a guerrilha não perdoou, responde com fogo, o Casal Ventoso estava todo perfurado, o Cardoso prestou os primeiros socorros.
É uma descrição lancinante, neste tempo em que se discute a morte assistida e o que a diferencia da eutanásia, é útil ler esta passagem:
“ – Ma-mate-me, meu capitão, que-que eu já não aguento mais. Ma-ma-te-me, por amor de Deus. Dê-me um tiro, u-uma injeção…

O capitão retorcia-se a seu lado segurando-lhe a mão.
- Dá-lhe mais morfina, Cardoso, duas, três doses – mandou num sopro.
- Não lhe posso dar mais que uma injeção de cada vez. Senão… mato-o! – respondeu, indignando-se ao tomar consciência dos pensamentos e esconjurando-os: - Eu não o mato!
- Ninguém disse para o matares.

Também o Lino fitou o capitão, a cara branca de cera a indagar da dúvida.
- Dá-lhe a morfina toda! – exclamou o Brandão, explodindo o ar dentro dos pulmões, um estoiro de balão de criança mordido pelos dentes finos. Ele, que parecia dormir noutro mundo, saltava para o meio da vida tomando decisões.

Os gritos e os gemidos elevavam-se, lúgubres, na noite de África, incitando os pássaros da noite, corujas, noitibós, a lançarem os seus pios. E os nervos dos homens picavam em descargas que lhes faziam doer o corpo. O Casal Ventoso pedia que o matassem. Não queria dar parte de fraco. Não queria morrer a chorar. Já cheirava a morto. Agarrava a terra com as mãos sujas da merda esverdeada das tripas, como se a quisesse prender à vida.
Passou a que lhe restava na ponta dos dedos pela boca, a beijá-la numa definitiva despedida.

O capitão tirou o seu cantil do cinturão, desrolhou-o e colocou o gargalo como teta de mãe na boca do Casal Ventoso, que sugou uma profunda golada.
- O meu capitão mata-o!
O Cardoso virou-se intempestivo, quase a saltar para impedir as mãos de satisfazerem o último desejo do Casal Ventoso.
- Não devia ter feito isso – disse o Lino.
O capitão sorveu ruidosamente o ar da noite, mordeu os lábios, cerrou os punhos e abriu-os antes de falar.
- Morto está ele. Que merda de moral é a vossa para prolongar o sofrimento de um homem só para que ele morra por si?”

Iremos conhecer a infância do alferes Lino, da pobreza até à vida de seminarista, são dados cruciais para perceber a evolução deste alferes que adquirirá o gosto militarista, teremos oficial para reincidir. A nova missão é montar emboscadas sobre a picada Mueda-Mocímboa da Praia durante quatro dias e quatro noites. Depois de dois dias imóveis junto à picada, o capitão decide por conta própria internar-se pelas matas, vão encontrar um trilho batido, será abatido um pequeno grupo de guerrilheiros, arma-se emboscada, os guerrilheiros da Frelimo regressam ao local para recuperar os corpos dos camaradas e a floresta irá transformar-se num palco de atores furiosos, e assim se regressa a M. O comandante ávido por resultados, interpela o capitão porque é que regressou antecipadamente, é-lhe explicado que não adiantava continuar, já estavam detetados na zona. O tenente-coronel está furioso, houvera incumprimento, admoesta aos gritos, ameaça instaurar um auto de corpo de delito.

Chegara a hora do capitão pedir um período de descanso para o seu contingente: “A Companhia de Comandos, que há meses chegara atlética, respirando saúde e entusiasmo, estava a transformar-se num grupo apoucado de fardas rotas, olheirento e triste. Os soldados denotavam cansaço, adoeciam, os ataques de paludismo multiplicavam-se. As relações com o tenente-coronel atingiam o limite da disciplina”. É durante uma batida que regressam com uma criança de dois ou três anos, o Lopes adota-o: “Passou a tratá-lo como um filho e a Companhia considerou-o sua mascote. Vestiram-no, fardaram-no de camuflado, deram-lhe o nome de Alfredo, ensinaram-no a fazer a continência, averbaram-lhe o posto de alferes dos Comandos”.

O capitão vai a Nampula, regressa com a boa-nova, dentro de em breve iriam para baixo, para um descanso bem merecido. E assim vão chegar à base dos comandos em Montepuez.
O Espanhol fizera tantas que tinha que abandonar a Companhia, a entrega do crachá é comovente, pediu ao capitão para não ir à cerimónia da expulsão:
“O capitão recebeu o crachá. Agradeceu e colocou-o no seu próprio peito. O Espanhol olhava, sem perceber o que estava a acontecer, e não queria acreditar quando o capitão lhe colocou ao peito o seu crachá.
- Fico com o teu e tu ficas com o meu! Não vais ser expulso, vais ser transferido. Podes usar o meu crachá enquanto fores digno dele e levas mais este louvor que vou mandar publicar na ordem de serviço.
O Espanhol fez meia-volta e retirou-se a afagar o crachá que tinha sido do capitão”.

A Companhia entrou na ilha de Moçambique, anoitecia.

(Continua)
____________

Notas do editor

Poste anterior de 13 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18919: Notas de leitura (1091): Nó Cego, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2018 (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 17 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18931: Notas de leitura (1092): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (47) (Mário Beja Santos)

domingo, 9 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17562: In Memoriam (300): Virgínio António Gaspar José, ex-1.º Cabo Comando da 2.ª Equipa do Grupo Centuriões, Guiné, 1964/66 (Júlio Costa Abreu)



I N  M E M O R I A M

1. Mensagem do nosso camarada Júlio Costa Abreu, ex-1.º Cabo Comando, Chefe da 2.ª Equipa do Grupo Centuriões, com data de ontem, 7 de Julho de 2017:

Caro Amigo Vinhal, 
Acabo de saber do falecimento de um colega da equipa que eu comandava do Grupo de Comandos Centuriões. 

Trata-se de Virgínio António GASPAR José. 
Aproximadamente há 10/12 anos, quando estava a tentar encontrar os homens do meu Grupo, telefonei para ele e foi a esposa que me atendeu, quando eu lhe disse quem era, pediu-me imediatamente para não telefonar mais pois o marido não estava em condições psicológicas para falar de recordações da guerra. Assim fiz e nunca mais telefonei. 

Por acaso ontem no Facebook tive conhecimento da sua morte. 

Que descanse em paz. Era o segundo homem da minha equipa que era a segunda do Grupo.

Agradecia que mencionasses no nosso Site este acontecimento de mais um Combatente da Guerra do Ultramar que partiu para onde de nunca mais se volta. 

Júlio Abreu 
Chefe da 2.ª Equipa do Grupo de Comandos Centuriões 
Ex-Guiné Portuguesa

************

2. Comentário do editor

Ao camarada Júlio deixamos o nosso abraço solidário pela perda deste seu camarada de armas.

À família do camarada Virgíno Gaspar endereçamos os nossos mais sentidos pêsames pela perda do seu ente querido.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 25 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17511: In Memoriam (299): Dr. Alfredo Roque Gameiro Martins Barata (1938-2017), ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 675, Binta e Guidaje, 1964/66 (José Eduardo R. Oliveira)

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16480: In Memoriam (264): Furriel Hugo Abreu e Soldado Dylan Araújo da Silva, que perderam a vida, aos 20 anos de idade, no contexto do 127.º Curso de Comandos, com votos de condolências às suas Famílias e pelo rápido restabelecimento dos que ainda estão internados (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil, CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66),

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705,  Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 11 de Setembro de 2016:


IN MEMORIAM do Furriel Hugo Abreu e do Soldado Dylan Araújo da Silva, soldados e patriotas, que acabaram por perder a vida, aos 20 anos de idade, no contexto do 127.º Curso de Comandos, com votos de condolências às suas Famílias e pelo rápido restabelecimento dos que ainda estão internados.


Estou a parafrasear o escrito pelo General Garcia Leandro, como notável soldado e patriota (e meu contemporâneo) na Guerra da Guiné, e o comentário do General Chito Rodrigues, como notável soldado e patriota na Guerra de Angola.

Na qualidade de oficiais profissionais do Exército, eles saberão mais e melhor que muitos outros, de como a maior ineficiência do Exército nessas guerras, ao qual competia a vitória no terreno, e a sua concorrência para o seu colapso nas três frentes, não era consequência nem da sua conceptualização, nem da inferiorização do seu armamento, muito menos da sua logística, comparados com a eficiência da Marinha, da Força Aérea e dos seus Comandos, mas porque as suas chefias políticas e militares da Metrópole se fossilizaram a expedir para elas dezenas de unidades pelo método do arrebanho, impreparadas e sem motivação para combater.

Eu e a malta da minha incorporação de oficiais e furriéis milicianos, tiramos a recruta e a especialidade em 4 meses – tempo concedido em que sai como “cabo miliciano”, posto superior ao atingido por Hitler, nos seus 5 anos no exército alemão…

Quando a sua gente das informações e o próprio rei D. João I, seu comandante-chefe, lhe enfatizavam os efectivos do IN que defrontariam, o general D. Nuno Álvares respondia peremptoriamente:
- Com poucos, bons e bem comandados, somos capazes de os bater.

Foi com essa conceptualização que conferiu ao seu exército de 6 mil homens a capacidade de derrotar o exército castelhano de 35 mil homens - e em cerca de meia hora!

Muitos mortos e feridos das nossas guerras de África poderão ter sido vitimados pela associação da quantidade com a sua falta de preparação – quantos mais fossem os empenhados, mais o inimigo poderia matar.

Excluindo a conquista de Ceuta, nos 50 anos do século XV e XVII, em que Portugal se impôs sobre a terra e sobre o mar, a batalhar e a ocupar, para dar novos mundos ao Mundo, a média do efectivo investido pelas nossas FA´s, (Marinha e Exército), não terá excedido os 2 mil homens!

Em contraposição, o PAIGC, por exemplo, escolhia os seus quadros exclusivamente entre os que os se apresentavam a voluntariar-se ao combate, mas só os lançava no teatro da guerra após o tirocínio mínimo de um ano, em eficientes unidades de países apoiantes, nomeadamente na China e na União Soviética. Foram esses quadros que formaram o tecido conjuntivo da sua orgânica e acções militares, até ao termo da sua luta.

Ao contrário do que tem sido alardeado, Portugal nunca enformou um Exército colonial especializado, salvo as tropas nativas, no entanto enquadradas pelas tropas europeias. E nem sempre bem; estou a lembrar-me dos que propiciaram a primeira fornada de combatentes ao PAIGC - Domingos Ramos, Osvaldo Vieira, Rui Djassi, etc.

Quando a malta atingira a preparação e melhores conhecimentos, compatíveis ao seu “trabalho”, no seu palco de guerra, estava atingida a sua exaustão, derreada pelo excessivo esforço, associado à sua impreparação e à insalubridade do clima. Chegado o dia da sua partida, para a sua terra e para a diáspora, rendida por outros, que chegavam tanto ou ainda mais impreparados do que nós – e tinham que começar tudo de novo. O PAIGC procedia ao contrário; mas nem as evidências dos méritos desse seu método levaram Portugal a constituir um “exército colonial”, formados pelo voluntariado dos seus veteranos europeus. Terá sido pelo complexo de que não era “colonialista”?

Falando dos Comandos, vem a propósito lembrar que no seu currículo de altos serviços prestados à Pátria, avulta o sucesso e a sua exploração, pela reposição do ideal do 25 de Abril pelo 25 de Novembro, talvez só possível pelo voluntariado das suas duas companhias, que a sua Associação mobilizou, que custará as vidas a dois desses voluntários – o Tenente Coimbra e o Furriel Pires - na audácia e valentia do seu veterano Vítor Ribeiro e no incontornável talento e grandeza de soldado desse grande patriota, que já não está entre nós - o General Jaime Neves.

No plano político “governativo”, apenas a deputada Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda, apregoou a extinção dos Comandos – sem qualquer base de sustentação, para além do afecto da memória: foram os Comandos que contiveram o golpismo da sua utópica ideologia, que se votava a empurrar os portugueses para uma guerra civil que, se lhes favorável, reduziram o país ao nível da Somália, Líbia, Coreia do Norte ou até da Venezuela. Ela e o grupo de moças encantadoras da cúpula do seu partido predicam a extinção dos Comandos, incitadas pelo ideário de “fazer amor e não a guerra” (não me refiro à sua condição feminina, mas ao ideário dos hippies, inspirador do seu partido).

Jerónimo de Sousa, veterano da Guerra Guiné (foi da Polícia militar e o único caso em que a Polícia Militar de Bissau sai foi destacada a nomadizar como operacional, para uma posição fronteiriça com o Senegal), e não por “distinção”, por saber do que falava, pronunciou-se com inusitada sensatez política:
- “Não poderão ser as conjunturas (as circunstâncias avulsas, seria mais apropriado), a determinar a extinção dos Comandos, uma valiosa unidade de elite das nossas FA`s".

Independentemente das causas a apurar, responsáveis pelo trágico desfecho das vidas dos nossos camaradas Hugo e Dylan, deixaram de estar entre nós como soldados, heróis e exemplo de patriotas porque, não obstante cientes da dureza e provações exigidas pela sua preparação, compatíveis às que poderiam ter de enfrentar nos palcos da terrível e traiçoeira guerra destes nossos tempos, não se inibiram de se voluntariar ao mais exigente serviço que um cidadão pode prestar à sua Pária, a dádiva da própria vida incluída – o de pertencer e honrar as suas Forças Armadas.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 11 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16475: In Memoriam (263): Duarte dos Santos Pereira, ex-Alf Mil da CCAÇ 4540 (Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74), falecido no passado dia 25 de Agosto de 2016, em Marco de Canaveses (Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil da CCAV 8350)

domingo, 11 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16473: (In)citações (99): Porque continuamos a precisar de comandos e outras tropas especiais... (Garcia Leandro, ten gen ref)

1. Texto do ten gen ref Garcia Leandro,  que vai ser publicado hoje no "Correio da Manhã", e que nos chegou ontem por mão do Virgínio Briote, nosso editor (jubilado), com autorização do autor para publicar no nosso blogue.


[Garcia Leandro, com uma brilhante carreira militar, fez também um comissão de serviço na Guiné (1965/67), Foi comandante da Companhia de Comandos do Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG).   entre 20 de fevereiro e 30 de junho de 1966, data em que foi extnta,]


NECESSIDADE E FORMAÇÃO DE FORÇAS ESPECIAIS

por Garcia Leandro (ten gen ref)

Ninguém que tenha conhecimento dos atuais caminhos da Estratégia, da evolução tecnológica, das novas e imprevistas ameaças que se podem por a qualquer momento, em qualquer lugar, tem dúvidas que Forças Especiais Nacionais e Internacionais são algo de que todas as Nações e Organizações de Segurança e Defesa Internacionais precisam em quantidade e com grande qualidade para poderem atuar nos ambientes climáticos e operacionais mais exigentes; e quando se fala em Forças Internacionais o nível de cada participante nacional tem que ser semelhante para que possam trabalhar em conjunto. Portugal, em todas as suas missões internacionais tem recebido os mais justos louvores pelo modo brilhante como as nossas FA e FS se têm comportado; têm sido mesmo grandes embaixadoras de Portugal.

Dito isto, é sempre de sublinhar que havendo a necessidade dos militares que as constituem poderem ser chamados a atuar nos ambientes mais difíceis e rigorosos (geografia, clima, populações, distâncias, violência generalizada), muitas vezes isolados e com pouco apoio, a sua exigente preparação não pode ter a mínima falha (condições físicas e garantias de saúde, alimentação sólida e líquida, equipamentos adequados, treino individual e coletivo, criação do espírito de corpo entre os seus membros, mútua confiança, apoio médico e psicológico, etc); o Homem é ainda a mais importante peça de qualquer Força Operacional e quando desaparece não há outro igual; cada Soldado de uma Força Especial é, em si, todo o nosso Universo e Alma Coletiva. As Chefias têm essa consciência. Quem está de fora tem, por vezes, dificuldades em perceber!

E, por isso, uma morte ou acidentes em instrução têm de ser rigorosamente raros e com justificação. Tudo deverá ser feito por eles e por nós, para quem eles são treinados a honrar.

Ninguém pode compreender uma morte não justificada, o que é uma tragédia, mesmo para quem viveu situações de combate, sejam camaradas ou Comandantes; pode acontecer, mas não deve acontecer!

A questão recentemente ocorrida será certamente resolvida rapidamente porque precisamos dos Comandos, mas resolvida pela Instituição Militar com todo o rigor, humano e profissional, necessário dando assim contas à Nação através do nosso Poder Político. Este deve dar as condições e aquele é sempre o responsável pela preparação. O Estado tem aqui os seus patamares.

Lisboa, 9 de Setembro de 2016,

GARCIA LEANDRO
TEN-GENERAL (R)

____________

Nota do editor:

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16068: Nota de leitura (837): “Quinto Centenário da Descoberta da Guiné 1446 / 1946", brochura com um conjunto de selos da autoria de Amadeu Cunha e Uma tocante homenagem ao Comando morto em combate por Vassalo de Miranda (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Julho de 2015:

Queridos amigos,
Já não era sem tempo que vos mostrasse um tesouro filatélico de que me orgulho muito, os selos das comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné.
É um tesouro e uma raridade, os trabalhos do artista Alberto Sousa no campo filatélico podem ser vistos no Museu das Comunicações, são de primeiríssima água; e uma raridade, duvido que haja meia-dúzia de exemplares com toda a coleção de selos à venda.
Como é dia de prodígios, junto a imagem de um impressivo quadro de Vassalo de Miranda que autorizou a sua reprodução no blogue. Leva-nos a comungar a dor que todos sentimos quando perdemos os nossos camaradas no campo de combate.

Um abraço do
Mário


1 - Uma preciosidade filatélica: Guiné, 1946

Beja Santos

No âmbito das comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné (1946) foi editada uma brochura com um conjunto de selos da autoria de Alberto Sousa, conhecido artista plástico e colaborador no desenho filatélico muito apreciado. A autoria do texto da brochura pertenceu a Amadeu Cunha, ligado através da Agência Geral das Colónias a uma colaboração assídua na revista “Muito Português” exclusivamente dedicada à problemática colonial.

Era sentimento da época de que fora Nuno Tristão o descobridor daquela região da Guiné, hoje é mais do que problemático que tenha sido assim. Escreve o autor: “Nuno Tristão recebeu o encargo de levar vela o mais longe que pudesse, da Ponta da Galé, o que fez, alcançado Carlo Branco; em 1443, de novo a reconhecer, navegava para o Sul e descobria as ilhas de Arguim e das Garças e, mais distante, uma terra que se presume ser a que, em 1445, Dinis Dias nomeou de Cabo Verde. Mais um escudeiro do Infante, Lançarote, saindo com seis caravelas, numa das quais Gil Eanes voltava à faina descobridora, chegara às ilhas das Garças, Naar e Tider. Do mesmo ano foi a saída de Gonçalo de Sintra, a quem o Infante havia recomendado “que fosse diretamente à Guiné e que por nenhum caso não fizesse o contrário”. Mas fê-lo, afinal, “desejando avantajar-se sobre os outros”, porque disso tiraria tanta honra como proveito. Preferiu, pois atacar a gente de Arguim, e na ilha de Naar encontrou a morte com mais 12 companheiros. Em 1446, Nuno Tristão, tornava às suas andanças de descobridor, “mui desejoso desta vida”. Havendo entrado com 22 dos seus, um rio, porque a corrente houvera afastado muito da caravela os batéis, vira-se, em certo passo, salteado por uma chusma de almadias, que deram neles, e todos, à exceção de três, sucumbiram, feridos por frechas empeçonhadas. Por memoração foi posto a certo rio o nome do herói. Rio de Nuno ficou a chamar-se. Mais a identificação suscita dúvidas. Foi esse, ou terá sido outro, o Geba, que serviu de cenário ao episódio? Nuno Tristão deixava descoberta a atual Guiné Portuguesa, legendada pelo seu sangue e o de seus companheiros”.


A coleção de selos mostra o forte de Cacheu, que surgiu em 1588, a igreja de Bissau, Honório Pereira Barreto, o presidente norte-americano Ulisses Grant, a quem coube arbitrar a questão de Bolama e também o capitão Teixeira Pinto, sobre quem o autor escreve: neto e filho de bravos, tendo já ganho a Torre e Espada na guerra contra o Cuamato, passava em 1912 à Guiné. Desde logo tratou de elaborar um plano de ocupação definitiva. Compreendia quatro campanhas: a primeira, de Abril a Agosto de 1913, ao Oio; a segunda, de Janeiro a Abril do ano imediato, contra os Papéis e Manjacos de Cacheu; a terceira, de Maio a Junho, contra os Balantas de Mansoa; de Maio a Agosto de 1915, a quarta, que foi de todas a mais dura e mortífera, contra os Papéis de Bissau. A cada campanha correspondera um êxito”.


************

2 - Uma tocante homenagem ao Comando morto em combate

Tive a alegria de receber a visita de Vassalo de Miranda, um Comando que esteve na Operação Tridente e que é um dos mais distintos artífices da banda desenhada portuguesa, aqui no blogue já falamos de três livros seus dedicados a feitos na Guiné, envolvendo operações e a lancha 302, várias vezes atingida, teve uma vida atribulada nos rios da Guiné.

O Vassalo de Miranda veio oferecer-me mais banda desenhada e dar-me conta dos seus trabalhos pictóricos. Foi a remexer nestes que encontrei esta imagem que não precisa de palavras, tal o seu vigor representativo. O autor autorizou a sua reprodução no nosso blogue e até me prometeu que em breve nos iria oferecer os seus textos sobre a Operação Tridente. Discutimos o título deste quadro e assentámos que poderá ficar conhecido como “A dor do Comando”. Em nome desta confraria onde labutam prestigiosos camaradas do Vassalo de Miranda, como é o caso do Virgínio Briote, o nosso muito obrigado.

 “A dor do Comando”
© Vassalo de Miranda, Comando que esteve na Operação Tridente e que é um dos mais distintos artífices da banda desenhada portuguesa 
____________

Nota do editor

Último poste da série de 6 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16056: Nota de leitura (836): “Portuguese Africa, A handbook”, com coordenação de David M. Abshire e Michael A. Samuels, respetivamente doutorados nas universidades de Georgetown e Columbia, nos EUA (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 14 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15853: Notas de leitura (817): "As Memórias de Um Comando", por Zé Carlos, Edita-Me, Editora, Lda., 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Maio de 2015:

Queridos amigos,
Quando ouvi falar neste livro de memórias de um Comando, alguém que, aos 64 anos, completava o 12.º ano pelo RVCC [Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências escolares e profissionais] e que correspondeu ao que a professora lhe pedia da sua "história de vida" com páginas singelas da sua meninice até ser trabalhador de casino, não resisti a ler um relato elaborado, parece-me, em condições francamente singulares no contexto da chamada literatura da guerra.

É um relato que nos prende pela indiscutível sinceridade, pela singeleza de quem corresponde ao pedido de um professor e conta tudo, sem jactância nem prosápia, tal qual foi desde a infância dura aos diferentes aprendizados, à formação para Comando, ao arrebol de operações no Leste e no Norte de Angola, aproveitando as horas vagas a consertar relógios.

Um abraço do
Mário


As memórias de um Comando, por Zé Carlos

Beja Santos

Estas memórias reservam-nos uma surpresa. O seu autor, Zé Carlos, ou Carlos Teixeira, ou Carlos Marques Teixeira, voluntariou-se para os Comandos, esteve em Angola, antes fora relojoeiro e é atualmente Presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Salas de Jogos. Aos 64 anos, completou o 12.º ano pelo RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências) e foi durante este processo de aprendizagem que escreveu as memórias de um Comando. Tanto como me é dado saber, é o primeiro caso de incursão literária motivado por um processo escolar. Escreve a sua formadora:

“Este milagre aconteceu na sequência da primeira fase do seu envolvimento no RVCC, quando lhe foi solicitada a execução da sua história de vida. A aventura redundou numa profusão de páginas, cheias de passagens reveladoras de rara mestria ao nível do manuseio da palavra, da frase, do parágrafo, das estórias dentro da narrativa principal”.

São memórias em edição de autor (Zé Carlos Teixeira, Edita-Me, Editora, Lda., Porto, 2014).

O Zé Carlos cativa-nos pela singeleza, não esconde a admiração pela mãe que teve que lidar sozinha com a educação dos filhos. Trabalhou numa tabacaria até aos 12 anos, foi depois aprendiz de relojoeiro, seguiu para a fábrica de relógios Soumar, instalada na Rua Dezanove em Espinho. Era saudável mas muito franzino, inscreveu-se num ginásio, vivia fascinado pelos filmes do Hércules e no ginásio entusiasmou-se com o culturismo. O tempo passa, e o mancebo assenta praça no RI 5, estamos em 1969, a recruta não o entusiasmou, com um grupo de amigos inscreve-se para os Comandos. Inicia-se o processo da seleção: obstáculos, prova de boxe, seguem-se as eliminações, vertem-se lágrimas. Segue para Lamego. Na parada, é-lhes dito que iriam proceder a uma primeira chamada, os convocados iriam constituir as 24.ª e 25.ª Companhias de Comandos. Inicia-se a instrução militar e no dia 1 de Dezembro embarcam.

Estamos agora no Centro de Instrução de Comandos, ali vai aparecer o Comandante da Instrução, Gilberto Santos e Castro. Ordens súbitas para formar na parada, e depois da formatura relâmpago parte-se em caravana, acampa-se, desperta-se bem cedo e começam as provas duras, crosses à torreira do sol, um cantil de água por dia, era a prova da sede, preparação física e psicológica que não permitiam vacilações. A seguir a semana maluca em que tinham que fazer tudo ao contrário do que seria um dia normal, o dia começava às sete da tarde, com a noite cerrada havia a formatura para o pequeno-almoço, à meia-noite começava o almoço e às seis da manhã formatura para o jantar. São provas que desorientam os instruendos, correm pelos trilhos, chegam a uma clareira e ouvem-se disparos, entra-se na mata e ultrapassa-se obstáculos. E depois a prova dos mosquitos, uma noite pesadelo.

Em resumo, o Zé Carlos tirou o curso de Comandos em três meses e três dias, são encaminhados para as operações do Leste. As memórias começam a ganhar vivacidade. Vão numa operação na zona do Buçaco, aqui havia atividade de guerrilha bastante intensa. Encaminham-se para o acampamento quando se ouvem os gritos do Bernardo, tinha um pé atravessado por uma lança, caíra numa armadilha de caça, um grupo teve que retirar, foi uma prova extremamente dura. Os Comandos estão sediados no Luso. Zé Carlos conta-nos a operação Siroco, de certo modo foi aqui que mudou a sua vida, encontraram um grupo de guerrilheiros que lhes fez frente, apercebem-se da coragem de quem existe dentro do acampamento, capturaram alguns deles. Esta operação estendeu-se por todo o Leste angolano, desde o Lumege à fronteira com o Congo. As operações sucedem-se umas às outras. Há prisioneiros que olham impávidos os seus filhos mortos no solo. Há prisioneiros que se oferecem para levar os Comandos até aos acampamentos que dizem conhecer, após a destruição ficam aturdidos pelo contributo que deram àqueles que eram seus camaradas.

Dentro de toda esta singeleza, o Zé Carlos exalta a camaradagem, o espírito de corpo. Findo o tempo do Leste, são acantonados em Luanda, agora as operações serão feitas no Norte. Aceita voltar a consertar relógios, desmonta-os, lava-os, coloca as peças em cestinhas, repõe os mecanismos, fica contente quando os relógios voltam a trabalhar. Faz amizades no mundo civil. Mas houve um momento que lhe trouxe, com grande estrondo, o regresso à realidade, abruptamente deixou aquela vida pacata e recomeçaram as operações. Vemo-lo a caminho de Bonangongo. Com melancolia, vai-nos referindo os feridos e os mortos. Cinge-se a sua atividade militar meramente ao operacional, nunca deixa de fazer as operações mas paga os serviços de faxina que está incumbido.

Fez férias, veio visitar a família, mas também o camarada Carneiro, ficou deficiente, bem como a família do alferes Gomes. Com o seu trabalho de relojoeiro e a credibilidade daí resultante, chegou a pensar se não prosseguiria a sua vida civil a trabalhar com o senhor Cunha. Mas decidiu voltar para Espinho. Depois trocou uma vida ligada aos relógios por um emprego no Casino de Espinho, em Junho de 1974, passa a ser um trabalhador da noite, deitava-se no final do seu dia de trabalho à hora em que a maioria das pessoas acordava.

Aqui estão as suas memórias, graças ao RVCC. A formadora foi lendo página a página esta forma de crescer todos os dias na guerra, impressionou-se com as páginas de solidariedade, com a vivência pura e dura no mato angolano. Acontecera um milagre, as memórias de Zé Carlos tinham chegado ao fim, eram páginas de franqueza, desde menino a trabalhador de casino, pelo meio temos páginas de camaradagem, relatos de dor, registos de sacrífico e martírio. Uma história daquelas que podia caber dentro do poema de Fernando Pessoa O menino de sua mãe (tão jovem, que jovem era…”).
____________

Nota do editor

Último poste da série de 11 de Março de 2016 Guiné 63/74 - P15842: Notas de leitura (815): “A Marinha em África (1955-1975), Especificidades”, publicação da Academia da Marinha, 2014 (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15588: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXVII Parte): Uns continuaram nessas guerras, outros noutras - 3 e Anexos (Fim)

1. Parte XXVII de "Guiné, Ir e Voltar", série do nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XXVII

Uns continuaram nessas guerras, outros noutras (III) e Anexos

O Passos, alferes da 4.ª Rep/QG e um dos últimos companheiros de Bissau, antes de ter sido mobilizado trabalhara no Parque Mayer, fora electricista e contra-regra, convivera com actores e coristas. Quando regressou foi visitá-los, andou por lá uns tempos, enquanto acabava o curso. Depois, foi para a CP, mais um engenheiro, pois claro. A última vez que se viram, já lá vão quase duas décadas, onde havia de ser, foi num alfa pendular do Porto para Lisboa. 

O Amândio César, um poço de energia, continuou a escrever e a publicar, até à maré baixar para ele e para quem pensasse como ele. 

No dia 28 de Setembro de 1974, com o interior vestido de luto pela morte da sua Pátria, escapou por um triz de ser linchado em Coimbra. Conseguiu safar-se, refugiou-se no seu Minho natal, passou a fronteira para Espanha e foi para o Brasil até os tempos de fúria acalmarem. Morreu desgostoso com o rumo que o país tinha tomado num dia de Agosto de 1987. 

Mário Dias enveredou pela carreira militar. Ainda fez mais três comissões, uma em Moçambique e duas em Angola. O 25/4 apanhou-o em Cabinda. 

Regressado a Lisboa foi colocado no Regimento de Comandos na Amadora. Foi testemunha e interveniente do processo que envolveu os Comandos no verão de 1975. Macau foi o destino seguinte como instrutor das forças de segurança. 

Na reserva já há alguns anos, ainda recorda os tempos dos Comandos da Guiné como os que mais o marcaram. 

Ainda muito jovem fora com os pais viver para a Guiné. Estudou no liceu de Bissau onde foi colega de vários guineenses que mais tarde se tornaram conhecidos na luta de libertação.

Como se previa, o Piçarra1, o alferes companheiro de quarto do Hospital Militar de Bissau, esteve largos meses na Estrela, no Hospital Militar Principal. Depois de várias cirurgias, foi para Alcoitão fazer fisioterapia e aprender a utilizar as próteses. Por influência do Movimento Nacional Feminino, segundo disseram, arranjaram-lhe um emprego numa grande empresa, na outra margem do Tejo. 

O Capitão Viegas, um dos companheiros da viagem de regresso, entre as comissões foi estudando Direito até se licenciar. Estagiou num gabinete de advogados, muito conhecido em Lisboa, enquanto foi andando por ali acima até General. Foi nomeado Chefe do Estado-Maior do Exército, com a aprovação do Presidente da República, seu ex-colega do escritório de advocacia. O outro militar, apontado por outras esferas como tendo uma folha de serviços mais brilhante para o cargo de chefe máximo do Exército, foi o General Leandro, veja-se a coincidência. 
O Ministro da Defesa Paulo Portas, mão na porta à saída de um Conselho de Ministros, considerou publicamente que o General Viegas tinha um perfil mais adequado que o General Garcia Leandro. Tão adequado que tempos depois recebeu uma carta a dizer que o nomeado se demitia das funções por ter perdido a confiança no Ministro. É isso, foi mesmo assim. 

O Brigadeiro Reymão Nogueira, acabada a comissão foi colocado como Governador Militar de Lisboa e permaneceu no cargo ainda uns anos, até passar à reserva. 

Poucos anos depois de regresso, nos princípios da década de 70, numa tarde de inverno em Guimarães, o Albino, o soldado da MG-42, passinho miúdo, lesto como um carteirista, esgueirava-se por aquelas ruas estreitas, cheias de gente. Teve que apressar o passo para o apanhar. Albino, que é que tens feito? Sentaram-se num café, falaram da vida, o Albino ainda à procura de um rumo. Saí ontem de Paços de Ferreira, do estabelecimento prisional. Vidas, meu alferes! Morreu cedo, poucos anos depois deste reencontro. 

O Furriel Ázera ainda ficou na Guiné até Agosto de 67, administrativamente ligado à nova Companhia de Comandos. Foi colocado num gabinete pacato, a tratar de papelada. O local é que não era o melhor, ficava junto ao cemitério. 

Quase todos os dias ouvia as descargas da praxe, que se usam nos enterros militares. Não aguentou mais. Um dia foi ter com o Capitão Alves Cardoso, o Comandante da 3.ª Companhia de Comandoss, pediu-lhe que o incorporasse num dos grupos. 

Voltou assim à guerra até acabar o tempo. Depois regressou aos Açores e à sua bela cidade, Praia da Vitória. Mas nunca mais recuperou a alegria de viver. Sem paz há tantos anos, conhece os antidepressivos e os tranquilizantes melhor que muitos médicos. 

O Vítor Caldeira, o alferes que substituiu o Vilaça nos "Vampiros", também passou ao Quadro Permanente. Fez uma comissão nos Comandos em Moçambique e, já depois do 25 de Abril, encontrou no Casão Militar o então Coronel Garcia Leandro, que tinha sido nomeado Governador de Macau. Por onde anda Caldeira? Quer vir para meu Ajudante de Campo, para Macau? E foi. 

Na tarde de um domingo de Agosto, a TV da Sala de Sargentos da Escola Prática de Infantaria de Mafra estava a passar um filme para um único espectador, o Sargento Tudela, o antigo Cabo Tudela dos “Vampiros”. 

Entrou um tipo, sentou-se quase em frente ao sargento. Boa tarde, respondeu o Tudela sem despegar os olhos do filme. Passaram a ser dois espectadores. Num momento olharam-se nos olhos e, num lampejo o velho Tudela deve ter dito lá para ele, donde é que eu conheço este gajo? Os dois pares de olhos concentraram-se de novo no filme. 

Então, que tal o filme, perguntou o recém-chegado? Que dava para entreter, não havia mais nada para fazer naquela tarde de domingo. Passaram-se mais uns minutos e a coisa não atava nem desatava. Até que o intruso se voltou para o Tudela, eu conheço-o, não sei é donde. 
A sua cara não me é estranha também, respondeu meio desinteressado. 

De onde será, de onde não será, o visitante a insistir, mas sem grande entusiasmo da parte do velho sargento. 

Não me está a conhecer, Tudela? Não pode ser, o meu comandante da Guiné! 

Depois esqueceram-se do tempo a ouvirem-se um ao outro. Que tinha 77 feitos. Que depois da Guiné, tinha ido para Angola, depois para Moçambique, depois para Mafra e por lá tem estado estes anos todos. Que é diabético, já não tem um dedo do pé. E que nunca viveu uma vida tão apaixonante como aquela que passou nos Comandos da Guiné. Que ia passar uns dias a casa dele a Cantanhede, uma casa pintada de amarelo, junto ao restaurante Marquês de Marialva e que depois regressava a Mafra, a sua verdadeira casa. 

Não se queriam deixar nem por nada. Depois ainda se encontraram mais duas vezes, até um dia receber uma chamada de um camarada. O Tudela morreu, escorregou nas escadas do convento. 
Generais, sargentos, cabos, capitães, coronéis, civis, Comandos velhos da campanha da Guiné, assistiram à saída do velho Tudela do convento, rumo à última viagem até Cantanhede. 

A Lurdes, a paixão do Luís, continuou em Bissau e segundo alguns conhecidos, já nos finais da década de 60 continuava a namorar Comandos, desta vez um furriel. Chegado o 25 de Abril e com todo o movimento que se seguiu foi viver para uma das ilhas de Cabo Verde. Casou com um conhecido comandante do PAIGC. 

O Marques de Matos, Chefe de Equipa dos “Diabólicos”, tantos anos sem saberem uns dos outros, um dia deu sinal de vida. O que é feito de mim? 

Ora, andei para a frente, comecei por vender máquinas Rank Xerox, daquelas grandes. Um dia, o meu padrinho de casamento encontrou-me acidentalmente na rua. Fernando, queres vir para os seguros? 

Fui, comecei quase como paquete, subi e desci na carreira profissional, quando desci, tome-se nota, foi porque sempre me recusei a vergar a espinha. Igual a mim próprio, sempre recto nos procedimentos e nas relações, lembro-me assim desde pequeno. E quando caí, preferi que fosse eu a dar o sinal de queda. Sem ninguém se aperceber, deixar-me cair em sentido, sabe do que estou a falar? 

Um dia fiz a queda facial tão a preceito que ia quebrando o nariz. 

Devem ter visto que tinha algo que se devia preservar, promoveram-me a director da companhia. Esgalhei, dei tudo o que tinha, até o meu coração me avisar que lhe estava a pedir demasiado. Tive que meter travões, antecipei a retirada. 

Mas mantenho-me activo, visito famílias onde há carências, estou a falar da fome. Levo-lhes comida e também companhia. Ah! E confesso, sempre tive um norte na minha vida, Deus! Deu-me sinal que existe, mais que uma vez. Tenho dois filhos adultos, netos, uma casa à beira do mar onde faço uns grelhados de peixe de fazer inveja ao “Índio” de Vila Nova da Cacela e até aprendi a ler a vida nas mãos das pessoas. 

E um imenso orgulho de ter feito parte dos Comandos. Não, não cobro nada por dizer isto. Muitas coisas que aconteceram já não existem na minha memória. Outras persistem, não me deixam, como algumas que ocorreram numa estadia do nosso grupo em Barro. A imagem da bajuda mortalmente atingida, ainda quente, um qualquer a aproximar-se dela, a baixar as calças e eu a ver e a mostrar-me igual a mim próprio. Parece que foi ontem! 

O Azevedo, outro furriel do grupo, deu sinais de vida. Continua a viver em Ovar. Do outro lado da linha ouvia-se algazarra de miúdos. Netos, Azevedo? Seis, comandante! Uma ou duas semanas depois, passava na A1 perto do desvio para Aveiro. Lembrou-se do Azevedo, aquele magnífico furriel dos “Diabólicos”. Azevedo, está a trabalhar? Eu estou sempre a trabalhar, comandante! Estou próximo do desvio para Aveiro, de regresso a Lisboa, mas para o ver vou para a frente ou para trás, o que for preciso, Azevedo, quero é dar-lhe um abraço! Sai no desvio para a Vila da Feira, passa a portagem, uma rotunda a seguir, corta na segunda à direita, nova rotunda, outra vez na 2.ª à direita, estou lá à sua espera para lhe dar um abraço, comandante. Assim fez, parou o carro, e agora onde pára o Azevedo? Sai-lhe de um Mercedes azul, ainda novo, um tipo gordo, careca, de bigode à Pancho Villa. Era o Azevedo, mas a melena farta desapareceu e o peso quase tinha duplicado. Pois o Azevedo, depois de regressar, empregou-se numa conhecida empresa de Ovar. 

Em 1979 foi convidado para ir para Luanda, pôr a filial a funcionar, ainda no tempo do Agostinho Neto, as coisas não estavam nada fáceis. Cumpriu a missão e regressou à sede. Viu os filhos a crescerem, os netos a seguir. Sempre optimista, entusiasta, o futuro começa agora, que porreiro! Ainda deu tempo para engatar uma conversa, pegar nela para outra. Do tipo da história do relógio suíço, quando deram por ela já estavam a falar da aldeia onde se fabrica o relógio. Marcaram a continuação da conversa para outro dia que já estava a fazer-se tarde. 

Mais de quarenta anos decorridos, na procura dos camaradas do grupo, calhou cair-lhe nas mãos a direcção do "Angola". O "Angola" chamava-se Fernando de Bessa Afonso. Nunca soube porquê, chamavam-lhe Angola e ele chamou-o sempre por "Angola". E ele respondia presente. Mais preocupado com outras coisas, nunca procurou saber o porquê do cognome. Imaginou sempre que o Angola era assim chamado porque devia ter alguma relação com Angola. Logo que soube que o "Angola" morava em Viana do Castelo, telefonou-lhe. 

Quem fala? “Angola”, é você? A resposta do outro lado demorou. Era ele, o magnífico soldado "Angola", no nome e no registo militar Soldado Fernando de Bessa Afonso. 

E 42 anos depois retomavam o contacto. Um ou dois meses depois teve que deslocar-se ao Porto. É hoje que vou rever o "Angola". Combinaram encontrar-se naquela linda cidade, junto ao "Gil Eanes", pousado no Lima, cansado das largas viagens que fez como navio-hospital da frota bacalhoeira. 

O "Angola" apareceu-lhe, bem apresentado, como se fosse para uma formatura. Cabelo farto, barba cuidada, da cor que os anos fazem, tudo branco. Da emoção do reencontro, ficou um abraço que nunca mais acabava. 

Na esplanada de um café da Av. dos Combatentes, aquela linda avenida de Viana, deixou-o discorrer. 

O meu alferes nunca soube, se calhar, mas eu tenho uma história comprida.  Nasci em Angola. Quando chegou o tempo da tropa ofereci-me para os Páras. Fiz o curso e, no fim, tive direito a umas férias. Não me apresentei na data que estava indicada. Fui expulso e mobilizado para a Guiné. Fui para o BCav 490, em rendição individual, para Cuntima. Sim, para Cuntima, junto à fronteira com o Senegal. E o meu alferes chegou lá um ou dois meses depois. Depois fui para os Comandos, para o seu Grupo. 

E depois da comissão na Guiné, fui convidado pelo Capitão Saraiva e, olhe, fui com ele para Moçambique, integrado na 9.ª CCmds. Infelizmente, o Cap. Saraiva pisou uma anti-pessoal e ficou gravemente ferido. Se eu estava lá com ele? Claro, foi na serra do Mapé, eu próprio fui um dos que o assistiu. Quem o substituiu foi o Cap. Júlio Oliveira, hoje general, se não estou em erro. 
Coisas do arco-da-velha, meu alferes! Um dia, emboscados, apanhámos uma pequena coluna da FRELIMO. Limpámos aquilo e, não quer saber, que o único sobrevivente foi um miúdo de meses. Pegámos nele e levámo-lo para Montepuez. O que é feito dele? Está cá, tirou um curso superior, olhe, vive em Lisboa. Depois... 

Duas horas, que o tempo não dava para mais. “Angola”, quantos anos tem? 66, faço pára-pente, sou instrutor, ainda ontem em Cerveira... 

O João Parreira ingressou, muito jovem ainda, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Dezembro 1961. Depois veio a tropa e a Guiné. Partiu com a CArt 730 do BArt 733 em Outubro de 1964. Em 9 Janeiro de 1965 foi ferido, numa operação à base de Bafantandem, na zona de Cancongo. Depois entrou para os Comandos, para o Grupo dos “Fantasmas” do então Tenente Saraiva. Foi outra vez ferido em Abril 1965 na operação “Açor”, nas tabancas de Portugal, na zona do Incassol. E como não há duas sem três, voltou a ser novamente atingido por estilhaços do rebentamento de uma granada de um RPG em 6 Maio 1965 na operação “Ciao” em Catungo, Cacine, mesmo ao lado do Morais, que morreu logo ali, com o Parreira a olhar para ele, sem nada poder fazer. 

Em Setembro de 1966 regressou a Lisboa e ao MNE. Com saudades de África, daqueles calores, deve ter sido por isso, foi para o Consulado Geral de Portugal em Salisbúria, para a Rodésia, em Dezembro, onde geriu o Consulado, de 1 Janeiro 1978 a Fevereiro 1980. Ainda passou pelo Malawi entre Abril e Maio de 79 e regressou de novo a Salisbúria. Ia todos os meses a Blantyre, Malawi, fazer a gestão dos consulados. Por lá andou até Março de 80. 

Depois colocaram-no na Embaixada em Lusaka, Zâmbia, onde ajudou a preparar a visita presidencial e a dar apoio consular à nossa comunidade. 

Voltou a Lisboa e ao MNE em Dezembro 1981. Em Setembro de 1982 partiu para Londres, depois Harare, Zimbabwe em Janeiro de 1989. Em Agosto de 1994, regressou outra vez à base, Lisboa, MNE. 

‘Medalhas? Sim, ganhei três na Guiné, tenho-as aqui, no corpo.’ 

O Presidente da República gostou do trabalho do João Parreira, condecorou-o com a Ordem do Infante D. Henrique. 

A vida profissional começou-a, por uma coincidência, com o Tenente-Coronel Cavaleiro, o Comandante do Batalhão de Cavalaria 490, estacionado em Farim. Foi através das suas referências que começou logo a trabalhar e soube mais tarde que o Coronel, de vez em quando, perguntava ao cunhado, administrador da empresa, então como é que anda o tipo? 

Os primeiros tempos não foram nada fáceis, problemas de saúde arrastaram-se durante anos. Só dez anos depois do regresso é que se veio a descobrir que tinha trazido da Guiné um parasita intestinal que lhe provocava, para além de outros problemas, úlceras nas córneas. 

Naqueles anos, finais de 60 até meados de 70, quando se lembrava daqueles tempos ficava com insónias e, quando dormia, voltava a sonhar com aquelas Guinés. Demorou anos a encontrar-se, a ajuda da mulher, sempre presente, e os nascimentos dos filhos ajudaram-no a estabilizar. 

Década e meia mais tarde, em Lisboa, já na direcção comercial de uma multinacional suiça, voltou a ter notícias do seu antigo comandante de batalhão. A secretária do administrador tinha o apelido Cavaleiro. A senhora é alguma coisa ao Coronel Cavaleiro? Sou sobrinha, conhece o meu tio? ´

Ao longo de mais de 40 anos a Guiné foi-se enterrando cada vez mais na memória até se esquecer que por lá alguma vez tivesse passado. Em conversas a que por vezes assistia sobre o que se passava ou se tinha passado naquela guerra, a Guiné era um assunto que se tornou alheio. Os cheiros da terra, os linguarejares das pessoas, o sibilar das balas e dos rebentamentos, o Cacheu, o Geba e o Corubal, os pássaros, os macacos cães, o HM 241, a base aérea, os cantares ritmados, os batuques, as cores das roupas, eram imagens que há muito o tinham deixado. Nem tinha a consciência que tudo isso estava à mão, logo ali, tão perto que bastava destapar a caixa e que uma imagem traria outra e outra e a Guiné viria outra vez à tona. 

Foi o que aconteceu quando começou a escrever esta história. À medida que ia lendo os apontamentos amarelecidos dos fins dos anos 60, as imagens e os sons iam surgindo, voltou a sentir os cheiros do capim, o calor das lalas de Faquina Mandinga, os tarrafos de Buba, as humidades frescas das madrugadas das matas do Oio. Sem nunca se ter apercebido, aquela terra tinha vivido sempre com ele. “Nunca mais foste o mesmo, raras são as fotos em que apareces com um sorriso”, disse-lhe alguém meia dúzia de anos depois do regresso. A inquietação absurda, sem razão aparente para a sentir, acompanhou-o a vida toda, as horas do sono nunca mais foram as que eram antes, nem com a ajuda dos lorenins. 

************

A luta armada teve início, oficialmente, em 23 de Janeiro de 1963 com o flagelamento ao aquartelamento de Tite. Tanto quanto sabemos foi Arafan Mané quem tomou a iniciativa do ataque, sem o conhecimento prévio de Amílcar Cabral, que terá sabido do facto através de uma estação de rádio. 

Tite, o Como, a zona do Oio, a mata do Cantanhez, Madina e Guileje, foram pasto de um fogo que se expandiu durante esses anos por quase todo o território. Os ventos ajudavam, eram fortes e de feição. Emboscadas, ataques aos aquartelamentos e povoações, minas e armadilhas foram deixando marcas na população e nos combatentes dos dois lados. 

Bissau era o descanso dos guerreiros. Nos intervalos da guerra, combatentes do Exército, da Marinha e da Força Aérea paravam em Bissau, a maioria para virem a Lisboa de férias. Outros estacionavam nas enfermarias do HM 241, tentando prolongar as vidas. 

Alguns guerrilheiros aproveitavam as idas a Bissau para visitar as famílias e conhecidos e espiar os movimentos das tropas portuguesas, informações que depressa transmitiam por um tam-tam qualquer aos Comissários do Partido. 

A luta foi decorrendo assim, de início de fraca intensidade e endurecendo à medida dos anos. No princípio eram Seskas, Simonovs e Mausers, meses depois, poucos, a PPSH e a Kalash cuspiam metralha. E a guerrilha foi avisando que, em breve, novas armas mais mortíferas estavam a chegar. 

Do lado das Forças Portuguesas a G-3, a bazooka e os morteiros de 60, os Dorniers 27, os T-6 preparados para bombardeamentos (em breve período os F-86 da Nato, estacionados na Ilha do Sal), os Alouettes-2, no início, e depois os ALL-3, os jactos Fiats G-91 a partir dos finais da década de 60, as LDMs, LDGs e os Navios Patrulhas aguentaram-se até ao fim. 

Em poucos anos, a guerrilha estreou os morteiros pesados, os RPGs, o canhão sem recuo, os foguetões e os mísseis Strella, estes em 1973. 

Estava-se perto do fim. A manobra do PAIGC, de sair de Bissau e das povoações maiores para se infiltrar e disseminar pelas tabancas, tinha-se revelado de enorme importância.  Os Fiats G-91 entraram, as operações com recurso aos Alouettes-3 tornaram-se correntes, mas o ânimo das nossas tropas já não era o mesmo. 

Na metrópole, quem queria e podia punha-se na alheta. Em qualquer canto, em França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Holanda, Suécia ouvia-se falar a língua de Camões. 

Uma Guerra que nunca devia ter sido feita. Uma Guerra que não devia ter terminado. Uma Guerra perdida nas bolanhas e nas matas. Uma Guerra perdida em Lisboa. 

A Guerra começou oficialmente em Janeiro de 1963 e terminou em 9 de Setembro de 1974. Os últimos soldados portugueses regressaram a Lisboa em 15 de Outubro. 

************

Anexos : Breve apontamento sobre a História dos Comandos do CTIG2

I. Cronologia 

˗ Partida, em 29 de Outubro de 1963, para Angola dos Oficiais, Sargento e Praças, do CTIG, a fim de frequentarem um curso de Comandos, no CI 16 na Quibala - Norte: 

Maj. Inf.ª Correia Diniz 
Alf. Mil. Maurício Saraiva 
Alf. Mil. Justino Godinho 
2.º Sarg. Inf.ª Gil Roseira Dias 
Fur. Inf.ª Mário Roseira Dias 
Fur. Mil. Cav. Artur Pereira Pires 
Fur. Mil. Cav. António Vassalo Miranda 
1.º Cabo At. Inf.ª Abdulai Queta Jamanca 
Sold. At. Inf.ª Adulai Jaló 

˗ Regressaram a Bissau em 6 de Dezembro de 1963, e, formaram um Grupo que participou na Operação "Tridente" (Ilha do Como), de 15 de Janeiro a 22 de Março de 1964. 

˗ Em 3 de Agosto de 1964, início das actividades do CIC/Brá, com a Escola de Quadros para dar instrução ao 1.° Curso de Comandos da Guiné, que decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964. Deste curso saíram os três primeiros Grupos de Comandos, que desenvolveram a sua actividade na Guiné até Julho de 1965: 

"Camaleões": Alf. Mil. Cmd Justino Godinho (Cmdt) 
"Fantasmas": Alf. Mil. Cmd Maurício Saraiva (Cmdt) 
"Panteras": Alf. Mil. Cmd Pombo dos Santos (Cmdt) 

˗ O CIC/Brá, sob o comando do Maj. Inf.ª Cmd Correia Diniz, recebeu do CIC de Angola, para a formação de quadros, os seguintes militares: 

Ten. Mil. Cmd Abreu Cardoso 
Alf. Mil. Cmd Luís Câmara Pina 
2.º Sarg. Infª. Cmd Ferreira Gaspar 
Fur. Mil. Cmd Pompílio Gato 
1.º Cabo Cmd Pires Júnior (Pegacho) 
1.º Gr. Cmds "GATOS" / BART 400, comandado pelo Alf. Mil. Cmd Martins Valente. 

Estes elementos participaram nas primeiras acções conjuntas com os Grupos acima referidos. 

˗ O CIC/Brá foi extinto em 01 Julho de 1965 

˗ Para dar continuidade à formação de Grupos de Comandos, foi criada a Companhia de Comandos do CTIG (CCmds/CTIG), tendo sido nomeado seu comandante o Cap. Artª. Nuno Rubim, substituído em 20 de Fevereiro de 1966 pelo Cap. Art. Garcia Leandro. 

˗ O 2.º Curso de Comandos teve início em 07 de Julho de 1965, terminando em 04 de Setembro do mesmo ano, com a formação de 4 Grupos de Comandos, que tomaram os nomes: 

"Apaches": Alf. Mil. Cmd Neves da Silva (Cmdt) 
"Centuriões": Alf. Mil. Cmd Almeida Rainha (Cmdt) 
"Diabólicos": Alf. Mil. Cmd Silva Briote (Cmdt) 
"Vampiros": Alf. Mil. Cmd Pereira Vilaça (Cmdt) 

˗ O 3.º Curso de Comandos, realizado pela CCmds/CTIG, aquartelada em Brá, decorreu de 9 de Março de 1966 a 28 de Abril de 1966, e foi constituído por militares voluntários pertencentes a Unidades sediadas na Guiné e que se destinaram a recompletamento dos Grupos de Comandos, tendo sido, cerca de um mês depois, englobados no Gr Cmds "Diabólicos". 

˗ Com a chegada à Guiné da 3.ª Companhia de Comandos, vinda do CIOE - Lamego, a CCmds/CTIG foi extinta em 30 de Junho de 1966, mantendo-se em actividade o Grupo de Comandos "Diabólicos", até finais de Setembro de 1966, data em que a maioria dos militares que o integravam terminaram a sua comissão de serviço. 


II. Resultados da Companhia de Comandos da Guiné (23/08/64 a 31/08/66) 

˗ Efectivos envolvidos: 211 
˗ Mortos em combate: 12 
˗ Feridos em combate: 19 
˗ Acções realizadas: 1133 
- Gr. “Fantasmas”: 21 operações 
- Gr. “Camaleões”: 9
- Gr. “Panteras”: 11 
- Gr. “Apaches”: 14 
- Gr. "Centuriões":12 
- Gr. “Diabólicos”: 24 
- Gr. “Vampiros”: 14 
˗ Armas apreendidas: 71 
____________

Notas:

1 - Nome fictício
2 - In Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961/1974); 14.º Volume - "Comandos"
3 - Total de operações, incluindo acções executadas apenas por oficiais e sargentos

************
(FIM)
____________

Nota do editor

Todos os postes da série de:

28 de Junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14803: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (I Parte): Introdução, Dedicatória e A Caminho

30 de Junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14814: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IIa Parte) Em Cuntima, na fronteira Norte com o Senegal (1)

30 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14817: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IIb Parte) Em Cuntima, na fronteira Norte com o Senegal (2)

2 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14827: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (III Parte): Morreu-me um gajo ontem

7 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14845: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IV Parte): Comandos do CTIG

9 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14857: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (V Parte): Brá, SPM 0418

14 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14876: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VI Parte): A nossa causa é uma causa justa

23 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14922: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VII Parte): Clara; Apanhado à mão e Entre eles

30 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14951: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VIII Parte): "Hotel Portugal"; "Um guia" e "Artigo 4.º do RDM"

6 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14975: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IX Parte): Mais dois lugares è mesa; Bomba em Farim e Rumo a Barro

13 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14998: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (X Parte): Barro, Bigene; Bigene, Barro

20 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15024: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XI Parte): Mornas e Segundo Encontro com o RDM num mês

27 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15044: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XII Parte): Guia em fuga; Um descapotável em Bissau e Entram os Alouettes

10 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15098: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIII Parte): Conversa em Brá e Nunca digas adeus a Cuntima

24 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15149: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIV Parte): Fuzileiros, Páras e Felupes; O que se terá passado em Catió; Casamento com data marcada e Ponto da situação em Brá

1 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15186: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XV Parte): ME-14-04; Partir mantenhas; Buba, outra vez e Vamos ser independentes

8 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15221: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVI Parte): Cabral no Oio; Uma carta e Galinha à cafriela

15 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15254: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVII Parte): Fima, enfermeira do Partido; Cassaprica e Correspondência

22 de outubro de 2015> Guiné 63/74 - P15280: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVIII Parte): Extinção da Companhia de Comandos do CTIG; Mansoa e Valium

29 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15303: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIX Parte): Chegou a 3.ª Companhia de Comandos e Pesadelo

5 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15330: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XX Parte): Hospital Militar 241; Mamadú; Fuga? e Só água fria por baixo

12 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15357: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXI Parte): Grande Hotel; Água IN; E agora para onde? e CCS, QG

19 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15385: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXII Parte): Outros horários; Contas com os fornecedores; Um mês e meio para o fim; Um Folgado no QG e VAT 69

27 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15417: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXIII Parte): Lifna Cumba, o "Joaquim"; Um longo Dezembro e Os Últimos Dias

3 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15439: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXIV Parte): "Regresso, dois anos depois" e "Tantos anos depois: por quê recordar?"

10 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15473: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXV Parte): Uns continuaram nessas guerras, outros noutras - 1
e
17 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15498: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXVI Parte): Uns continuaram nessas guerras, outros noutras - 2