Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os antigos combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961/74). Iniciado em 23 Abr 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 19 de julho de 2023
Guiné 61/74 - P24486: Parabéns a você (2188): Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 / BCAÇ 2892 e CART 2732 (Buba e Mansabá, 1970/72)
Nota do editor
Último poste da série de 17 de Julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24481: Parabéns a você (2187): Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-Alf Mil Paraquedista da 1.ª CCP / BCP 21 (Angola, 1970/72)
terça-feira, 6 de junho de 2023
Guiné 61/74 - P24374: (In)citações (246): O regresso dos Soldados (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)
1. Em mensagem de 3 de Junho de 2023, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 / BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), enviou-nos um texto que intitulou:
O Regresso dos Soldados
Nós os homens dos vinte anos feitos ou a fazer nas décadas de 60 e 70 do século passado, sonhámos com o dia 25 de Abril de 1974, mais do que os hebreus com o dia da libertação do Egipto.
Soldados em formação ou soldados prontos, milicianos, forçados a combater em savanas, matas e bolanhas, de Angola, Moçambique e Guiné, contra a sua consciência ou sem entenderem as razões dessas batalhas, a defenderem territórios habitados por africanos, gentes de outras cores, outras raças, de outras crenças e colonos brancos, tão longe das suas aldeias, dos seus bairros, das suas vilas e cidades, nessa África quente e desconhecida, que a alguns matavam e a outros feriam no corpo e na alma.
Muita da alegria de viver, que ficou por lá, entre sonhos e pesadelos de juventude perdida, os ex-combatentes procuram hoje recuperá-la, em convívios e almoços, em conversas longas só entre eles, sobre picadas, emboscadas, ataques, balas, rebentamentos, colunas, bajudas, homens grandes, mortos e feridos para libertarem o espírito e ganharem alento para fazerem a última caminhada com dignidade. Com o clarão das bombas ao rebentar, o cheiro da pólvora, o matraquear das espingardas e das metralhadoras todos transportam o desgosto imenso dos anos perdidos da juventude, quando outros da sua idade, os mais infelizes, perdiam a saúde e a vida, imolados no altar da Pátria, que nunca reconheceu o seu sacrifício supremo. Todos os que sobreviveram transportam a raiva pelo esquecimento a que foram votados pela sociedade civil e pelos governos depois da ditadura, os feridos e mortos em combate, que heróis ou não, foram seus amigos e seus irmãos, como se a Nação ao condenar o ditador e as suas políticas coloniais, devesse também condenar os ex-combatentes que foram forçados a fazer a guerra colonial.
Fomos nós que fechamos o ciclo penoso dos descobrimentos e da expansão marítima, que os gloriosos marinheiros portugueses iniciaram no século XV, com a morte de muitos por tempestades nos mares que destruíam as frágeis caravelas, pela fome, pelo escorbuto, doença terrível, por incursões em sítios onde aportavam. Entre nós, os últimos soldados do Império e os soldados e marinheiros lançados a desbravar caminhos dos mares de terras distantes, muitos outros soldados se sacrificaram até à morte, nos séculos que medeiam, a tentar dominar revoltas de reinos e tribos indígenas e na Primeira Guerra Mundial, contra grandes potências colonizadoras. O Velho do Restelo, a consciência crítica dos Lusíadas, por muitos interpretado como a consciência de Luís de Camões alertava para todas as desgraças e horrores que iriam acontecer, que nada de bom trariam a Portugal.
Ao reflectir sobre o meu passado procuro interpretar os pensamentos e sentimentos da minha geração e tentar desfazer o novelo, da teia de incompreensão, com que fomos recebidos, como se tivéssemos que corrigir todos os erros da nossa História antiga e recente.
"Viver parece-me um erro metafísico da matéria, um descuido da inacção". "Tenho mais sono íntimo do que cabe em mim. E não quero nada, não prefiro nada , não há nada a que fugir".
Bernardo Soares, do "Livro do Desassossego".
Somos o princípio e o fim de uma ilusão que se esvai num curto espaço, a que se chama vida.
Francisco Baptista
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Nota do editor
Último poste da série de 4 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24365: (In)citações (245): "Pequena conversa com a Arte", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)
domingo, 5 de fevereiro de 2023
Guiné 61/74 - P24038: Blogues da nossa blogosfera (177): A matança do porco de antigamente... e a alegria da festa que não se compra nos hipermercados (Augusto Pinto Soares, coeditor de "A Nossa Quinta de Candoz")
Foto (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Os dedos enregelavam. O dono da casa e os filhos já espigadotes, com corpo de homem, agasalhados com capotes e samarras com pele de coelho no colarinho, calçados com socos de madeira que estropiam nos montes de geada congelada no chão, esfregam as mãos tentando fazer girar o sangue para as aquecer.
Era o dia da matança do porco. Dia esperado com alguma ansiedade pois parecia dar abundância naqueles tempos de míngua, de escassez. A matança era um momento solene, porque muitas famílias não tinham mais nada além do porco.
O ambiente ia sendo preparado. O carro de bois já tinha sido colocado de feição. As panelas com água já estavam na lareira, entretanto acesa, para ferver água. Molhos de palha, amarradas como archotes, estavam prontos. Um alguidar com um pouco de vinho verde tinto no fundo aguardava junto ao carro.
A dona da casa já tinha preparado o mata-bicho (broa de milho e centeio e aguardente – alguns preferiam-na com um pouco de açúcar) para aquecer os corpos, ainda esfriados como a manhã.
O dono da casa, o matador e mais três ou quatro filhos lá se dirigiam para a corte onde o bicho, qual condenado sem saber a sentença que lhe coubera de sorte – mas parecendo que a adivinhava – olhava de soslaio, e com alguns guinchos, para aqueles vultos que não era costume aparecerem àquelas horas para lhe darem de comer – o que tanto desejava pois desde o dia anterior que pouco ou nada tinha comido, apenas alguma água de lavagem. Desconfiado, ia-se resguardando no canto mais recôndito que encontrava na corte.
Marco de Canaveses > Feira do gado > O porco era o governinho da patroa e o boizinho, vendido na feira do Marco, uma das poucas fontes de receita dos lavradores e sobretudo dos caseiros, para além do vinho e do milho, antes do 25 de Abril. (O boi da foto era um animal de trabalho, a junta de bois substituía o tractor.)
– Oh bitcho! Oh bitcho!
Com alguma dificuldade mas com a mestria de quem tantas vezes já tinha efectuado aquela tarefa, o matador colocava a corda, como um açaimo, em redor do focinho e entre os dentes do animal.
Agora, puxado para fora da corte e com os restantes homens a vigiar – não fosse o bicho fugir, o que não seria a primeira vez – era conduzido para o carro de bois. E todos num verdadeiro esforço lá conseguiam deitá-lo com a cabeça para baixo junto à cabeceira do carro.
Os quatro homens seguram-no, cada um em sua pata e colocado o alguidar com o vinho (para o sangue não coagular) por debaixo da cabeça do bicho, o matador, dando uma palmada (tal como se fosse para dar uma injecção) por cima do sítio onde a faca iria entrar, espeta-a com precisão cirúrgica, junto à goela, no único sítio que fará com que o sangue flua completamente para o alguidar. Os berros do bicho são essenciais para que o sangue saia todo e são sinal que a faca foi espetada no sitio certo.
– Sim senhor! A faca foi bem metida! Nem uma pinta de sangue lá ficou! Deu-o todo!
O alguidar já vai para a cozinha onde o sangue será cozido (a água já ferve na panela de ferro que está à lareira) para, daqui a pouco, ser levado como pitéu, juntamente com broa e vinho verde tinto, aos homens. È o dejujuadoro (deixar de estar em jejum) daquele dia.
Quinta de Candoz > c. 1980 > A matança do porco: cinco homens e duas mukheres oara matar um porco... Uma cena, hoje cruel para os nossos filhos e netos citadinos (a que a criança do cmapo se habituava desde tenra idade...), e que Bruxelas quis definitivamente banir dos nossos campos e aldeias em nome de uma concepção fundamentalista da saúde pública e de uma Europa globalizada, normalizada e tecnocrática, matando a etnodiversidade... O "Gusto", em segundo plano, ao centro, de óculos...A Alice Ferreira Carneiro, do lado direito, de perfil, em primeiro plano... O "matador" é o Manuel Ferreira Carneiro, o único dos três rapazes da família que ficou livre da tropa por deficiência numa perna. Três raparigas completavam a famíia Ferreira Carneiro.
Aceso um molhe de palha pouco a pouco vai-se tostando a pele do bicho, queimando-se os pêlos para que o couro fique o mais liso possível. Os homens já não sentem tanto o frio. O esforço e a tocha a queimar a pele do bicho já os fez aquecer. Entretanto já lá vem o sangue cozido que, com a broa e o vinho, os fará aquecer ainda mais. Os casacos e as samarras já são um estorvo!
– Eu não dou tanto! P’raí uns noventa e três!
– Depois veremos! Há aí uma balança para tirar as teimas!
A pele do animal já está quase escura. Com sacholas, facas, escovas e pedras rapam-se os pêlos já queimados, lavando ao mesmo tempo o couro.
Escaldada a língua e a orelheira, faz-se a limpeza a essas partes. Dá-se agora mais uma achega de calor com a palha a arder para que a pele fique mais tostada – a cor dum verdadeiro leitão assado – e com água e sabão completa-se a aparência final.
Com as mãos da frente amarradas a um estadulho do carro de bois e o mesmo para as patas traseiras o bicho é erguido pelos quatro homens que, quais gatos-pingados em cortejo fúnebre, o levam para a loja da casa – o sítio mais fresco – onde pendurado nuns ferros fixos ao tecto (que sempre lá existiram para o efeito) e com a cabeça para baixo será preparado para uma primeira dissecação.
A língua servirá para um óptimo salpicão que será apreciado no Carnaval. O fígado cozia-se para depois ser comido frio, ás fatias, com um bom naco de broa. A bexiga, depois de cheia com ar e amarrada no topo, como um balão, vai a secar junto ao fumo da lareira como sinal que se tinha feito uma matança de porco e em alguns casos para servir como irrigador para dar clisteres a quem deles necessitava. Desde o unto à bexiga nada se podia perder.
Já sem as entranhas, com a barriga bem aberta e segura por espetos de madeira cravados duma banda à outra para melhor expor o interior, recheado de ramos de folhas de loureiro aí vai ficar o bicho a secar e a arrefecer a carne até ao outro dia.
A porta devidamente fechada à chave não só para prevenir a entrada de moscas (não são normais neste tempo de frio mas…) que poderão conspurcar a carne, mas também não vá aparecer um daqueles vizinhos maganões que por brincadeira leve o porco da loja deixando os donos da casa atormentados e com os cabelos em pé por pensarem que lhes roubaram o que tanto lhes tinha custado a criar no último ano e que seria o principal sustento da família durante o próximo.
O almoço já apetecia. O odor do salpicão paioto (o maior) – reservado até agora da matança do porco do ano anterior – a cozer juntamente com um arroz malandro convidava ao repasto e fazia crescer água na boca.
Novo dia. Nova expectativa de mais fartura.
A meio da manhã, o matador chegava preparado para a segunda operação de desmanchar o porco. Descido dos ganchos que o sustiveram durante a noite era então levado para a balança.
– Cento e cinco quilos!
– Eu sempre tinha razão! Tenho o peso nos olhos!
– Pois, olhe, eu fazia-lhe menos um bocado!
Preparada a tábua – em cima de uns cepos – com uma toalha de linho onde o porco seria dissecado, preparados os panos – também de linho – onde as várias qualidades de carne seriam colocadas consoante o seu destino – o matador, sob a vigilância aguçada da dona da casa, começava a desmancha cortando sabiamente cada peça de forma a ter o maior aproveitamento possível.
– Corte mais por ali! Tire as capas mais fininhas!
– Tá bem, Tia Maria!
– Arredonde-me mais esse presunto! Essa gordura vai para pingue!
Meticulosamente cada peça dá o seu melhor para a salgadeira ou para o fumeiro.
A hora de almoço chegava e naturalmente era servido um arroz de costelas mas, um ossinho para cada pessoa e, só porque era o dia da matança. À lareira umas boas brasas aqueciam o ambiente frio da manhã e … assavam fêveras das bandas, só com uma pitada de sal para – uma por pessoa – acompanhar aquele arroz com o suco que delas saía.
O cheirinho que exalava.
– Isto até dá vida a um morto! …
Acabada aquela soberba refeição e enquanto os homens se dirigiam para os trabalhos do campo (podar, cortar erva para os bois, pensar o gado, etc.), o matador e a dona da casa lá iam para a loja tratar de salgar o porco.
E esfrega que esfrega, os presuntos e as pás, mais que as outras peças, lá iam ficando bem impregnados de sal. Então, na salgadeira (caixa enorme de madeira) – o frigorífico da altura – onde iriam ser consumidos entre cem a cento e vinte quilos de sal, as peças, de acordo com a sua utilização temporal iam sendo acondicionadas com cuidado e sempre bem cobertas e aconchegadas com o sal – nisso a “patroa” era intransigente –.
– Olhe, Tio Rocha, aqui está a cumeeira! Ponha-a bem no fundo! Tem que dar para o ano todo!
E lá seguiam os presuntos (que aí permaneceriam cerca de quatro meses, para depois, previamente esfregadas com colorau - pimentão doce - e conjuntamente com as pás, serem expostas ao fumo), as pás (cerca de três meses), os ossos a calçar as várias peças, as unhas, os lombos (aí estariam só cerca de dois a três dias para depois serem colocados em vinha d’alhos e quarenta e oito horas depois se fazerem os salpicões) e a cabeça.
Mais umas boas garfadas de sal a cobrir tudo para que nada ficasse exposto ao ar e… estava terminado o trabalho.
A noite aproximava-se. Era preciso preparar a panela de ferro onde os rojões seriam feitos para dar cumprimento à tradição e ao manjar final do dia da matança do porco. Uma pequena parte, das bandas do porco, já tinha sido separada e cortada aos pedaços. A carne entremeada de uma parte gorda e outra magra (próprio daquela parte da barriga), juntamente com o couro e sempre acompanhada do redenho ou gola ou lenço – tecido que separa as tripas grossas das finas – é então deitada na panela com um pouco de banha e com paciência e a ajuda de uma colher de pau, mexe e remexe e torna a mexer, lá se vai vendo os rojões a ficar douradinhos, untados, deliciosos quanto baste para se ter a tentação – sem que a dona da casa o visse – de sorrateiramente se surripiar um, bem quentinho, directamente de panela, que é o que melhor sabe de todos os que se irão comer. A boca até parece empolar com a quentura e sofreguidão com que é facilmente mastigado e digerido. As batatinhas mais miúdas – separadas especialmente para o efeito – também já estão prontas e bem molhadas na banha que serviu para as cozer.
A freima, aquela pequena festa, aquela fugaz alegria de ter fartura durante uns tempos, essas não se compram e... o sabor da carne daquele porco caseiro, criado durante quase um ano com os restos da comida caseira, algum farelo, couves, batata cozida, etc., esse… muito menos.
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Notas do editor:
(*) Vd. postes de:
31 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24026: Os nossos seres, saberes e lazeres (553): As matanças eram tempos de celebração e de paz entre as famílias (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)
2 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24030: (In)citações (229): A matança do porco... do nosso contentamento (Francisco Baptista / Alberto Branquinho / Joaquim Costa / José Belo / Luís Graça / Valdemar Queiroz)
(***) Vd. postes de:
24 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21388: Manuscrito(s) (Luís Graça) (191): Quinta de Candoz: vindimas, a tradição que já não é o que era... (Augusto Pinto Soares) - Parte I
25 de setembro 2020 > Guiné 61/74 - P21390: Manuscrito(s) (Luís Graça) (192): Quinta de Candoz: vindimas, a tradição que já não é o que era... (Augusto Pinto Soares) - II (e última) Parte
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023
Guiné 61/74 - P24030: (In)citações (229): A matança do porco... do nosso contentamento (Francisco Baptista / Alberto Branquinho / Joaquim Costa / José Belo / Luís Graça / Valdemar Queiroz)
Camarada e amigo Valdemar Queiroz, tu escreves bons comentários também saberás escrever bons textos.
Continuo a gostar da carne de porco, ainda ontem comi um bom cozido dessa carne.
Francisco, é um texto de valor etnográfico. É bom poder voltar a ler os teus escritos. Este Portugal, da matança do porco, do fumeiro, da salgadeira..., já não existe mais. Há anos que deixámos de matar o porco em Candoz, no Norte... Mas faz parte das minhas memórias de infância, quando eu, menino e moço, ia à aldeia da minha mãe, Nadrupe, a 3 km da vila da Lourinhã, ma Estremadura, para participar na "festa" da matança do porco... Era sempre por esta altura, no inverno. Ao pé do mar, não se fazem presuntos, mas havia também um bom fumeiro, à base de chouriços.
Mas verdadeiramente arrepiante era a matança do coelho com as pancadas dadas no cachaço do fofinho animal. Fugia daquela cena arrepiante, razão pela qual nunca comi coelho na minha vida.
1 de fevereiro de 2023 às 12:14
E com o auxílio de "fachas" de palha a arder não tiravam as unhas ao bicho para dar à garotada? Que as coloca no nariz e berrava: "Cheira a "carrapé"!
E não faziam cruzes no sangue com palhinhas para "coalhar" mais depressa?
1 de fevereiro de 2023 às 16:33
Será…”todo um mundo que desapareceu “?
Ou antes páginas viradas de um mesmo livro?! Páginas (as viradas e as por virar) que mais não são que um “continuum” existencial?!
Encontram-se no interior do livro o passado, o presente e o futuro?! Entramos neles de acordo com a página,ou capítulo que (de momento) abrimos?!
E,mais uma vez, estou-te grato por teres folheado o teu “livro”.
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Notas do editor;
(*) Vd. poste de 31 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24026: Os nossos seres, saberes e lazeres (553): As matanças eram tempos de celebração e de paz entre as famílias (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)
(**) Último poste da série > 1 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24027: (In)citações (228): Na morte do Francisco Silva (1948-2023), relembrando o cmdt do Pel Caç Nat 51, Nuno Gonçalves da Costa, assassinado por um dos seus homens, em Jumbembem, em 16/7/1973 (Manuel Luís R. Sousa, SAj Ref, GNR)
terça-feira, 31 de janeiro de 2023
Guiné 61/74 - P24026: Os nossos seres, saberes e lazeres (553): As matanças eram tempos de celebração e de paz entre as famílias (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)
As matanças eram sempre aos domingos, os únicos dias de folga que os lavradores tinham, e repetiam-se por tantos dias quantos os casais de irmãos ou irmãs que cada casal tinha. Procuravam-se escalonar de forma a não haver coincidências, para que todos pudessem estar presentes nesses dias festivos.
Eram tempos de celebração e de paz entre as famílias, em que se procuravam esquecer as querelas ou pequenas guerras que podiam existir entre irmãos e cunhados, causadas por diferenças de indoles e temperamentos, por divergências nas demarcações dos terrenos, por palavras que no calor das discussões podiam soar a insultos, por dívidas esquecidas ou que tardavam a ser pagas ou por outras questiúnculas.
Estes convívios tão salutares para reforçar os laços familiares, organizados com leis e regras que pareciam imutáveis, se desmoronou como um baralho de cartas, no último quartel do século XX, com a globalização, a desertificação, o abandono dos campos, a diminuição abrupta da natalidade, e a desagregação da família. Serão na sua génese, não de influência judaico-cristã, mas serão de origem romana mais antiga, que está na base da nossa língua, das nossas estradas e comunicações, do direito civil e familiar, a civilização que nos deixou mais marcas.
Pela proximidade e pela conjugação de todos estes factores, com a morte das mães e dos pais que procuravam mantê-los unidos, os choques e os focos de desunião, motivados também por interesses egoístas e de grupo, iriam acentuar-se inevitavelmente.
Há alguns dias um amigo e vizinho, da minha idade, homem bom e como tal considerado por muita gente (para mim um homem bom tem que o ser no plural) disse-me que tinha sete irmãos e que não falava com quase nenhum. É um artista, um profissional honesto, sempre admirei estes homens e fiquei espantado, a explicação só poderá estar no que escrevi atrás sobre as relações, as diferenças e os conflitos familiares.
Em casa dos meus pais eram criados todos os anos dois porcos, numa loja ao lado da casa. Todos os dias antes do nosso almoço e da ceia, aquecia-se numa caldeira nas grades da lareira a "vianda" com produtos da horta, couves, beterrabas, abóboras, batatas, adubada com farelos, a que se juntavam outros restos que houvesse, pois eles, sendo glutões, não eram exigentes, que seria levada para ser despejada na pia de pedra onde comiam sofregamente.
Na manhã do domingo aprazado para a matança, o pai e os filhos varões mais crescidos traziam para a lareira os maiores toros de carrasco ou de sobreiro e outra lenha mais fina de boa qualidade para aquecer o ambiente, dar calor a todos, e aquecer as grandes panelas de ferro que, guardadas na despensas, depois de lavadas, teriam que cozinhar comida para mais de quarenta pessoas, entre crianças, jovens e adultos.
Havia dois porcos nédios, para serem sacrificados aos Lares, deuses da família, que eram o orgulho da nossa mãe pois tinha sido ela que os tinha criado, e sei, conhecendo-a bem, que se sentia muito contente por ter reunido toda a gente da sua família e da do seu homem, apesar do trabalho que lhe dariam.
Pelas nove apareciam os homens da família que iriam "fazer o mata-bicho", um pequeno-almoço frugal para aquecer, à base de figos secos e aguardente.
Os porcos, um de cada vez eram atados com corda e guiados para um banco, onde os mais velhos e os jovens adultos, os deitavam e agarravam para serem mortos com um golpe certeiro de uma grande faca, chamada porqueira, manejada entre as pernas dianteiras e o pescoço, pela mão hábil do matador, um homem da família, muitos anos um tio, mais tarde um primo, que lhe atingiam o coração com um golpe certeiro, para minorar o seu sofrimento.
Depois era queimado o pêlo com colmo de centeio e raspado com navalhas e com pedaços ásperos de cortiça, para o couro ficar bem limpo. A seguir era aberto, pelo matador, tirando-se todos os "pordentros", as tripas, o fígado, os boches (pulmões), a bexiga, os rins, etc.
As tripas seriam levadas logo pelas mulheres da família para serem lavadas na água corrente e fria, por vezes próxima da congelação, de um ribeiro, para alguns dias depois a dona de casa ensacar as chouriças, salpicões e outros enchidos.
Parte do sangue do porco era cozido e dado a comer a quem gostasse, outra parte era tratado para não coagular para fazer os chouriços de sangue.
A carne do porco, um bem primordial tal como o trigo, o centeio, as batatas, o azeite, a hortaliça, seria guardada na despensa, de diferentes formas para alimentar a família durante todo ano. A despensa da casa era uma espécie de grande arca frigorífica onde todos os alimentos se guardavam e conservavam.
Ao almoço em casa iríamos comer galinha, vitela, ou outras carnes em alternativa. Os homens e os jovens adultos bem instalados na mesa da sala com vinho à discrição, que quase todos apreciavam, iriam sair satisfeitos, apaziguados, e a pensar na próxima matança. As mulheres e a garotada na cozinha ou na entre-sala contígua, contentes à sua maneira. As mulheres porque tinham contribuído para a paz da família alargada e os primos e primas porque tinham tido um grande convívio, boa comida e muita brincadeira.
As matanças eram feitas nas ruas por causa do fogo e da água que era necessário utilizar na preparação das carcaças e aos domingos porque, sendo dia de folga, não iriam estorvar o trânsito dos carros de vacas proibidos de circular, nesse dia, pela Santa Madre Igreja. Nos meses de Novembro e Dezembro, em Janeiro já não porque começavam os lagares de azeite a trabalhar e iriam despejar para os ribeiros o piche, um líquido escuro, que não era azeite, que também saía das azeitonas quando se espremiam e era encaminhado juntamente com a água utilizada, para o ribeiro mais próximo, tornando as suas águas turvas e impróprias para lavar as tripas.
As mulheres que criavam os porcos, preparavam as suas carnes e faziam os enchidos, as nossas avós, as nossas mães, as nossas tias, já morreram ou estão velhinhas, tal como os seus homens que os matavam , os "desfaziam" e plantavam as hortas, com grande abundância de hortaliças e outros bens alimentares.
Os porcos, depois de mortos e preparados na rua, eram pendurados em vigas nas despensas dois dias para verterem bem todo o sangue. Ao terceiro dia o chefe de família iria desfazê-lo, serviço que consistia em cortá-lo de acordo com as características das partes que o constituíam. Separar os presuntos, o toucinho, o lombo, as costelas, os pés, o focinho e outras partes, era um trabalho árduo que requeria pulso, uma boa machada e facas bem afiadas. Recordo-me que o meu pai fechava-se na despensa para fazer esse trabalho e não queria ninguém à sua beira.
Em alguns concelhos transmontanos felizmente ainda há casais, alguns jovens, que se dedicam a essa actividade. É bom que não se percam os bons sabores e a qualidade dos produtos da terra fria transmontana.
"Ao ser indagado, sobre qual a ave que mais gostava de comer, um espanhol citou as qualidades do frango, da perdiz mas suspirou dizendo: Se o porco voasse... seria ele a primeira das aves".
O porco enchia a casa dos lavradores de bons sabores desde o focinho aos pés tudo se aproveitava:
- O focinho, os pés, as orelhas, o bulho (bexiga de porco enchida com carne com osso, curada no fumeiro), tudo cozinhado com casulas (vagens secas) e batatas, compunham um prato delicioso para comer nos dias frios do Inverno, obrigatório nos dias de Carnaval;
- Os presuntos curados com muito sal, depois cinza, a seguir limpos e pendurados nas despensas, não iriam ao fumeiro, o frio seco do planalto completava a sua cura; eram das peças mais importantes e apetitosas do animal, comidos com parcimónia em dias especiais e na recepção de familiares ou amigos;
- O toucinho, o parente pobre do presunto, era curado da mesma forma, tinha os seus admiradores, ficava mais saboroso com a passagem dos meses frios e quentes, quando o sol já desmaiava no horizonte, no tempo das sementeiras em Setembro e Outubro;
- A marrã, a carne entremeada da barriga seria grelhada à lareira acompanhada por batatas cozidas, grelos ou couves;
- Com as carnes magras do lombo e de outras partes, as donas de casa faziam os "chichos" que seriam postos em "suça", a marinar temperados com vários condimentos em alguidares ou barrinhões, durante alguns dias na despensa, muito saborosos; com o amor e as liberalidade das mães, alguns seriam grelhados na lareira e comidos com batatas e grelos ou couves, porém a maior parte seriam para fazer as chouriças e os salpicões, os enchidos mais valiosos do fumeiro;
- O fígado e os rins grelhados, eram petiscos que todos apreciavam; outro petisco guloso eram os rojões do redanho (diferentes dos rojões do Minho) fritos na sertã;
- Com a banha do porco fazia-se o "unto", muito saboroso para barrar as torradas ou para temperar o caldo.
Aproveitando o tempo frio e seco, o contributo e inspiração do ciclo do porco as cozinheiras iriam encher os fumeiros de todos os géneros de enchidos, alguns com carne dele, outros com outras carnes, outros sem qualquer carne: as alheiras, os azedos, os chabilanos, os brancos, os doces e outros, breves dias depois do mata-porco iriam encher o fumeiro com formas e cores variadas, que consolavam a vista e anunciavam prazeres futuros ao paladar.
Infelizmente não há uma história fotográfica desses encontros familiares, nem das grandes fogueiras à lareira ou dos fumeiros que cobriam o espaço acima. As pessoas gostavam de conviver, sem se preocupar em registar os momentos. Também raramente alguém tinha máquina para tal, não fazia parte dessa cultura.
A fotografia que acima de publica, é de um fumeiro feito pela minha irmã Ana Maria, há alguns anos na cozinha do restaurante dela e do marido em Bragança. Um restaurante distinto e afamado, "Solar Bragançano", que continua aberto sendo ela a cozinheira. Foi professora de meninos e foi uma grande aluna da nossa mãe, a trabalhar à lareira com panelas de ferro e a fazer boas alheiras chouriços e salpicões. A história continua...
Nota do editor:
Último poste da série de 28 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24018: Os nossos seres, saberes e lazeres (552): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (87): Uma visita a legados presidenciais, a pretexto da exposição Pintasilgo (Mário Beja Santos)
segunda-feira, 2 de janeiro de 2023
Guiné 61/74 - P23940: Boas festas 2022/23 (14): Reflexões de um transmontano da Terra de Miranda: "no fim de tudo, as flores murcham e morrem e as saudades também" / "ne l fin de todo, as flores murchan i morren, las suidades tamien" (Francisco Baptista, Brunhoso, Mogadouro)
Data - 31/12/2022, 17:35
Assunto - Um conto de Natal
Luís, meu caro camarada e amigo:
Muito obrigado, com algum atraso, peço desculpa, acho que ando fora da mãe, aparvalhado, sem inteligência, sem jeito, sem arte. Como eu, andarão muitos camaradas, transmontanos e não só. Elogio o teu esforço em reanimar tantas almas mortas, nelas me incluo, para reanimar o Blogue que criaste para todos e ao qual te tens dedicado tanto.
Querendo compensar, um pouco e mal, o teu esforço, envio-te tardiamente este texto, mal engendrado, e um pouco plagiado de outros de um tal Francisco Baptista, um provinciano que não consegue sair da sua aldeola transmontana.
Bom Ano para ti e para a tua simpática família. Podes não ter boas pernas mas continuas a ter boa cabeça. O Blogue e os camaradas da Guiné continuam a precisar dela. Um grande abraço.
PS - No texto poderás incluir este prefácio, se assim o entenderes, talvez o melhor.
"No fim de tudo, as flores murcham e morrem e as saudades também / "ne l fin de todo, as flores murchan i morren, las suidades tamien"
Francisco Baptista (Brunhoso, Mogadouro, Terrra de Miranda)
Saudades da lareira da casa da aldeia, com os toros de carrasco ou sobreiro, em brasa, os galhos de freixo e outra lenha miúda a fazer labaredas altas e coloridas, toda essa pintura quente, viva e bela, embala-me. Traz-me à memória os antepassados que conheci e outros que não conheci.
Suidades de la lume de la casa de l'aldé, culs tuoros de carrasco ó subreiro, an brasa, ls galhos de frezno i outra lenha miúda la fazer labaredas altas i queloridas, to essa pintura caliente, biba i guapa, ambala-me. Traç-me a a mimória ls antepassados que conheci i outros que nun conheci.
Saudades de um quadro à lareira, numa noite fria com o "lume" quase apagado, em cinzas e aquele meu avô velhinho (mais novo do que eu sou agora) a estendê-lo à procura de algumas brasas e o meu pai, que também gostava desse homem que não era pai dele, a sorrir com ar trocista.
Os meus sonhos de garoto dissipam-se ao ouvir e ler nos meios de comunicação social os relatos da meteorologia revoltada, com longos dias de seca, ondas de calor e de seca, incêndios, depois longos dias de chuva, inundações, derrocadas, temporais, ciclones, contra a natureza regulada por quatro estações, acompanharam o meu crescimento.
O passado vive comigo e traz-me também à memória os dois anos passados na Guiné, a combater por um Império sem futuro, havia duas estações, a estação seca e a época das chuvas, há algum tempo o meu amigo Cherno Baldé disse-me que estavam desreguladas.
Tento fugir da modorra que a chuva constante provoca, aliada à cor de chumbo dos dias que cai sobre nós como uma cortina escura. Os estudiosos e cientistas do clima e das suas alterações dizem que os erros cometidos pela ganância das grandes empresas e dos governos não poderão ser emendados nos próximos decénios pelo que todo este rol de calamidades, desgraçadamente vai sobrar para os nossos filhos e netos.
Tento fugir de la modorra que la chuba custante proboca , aliada a a quelor de chombo de ls dies que cai subre nós cumo ua cortina scura. Ls studiosos i cientistas de l clima i de las sues altaraçones dízen que ls erros cometidos pula ganáncia de las grandes ampresas i de ls gobiernos nun poderán ser emendados ne ls próssimos decénios pul que to este rol de calamidades, çgraçadamente bai sobrar pa ls nuossos filhos i nietos.
Por toda a Terra estes fenómenos atmosféricos e outros mais terríveis irão acontecer. A Terra, revoltada contra tantos maus tratos que os homens têm cometido contra ela que a poderá converter naquele Inferno assustador que os padres nas igrejas pintavam com as piores chamas e sofrimentos para amedrontar os cristãos pecadores. Tempo que as igrejas cristãs santificaram para consagrar a um Deus que se quis fazer homem para conhecer melhor a espécie humana.
Este tempo húmido e cinzento amarrota-nos a roupa e a alma. A minha alma está vazia, nua como a árvore sem folhas que vejo lá fora. Entre dias das festas de Natal, em alegres convívios familiares, com bons manjares, bacalhau, couves, rabanadas, sonhos, bolo-rei, peru, cabrito, e bom vinho caímos neste hiato de dias tristes e monótonos enquanto aguardamos que o Ano Novo nos faça renascer com o novo ciclo da Terra com outra vitalidade e entusiasmo do eterno retorno do Planeta Azul. É o tempo da celebração da festa dos rapazes e dos imortais que, confiantes no avanço da medicina, acreditam que nunca irão morrer.
Este tiempo húmido i cinzento amarrota-mos la roupa i l'alma. A mie alma stá bazie, znuda cumo l'arble sin fuolhas que beijo alhá fura. Antre dies de las fiestas de Natal, an alegres cumbíbios fameliares, cun buonos manjares, bacalhau, berças, rabanadas, suonhos, bolho-rei, peru, chibo, i bun bino caímos neste hiato de dies tristes i monótonos anquanto aguardamos que l Anho Nuobo ne ls faga renacer cul nuobo ciclo de la Tierra cun outra bitalidade i entusiasmo de l'eiterno retorno de l Planeta Azul. Ye l tiempo de la celebraçon de la fiesta de ls rapazes i de ls eimortales que, cunfiantes ne l'abanço de la medecina, acraditan que nunca eiran morrer.
Mas morremos, morremos todos os dias, enquanto crescemos , enquanto envelhecemos, mesmo quando a natureza se renova. Devemos morrer porque a Terra é limitada e não tem lugar para imortais. Sejamos lúcidos e solidários e aceitemos dar o lugar às gerações mais novas. O silêncio, a apatia, a melancolia, o cansaço de viver, ou a crença de algum Deus que suavize a nossa partida, que nos deem a lucidez e a coragem necessária. Com a promessa ou a ilusão de paraísos dos mares do sul, das ilhas encantadas ou do céu quando se pinta de azul, ou sem promessas ou ilusões encarando o nosso destino , com a naturalidade de quem viu os nossos antepassados regressar ao pó da Terra.
Mas morremos, morremos todos ls dies, anquanto crecemos , anquanto ambelhecemos, mesmo quando la natureza se renoba. Debemos morrer porque la Tierra ye lemitada i nun ten lugar para eimortales. Séiamos lúcidos i solidairos i aceitemos dar l lugar a las geraçones mais nuobas. L siléncio, l'apatie, la melancolia, l cansaço de bibir, ó la fé d'algun Dius que suabize la nuossa partida, que ne ls den la lucideç i la coraige neçaira. Cula promessa ó l'eiluson de paraísos de ls mares de l sul, de las ilhas ancantadas ó de l cielo quando se pinta d'azul, ó sin promessas ó eilusones ancarando l nuosso çtino , cula naturalidade de quien biu ls nuossos antepassados regressar al pó de la Tierra.
No fim de tudo, que a todos nos espera, as flores murcham e morrem, as saudades também.
Felicidades para todos em 2023 , a felicidade é um estado de espírito, ao alcance de todos, os crentes, os não crentes, os pobres, os ricos, os sábios e os ignorantes.
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(*) Vd. poste de 24 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23911: Conto de Natal (25): Quando o pobre do Garrinchas teve o privilégio de fazer de São José e consoou com a Nossa Senhora e o Menino Jesus (Uma pequena obra-prima de Miguel Torga, do livro "Novos Contos da Montanha, 1ª ed., 1944)
(**) Último poste da série > 30 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23932: Boas festas 2022/23 (13): E o nosso coeditor jubilado Virgínio Briote saiu-se com esta...
quarta-feira, 7 de setembro de 2022
Guiné 61/74 - P23595: Os nossos seres, saberes e lazeres (524): Viagem no Douro (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)
VIAGEM NO DOURO
Num dia quente de Agosto apanhei o comboio, no Porto, na Estação de Caminhos de Ferro de Campanhã com destino à Estação do Pocinho. O destino final era Brunhoso, a minha aldeia, no concelho de Mogadouro. Percorrer a linha do Douro, contemplando o rio e as encostas que o ladeiam, era um regresso aos tempos da juventude, quando esse percurso fazia parte da minha aprendizagem escolar e do meu crescimento. Foi com um misto de curiosidade e de saudade que o voltei a fazer.
Como transmontano, senti-me só entre turistas nacionais de outras origens e alguns estrangeiros a tirar fotografias ao curso do rio, às suas margens e às encostas do vale. Na estação do Pinhão quase todos os passageiros saíram, provavelmente para regressarem nos barcos turísticos que navegavam no rio ou de comboio. A maioria dos que ficaram saíram na estação do Tua, muito próxima. Na minha carruagem ficámos dois autóctones dessas paragens, eu e uma senhora que me disse ser natural da Beira Alta, emigrantes internos, a morar no litoral e a lamentar o estado de degradação dos edifícios das estações de comboio.
O vale do Douro que divide as províncias de Trás-os Montes e a Beira Alta, é o vale mais espectacular de Portugal e um dos mais belos da Terra, uma obra prima da natureza que a mão de muitos homens transmontanos, galegos e beirões, há séculos lapidaram, quando construíram os socalcos, onde foram plantadas as vinhas que produziram e produzem os vinhos mais afamados do país. Quando o percorremos todos os nossos sentidos ficam alerta, admiramos os grandes espelhos de água do rio com águas calmas e abundantes devido às barragens construídas, o verde das videiras nos socalcos, que em degraus sobem as encostas, e as outras tonalidades de verde de plantas, arbustos e árvores, perto das margens ou a subir as encostas a esmo, adivinha-se o sabor e o cheiro do vinho fino e dos vinhos de mesa encorpados associados à região vinícola do Douro.
Grande parte dos muitos milhões que a União Europeia enviou para Portugal, depois de 1985, para desenvolver a indústria, o comércio e o turismo, alguns governos não sabendo o que fazer a tanto dinheiro, para mostrar obra, iludir os eleitores e engordar a classe política construíram estradas e auto-estradas, algumas úteis, outras inúteis e desnecessárias. Os ramais das linhas de comboio que percorriam esses vales laterais a norte desses afluentes do rio grande, foram abandonados e escondidos por um governo, sem qualquer consulta às populações que serviam.
Resta-me dizer que desembarquei do Pocinho, no lado sul, Beira Alta, também já chamada Beira Transmontana, onde o Douro ao receber o caudal do Sabor, se espraia num grande lago de águas calmas, rodeado de grandes hortas verdejantes a sul e a norte. A norte dará início ao fértil vale da Vilariça que acompanha o Sabor alguns quilómetros, mais para riba, corre entre encostas mais áridas e de maior declive, onde havia muitas oliveiras e amendoeiras e havia, antes da construção da barragem nas margens mais planas, as oliveiras centenárias.
No Pocinho esperava-me, de automóvel, um casal de simpáticos emigrantes no Canadá, ele António Martinho Magalhães, meu primo de Brunhoso, e a esposa Aluína Afonso, de Genísio, Miranda. Fomos comer a posta à mirandesa em Mogadouro, de que todos nós os naturais do planalto sentimos saudades inadiáveis quando voltamos lá.
Dia feliz, apesar do calor tórrido, 38 graus, uma viagem agradável, com boas memórias, bom almoço, boas companhias.
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Nota do editor
Último poste da série de 3 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23582: Os nossos seres, saberes e lazeres (523): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (66): Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia - 4 (Mário Beja Santos)