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quarta-feira, 10 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25366: Trabalho sobre a formação dos Comandos na Guiné, publicado na Revista da Associação de Comandos, MAMA SUME - Parte II (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando)



"Os Comandos na Guiné", artigo da autoria do nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando, publicado na Revista MAMA SUME, da Associação de Comandos, e enviado ao Blog no dia 22 de Março de 2024:

“Comandos” do CTIG - Parte II

Resumo sobre a História dos Cmds do CTIG[4]

I. Cronologia

˗ Partida, em 29 de Outubro de 1963, para Angola dos Oficiais, Sargento e Praças, do CTIG, a fim de frequentarem um curso de Comandos, no C.l.16 na Quibala - Norte:
˗ Maj. Inf.ª Correia Diniz
˗ Alf. Mil. Maurício Saraiva
˗ Alf. Mil. Justino Godinho
˗ 2º Sarg. Inf.ª Gil Roseira Dias
˗ Fur. Inf.ª Mário Roseira Dias
˗ Fur. Milf. Cav. Artur Pereira Pires
˗ Fur. Milf. Cav. António Vassalo Miranda
˗ 1º Cb. At. Inf.ª Abdulai Queta Jamanca
˗ Sold. At. Inf.ª Adulai Jaló
˗ Regressaram a Bissau em 6 de Dezembro de 1963, e, formaram um grupo que participou na Operação "Tridente" (Ilha do Como), de 15Jan. a 22 Mar. 1964.
˗ Em 3 de Agosto de 1964, início das actividades do CIC/Brá, com a Escola de Quadros para dar instrução ao 1.°Curso de Comandos da Guiné, que decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964.
Deste curso saíram os três primeiros grupos de Comandos, que desenvolveram actividade operacional na Guiné até Julho de 1965:
˗ "Camaleões": Alf. Mil. Cmd Justino Godinho (Cmdt)
˗ "Fantasmas": Alf. Mil. Cmd Maurício Saraiva (Cmdt)
˗ "Panteras": Alf. Mil. Cmd Pombo dos Santos (Cmdt)

Militares seleccionados para o GrCmds na op. Tridente:

˗ Alf Mil Pombo dos Santos, do PelAA 943 (juntou-se ao GrCmds no Como, já depois do início da op "Tridente")
˗ 1º Cabo Marcelino da Mata, da 1ª CCaç (idem)
˗ Soldado 1/63 António Paulista Solda
˗ Soldado 75/63 J. Ramalho Godinho, da CCav 487
˗ Soldado 235/63 S. Conceição Veiga, da CCav 488
˗ Soldado 749/83 J. Firmino Martins Correia, da CCav 487
˗ Soldado 674/63 António Gomes, da CCaç 510
˗ Soldado 338/63 Francisco da S. Duarte, da CCaç 510
˗ Soldado 194/63 Joel António Pereira, da CCaç 487 (regressou à Cª, após o final da op. “Tridente”)
˗ Soldado 225/63 Maurício Romão Conceição, da CCav 488 (idem)
˗ Soldado 221/63 J. Trindade Cavaco, da CCav 487
˗ Soldado 598/63 Manuel Martins da Cunha, da CArt 494
˗ 1º Cabo foto-cine Celestino Raimundo, da CCS/QG/CTIG (evacuado Mai64 devido a acidente em serviço, para o H.Militar de Belém. Foto-cine ao serviço da 3ª Rep/QG, encarregado da cobertura da operação, juntou-se ao GrCmds e a ele se devem as poucas imagens da referida operação).

II. Comandos do C.T.I.Guiné: efemérides

˗ 23/7/64: início das actividades do Centro de Instrução Comandos em Brá.
˗ O CIC/Brá, sob o comando do Maj. Inf.ª Cmd Correia Diniz, recebeu do CIC de Angola, para a formação de quadros, os seguintes militares:
Ten. Mil. Cmd Abreu Cardoso
Alf. Mil. Cmd Luís Câmara Pina
2.º Sarg. Infª. Cmd Ferreira Gaspar
Fur. Mil. Cmd Pompílio Gato
1.º Cb. Cmd Pires Júnior (Pegacho)
1.º Gr. Cmds "GATOS" / BART 400, comandado pelo Alf. Mil. Cmd Martins Valente
Estes elementos participaram nas primeiras acções conjuntas com os grupos acima referidos.
˗ 3/8/64: início da Escola Preparatória de Quadros.
˗ 24/8 a 17/10/64: Iº Curso de formação dos GrsCmds (Camaleões, Fantasmas e Panteras
˗ 20/10/64 a Junho de 1965: actividade operacional dos GrsCmds.
˗ 1/7/65: extinção do CIC de Brá.
˗ Para dar continuidade à formação de Grupos de Comandos, foi criada a Companhia de Comandos do CTIG (CCmds/CTIG), tendo sido nomeado seu comandante o Cap. Art.ª Nuno Rubim, substituído em 20 de Fevereiro de 1966 pelo Cap. Art. Garcia Leandro.
˗ 24/05/65 a 22/06/65 : IIº Curso da Escola de Quadros do C. I. Comandos.
˗ O 2º.Curso de Comandos teve início em 07 de Julho de 1965, terminando em 04 de Setembro, com a formação de 4 Grupos de Comandos, que tomaram os nomes:
"Apaches": Alf. Mil. Cmd Neves da Silva (Cmdt)[5]
"Centuriões": Alf. Mil. Cmd Almeida Rainha (Cmdt)
"Diabólicos": Alf. Mil. Cmd Silva Briote (Cmdt)
"Vampiros": Alf. Mil. Cmd Pereira Vilaça (Cmdt)[6]
˗ Set. 65 a 30/6/66 : actividade operacional dos grupos.
˗ 20/2/66: nomeado o capitão Artª Garcia Leandro para Comandante da CCmds.
˗ O 3.º Curso de Comandos, realizado pela CCmds/CTIG, aquartelada em Brá, decorreu de 09 de Março de 1966 a 28 de Abril de 1966, e foi constituído por militares voluntários pertencentes a Unidades sediadas na Guiné e que se destinaram a recompletamento dos Grupos de Comandos. O alf. Mil. V. Briote foi o responsável pelo curso tendo sido aprovados 2 sargentos e 18 praças, englobados no GrCmds "Diabólicos, cerca de um mês depois.
˗ Com a chegada à Guiné da 3.ª Companhia de Comandos, vinda do CIOE - Lamego, a CCmds/CTIG foi extinta em 30 de Junho de 1966, mantendo-se em actividade o Grupo de Comandos "Diabólicos", até finais de Setembro de 1966, data em que a maioria dos militares que o integravam terminaram a sua comissão de serviço.
Partida para zona de Mansoa – Diabólicos.
Heliembarque de GrCmds.
Operação Atraca, heliassalto – Grupo Diabólicos.
Operação Atraca – recolha.

III. Militares naturais da Guiné que fizeram parte dos Grupos de Comandos iniciais (1964/1966)

1.º Cabo Braima Seidi, da BAC
1.º Cabo Tomaz Camará, da CCS/QG
1.º Cabo Marcelino da Mata, da CCS/QG
Sold. Momo Camará
Sold. Lifna Cumba
Sold. Bacar Jassi
Sold. Gouveia Yalá
Sold. Mamadu Jaló
Sold. Justo Orlando Nascimento
Sold. Pedro Costa Malan Sani
Sold. Raul Manuel Gomes
Sold. Bacar Mané
Sold. Mamadu Bari
Sold. António Mamadu Saboli Camará
Sold. Augusto Alfredo de Sá
Sold. Braima Bá
Sold. Adriano Sisseco
Material capturado pelo Grupo de Comandos Apaches, em Bigene.

IV. Resultados da Cª Cmds da Guiné (23/08/64 a 31/08/66)

˗ Efectivos envolvidos: 211
˗ Mortos em combate: 12
˗ Feridos em combate: 19
˗ Acções realizadas: 113[7]
 Gr. “Fantasmas”: 21 operações
 Gr. “Camaleões”: 9
 Gr. “Panteras”: 11
 Gr. “Apaches”: 14
 Gr. "Centuriões": 12
 Gr. “Diabólicos”: 24
 Gr. “Vampiros”: 14
˗ Armas apreendidas: 71

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Notas de VB:

[4] - In Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961/1974); 14º Vol. “COMANDOS”

[5] - Razões familiares obrigaram o alf. Neves da Silva a deixar o comando do grupo, sendo substituído pelo Sarg. Mil. Mário Dias

[6] - Inoperacional por motivos de saúde após 7Set1965, sendo substituído pelo Furriel Mil. Moura dos Santos e mais tarde pelo alf. Mil. Vítor Caldeira

[7] - Total de operações, incluindo acções executadas apenas por oficiais e sargentos.


********************

A opinião do Comandante John MacCain, oficial norte-americano, sobre os Comandos do CTIG

O comando militar da Guiné lançou a operação Tridente. Uma operação com o objectivo de limpar as ilhas de Caiar, Como e Catunco, que ficavam no sul, entre os rios Cumbijã e Tombali. A acção durou setenta e um dias entre Janeiro e Marco de 1964 e nela foram utilizados praticamente todos os recursos militares, na altura, disponíveis na Guiné.

A força de “Comandos”, ainda a nascer não foi poupada, e um grupo foi formado com oito dos nove que tinham sido treinados em Angola a que se juntaram mais treze militares que ainda não tinham recebido instrução de “Comandos”. O grupo de “Comandos” foi integrado na força terrestre para a operação, que incluiu três destacamentos de fuzileiros, um pelotão de para- quedistas, um pelotão de artilharia, três companhias de cavalaria e um pelotão de infantaria africana, sob o comando de um oficial de cavalaria, o tenente- coronel Fernando Cavaleiro. Durante a operação, o grupo de “comandos” teve um desempenho que mereceu destaque, sem sofrerem baixas.

Depois da op. Tridente, o comando militar autorizou a abertura de um Centro de Instrução de Comandos, num aquartelamento em Brá, , uma aldeia localizada a meio caminho entre Bissau e o aeródromo principal em Bissalanca ao norte, que foi oficialmente inaugurado em Julho de 1964 sob o comando do major Correia Dinis, um dos militares que tinham recebido instrução em Angola. O CIC da Guiné teve muitas dificuldades para obter o apoio necessário e não pôde dar a formação requerida. Em Dezembro desse ano, um frustrado Correia Dinis levantou a questão ao Comandante-em-Chefe, pois não havia livros, maquetes de instrução, ou qualquer outro material de apoio. Não havia veículos, nem armas para praticar pontaria, não havia munições, granadas de mão nem explosivos, e assim por diante. Também era importante ter armas capturadas para instrução. Eventualmente, alguns desses problemas foram sendo resolvidos, mas tudo à custa de um tempo precioso e de enorme esforço.

A instrução e a administração no CICmdss acompanharam o CIC em Angola e seguiram o que agora se tornou uma rotina padronizada. A preparação dos instrutores do CIC levou treze semanas e começou em Junho de 1964, após a conclusão da Tridente. No final do curso de instrutores em Agosto, participaram na operação Alfinete em que o grupo executou um ataque a um acampamento PAIGC de oito barracas no mato da floresta Oio da aldeia de Santambato. Isso completou a formação e o primeiro curso de comandos formal teve início rapidamente no mesmo mês. Sairam deste curso três grupos de “Comandos” depois de oito semanas de instrução, e como era agora tradição cada grupo adoptou um nome: Fantasmas, Camaleões e Panteras.

Após o primeiro curso, o número de instrutores do CIC foi aumentado em cinco, dois da metrópole e três de Angola, em preparação para o segundo curso. O aumento adicional foi solicitado e recebido de Angola sob a forma de um grupo, os Gatos, que tinha sido treinado um ano antes e tinha já uma considerável experiência de combate. Este grupo realizou uma série de operações com instrutores para os orientar em operações de “comandos”.

O segundo curso começou em Junho de 1965 e durou oito semanas e dele saíram quatro grupos: Apaches Centuriões, Diabólicos e Vampiros.

Na conclusão deste segundo curso, houve uma reavaliação da organização dos “comandos” na Guiné, e o comando militar decidiu criar uma Companhia de “comandos” autónoma. Devido aos requisitos específicos para os “comandos”, pensou-se que seriam mais eficazes em vez de fazerem parte de uma estrutura regular de tropas. A instrução avançada, o ethos (hábitos ou crenças que definem um grupo), o trabalho em equipa e a moral eram muito diferentes do “mainstream”, e a separação era indispensável para preservar a diferença que os “comandos” tinham.

Assim, a partir de Novembro de 1965, Brá passou a ser o aquartelamento da Companhia de Comandos, que foi formada pelos grupos existentes. Houve resistência a este movimento por parte dos comandantes de batalhão que anteriormente tinham fornecido os militares e agora se viam obrigados a renunciar à valiosa capacidade dos grupos. No entanto, no início de 1966 começaram os preparativos para o terceiro curso em Brá e deu-se início ao recrutamento. O curso começou em Março e, como os anteriores, durou o período de oito semanas.

Alguns dos grupos estavam então fortemente engajados e sofreram baixas significativas. O preço do combate foi reduzindo o seu número, uns por doença e outros por baixas em combate, e enquanto o terceiro curso iria aliviar um pouco a situação, a integridade dos grupos foi ameaçada. Os Apaches, Centuriões e Vampiros acabaram por ser dissolvidos, e os seus sobreviventes juntaram-se num grupo, os Diabólicos. Estes estiveram fortemente envolvidos em torno de Mansoa e Jugudul e acabaram por sofrer o mesmo destino em finais de Agosto.

Os vários grupos estiveram na vanguarda da acção de combate desde a sua organização, sempre sob as circunstâncias mais desafiadoras e perigosas, e demonstraram grande coragem. Com a sua dissolução, terminou a primeira fase da história dos Comandos na Guiné. Em fins de Junho de 1966, a 3.ª CCmds, formada em Lamego, desembarcou em Bissau. Esse desdobramento de “Comandos” iria abrir uma nova fase da guerra e, como se quisesse assinalar isso, os seus homens usavam uma boina camuflada. Os Comandos na Guiné acabariam por se estender a doze companhias, três das quais africanas.

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Nota do editor

Vd. post anterior de 9 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25362: Trabalho sobre a formação dos Comandos na Guiné, publicado na Revista da Associação de Comandos, MAMA SUME - Parte I (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando)

Guiné 61/74 - P25365: Historiografia da presença portuguesa em África (418): O Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira, as suas referências à Guiné (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Setembro de 2023:

Queridos amigos,
Um dos mais importantes investigadores desta obra de Duarte Pacheco Pereira, Joaquim Barradas de Carvalho, escreveu no prefácio da edição da Gulbenkian de 1991 o seguinte: "Acerca da obra Esmeraldo de Situ Orbis, três factos parecem estar definitivamente estabelecidos: o manuscrito original e autógrafo de Duarte Pacheco Pereira perdeu-se; existem tão-só duas cópias tardias, uma da Biblioteca Pública de Évora, e outra da Biblioteca Nacional de Portugal; a mais antiga, a de Évora, data da primeira metade do século XVIII. A mais recente, a de Lisboa, teve origem na segunda metade desse mesmo século." O que pode dar pasto a que o documento foi sempre tratado como altamente sigiloso, a dar fé à política de sigilo, logo no reinado de D. Manuel I vedava-se o conhecimento aos estrangeiros das viagens dos portugueses, tanto para afugentar a concorrência como para alargar todo o espaço que o Tratado de Tordesilhas permitia. Há que reconhecer que este documento, tal como nos chegou às mãos, dá nota dos conhecimentos da época, logo as Etiópias da Guiné, o pendor para a homenagem às navegações henriquinas, mesmo dizendo que Deus revelara ao Infante esta missão; seguem-se cronologicamente as navegações operadas, a viagem de Gil Eanes, as rotas do Cabo Branco até ao Cabo Verde, o encontro com o rio Senegal, e aqui o cosmógrafo usa a palavra Guiné, a descrição dos povos (muitas décadas mais tarde, André Álvares de Almada irá confirmar o registo de Duarte Pacheco); a passagem pelo Rio de Gâmbia e depois o Rio Grande ou Geba, com descrições pormenorizadas de quem ali habita e informações sobre o resgate de escravos e o comércio possível com estas populações. Aqui se dá por findo o registo, o que havia por dizer sobre a Senegâmbia é o que se deixa no texto anotado.

Um abraço do
Mário



O Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira, as suas referências à Guiné (2)

Mário Beja Santos

Agora, que estou a preparar os primeiros relatos fundamentais da presença portuguesa nesta região da África Ocidental que é tratada como Etiópia Menor, Rios de Guiné, Senegâmbia, entre outras designações, fiquei de boca à banda quando descobri que ao longo destes anos de colaboração no blogue privei o leitor das referências que Duarte Pacheco Pereira teceu à Terra dos Negros.

No texto anterior deixei as indicações curriculares deste cabo de guerra em terra e no mar, alguém que se encheu de glória por feitos militares na Índia, incumbido pela Coroa de grandes ou graves incumbências, figura de algum modo envolta em mistério, põem-se várias hipóteses de se ter antecipado a Pedro Álvares Cabral no conhecimento das terras brasileiras; para o caso em apreço, Duarte Pacheco recebe a incumbência em 1505 para escrever o livro a que se chamou "Esmeraldo de Situ Orbis", permanece o mistério da palavra Esmeraldo, há diferentes opiniões não coincidentes, mas que o título é lindo, é. Este cosmógrafo, convém insistir, tinha uma visão limitada das fronteiras do continente africano, detinha uma visão ptolemaica, o rio Nilo parecia constituir o caudal de água de onde derivavam os rios que os portugueses iam achando. O autor presta homenagem aos empreendimentos henriquinos, vai descrevendo as rotas em direção ao Cabo Verde, dá como certo e seguro haver duas Etiópias, a Inferior que se estenderia até ao Cabo da Boa Esperança. Pormenoriza quem habita na região do rio Senegal e faz agora uma referência ao reino de Tambuctu (obviamente Tombuctu), “e ali está a cidade de Jani, povoada de negros, a qual cidade é cercada de muros de taipa e nela há grandessíssima riqueza de ouro. E ali vale muito o latão e cobre e panos vermelhos e azuis e sal”; e, mais adiante: “E este rio é muito doentio de febres. E o inverno desta terra é de julho meado até quinze dias de outubro. E outras muitas coisas se poderão dizer do rio Sanaga, as quais deixamos de escrever para não fazer longo sermão”.

Segue-se uma prosa descritiva das ilhas do arquipélago de Cabo Verde, e voltamos ao continente com o título Rotas e conhecenças do Rio de Gâmbio para o Cabo Roxo e Rio Grande. Informa que no Rio de Gâmbia os seus habitantes são Jalofos e Mandingas, e escreve o seguinte: “Jaz o Rio de Gâmbia com o Cabo Roxo, norte e sul, e tem na rota vinte e cinco léguas. E no meio deste caminho está um rio que se chama Casamansa, a gente do qual são Mandingas. Neste rio vale muito o ferro; e aqui há resgate de escravos por cavalos e por lenços e por pano vermelho. E adiante de Casamansa, doze léguas, está o Cabo Roxo.”

Entramos agora no Rio Grande, o Geba: “e não lhe foi posto este nome por ser maior no tamanho com os rios Sanaga ou Gâmbia, mas porque tem a boca muito grande”. E deixa uma referência ao fenómeno do macaréu.

O capítulo 31.º intitula-se "Do Rio Grande e no que nele há", assume uma enorme importância pelo detalhe que pela primeira vez se dá às regiões circunvizinhas e pelas notas geográficas que se irão revelar de grande significado para futuros navegadores que aqui aportem. E faz menção dos povos em torno de Geba:
“E a gente que nesta terra habita são Gogolis e Beafares e são sujeitos a el-rei dos Mandingas e estes são muito negros de cor, e muitos deles andam nus e outros vestidos de panos de algodão. Aqui se resgatam escravos, seis e sete por um cavalo, ainda que não seja bom, e algum ouro (ainda que é pouco) por pano vermelho e por lenço e por umas pedras a que chamam alaquecas e também lhe chamamos de estancar sangue. Esta gente tem muita abastança de arroz, milho e inhames e galinhas e vacas e cabras. E quase todos estes são muçulmanos e a Mafamede adoram e são circuncisos; é gente que não há vergonha nem medo de Deus”.

Estamos agora no capítulo 32.º, assim intitulado "Dos rios que vão adiante do Rio Grande" e alguns que são dentro dele, e assim das rotas e conhecenças até à Serra Leoa. Dá seguinte informação: “Deste Rio Grande se podem fazer dois caminhos para a Serra Leoa: um deles é por dentro das ilhas que à boca deles estão; outro caminho é por fora, pelo pego, segundo adiante diremos”. E faz referências a vários rios até chegar ao Rio Nuno e mais à frente ao Cabo da Verga: “A terra entre o Rio Grande e o Cabo da Verga é terra muito baixa e má de conhecer, e o fundo sujo e de grandes recifes de pedra, e muito perigosa, que se não deve navegar senão de dia e pousar de noite; e para mais segurança seja navio pequeno de 25 até 30 tonéis, porque sendo maior correrá risco de se perder.” E volta às referências de quem ali habita: “E todos os negros desta terra são idólatras, e em caso que não conhecem lei, são circuncisos e esta circuncisão tomou causa de vizinhança que têm com os Mandingas e outros que são muçulmanos.” E, mais adiante: “em toda esta terra, na costa do mar há ouro, ainda que é em pouca quantidade, o qual costumamos resgatar por alaquecas e por contas amarelas e verdes e por estanho, e lenço e manilhas de latão e pano vermelho e por bacias como de barbeiro; e por estas mercadorias resgatamos aqui muitos escravos. Nesta terra não há edifícios senão casas palhaças; e esta gente toda é metida em guerras, que poucas vezes têm paz, possuidores de elefantes e onças e outros muito desvairados animais e aves de estranhas feições; e se mantêm de arroz e milho de outros legumes e, assim, carne e peixe que há aqui muito.”

E damos por aqui terminado o registo, a seguir o autor passa a comentar tudo o que viajou a partir do Cabo da Verga, estamos assim fora da pequena Senegâmbia, cada vez mais longe das Etiópias das quais hoje se formata a Guiné-Bissau.


A imagem mais conhecida do autor, a quem Luís de Camões chamou o Aquiles Lusitano
Duarte Pacheco Pereira na filatelia
Carta de Stefano Bonsignori, de 1580, mostrando parte de África Ocidental, incluindo os atuais países do Senegal, Guiné-Bissau, Mali, Serra Leoa, Libéria, Costa de Marfim e Burquina Fasso
A casa dos escravos na ilha de Goreia, hoje Património da Humanidade
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Notas do editor:

Vd. post anterior de 27 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25311: Historiografia da presença portuguesa em África (416): O Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira, as suas referências à Guiné (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 9 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25361: Historiografia da Presença Portuguesa em África (417): "Desastre de Bolor ou Bolol" [Carlos Cordeiro, 1946-2018) / Patrício Ribeiro]

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25357: Notas de leitura (1681): "Margens - Vivências de Guerra", por Paulo Cordeiro Salgado; Lema d’origem Editora, Março de 2024 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Porque ficou este amor excessivo pela Guiné, por aqui andamos a testemunhar o que a memória ainda retém, no caso vertente Paulo Salgado, nosso confrade, volta em ondas sucessivas ao Olossato, aproveita acontecimentos vividos nos anos da cooperação e estas vivências da guerra, que agora nos oferece em livro, andam talentosamente entre o antes e o depois. Compete-me fazer uma declaração de interesse, dizendo que conheci o Paulo Salgado nos meses de cooperação de 1991, que viajámos ao Cumeré e ao Olossato, que numa das suas páginas me trata por Mariano e põe-me em Galomaro (diga-se de passagem que no meu tempo era uma quase colónia de férias, mas ele retratou-me entre flagelações e minas anticarro...). Devo-lhe um memorável encontro no Cumeré com o coronel Mamadu Jaquité que me deixava bilhetinhos na picada, sempre tratando-me carinhosamente por "alferes de merda"; e, não menos importante, guardo comovido a recordação da viagem ao Olossato, espero que o Paulo Salgado se recorde que quando ali chegámos se disse que nada de tão edénico tinha visto, sentia-me em Sintra. Enfim, as vivências que partilhei com o Paulo Salgado.

Um abraço do
Mário



Nunca o preço do amor pela Guiné é excessivo, só a morte o pode aniquilar

Mário Beja Santos

Paulo Salgado, depois da sua comissão no Olossato e em Nhacra, voltou à Guiné muito mais tarde como cooperante na área da saúde, durante sete anos, e sobre esta temática e outras incursões já deixara algumas achegas na escrita. Acaba de publicar uma nova incursão, de cariz memorial, pontuada por solilóquios, circunlóquios, viagens ficcionadas mas com personagens de carne e osso, deixa fluir a consciência de como pensava e agia no turbilhão da guerra, e com subtileza articula todos os seus regressos ao anseio da paz e do desenvolvimento, aquela terra, aquela vivência ganham forma de um processo irrefragável, é corpo dentro do seu corpo, e não resisto a comentar o que me ocorreu quando finalizei a leitura das "Margens Vivências de Guerra", Lema d’origem Editora, março de 2024, aquele parágrafo de Álvaro Guerra na sua obra O Capitão Nemo e Eu, 1973, nada de mais belo conheço em termos literários, e tudo por causa daquela guerra que nos irmanou: “Por lá chafurdei na lama das lalas, debati-me no turbilhão dos tornados, derreti-me na fornalha de um Sol quase invisível, dissolvi-me na chuva vertical, e amei como um danado aquela terra que me injetou a febre, me secou, me expulsou a tiro. Mas nunca o preço do amor é excessivo, nem a presença da morte o pode aniquilar.”

Paulo Salgado é Alberto, tudo começa no aeroporto de Bissalanca, vem esperar Mateus, irão viajar até ao Olossato, inevitavelmente passarão por Ponte do Maqué, “lá está o que resta do fortim, quadrado fortificado, por onde passaram pelotões de companhias para guarda e salvaguarda da ponte, coberto de capim e arbustos, tudo o tempo levou, mas não levou as memórias que me vêm ao presente”; no Olossato Mateus procura Sali, a sua antiga lavadeira, ela anuncia-lhe que lhe deixou um filho, tem nome de Infali, trabalha nos correios de Bissau, põe-lhe diante dos olhos uma criança de cinco anos, é o neto de Mateus e dá pelo menos nome, Mateus pensa logo em levar esta criança consigo e educá-la; mas há uma outra viagem, Alberto, a mulher e a filha levam um outro antigo alferes, de nome Mariano até ao Cumeré, conta-lhe que em Nhacra, no dia 9 de junho de 1971, houve bastante sobressalto com flagelações do PAIGC, no Cumeré Mariano procura o comandante Demba, o antigo guerrilheiro do PAIGC fora seriamente flagelado no seu aquartelamento por ele e por o seu grupo, depois de uns segundos de embaraço tudo acabou em abraços, e gritou-se viva à Guiné!, e viva à Portugal!

Temos agora uma rotação de lugar e tempo, o antigo médico combatente conversa com uma sua colega, um rasto de memória leva-os até ao Sul, a jovem médica tem muito por contar, e nem lhe passa pela cabeça como fez bem ao veterano da guerra ouvi-la. Voltamos á orla do Morés, há um soldado que chora numa emboscada e será reconfortado pelo seu comandante; há um radiotelegrafista que não queria naquele dia ir em operação, o alferes lá o persuadiu, houve emboscada, a vítima foi o radiotelegrafista.

Temos agora Mateus e Alberto junto do enorme poilão do Alto do Maqué: “As nervuras salientes do poilão são enormes, cabendo ambos numa das fendas, parecendo que, abraçando-a, a magnífica árvore parece recordar-se deles, uma espécie de reencontro entre a majestade e imponência da árvore e a revisitação por estes homens que a ela ocorrem respeitosamente. Sentado, de pé, ao lado, de vários ângulos, deixam-se fotografar por Carolina, embevecida perante aquele cenário, aquele consolo quase pueril dos ex-militares, agora cinquentões.”

E há a memória do rio, quase sempre um fio de água que vaza as suas águas pelos braços do rio Cacheu; naquele local, estratégico, entre Bissorã e Farim, com o Morés à espreita, há recomendações para fazer ação psicológica, organizar manifestações de apoio à política do Governo, Alberto, que comanda a companhia, conversou com onze chefes de tabanca, e houve recados incómodos, do género: “Nosso alferes, a guerra não tem jeito nenhum; o senhor fala com o homem grande de Bissau para falar com o chefe do PAIGC para acabar com a guerra.”

E há as cartas de amor, Fernando Pessoa falava nelas como ridículas, Alberto dirige-se à sua amada, um tanto circunspecto, mas sempre com muitas saudades; traz-se gente da população afeta ao PAIGC numa operação, Alberto conversa com uma enfermeira da guerrilha, ela diz-lhe sem volteios que só quer lutar pela liberdade, o capitão decide que ela e as outras mulheres voltem para onde estavam, como aconteceu; não falta a mágoa de receber mensagens criticando a falta de cumprimento exato do que se devia ter feito numa operação e Alberto/Paulo Salgado dão nos conta, como se todos estivéssemos numa sala de espelhos, em Assembleia Geral, da ansiedade na espera do correio, a morte de um ente querido que nos é comunicada por uma mensagem, os meses passam, há brancos e pretos, mortos e feridos, lá na companhia chegou a funcionar um jornal, de novo “O Tabanca”, morre a mãe de Alberto e ele dedica-lhe um lindo poema, estamos em novembro de 1970, no fim desse ano há um ataque com mísseis terra-terra ao Olossato, o capitão enviar para Bissau o relatório: “Aquartelamento e povoação atacados com mísseis terra-terra; não houve vítimas nem prejuízos; apenas há que refazer o heliporto.” Num relatório não cabe dizer que houve gente escoriada e que se comeu um jantar frio; caso excecional, desapareceu um cabo-condutor do aquartelamento, mandou-me mensagem informando que o militar se teria perdido na mata do Morés.

O cooperante Alberto está agora numa receção na embaixada do Brasil em Bissau, disserta-se e brinda-se à lusofonia. Novo salto até ao passado, Alberto viaja pelas tabancas do Olossato e, mais adiante, fala-se do pontão que liga as duas margens do rio Maqué, que faz a ligação entre Bissorã e Farim, e alguém conta que o PAIG a rebentou com petardos, houve que reconstruir a ponte; muito anos mais tarde, quem contou a esta história, de nome Suleiman, ex-chefe de milícia, foi visitado pelo cooperante Alberto no hospital Simão Mendes, e o que fica escrito a todos nós pertence:
“Que vida de dor, primeiro, português de segunda, depois guineense de segunda, castigado por ter combatido ao lado da trapo portuguesa; agora amortalhado, vencido pelo sacrifício e pela doença, tenho de chorar, para dentro, não se consigo reter as lágrimas, um pedaço da minha vida escoou-se naquela figura íntegra e amiga, que tantas vezes guiou os nossos passos, nossos e de outras companhias, trilhos, carreiros, picadas… e me salvou a vida, evitando o pisar de uma mina… que Alá te abençoe, Suleiman.”

Ainda há muito que esperar desta literatura memorial, na casa dos setentas e dos oitentas são estas acendalhas que tornam esplendente o que Álvaro Guerra nos advertiu em 1973, chafurdou-se na lama das lalas, viveu-se a espiral da solidão, conheceu-se o medo, viram-se crianças esquálidas e de ventre inchado, seres humanos minados pela doença, tudo parecia acabado quando a guerra para nós acabou, mas não, como diz Álvaro Guerra, nunca o preço do amor é excessivo, porque muitos receberam a graça de amar aquela terra como este amor que agora se confessa, não se quer só reter para uso da memória individual.
Olossato: torre abrigo com vista para a pista de aviação
Olossato: abrigo das peças de artilharia – obus 8,8
Olossato: efeitos de uma mina na estrutura da ponte

Estas três imagens foram extraídas do blogue Rumo a Fulacunda, com a devida vénia
Regresso ao Olossato, neste caso Ponte do Maqué, 2006. Paulo Salgado, ex-alferes da CCAV 2721, na companhia do ex-cabo Moura Marques. Imagem retirado do nosso blogue
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25342: Notas de leitura (1680): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (19) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25342: Notas de leitura (1680): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (19) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Passa-se em revista os acontecimentos que marcam a transição de 1970 para o ano seguinte, envolvem equipamento que foi sabotado em Tancos numa operação da ARA, os permanentes conflitos internacionais devido a fogo retaliatório em território fronteiriço da Guiné-Conacri e Senegal, segue-se a Operação Mar Verde e a partir de 1971, Spínola insiste que precisa de meios face às potenciais agressões que poderão vir da Guiné-Conacri, em resposta à incursão portuguesa. As insistências de Spínola para se comprarem aviões mais eficazes esbarrava sempre com negativas dos EUA e países da NATO, curiosamente é em Abril de 1974 que se estava a apalavrar a compra de Mirage, e por razões que veremos mais adiante, Kissinger parecia abrir mão, através de um negociante israelita, de mísseis terra-ar Red Eye, entretanto a guerra acabou.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (19)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.




Capítulo 5: “Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra”

Acompanhamos agora a evolução dos acontecimentos desde os finais de 1970. Houvera compra de equipamento militar, de acordo com as necessidades prementes da Força Aérea, entretanto uma ação subversiva em Tancos tornou inoperacional um conjunto importante de aeronaves. O debate internacional sobre a presença portuguesa em África era cada vez mais hostil ao Estado Novo, e as flagelações em territórios limítrofes da Guiné era sempre pretexto para reiteradas acusações na ONU contra as colónias portuguesas. Estamos num período em que aumentou o fornecimento de armas e material ao PAIGC, ofertas sobretudo da Europa de Leste e da URSS, as bases do PAIGC tanto na Guiné-Conacri como no Senegal foram ganhando importância.

O Comandante Alpoim Calvão observou: “Estávamos sempre perseguindo o inimigo, mas como as fronteiras da Guiné não estavam fechadas, era como esvaziar uma banheira sem fechar a torneira.” Frustrado com o uso incontestável do PAIGC de bases estrangeiras, Spínola orientou as suas unidades militares para ações retaliatórias (desde fogo de artilharia a operações especiais) nas zonas transfronteiras. O Ministro da Defesa Nacional, Sá Viana Rebelo, assumia uma postura diferente, ordenou a Spínola que respeitasse as fronteiras internacionais e derrotasse o inimigo dentro das nossas fronteiras, o que era materialmente impossível, a guerra, tanto na superfície como aérea implicava ou perseguições ou bombardeamentos nas regiões limítrofes. Como recordou o antigo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, General Lemos Ferreira, nunca se deu autorização para ataques em território estrangeiro, mas eles iam acontecendo. Em 25 de novembro e em 7/8 de dezembro de 1969, as forças portuguesas terão bombardeado um depósito do PAIGC em Samine, no Senegal, matando seis civis e ferindo nove. O presidente senegalês, Léopold Senghor, ordenou um reforço de tropas na fronteira sul do Senegal, invocando acordos de defesa com a França, que garantia a utilização de seis Noratlas na base de Dacar. Em 12 de dezembro, estes aviões franceses transportaram 1200 soldados senegaleses para o campo de aviação de Ziguinchor, a cerca de 13 km da fronteira com a Guiné Portuguesa.

Esta demonstração de força (e uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas condenando as ações portuguesas) não dissuadiram futuras incursões; o Senegal queixou-se, entre janeiro e julho de 1970 de mais 16 ataques de forças especiais e fogo de artilharia, bem como oito violações do espaço aéreo. Amílcar Cabral admitiu que estas atividades retaliatórias tinham levado o Senegal a fechar os hospitais do PAIGC na região, a bloquear a passagem de armas e reforços e até mesmo a submeter os alimentos e medicamentos destinados ao PAIGC a controlos rigorosos.

A República da Guiné-Conacri também protestou contra a “agressão premeditada”, acusando as forças portuguesas na Guiné cinco ataques com obuses e três ataques aéreos no seu território em 1969; mas o ataque português de longe mais dramático e controverso ocorreu em novembro de 1970. Numa tentativa ousada de decapitar a liderança do PAIGC e fomentar um golpe de Estado na República da Guiné, as forças portuguesas organizaram uma invasão anfíbia a Conacri em 22 de novembro, a Operação Mar Verde, concebida e liderada pelo comandante Alpoim Calvão. Ele propôs um ataque noturno de forças especiais africanas da Guiné lideradas por oficiais portugueses e também membros do grupo dissidente a Sékou Touré, Front de Libération Nationale de Guiné (FLNG). Uma vez em terra, os atacantes tinham por missão assassinar o Presidente da República da Guiné, iniciar um golpe de Estado liderado pelo FLNG, destruir as instalações do PAIGC localizadas em Conacri, incluindo a sua sede, detenção do líder do PAIGC, Amílcar Cabral, resgatar os prisioneiros de guerra portugueses detidos na prisão La Montaigne; e, para garantir uma retirada segura destruir os MiG-17 da Força Aérea da Guiné e potencialmente embarcações hostis.

Devido, sobretudo, à falta de informações seguras e atualizadas e até à falta de apoio local aos sublevados, além da destruição de embarcações do PAIGC no porto de Conacri, o único objetivo alcançado foi a recuperação bem-sucedida de todos os 26 prisioneiros portugueses.

A participação da Zona Aérea na operação foi mínima, embora nos dias que precederam a operação os Fiat tenham realizado missões de fotorreconheicmento a 19 bases do PAIGC na República da Guiné, medida preparatória para os ataques aéreos que teriam lugar depois da queda do regime de Sékou Touré. Como isso não aconteceu, a atividade da Força Aérea durante a operação limitou-se a um voo de um P2V-5 Neptune vindo de Cabo Verde, que patrulhava à busca de navios inimigos enquanto as forças portuguesas navegavam para Conacri.

No entanto, a Mar Verde veio a ter um impacto duradouro sobre as operações da Força Aérea na Guiné. O efeito mais imediato foi o impulso moral gerado pela repatriação do único aviador português em cativeiro, o então furriel António Lobato. Este piloto de um T-6 fora aprisionado em 22 de maio de 1963, após uma colisão aérea, passou sete anos e meio em prisões da República da Guiné. Sendo o prisioneiro de guerra mais antigo dos 26 prisioneiros portugueses na prisão de Conacri, e o único piloto entre eles, a libertação de Lobato aumentou o ânimo do pessoal da Força Aérea, embora as circunstâncias da sua libertação tivessem permanecido num total segredo.

A ameaça dos aviões MiG-17 não estava neutralizada. Apenas dois dias antes da Operação Mar Verde, os aviões tinham sido transferidos para Labé, a 150 km de Conacri, por razões que continuam por explicar. Percebendo que “um dos fatores para o sucesso era o domínio aéreo, e estava-se severamente comprometido”, Calvão abortou a operação e ordenou às equipas de assalto para regressarem ao porto e daqui partir para a base na ilha de Soga. As autoridades da República da Guiné tentaram demasiado tarde utilizar as aeronaves contra os invasores, só pelas 9 horas da manhã de 23 de novembro um único MiG-17 apareceu sobre o porto de Conacri. Numa clara e impressionante demonstração de incompetência, o piloto identificou erradamente o cargueiro cubano Conrado Benitez e metralhou-o, em vez dos seis navios portugueses que já estavam em retirada. Pelas 9:30h, o caça sobrevoou os navios portugueses numa altitude elevada, mas não empreendeu qualquer ação para detê-los ou desativá-los. A sobrevivência da frota MiG-17 da Guiné-Conacri preocupava Spínola. Em 26 de janeiro de 1971, o general informou o Ministro da Defesa Nacional que temia retaliações contra instalações portuguesas na Guiné. Apesar do discurso do Governo de Lisboa querer fazer crer que aqueles acontecimentos eram uma questão puramente interna entre fações rivais, Sékou Touré apelou imediatamente a todas as capitais amigas para enviarem forças militares, especialmente aeronaves de combate, no intuito de ajudar a repelir “uma nova série de incursões inimigas”. Spínola avisou Lisboa que a Nigéria teria colocado os seus caças e bombardeiros à disposição de Sékou Touré, e tinha recebido a notícia de que o chefe da Força Aérea da Argélia viajara para Conacri, manifestando a vontade daquela nação em poder intervir. Estaria igualmente a caminho assistência militar não especificada da Líbia, Egito e República Árabe Unida.

No quadro 11 temos a relação dos pedidos de aeronaves até à data de maio de 1971, e no quadro 12 a capacidade de transporte no teatro de operações da Zona Aérea da Guiné em 1971.
Um Noratlas em modelo da Alemanha Ocidental, dos 13 adquiridos por Portugal (Coleção José Matos)
Um P2V-5 Neptune na ilha de Sal (Coleção Touricas)
Um dos dois Boeing 707 adquiridos pela Força Aérea para voos transoceânicos (Coleção Austin J. Brown)
Um Milirôle adquirido à França em 1974, quando foi entregue à Força Aérea já tinham cessado os combates em África (Coleção Robert Ver)

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25316: Notas de leitura (1679): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (18) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25326: Os 50 anos do 25 de Abril (6): "Geração D - Da Ditadura À Democracia", por Carlos Matos Gomes; Porto Editora, 2024 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Março de 2024:

Queridos amigos,
É o término da viagem memorial de um Capitão de Abril que escolheu um longo itinerário e não hesitou em dizer-nos como levou uma vida pautada por decisões de risco e pela independência de pensamento. Tenho sérias dúvidas que algo parecido possa surgir tão cedo à volta deste meio século que abarca o fim do império e as sinuosidades que têm atravessado o nosso sistema democrático.

Um abraço do
Mário


Porventura o testemunho mais eloquente sobre a guerra colonial e o depois,
Palma de ouro para a literatura nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril (3)


Mário Beja Santos

Carlos de Matos Gomes é o romancista Carlos Vale Ferraz, autor do romance mais influente de toda a literatura de guerra colonial. Agora muda de rosto, volta a ter perto de 20 anos, faz comissões em Angola, Moçambique e na Guiné, prepara muita gente para a guerra, pertenceu ao grupo mais ativo do MFA na Guiné. Posteriormente, envolveu-se no processo revolucionário, chegou a hora de fazer um balanço do que viveu e do que se lembra.

Acaba de sair o seu livro de memórias "Geração D, Da Ditadura à Democracia", agora é, sem margem para equívocos, Carlos de Matos Gomes, Porto Editora, 2024, um assombroso ecrã sobre as primícias da guerra, os seus bastidores, o funcionamento da hierarquia castrense, a burocracia, sobretudo o exame de consciência do que é que um oficial do quadro permanente ia assimilando nas matas e nos quartéis quanto ao tremendo equívoco que era procurar até ao desespero urdir uma ficção sobre a propaganda doutrinal do Estado Novo sobre uma “guerra justa” para aquele império com pés de barro. 

É esta a parte das memórias construídas com uma assombrosa arquitetura literária que aqui se procura, aos poucos, desvelar.

Cumpriu três missões em Angola, Moçambique e Guiné, louvado e condecorado, preparou uma companhia de Comandos de que foi seu comandante, o cenário de Moçambique foi determinante para ele questionar a fundo o mais que havia para além da honra e do dever, para além da vasta panóplia de requisitos que impõem a vida militar, vai numa operação em que o guia é um negro que promete levá-los a um objetivo, vai amarrado a um dos seus homens, uma inquietação sem limites começa a tomar-lhe a razão, que causa o ligava àquele negro e aos homens que estavam sob o seu comando? Que causas justificava a presença de cada um deles naquele palco? 

Tomou nota de que operações como a Nó Górdio nada resolviam, revolvia-se um território, a guerrilha e a população civil acoitavam-se até a operação passar, tudo voltava ao princípio, se bem que a comunicação social afeta ao regime louvaminhasse o feito, era a política da representação.

Geração D é um singularíssimo livro de memórias, já se disse o que este militar viveu até ao 25 de Abril e como ele, e muitos dos seus camaradas tiveram a possibilidade de ver na Guiné que se caminhava para uma hecatombe, tudo iria redundar num bode expiatório, seriam os militares os maus da fita, resolvido o incómodo da Guiné, julgavam os avatares no Estado Novo, todos os meios iam ser postos à disposição das joias imperiais, Angola e Moçambique, contava-se com o auxílio da África do Sul e da Rodésia. 

Matos Gomes adere ao 25 de Abril, alista-se na esquerda revolucionária, põe ênfase na relação que estabelecera com Jaime Neves e como seguiram vias separadas. Detalha o verão quente, as manobras, as alianças, os documentos, a ação de Otelo, o papel do COPCON, a mestria de Costa Gomes de gerir as fações, a impor o acatamento, recorda também como os paraquedistas voltaram a ser traídos.

Findo o 25 de novembro, Matos Gomes está suspenso, aguarda ser chamado ao Conselho Superior de Disciplina do Exército, é convocado e conta-nos o que aconteceu:

“O general promotor leu a acusação com fraco entusiasmo. Formalmente era acusado de ter assinado um documento, o mais comum dos crimes na altura. Entreguei um passaporte que revelava, através dos carimbos das alfândegas, que naquela data me encontrava na Alemanha. Recebera um telefonema de um dos signatários a perguntar se subscrevia mais este documento. Claro que sim. Estávamos do mesmo lado da barricada. 

Também era acusado pelo novo Chefe do Estado-Maior de ter assinado um outro, num encontro no Regimento de Polícia Militar, resultante de uma reunião determinada por Otelo Saraiva de Carvalho, na qualidade de comandante do COPCON. Entreguei aos generais uma ordem de serviço do Hospital Militar onde constava o meu nome e o do Chefe do Estado-Maior, então major e ainda meu contemporâneo na Academia Militar. 

Face a estes factos, concluía pela má-fé do Chefe do Estado-Maior e pedia para constar na ata do julgamento a minha queixa formal contra ele. De seguida, o general presidente deu-me a palavra. Tratava-se do julgamento político de um conflito entre defensores de opções políticas para a sociedade, e a disciplina não é, ou não devia ser, utilizada para esse fim. Estava à mercê da força e não do direito, menos ainda da disciplina. 

O general presidente deu a sessão por encerrada, mas antes do Conselho pedir para eu me retirar, a fim de deliberar, o General Leão Correia, a olhar para o meu uniforme cinzento sem uma condecoração ou emblema, limpo, perguntou-me por que não trazia as fitas com as duas cruzes de guerra com que fora agraciado. Apresentei as razões que me levaram a não usar condecorações: a primeira das cruzes de guerra havia-me sido imposta em Bissau, por um General Comandante-Chefe, Spínola, perante forças em parada, comandadas por um coronel, também ele condecorado. A segunda fora-me entregue há uns meses na secretaria da Direção de Arma de Cavalaria pelo Sargento Leitão, dentro de um envelope, como se fossem umas peúgas. ‘Ora, como não sei se foi a primeira a forma correta de ter sido condecorado, ou a segunda, para não ofender o Exército, decidi não usar condecorações até que seja esclarecido.’ 

O veredito do Conselho reconheceu-me idoneidade para continuar a ser oficial do Exército.”

Matos Gomes é mandado apresentar-se no Serviço Prisional Militar, com sede no edifício da PIDE/DGS, torna-se carcereiro, estão ali algumas figuras graúdas da PIDE. Procura aprofundar o que aconteceu após o 25 de novembro de 1975. Fez 30 anos, tinha uma casa, uma mulher e uma filha com 1 ano, houve eleições legislativas e autárquicas, a cena política internacional transfigurava-se, por cá vivia-se aconchegado com a normalidade democrática, as coisas não corriam favoravelmente às ex-colónias portuguesas. 

Exara nas suas memórias o poder sugestivo que lhe deixou ter-se envolvido no poder popular. Acompanhou Otelo em parte da sua caminhada, era um ser estranho entre aquelas organizações, não era marxista-leninista, revela o seu quadro de pensamento: 

“Rejeito a luta de classes como o princípio dominante das transformações políticas, entendo-a apenas como mais um, e não o determinante. A propósito desse elemento determinante, nunca soube nem procurei descobrir qual é a gota de água que faz transbordar o copo, mas assisti a intermináveis discussões teológicas com muito fumo e fé sobre o assunto. 

Também não perfilhava o princípio da necessidade histórica da alteração das relações de poder ser liderada pela vanguarda do proletariado, pelo partido. Nem era adepto de uma ditadura do proletariado, que ofendia a minha liberdade, a ideia de igualdade dos seres humanos, independentemente da posição que ocupam no processo de trabalho, e contrariava a realização das ditaduras do proletariado estabelecidas.” 

Afastar-se-á das Forças Populares 25 de Abril quando surgiu a radicalização da violência armada.

Lançou-se na escrita, louva o seu quadro de amigos, exulta com a camaradagem que pode manter com um punhado de militares. E a viagem prossegue. 

Quem escreve estas memórias singularíssimas, quem continua a intervir ativamente como observador atento e com opiniões aceradas, é o mesmo escritor que nos legou Nó Cego, Soldadó ou A Última Viúva de África

Há que saudar quem coligiu este punhado de anotações tão íntimas que vão da ditadura à democracia e dizer sem hesitações que não há nada parecido na literatura portuguesa, pois é o testemunho de um bravo militar, um capitão do MFA, alguém que foi revolucionário e nos doou a mais bela joia da literatura da guerra colonial, como se afirmasse, ponto por ponto, que a sua coerência e postura política não estão à venda.

sábado, 30 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25319: Convívios (987): XXX Convívio dos ex-militares do Agrupamento de Transmissões da Guiné, dia 27 de Abril de 2024, em Oiã, Aveiro (Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM)

1. Mensagem do nosso camarada Belarmino Sardinha  (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, (Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74), com data de 30 de Março de 2024:

Caros Amigos Luís e Vinhal,
Agradecia que acolhessem este meu pedido de divulgação deste convívio.

Sobre o mesmo pouco tenho a dizer, a não ser que este Camarada já não é a primeira vez que organiza o evento e, só para que este não acabe por falta de organizador, uma vez mais se propôs voltar a fazê-lo. Não só pelo convívio, mas sobretudo pelo empenho deste Camarada, merece da parte de todos igual empenho e uma resposta positiva.

Nesta data em que se comemoram os 50 anos do 25 de Abril de 1974 e da Liberdade, seja ela o que com ela fazemos... Agradecia a ajuda na divulgação do mesmo.

Sobre o convívio, melhor do que qualquer coisa que eu possa dizer, está tudo explanado no folheto.

Grato pela ajuda, uma Boa Páscoa e um abraço para todos.
BS


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XXX CONVÍVIO DOS EX-MILITARES
DO AGRUPAMENTO DE TRANSMISSÕES DA GUINÉ

OIÃ - AVEIRO - 27 DE ABRIL DE 2024


Póvoa do Valado, 25 de Março de 2024

Caro amigo

Neste ano em que comemoramos o 50.º aniversário do 25 de Abril e o nosso 30.º Encontro com o lema "REVIVER SEMPRE A GUINÉ", não queria que estes nossos encontros terminassem por falta de um organizador, foi por isso que aceitei tal tarefa. Como referi, não quero que estes convívios terminem por falta de um organiador, mas temos de compreender que não podemos estar sempre dependentes dos mesmos, pois a carga repartida por todos é mais fácil de transportar. Vamos lá pensar no próximo voluntário.

Este ano o encontro será no dia 27 de Abril, na região de Aveiro, e o local escolhido é Restaurante Dom Rogério na localidade de Oiã.

Às 11H30 (onze horas e trinta minutos) no parque de estacionamento do restaurante, onde depois de alguns momentos de uma boa conversa e reavivar as nossas memórias, iremos petiscar alguns apretivos, para depois darmos início ao almoço.

O almoço será no Restaurante Dom Rogério em Oiã, na EN 235 junto às bombas da GALP. É o mesmo restaurante onde organizei o outro convívio, por ser o que melhor oferece na relação preço/qualidade e fácil acesso.

Preço por pessoa:
Adulto - 40 euros
Criança dos 5 aos 10 anos - 20 euros
Criança com menos de 5 anos - 5 euros


Confirmações até ao dia 20 de Abril de 2024

Um abraço amigo,
Manuel António das Neves Santos
(Ex-Fur Mil TPF do Comando das TRM na Guiné


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EMENTA

Aperitivos Volantes no "Jardim dom Rogério" (caso o tempo permita):
Martini, Vinho do Porto, Espumante Bruto, Vinho Verde, Água Mineral, Sumo de Laranja e Cerveja Sagres.
Aperitivos Sólidos no "Jardim dom Rogério" (caso o tempo permita):
Festival de Salgadinhos, Pataniscas de Bacalhau, Folhadinhos mistos, Rojõezinhos, Canapés, Tábuas de enchidos e queijos, Polvo com molho verde, Orelheira grelhada, Moelas, Bacalhau c/natas, Camarão cozido, Sapateira recheada e Carnes grelhadas.


Almoço
Sopa de legumes
Prato de Peixe:
Bacalhau à Dom Rogério
Prato de Carne:
Leitão à Bairrada
Buffet de Sobremesas:
Selecção de fruta laminada, Sortido de Doces e Bolo Comemorativo
Bebidas:
Água Mineral com ou sem gás, Sumo de laranja, Cerveja Sagres, Vinho Tinto "Penedo Gordo", Vinho Verde "Arca Nova"; Espumante Bruto "Montanha Superior"
Café e Digestivos servidos na mesa:
Aguardente Velha, Whisky Novo, Brandy e Licores.


Contactos:
SANTOS - 963 320 452
MÁRCIA (filha) - 966 627 978


Como chegar

- Vindo do norte ou sul pela A1, saída n.º 15, EN 235 (Aveiro-Águeda) virar à esquerda para Oliveira do Bairro, Sangalhos.

- Pela A17, vindo de norte ou sul, saída n.º 16 para Águeda, Mamodeira, seguindo pela EN 235 em direcção a Oiã, Oliveira do Bairro e Sangalhos.

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Nota do editor

Último post da série de 23 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25299: Convívios (986): 52.º Almoço/Convívio do pessoal da CCAÇ 414 (Guiné e Cabo Verde, 1963/65), a levar a efeito no próximo dia 28 de Abril de 2024 em Arcozêlo-Vila Nova de Gaia (Manuel Barros Castro e António Araújo)

sexta-feira, 29 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25316: Notas de leitura (1679): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (18) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Traça-se aqui o quadro das tentativas (muitas delas fracassadas) de renovar a frota aérea, reconhecidamente antiquada e muito inadequada tanto àquele tipo de guerra como aos lugares; os autores descrevem as iniciativas de aquisição, logo os Boeing 707, procurou-se um substituto mais eficaz para o DO-27, muita conversa com as autoridades francesas, sem proveito; entretanto, adquiriram-se mais Alouette III e um ato de sabotagem da ARA na Base Aérea de Tancos redundou num desaire sem precedentes no fornecimento de aeronaves; os autores ilustram sempre a propósito os quadros das operações, os locais de implantação das FARP, as operações helitransportadas, etc. Há que reconhecer que o trabalho de Matthew Hurley e José Matos ficará como referência não só para os pergaminhos da Força Aérea na Guiné como para o conhecimento de como se lutou, no lado português, com que meios, com que corajosos pilotos, enfermeiras, isto para já não falar de forças especiais e naquela multiplicidade de serviços em que o DO marcou presença também com o tal correio que transportava afetos entre os dois continentes.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (18)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.




Capítulo 5: “Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra”

Continuando no quadro expositivo das mudanças operadas na Zona Aérea de 1968 a 1971, os autores recordam a importância dos números. Nesse período, e tendo em conta as três categorias de transporte (assalto, missões gerais e evacuação de feridos) o seu total foi de 22.899 das 40.639 surtidas, como vem nos relatórios. Não deixa de ser um número impressionante para uma força que muito lutava para manter uma frota de cerca de 400 aeronaves operacionais, embora algumas outras tenham chegado a Bissalanca e acabaram por aliviar a pressão constante. Spínola reclamava mais aeronaves desde outubro de 1968, momento em que apresentou um pedido de 8 Fiat adicionais, 4 T-6 e 6 DO-27, juntamente com dois tipos novos de pedidos: 6 helicópteros Sud Aviation SA330 ‘Puma’, e 3 transportes Noratlas (mais tarde 4), Spínola pôs particular ênfase nos helicópteros adicionais de modo a fazer-se uma exploração das áreas ocupadas pelos grupos inimigos, e igualmente apelou a uma frota que garantisse a disponibilidade de 12 Alouette III. A maioria dos seus pedidos foi satisfeita no final de 1970, com exceção dos helicópteros, recebeu 6 novos Alouette III no lugar dos ‘Pumas’, e 4 Fiat dos 8 solicitados. No total, estes reforços aumentaram o número de Fiat em Bissalanca para 10 e o número de Alouette III para 14.

A introdução de Noratlas veio proporcionar um impulso imediato à capacidade de transporte da Zona Aérea. Esta aeronave construída em França era “muito estável, robusta e, portanto, bem-comportada face às turbulências, como convém em África”, como observou o General Rui Tavares Monteiro, ex-Comandante da 1.ª Região Aérea. O Noratlas havia sido projetado para ambientes austeros, com treino de aterragem destinado a operações em campos difíceis e com fácil manuseamento da carga através das portas articuladas da abertura traseira. Também poderia transportar o dobro da carga, ou 50% de mais tropa do que os C-47 que já serviam na Guiné; e a sua entrada na vida operacional libertou os veneráveis Dakotas para bombardeamentos noturnos adicionais e missões de reconhecimento fotográfico.

Ocorreram também outras mudanças. As operações de ataque aumentaram temporariamente dada uma avaliação operacional dos bombardeiros médios B-26 Invader, adquiridos clandestinamente por Portugal em 1965. Duas destas aeronaves foram destacadas para a BA 12 entre março e junho de 1971, onde realizaram 55 bombardeamentos, missões de vigilância, reconhecimento e apoio à instrumentação, incluindo também a participação em, pelo menos, nove operações de ataque da Zona Aérea. Além disso, a partir de fevereiro de 1970, o P2V-5 Neptune regressou ao teatro da Guiné quando um dos bombardeiros da patrulha marítima foi destacado para a base de trânsito da Ilha do Sal. Mas a melhoria mais significativa resultou da compra de dois aviões Boeing 707 para transporte aéreo transoceânico. Até 1971, a Força Aérea contava com a sua frota envelhecida de DC-6 com motor a pistão, eram aeronaves propensas a falhas do motor e outros problemas de manutenção; mas os embargos de armas dos Estados Unidos e do Reino Unido tinham limitado as opções de substituição.

Em agosto de 1970, contudo, o presidente Richard Nixon relaxou as restrições que regiam a venda de artigos não letais de dupla utilização que são preponderantemente utilizados para uso civil para Portugal. Isto levou a negociações complicadas que permitiram a aquisição dos Boeing e os primeiros 707 chegaram a Portugal a 16 de outubro de 1971, posteriormente, em 14 de janeiro de 1972, deu-se uma segunda aquisição. A introdução do 707 melhorou imediatamente a capacidade de Lisboa para reforçar os teatros de guerra africanos, e a Guiné não foi exceção.

“Uma das duas aeronaves estava sempre em missão”, observou o historiador John Cann, e “a confiabilidade e flexibilidade do avião fizeram a diferença dramática no quadro logístico”. Apesar das novas aquisições, a maioria das aeronaves da Zona Aérea eram inadequadas para as missões atribuídas, de acordo com uma avaliação do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, em 1971. Incluíam os antiquados T-6, que não foram projetados nem destinados ao serviço de combate prolongado, e os DO-27, cuja capacidade de carga apenas podia satisfazer metade das necessidades do Comandante do Teatro de Operações. Ambos os tipos também foram considerados excessivamente vulneráveis e difíceis de manter.

Em abril de 1971, a Comissão Técnica da Força Aérea iniciou um estudo de opções de substituição; em última análise, era recomendado um único tipo de fuselagem para substituir ambas as aeronaves: o Reims FTB-337G “Milirôle”, um derivado francês do Cessna “Skymaster” então ao usado na Força Aérea dos Estados Unidos em serviços de observação e controlo aéreo avançado. A capacidade de carga do Milirôle e a acomodação de passageiros eram comparáveis ao DO-27, e as suas capacidades de descolagem e aterragem rápidas eram apenas ligeiramente inferiores ao DO-27. No entanto, o Milirôle ultrapassou tanto o T-6 como o DO-27 em alcance, altitude e resistência, tornando-se mais atrativo quanto a vigilância e a posto de comando. Para missões de ataque ligeiro, o Milirôle podia transportar mini-canhões de 7,62 mm, pequenas bombas ou foguetes de quatro suportes sob as asas e o seu dispêndio de utilização por hora era menos de metade do DO-27 ou T-6. Em 1972, a FAP identificou a necessidade de se pedirem 114 aeronaves, incluindo 24 para substituir os 11 DO-27 e 7 T-6 então atribuídos a Bissalanca.

Parecia haver um desfecho feliz nas negociações com a França, no entanto nenhuma das novas aeronaves foi entregue a Portugal enquanto durou a guerra na Guiné.

Apesar dos recentes reforços, a Zona Aérea carecia de helicópteros adicionais e, em dezembro de 1970, o ministro da Defesa Nacional, Sá Viana Rebelo relatou um pedido para 36 Alouette III para a Guiné, mais do que o dobro do número então atribuído. As perspetivas de obter esse objetivo caíram muito, após um ato espetacular de sabotagem em Portugal metropolitano, em 8 de março de 1971. Ao amanhecer, membros da organização Ação Revolucionário Armada (braço armado do Partido Comunista Português) infiltrou-se na Base Aérea de Tancos. Quatro sabotadores, um deles recruta da Força Aérea na base, detonou 20 explosivos dentro de um único hangar de manutenção então em uso (o outro estava em obras). 14 das 28 aeronaves embaladas foram totalmente destruídas ou ficaram seriamente danificadas sem possibilidade de reparação, incluindo um novo helicóptero Puma e quatro Alouette III, enquanto cinco aeronaves leves de asa fixa foram destruídas e três danificados. A sabotagem afetou diretamente o reforço que estava destinado à Guiné e, mais tarde, foi caracterizada como a maior catástrofe singular da luta militar ao longo de 10 anos, na opinião de um alto funcionário sénior dos serviços secretos portugueses.

Implantação das FARP/Exército Popular em 1970, não contando com as milícias locais (Matthew M. Hurley baseado em relatórios oficiais)
Operações independentes de ataque, entre 1969 e 1971. (Matthew M. Hurley baseado em documentação oficial portuguesa)
Operações helitransportadas entre agosto de 1968 e dezembro de 1971. (Matthew M. Hurley baseado em documentação oficial portuguesa)
Entre agosto de 1968 e finais de 1971, a Zona Aérea levou a efeito 160 operações helitransportadas (Coleção Hélder Ferreira)
O DO-27 era a aeronave mais utilizada de 1966 a 1973, por ser versátil, era incumbida numa enorme variedade de missões, desde a evacuação de feridos, transporte de pessoas, Posto de Comando Volante e mesmo apoio de fogo (Coleção Virgílio Teixeira)

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 22 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25296: Notas de leitura (1677): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (17) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 25 de Março de 2024 > Guiné 61/74 - P25305: Notas de leitura (1678): "Lay Yong, Bernardo e outros poemas", de António Graça de Abreu (Lua de Marfim Editora, 2018, 90 pp.) (Luís Graça)