Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os antigos combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961/74). Iniciado em 23 Abr 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 21 de janeiro de 2022
Guiné 61/74 - P22925: Parabéns a você (2028): Dr. João Graça, médico, Amigo Grã-Tabanqueiro de Lisboa, que já fez voluntariado na Guiné-Bissau
Nota do editor
Último poste da série de 17 de Janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22913: Parabéns a você (2027): António José Marreiros, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3544 e CCAÇ 3 (Buruntuma, Bigene e Guidage, 1972/74)
quarta-feira, 24 de novembro de 2021
Guiné 61/74 - P22747: Memória dos lugares (432): Tabatô, a tabanca da utopia, a 10 km, a nordeste de Bafatá - Parte III
Guiné-Bissau > Bissau > Dezembro de 2009 > Hotel SPA Coimbra, sito na Av Amílcar Cabral > Da esquerda para a direita, o João Graça, músico e médico, português, o Mamadu Baio (músico da tabanca mandinga de Tabatô,), Victor Puerta (cooperante espanhol / Barcelona, ONG Intercanvi), Catarina Meireles (médica portuguesa), Jandira (só se vê o rosto, guineense, à data era namorada do Alexandre Lopes um dos donos do Hotel SPA Coimbra)...
A última pessoa sentada é a Enf Luísa, de Coimbra, no mesmo projeto que eu - ONG Saúde em Português. Éramos como D. Quixote e Sancho Pança (não sei quem era o quê... ehehe) e auto-batizamo-nos de Catarina Sanhá e Luísa Baldé .... ehehehehe.
O último senhor em pé é o Dr. Miguel Lopes - dono/proprietário do Hotel (com o irmão Alexandre e a mãe, D. Francelina).
Local: lobbi bar do restaurante do Hotel Spa Coimbra (recentemente inaugurado). Este jantar foi-nos oferecido, a mim e à Luisa, em gratidão à alegria que levávamos à Casa (e despedida antes de Natal... também)!
Foi-nos permitido convidar amigos e, de entre aqueles que estavam em Bissau e podiam vir... resultou esta fabulosa moldura humana.
Guiné-Bissau > Região de Bissau > Tabatô > 28 de Novembro de 2009 > A cerimónia do Tabaski... em que pela 1ª vez participaram três europeus, não-muçulmanos, duas portuguesas e um espanhol... Uma das portuguesas foi a Catarina Meireles, médica, que aparece nas fotos a seguir, nas fso (a 3ª, a contar de cima), com uma criança mandinga ao colo; e na 2ª, partilhando a refeição)... Na 1ª foto, de cima a temos uma vista geral da assembleia, durante a cerimónia do Tabaski, na aldeia mandinga de Tabatô, a ea nordeste de Bafatá, a escassos 10 km.
Guiné-Bissau > Região de Bissau > Tabatô > 28 de Novembro de 2009 > Festa do Tabaski > O Mamadu Baio ,. à esquerda, partilhando a refeição do dia com a Catarina Meireles e um putro estrangeiro
Fotos (e legendas): © Catarina Meireles (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemenetar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Tabatô > 16 de dezembro de 2009 > 9h30 > O chefe da aldeia, Mutar Djabaté, pai do músico Kimi Djabaté, e ele próprio um grande balofonista (tocador de balafon)... É um dos atores principais do filme do João Viana, "A batalha de Tabatô" (2013), juntamente com Fatu Djabaté e Mamadu Baio. Sinopse do filme: "Depois de anos a viver em Portugal, o pai de Fatu regressa a África para assistir ao casamento da filha com Idrissa Djebaté. Ela é professora universitária e seu futuro marido é um músico conhecido. A festa de casamento é em Tabatô, um lugar extraordinário onde todos os seus habitantes são, há 500 anos, músicos djidius, cantores-poetas que narram contos e lendas representativos da vida africana. No caminho até lá, à medida que as recordações se avivam, o velho senhor começa a revelar traumas esquecidos da sua juventude, enquanto soldado mandinga na guerra colonial, décadas antes.
Filmado na Guiné- Bissau, é a primeira longa-metragem de ficção de João Viana, que foi distinguido com uma menção honrosa na edição de 2012 do Festival Internacional de Cinema de Berlim." CineCartaz / Público.
(...) Está localizada a 12 km de Bafatá, na zona leste do país, e (...) é conhecida pela sua população ser maioritariamente de griots ["djidius"] , apesar de ser dividida em duas metades.
(...) A segunda metade é habitada pelos descendentes do régulo fula. Há ainda em Tabato uma família que é tida como de cativos, sendo o patriarca destes o homem mais velho da tabanka, mas que não tem a autoridade do patriarca de apelido griot.
(...) Embora considerada uma tabanca mandinga, Tabatô está sob o regulado de um homem fula, que mantém uma certa autoridade sobre os mandingas que ali vivem, como podemos ver na maneira como exerce a sua autoridade nas reuniões na mesquita, em que se fala fula, e nas reuniões sobre assuntos da tabanca, como foi a dos preparativos para o Festival de Cultura Tradicional do Balafon, realizado em Março de 2010 [e que deu grande visibilidade nacional e até internacional a Tabatô].
Naquela altura, era imprescindível o aval do régulo fula como também de um guia de visitas, que foi preparado para receber a comitiva vinda de Bissau. A casa do régulo antigo estava entre os outros pontos de interesse, como o polón (a grande árvore em que está enterrado o patriarca), o mato sagrado, a casa-museu. (pág. 63)
(...) Tabato é uma pequena aldeia formada por uma moransa de descendentes do régulo fula
responsável pela vinda da família de Bundunka Djabaté para aquela zona do país. Estas casas foram construídas na primeira metade da aldeia, ao passo que os descendentes do griot mandinga ocupam a segunda metade das terras.
Estava-se nos fins do século XIX, quando Bundunka Djabaté chegou a Tabatô com as
suas esposas e os seus dois filhos, partindo de Kankan na Guiné-Conakry, a chamado de um
régulo fula cuja família, pouco a pouco, se foi espalhando por outras tabancas que pudessem nomear em língua fula, ao contrário do que se passou em Tabatô, uma das poucas localidades com nome mandinga que restaram depois da Guerra de Kansalá, quando o Império do Futa- Djalon se instalou onde antes estava o Reino do Gabu, última fronteira do Império do Mande (...).
Tabatô é uma referência também para griots de outras famílias na Guiné-Bissau, que
foram até lá para estudar com Ba Djabaté, e outros “grandes”, a arte do balafon e da djaliá. (pág. 214).
(...) Mutar Djabaté é hoje o homem grande de Tabatô, descendente do fundador da tabanca e, como chefe de família, ele é papesinho (pai pequeno) das gerações mais jovens, razão pela qual lhe devem respeito e sempre lhe apresentam, a ele e ao Conselho da família, as suas vontades, projectos e ideias. (...) (pág. 75)
(...) Até ao fim dos anos 1970 [, ou seja, desde a administração portuguesa até ao fim do regime de Luís Cabral ], os griots [ leia-se "djidius", em crioulo ] que ali estavam [ em Tabatô] viviam quase exclusivamente da sua arte [, atuando em festas, casamentos, choros...] o que ao longo do tempo se tornou insustentável pela própria conjuntura do país, obrigando muitas famílias a voltarem-se para a agricultura de exportação [ ,caso do caju, em particular], (e não apenas de subsistência, como acontecia até então), e entrando também nos grandes circuitos do êxodo rural [, estabelecendo-se em Bissau, por exemplo] e da migração internacional [, países vizinhos, Lisboa, Paris, Londres...] (...) (pág, 214).
No passado fim de semana (26-27 de nivembro de 2009) fui ao Tabaski - cerimónia de imolação do carneiro (por analogia: Páscoa dos Muçulmanos).
Depois de muitas resistências, dúvidas, declinações... lá consegui que me deixassem assistir ao ritual ("eucaristia") numa tabanca perto de Bafatá, de seu nome Tabatô - muito especial, particularmente pela sua forma de vida comunitária, que assenta na música e dança étnicas. São fabulosos!
Fui com mais uma amiga (portuguesa) e um amigo (espanhol). Vestimos roupas típicas, ocupamos as posições indicadas (segundo a ordem social vigente) e imitamos tudo o que nos diziam para fazer... E não me senti diferente... ao contrário, até me senti mais especial!
No fim do ritual, chamaram-nos (aos 3 brancos) para junto dos Homens Grandes e ajoelhámos em círculo.
Para quê? Para dar graças a Alá por esta dávida - pela primeira vez 3 brancos visitaram aquela tabanca no dia do Tabaski. Era um sinal divino de prosperidade e de vida longa (incluindo para nós!)
As explicações foram reforçadas várias vezes para que percebessemos o quão importante e bem-vinda era a visita dos 3 brancos.
Eu disse...
- Sim, 3 é número sagrado!
Eles rejubilaram com o entendimento do misticismo!
Foi-me pedido que falasse... e falei. Pedi uma cadeia de união - corrente de mãos dadas. Expliquei como fazer e disse:
- Não há preto, não há branco, somos todos irmãos... daí esta cadeia de união.
E do meu lado esquerdo soou uma voz meiga, dum dos homens que me acolheu nas 3 vezes que fui a essa tabanca:
- Obrigado, Fátima de Portugal!
Catarina Meireles
Bafatá, 1 de Dezembro de 2009
3. Mensagem da Catarina Meireles (que foi minha aluna em 2007, na ENSP / Universidade NOVA de Lisboa), com data de 22 do corrente (, respondendo a uma mensagem minha, e ao meu comentário: "Catarina, que bom saber de si, ter notícias suas, sentir que continua a ser o mesmo maravilhoso ser humano que eu conheci há de mais uma boa dúzia de anos, não ?!"):
(...) Bom dia a todos! Estive lá, na mesma altura com do seu filho João. Fui algumas vezes, a Tabatô, por ser realmente perto de Bafatá. Lá vivi o Tabaski (matança do carneiro) de 2009... E partilhei consigo, Professor. Aldeia verdadeiramente especial, Pessoas incríveis... Ainda hoje as sinto.
E sabe o curioso? Em 2010 fui a Cabo Verde, à ilha da Boavista... E num dia a passear pela rua se vendedores de artesanato encontrei alguém... Um homem dessa aldeia de Tabatô - uma Alegria imensa para ambos!!!
Eu dei-lhe "notícias da terra", pois não ia lá há anos... Contei-lhe do terreiro, festas para turistas, do novo poço da aldeia, da escola, das filhas do primo Figgi...
Manga di Mantenhas!
Que bom recordar depois de tantos anos... (parece que foi ontem)
Ana Catarina Meireles (...)
22 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22741: Memória dos lugares (431): Tabatô, a tabanca da utopia, a 10 km, a nordeste de Bafatá - Parte II
segunda-feira, 22 de novembro de 2021
Guiné 61/74 - P22741: Memória dos lugares (431): Tabatô, a tabanca da utopia, a 10 km, a nordeste de Bafatá - Parte II
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Tabatô > Poilões > "A porta do meu coração", diz a Sílivia Margarida Mendes, a portuguea de Évora que conuistaouo coração do "super camarimba" Mamadu Baio (lê-se: Baiô), membro da nossa Tabanca Grande.
Mamadu Baio, foto da sua página pessoal no Facebook... Com a devida vénia. Foi o o fundador e líder dos Super Camarimba. O João Graça conheceu-o em dezembro de 2009 em Bissau e a sua gente em Tabatô. Vive hoje em Portugal.
Escrevi no poste anterior (*): "Heureca!... A fim destes anos todos (!), descobri finalmemte a localização precisa da famosa tabanca de Tabatô. E mais: vi escrito o topónimo na carta de Bafatá...
Tem alguma razão de ser... Na verdade: Tabatô tem beneficiado de bastante "mediatização" nos últimos anos (nomeadamente com o filme "A batalha de Tabatô", do realizador português João Viana) e tem já alguns filhos ilustres, nomeadamente músicos, Jimi Djabaté, Dj Buruntuma, Mamadu Baio, etc. Tabatô é conhecida sobretudo por ser a terra dos antigos "djidius" que percorriam o vasto território do império do Mali e, depois da decadência e fragmentação deste, de reinos locais como do Gabu.
Descobri, entretanto, que qualquer um de nós pode lá passar uns dias úteis e agradáveis, para não dizer umas "férias únicas", como "workawayer", hóspede que paga em trabalho (5 horas por dia / 5 dias por semana) a hospedagem, traduzida em "cama, mesa & roupa lavada"... Ou seja, Tabatô já está no roteiro mundial do turismo alternativo...
É, de algum modo, uma "tabanca da utopia", no atual panorama da Guiné-Bissau, e oxalá o seu exemplo se multiplique. (Utopia do grego "οὐτόπος", não-lugar, lugar que não existe, mas també, lugar ideal ou idealiado...).
- casamentos tradicionais;
- danças e músicas afro-mandingas;
- leituras do Alcorão;
- "dimbasumo", uma celebração das mulheres;
- "cambanicafó", uma celebração da união de jovens trabalhadores.
O meu nome é Mutar e sou o lider desta Tabanca. Toco e vivo a música de uma maneira muito intensa desde que me lembro e quero muito transmitir isso mas também aprender sobre (e com outros) estilos de música e de ritmos.
Em Tabatô nós produzimos instrumentos típicos da cultura Mandinga, tais como:
- Balafon
- Cora
- Dumdumtama
- Neguelin
- Mirantelen
- Djembé
- Cutil
- Nhanhero
- Flauta, etc.
Depois de jantar, nós, líderes da comunidade, ensinamos as meninas a cantar e tocar para que lhes seja dada uma oportunidade que não teriam de outra forma. Da venda dos instrumentos musicais e da atuação musical em eventos, conseguimos garantir que todas as nossas crianças tenham acesso às escola.
Somos uma comunidade autossustentável , pelo que usufruímos todos de hortas comunitárias onde produzimos o necessário para nós
- malaguetas,
- quiabo,
- "jacatu"
- tomate
- e na época da chuva, amendoim, mandioca, e milho.
De Março a Junho acontece a apanha do caju, a nossa maior fonte de rendimento.
Ainda na época das chuvas, com o apoio do centro médico de Bafatá, distribuímos na comunidade medicamentos destinados a prevenir a malária e a diarreia.
Se ficaste curioso acerca da nossa comunidade e o nosso modo de vida mas ainda estás com dúvida:
- desfruta o filme realizado por João Viana, "a Batalha de Tabatô";
- ouve a música de DJ Buruntuma e Kimi Djabaté, oriundos da nossa Tabanca. (...)
Fotos (e legenda): © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemenetar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
(...) Vais ter a oportunidade de experimentar a vida numa aldeia que funciona como uma comunidade, onde todos trabalham de forma igual para contribuir para o bem e o progresso comuns, mas também para a preservação da sua cultura e presença no mundo.
Por um lado, vais aprender como cultivamos e consumimos o que produzimos. Por outro, sendo a nossa tabanca tão ligada à música, vais poder emergir na nossa comunidade dançando diariamente. Podemos ensinar-te a tocar como nós e a fabricar instrumentos e talvez também possas tu ensinar-nos algo de novo!
(...) Procuramos pessoas curiosas e flexíveis que queiram contibuir, com as suas qualificações e competências, para o desenvolvimento sustentável da nossa comunidade de modo a podermos trabalhar para nos tornarmos totalmente autossuficientes.
Precisamos de ajuda nas nossas hortas e na apanha do caju e também estamos abertos para ouvir sobre técnicas e práticas agrícolas que não conhecemos.
Em termos de preservação da nossa cultura e tradições, encorajamos a vinda de pessoas com experiência ou interesse em:
- música e dança,
- marketing digital
- vídeo
- fotografia
- gestão de eventos culturais, etc.
Comerás o mesmo que nós, comida típica da Guiné Bissau: muito arroz, acompanhado dos mais variados caldos de peixe e carne. Prepara-te para muita manga, e frutas saborosas com nomes estranhos que te darão saúde instantânea e força. (...)
Embora esta falhe por vezes, temos eletricidade por vía de painéis solares.
- português, fluentemente;
- francês, razoavalmente;
- um bocado, o inglês.
Como chegar cá ?
(i) a primeira, apanhando um autocarro às 14h para Bafatá no bairro Internacional, ao lado da mesquita central Atadamu, no bairro da Ajuda; com um custo de 2000 CFA [,3,05 euros,] é a opção mais confortável mas também o mais difícil dos acessos pelo calor e quantidade de pessoas que se deslocam para Bafatá;
(ii) a segunda, apanhando o carro 7plus, a qualquer hora na parada central em Bissau, no bairro do Enterramento, perto do hospital militar; esta viagem custa 2800 CFA [,4,27 euros,] mas é mais cofortável.
Poderás usufruir de passeios de burro pela mata circundante, ou pelas tabancas mais próximas, em passeios de bicicleta.
Costumamos passar os tempos livres juntos, ora a cozinhar, ou a conversar, a brincar mas sempre acompanhados de ritmo e música, sempre a cantarolar e a inventar novos sons! (...)
____________
Nota do editor:
domingo, 21 de novembro de 2021
Guiné 61/74 - P22738: Memória dos lugares (430): Tabatô, a tabanca da utopia, a 10 km, a nordeste de Bafatá - Parte I
Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bafatá (1955 ) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bafatá e de Tabatô que fica a cerca de 10 km, a nordeste, do lado direito da estrada que vai para Contuboel.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)
1. Heureca!... A fim destes anos todos (!), descobri finalmemte a localização precisa da famosa tabanca de Tabatô. E mais: vi escrito o topónimo na carta de Bafatá...
Nunca lá fui no tempo em que estive em Contuboel (de 2 de junho a 18 de julho de 1969), embora devesse ter andado por lá perto, uma vez que a CCAÇ 2590 (, futura CCAÇ 12) fez a IAO num raio de 15 km à volta de Contuboel, em farda nº 3 (as praças do recrutamento local), e com espingardas G3 apenas com cartuchos de salva... Só os graduados tinham nos bolsos uma dúzia de balas reais, não fosse o diabo tecê-las...De facto, nem sequer o nome me ficou no ouvido. A primeira vez que ouvi falar em Tabatô foi através do João Graça que lá passou uma noite, memorável, de 15 para 16 de dezembro de 2009 (**).
Já aqui escrevi, há mais de 10 anos atrás:
"Tabatô, a aldeia de Kimi Djabaté, é agora a tabanca mais famosa da Guiné-Bissau. É já um lugar mítico, nomeadamente para a malta nova, que não vai em 'turismo de saudade', à procura de lugares e restos do passado, vai à descoberta do futuro, desse continente do futuro, que é a África... E quer ajudar a construir também esse futuro... Nem sei se Tabatô existia no tempo da guerra colonial... Já pedi ao meu amigo Pepito para saber da história da aldeia" (***).
O saudoso Pepito, que tinha uma forte ligação ao subsetor de Cntuboel, onde trabalhou como engenheiro agrónomo, e que representou como deputado na Assembleia Nacional do seu país, deu-me as primeiras coordenadas do lugar (****):
(...) " Luís, Tabató é uma tabanca muito antiga e sempre foi conhecida por ser uma povoação de djidius, isto é cantores, mas cantores que andam de tabanca em tabanca contando a história passada, os feitos individuais e colectivos marcantes e, desta forma, asseguram às novas gerações o conhecimento do passado.
Não me recordo o nome deles na Europa, mas andará à volta de jograis ou trovadores.
[Griots, em inglês e em fancês (LG)]
Alguns são contratados para enaltecerem as qualidades reais ou fictícias de certas pessoas.
É natural que não conheças esta tabanca, uma vez que se situa depois do cruzamento para Contuboel (de quem sai de Bafatá para Gabú), e a cerca de 5 Km da tabanca principal.
2. Pergunto-me o que será a tabanca hoje ? (*****) E como é que lá se chega?
Guiné-Bissau > Bissau > Dezembro de 2009 > No conhecido e conceituado Hotel Spa Coimbra, sito na Av Amílcar Cabral, em pleno centro: da esquerda para a direita, o João Graça, o Mamadu Baio (músico da tabanca mandinga de Tabatô de onde é natural o Kimi Djabaté), o Vitor (cooperante espanhol), a Catarina Meireles (médica, portuguesa, minha antiga aluna na Escola Nacional de Saúde Pública)... Os restantes cinco elementos não sei, de momento, identificá-los.
Foto (e legenda): © João Graça (2009). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 25 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6642: A minha CCAÇ 12 (4): Contuboel, Maio/Junho de 1969... ou Capri, c'est fini (Luís Graça)
(**) Vd. poste de 12 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6720: Álbum fotográfico de João Graça (4): Uma noite memorável na terra de Kimi Djabaté, a tabanca jacanca de Tabatô
(***) Vd. poste de 8 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6695: Memória dos lugares (82): Bafatá, Tabatô, Tabaski 2009:Não há preto nem branco, somos todos irmãos, disse a Fátima de Portugal numa cadeia de união... (Catarina Meireles)
(****) Vd. poste de 11 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6713: Memória dos lugares (91): Tabatô, tabanca antiga de Djacancas, berço de didjius, terra de Kimi Djabaté (Pepito)
(****) Último poste da série > 11 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22709: Memória dos lugares (429): Formosa és tu, Cacela... (Poema e fotos do Eduardo Estrela, ex-fur mil at inf, CCAÇ 14, Cuntima e Farim, 1969/71)
sábado, 20 de novembro de 2021
Guiné 61/74 - P22733: Agenda cultural (789): Música afro-mandinga, com Mamadu Baio (voz e guitarra acústica) e João Graça (violino): hoje, das 20h30 às 22h30, no Com Calma - Espaço Cultural, Benfica, Lisboa
O Com Calma é um espaço associativo e cultural localizado em Benfica. Desde 2015 que é um local de promoção cultural, aberto ao debate e à partilha de conhecimento. Aqui podes Estar, Debater, Conviver, Ler, Petiscar, Aprender, Ouvir, Beber e Dançar...
Guiné-Bissau > Bissau > 17 de dezembro de 2009 > Mamadu Baio, líder dos Super Camarimba, "experimentando" o violino do João Graça , instrumento que ele muito provavelmente nunca tinha pegado antes...
Foto (e legenda): © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
(***) Vd. poste de 5 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19071: Vídeos de guerra (17): "Buruntuma, algum dia serás grande", de Jorge Ferreira, no You Tube, com música de Mamadu Baio
quinta-feira, 4 de novembro de 2021
Guiné 61/74 - P22686: Agenda cultural (787): Mamadu Baio Trio, sábado, dia 6, 20h00, no Camones CineBar, Graça, Lisboa... Música autoral afro-mandinga, um novo projecto dos nossos grã-tabanqueiros João Graça e Mamadu Baio, a que se junta o Avito Nanque
1. É no sábado este espectáculo musical, a cargo do Mamadu Baio Trio, grupo de música afro-mandinga qie tem a extraordinária particularidade de incluir dois membros da nossa Tabanca Grande, o João Graça e o Mamadu Baio.
(...) É já no próximo sábado - Mamadu Baio Trio - o melhor antídoto para este frio invernal. Quem se junta?
2. O que diz a Viral Agenda (a seguir, com a devida vénia):
Mamadu Baio Trio apresenta-se:
- Avito Nanque - guitarra eléctrica
- João Graça - violino
- Mamadu Baio - guitarra acústica e voz
Originário da Guiné-Bissau, Mamadu Baio nasceu em Tabatô, uma pequena aldeia de griots (trovadores), onde todos os habitantes são músicos. Esta aldeia é reconhecida como o berço de vários artistas afro-mandingas, descendentes do Império do Mali, bem como da longa prática de construção de instrumentos tradicionais, como o balafon, o kora, o dundumbá ou neguilim.
O primeiro instrumento que aprendeu a tocar foi o djambé que lhe permite comunicar com crianças e adultos em muitos ritmos diferentes, inspirados pelas suas raízes. Foi através do djambé que Mamadu organizou vários intercâmbios entre jovens artistas de diversas origens, resultando em múltiplos workshops com distintas influências e sonoridades.
Mamadu tem uma vasta experiência como professor de percussão e deu aulas em centros culturais e escolas primárias, organizadas em níveis de conhecimento e idades. As oficinas têm como ponto de partida as histórias dos griots, para a aprendizagem do djambé, assim como a sua construção e afinação.
A sua curiosidade por diferentes sonoridades nasceu cedo. A principal fonte de inspiração para compor novas melodias surge no dedilhar da sua guitarra. Este jovem artista, reconhecido como um talento promissor da música afro-mandinga, está atualmente em Lisboa a promover o seu trabalho, que resulta da mistura de sons afro-mandingas, reggae, jazz e afro-beat.
Desde 2009 que partilha a sua estadia entre África e Europa, em particular Portugal, onde participou em vários festivais e concertos de solidariedade, realizou ainda vários concertos em
diversos espaços
3. Sobre o Camones CineBar, que fica na Graça, na R. Josefa Maria 4B, 1170-195 Lisboa (uma perpendicular à Rua Senhora do Monte, a que vai dar ao Mirador da Senhora do Monte, o mais espectacular e deslumbrante de Lisboa):
Desde 2018, e pela primeira vez na sua já longa vida, as portas abrem-se ao público em geral para Concertos intimistas, noites de Stand-Up Comedy, Festivais de Curtas e noite de Open-Mic sob o lema "Todas as Artes, Todas as Idades". (...)
Último poste da série > 4 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22597: Agenda cultural (786): Convite para a apresentação do livro "Nunca Digas Adeus às Armas (Os primeiros anos da Guerra da Guiné)", por António dos Santos Alberto Andrade e Mário Beja Santos, dia 18 de Outubro de 2021, pelas 18 horas, no Pálácio da Independência - Largo São Domingos, 11 - Lisboa
sexta-feira, 22 de outubro de 2021
Guiné 61/74 - P22651: "Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar" (texto cedido pelo escritor ao José Martins para publicação no blogue) - Parte IX: Bissau e Contuboel. Consulta de psiquiatria. Poema "O Menino de Sua Mãe". Nascimento do primeiro filho. Exame em Bafatá de militares sem a instrução primária. Sedução da senhora professora, cabo-verdiana... (Set - dez 1966)
O Braima Sissé foi apresentado ao João Graça como sendo um estudioso corânico, filho de uma importante personalidade da região, amigo dos portugueses na época colonial [, presume-se que fosse o próprio Fodé Irama Sissé].
Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação da (re)publicação do "Diário de Guerra", do nosso camarada açoriano e escritor Cristóvão de Aguiar (1940-2021), que faleceu na passada dia 5, aos 81 anos (*).
Organização: José Martins; revisão e fixação de texto (para efeitos de publicação no nosso blogue): Virgínio Briote (,a partir da parte VI, Carlos Vinhal).
Estes excertos, que o autor cedeu amavalmente ao José Martins, para divulgação no blogue, fazem parte do seu livro "Relação de Bordo (1964-1988)" (Porto, Campo das Letras, 1999, 425 pp). (**)
Bissau, 26 de Setembro de 1966
Poema para minha Mãe, que faz hoje quarenta e sete anos de vida:
“O MENINO DE SUA MÃE”
- Mãe, que é do teu menino,
Tão breve,
Brincando no caminho,
Em corridas de pé leve,
Guindando as poças da chuva,
Que caía em desatino
E logo estiava num instantinho?
- Que será feito do arco e do pião
E da fieira que se apertava no bojo como uma luva
Que o teu menino, à mão, zunindo, o lançava,
E da Lua clara que nem lampião,
Que, vagarosa, no céu viajava?
- Onde o marulho do mar
Que aquietava o teu menino,
E dos barcos de papel
Nas valetas rasas de água a cirandar?
Que lhe destinaram do destino
De flores e mel
Que lhe afiançaste outrora?
E da Paz das noites benditas,
Do Deus em que ainda acreditas
E que o teu menino foi esquecendo,
Não O compreendendo
Por desdita agora?
- Onde o berço
Em que o embalavas,
E das preces da hora do deitar
- Nunca o terço! -
(Com Deus me deito, com Deus me levanto...)
E dos casos que lhe contavas,
E das cantigas soando a mar
(Assim era o teu canto!)
Que devagarinho entoavas
Para teu menino nanar?
- Dize-me, Mãe, onde morreste
O teu menino?, em que desvão o escondeste
Para o ir procurar?
- Sabes, Mãe, o teu menino está tão diferente:
Velho e absorto
E sobretudo tão ausente
(Dir-se-ia quase morto)...
O teu menino
Já não salta ao eixo
Rebaldeixo
No adro paroquial,
Nem no cimento da Avenida...
Nem tão-pouco joga (o que é o destino),
O seu pião de fieira colorida,
Que há tanto tempo se rachou...
E o arco de ferro forjado,
Com a sapata feita do mesmo metal,
Foram-se enferrujando num recanto
Da encantada casa-de-trás...
Depressa - o tempo foge -,
E dá a viva ideia de que é hoje
Uma visão alucinada de soldado...
Onde já lá vão as guerreias
Travadas na Canada da Sabina
Em que havia muita pedrada,
Baba e ranho, alarido e arengada,
Chegando o sangue a esguichar das veias?...
Ficava a Canada quase em frente
Da casa de madrinha Rufina,
Que um dia se despediu da gente
E se foi para a América no voo da carreira...
Tudo então se passava entre o rapazio:
Os de Cima e os de Baixo, que, cheios de brio,
Defendiam à tapona e à porrada
A rigorosa fronteira
Que separava os de cada lado da Canada...
Entretanto toda a vida se enrodilhou,
E ela tem agora um travo a puro fel...
Só da noite mais noite é tecido o teu menino,
Vive ainda em maior escuridão que o destino,
Que se não cumpriu e ficou em ruínas
- São as nossas sinas -
Mas nunca se há-de ele esquecer
Que um dia que já não existe
De teres prometido ao teu menino
(Ele não se lembra agora se já então era triste),
Embarcado em seu batel de ilusão
E de papel,
O tal destino
Que, como vara de condão,
O haveria de transmudar em flores e mel...
Todavia, cá dentro, ele permaneceu e continua refém...
Há-de ser resgatado, quem sabe, na Banda do Além...
- A tua bênção me cubra, minha Mãe!
Bissau, 27 de Setembro de 1966
Aqui estou há mais de uma semana em tratamento psiquiátrico. Vejo tudo envolto numa película de sono saboroso! Comecei por matar vacas e carneiros a tiro de Walter e de G3. Faziam barulho, mééé, e eu não suportava o mínimo ruído, sobretudo de noite. Havia, porém, quem matasse carreiros de formigas com a G3. Mas eu pagava o prejuízo aos seus donos. Se era alta noite, gritava pelo cozinheiro e seus ajudantes e mandava que esquartejassem os animais, para que depois a carne servisse para o nosso sustento. Chamava depois os indígenas, seus donos, logo de manhã ao quartel, perguntava-lhes o preço dos animais e pagava o que me pediam. Matava gatos também, mas esses tinham sete fôlegos e levavam muito tempo a morrer: esperneavam e miavam de tal maneira, que quase me endoideciam. O pior foi o ensaio de pancadaria com cavalo marinho que dei num furriel. Mandei a Otília para casa de um comerciante cuja mulher convivia por vezes com a minha, pretextando-lhe que queria ter uma conversa em particular com um militar.
Bissau, 5 de Outubro de 1966
ALMA DOLENTE
A tristeza das coisas ao sol poente,
Falando, muda, numa voz precisa,
Escuta-a quem tem a alma dolente
E a dor de uma ânsia que se eterniza.
O Universo absoluto é uma ferida,
Lateja, arde, geme, sem compasso...
Dói tudo no silêncio, e a própria vida
Escorre vagarosa em gotas de cansaço...
Oh negrume tropical, noite africana,
Oh escuridão do medo em cada esquina
Com a vida enforcada em pó e lama,
Arranca do ventre tuas vinganças
E este ódio que as almas assassina
E deixa o Sol brincar com as crianças...
Contuboel, 7 de Outubro de 1966
O Dakota militar, vindo de Bissau, fez-se à pista térrea de Bafatá. Mas, quando tocou no solo, foi-se desviando para o mato, meio desasado. Parou a tempo de não haver desgraça. Tinha rebentado um pneu de uma das rodas do trem de aterragem.
Contuboel, 10 de Outubro de 1966
Chegou há semanas, estava ainda em tratamento em Bissau, uma ordem do comando-chefe, via batalhão de Bafatá, destinada a todas as unidades do mato, sobretudo àquelas prestes a partir, avisando que os soldados que não sabem ler nem escrever terão de embarcar da Guiné pelo menos com o exame do primeiro grau, ou seja, a terceira classe da instrução primária; caso contrário, quando chegarem à Metrópole, não poderão ser desmobilizados e ficarão nas respectivas unidades até concluírem aquele exame. O mesmo acontecerá àqueles que, tendo embora o exame do primeiro grau, saírem daqui sem o diploma do exame da quarta classe.
Contuboel, 23 de Novembro de 1966
Estava sentado no estabelecimento do comerciante português, lendo O Arauto, o pasquim da província, e fumando intensivamente cigarro atrás de cigarro, quando chega o nosso capitão com um papel numa das mãos. Era um telegrama que tinha vindo via rádio, anunciando-me que era pai. Fiquei néscio e sucinto. Pai! E escrevi, num aerograma amarelo, um poema ao meu filho José Manuel, a primeira missiva que recebe na vida, que ainda agora principiou...
Bafatá, 12 de Dezembro de 1966
Exame dos alunos da Companhia de Caçadores 800. Cometi um acto sacrílego, mas não havia outra escapatória. Sacrilégio maior seria deixar que estes homens ficassem na tropa mais alguns meses, ou um ano, sei lá bem, depois de terem sofrido o que sofreram nesta guerrilha diabólica de nervos e do resto, que foi ainda pior.
- Não, senhor alferes, não posso consentir numa palhaçada dessa natureza, pelo amor de Deus.
Contuboel, 25 de Dezembro de 1966
Uma noite de Natal já com um grão de esperança no seu ventre e outro bem pesado na asa. Daqui a menos de um mês, vamos de abalada. Até parece mentira. As cruzinhas estão chegando ao fim. (**)
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 6 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22606: In Memoriam (410): Luís Cristóvão Dias de Aguiar (1940-2021), ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 800 (Contuboel e Dunane, 1965/67), falecido no dia 5 de Outubro de 2021