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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19512: Foto à procura de... uma legenda (115): Afinal, havia burros, e até bastantes, no nosso tempo (, para além das bestas humanas)...



Guiné > Região de Bafatá > Fajonquito > CCAÇ 674 (1964/66) > O fur mil mec auto Sérgio Neves,  já falecido, irmão do nosso grã-tabanqueiro Tino Neves, momtando um burro.

Foto (e legenda):  Constantino Neves (201o). Todos os direitos reservados. [Edião e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]






Guiné  s/l > c. 1938 > Burros transportan  "mancarra"


Fonte: João Barreto, História da Guiné, 1418-1918.Lisboa: 1938. Cortesia do nosso colaborador permanente, Mário Beja Santos (2007): "Ainda vi burros em Bafatá e arredores. Mas o régulo [do Cuor,] Malã, como seu pai, Infali, deslocavam-se pelo regulado a trote de burro. Malã contou-me que precisava de 8 a 9 horas para percorrer as picadas de Sansão e Missirá até Sinchã Corubal e Madina".

Por sua vez, o Fernando Gouveia, em comentário de 16 de julho de 2009 às 16:54, garante que "em Bafatá, 1968, 1969 e 1970,  havia muitos burros, vindos da estrada do Gabu trazendo mancarra".



Paisagem, painel Augusto Trigo (n. 1938, em Bolama) (pormenor). Em exposição no hall de um banco, em Bissau, o BCAO. Com a devida vénia ao pintor (que oi casapiano, e vive atualmente em Portugal), ao Rui Fernandes (autor da imagem ) e à AD - Acção para o Desenvolvimento (que   a divulgou no seu site Guiné-Bissau) .



Guiné > Região do Oio > Bissorã > 1965 > CART 703 > No Oio também havia burros, como se comprova nesta foto com o João Parreira, um cavaleiro à maneira, embora ele fosse de artilharia e tivesse mais tarde trocada a sua dama pelos comandos.

Foto (e legenda): © João S. Parreira (2007). Todos os direitos reservados. [Edião e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá> Geba > Camamudo > CCAÇ 1426 ( 1965 e 1967,  Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda) > O fur mil op esp / ranger em cima de um burro:

"Como apareceu em Camamudo algures em princípio de 1966, um indígena com um burro e, tal como podem deduzir, era um achado encontrar um burro por aqueles lados na Guiné e não vi mais nenhum em toda a comissão, pedi ao ilustre dono para dar uma volta para matar saudades. Ele era tão 'grande', o burro, que os meus pés quase chegavam ao chão.

"Todos tiveram oportunidade de dar uma volta grátis e tirar umas fotos para guardar e um dia recordar, como eu faço de vez em quando.  Agradeci ao senhor em nome de todos com um aperto de mão e ele também ficou contente.  Foi um divertimento diferente do habitual."


Foto (e legenda): © João S. Parreira (2007). Todos os direitos reservados. [Edião e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 


Guiné > Região de Bafatá  > Fá Mandinga >  CART 2339 (Fá e Mansambo, 1968/69) > Junho de 1968 > O fur mil Carlos Marques Santos, o fur mil vagomestre Costa e os burros - CART 2339

Foto (e legenda): © Carlos Marques Santos (2009).  Todos os direitos reservados. [Edi´ção e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região do Oio > Bissorã > s/d >  CCAÇ 2444 , , Cacheu, Bissorã e Binar, 1968/70) > O nosso saudoso João Rebola (1945-2018), "montando um dos burros de Sitafá Camará"...


Foto (e legenda): © João Rebola  (2013).  Todos os direitos reservados. [Edi´ção e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Bafatá > Setor L5 > Galomaro > CSS/BCAÇ 3872 (1972/74) > "O mestre-escola [, o Joaquim Guimarães, ] mais o burro [, o Augusto, ] e o Mamadu Djaló, em 1972, em Galomaro, sede do batalhão.


Foto (e legenda): © Joaquim Guimarães (2007).  Todos os direitos reservados. [Edião e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca >  Santa Cruz da Trapa > 23 de setembro de 1973 > Momento de descontracção [e alguma parvoíce] com a cumplicidade de um burro de Santa Cruz da Trapa:  Os furriéis: Jorge Araújo [CART 3494], Edgar Soares [, op esp, CCS / BART 3873 ] e Horácio Carrasqueira [CCS].

"O Pel Mil 370 de Sansancuta pediu que se fixasse na antiga tabanca abandonada, denominada Sinchã Bambé. A ocupação da primitiva localidade foi rodeada por um cerimonial confraternizador e significativo, na medida em que uma povoação morta desperta para a vida da Guiné. Estiveram presentes o cmdt do BART 3873, cor art António Tiago Martins, cujo topónimo da terra natal – Santa Cruz da Trapa,concelho de São Pedro do Sul  –  foi atribuído à renascida povoação por sugestão dos milícias, o Régulo de Badora, Mamadu Bonco, os chefes das tabancas vizinhas e população. Uma lápide ali colocada ficou assinalando o acontecimento”... E não faltou o burro!




Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca >  Santa Cruz da Trapa > [23 de setembro de 1973 > O Jorge Araújo [CART 3494] e o Marques [CCS ].


Fotos (e legendas): © Jorge Araújo  (2014).  Todos os direitos reservados. [Edião e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Ingoré > 1998 > Esta foto, com a Zélia Neno (de costas), ex-companheira do Xico Allen, chegou-nos por mão do Albano Costa, com a seguinte legenda: “Esta foto vale pela imagem, e os brancos em África converteram-se? Não é que ficaram a ver a Zélia [Neno] a puxar o burro, mulher de armas!" ...

Foto (e legenda): © Albano Costa / Zélia Neno (2006). Todos os direitos reservados. [Edião e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto de Virgílio Teixeira (Sonaco, 1968)
1.  Afinal, havia burros na Guiné, no nosso tempo... E a  provar alguma coisa, estas fotos mostram-nos que também eles, os burros, parecem querer resistir à extinção em África, em geral, e na actual República da Guiné-Bissau, em particular...


Por outro lado, o nosso irmãozinho Cherno Baldé vê mais com um olho do que nós com os olhos todos... Pois claro que nesta foto, de má qualidade [, à esquerda] é um burrito e não uma vaquinha de Sonaco...  O Virgílio Teixeira monta o burro e não a vaca, salvo seja... Ampliei a foto: vê-se que o "trombil" é de burro...

Confirmo que no meu tempo ainda havia burros na região. de Bafata. Mas as vacas também eram pequenas. Sei que comprei uma por 900 pesos, a olho, não a pesei nem sei quantos quilos de bife deu para as messes, de sargentos e de oficiais, separadas, mas com gestão comum.

Em suma, na Guiné sempre houve burros, pelo menos desde os anos 30, a avlaiar pela foto do livro do médico João Barreto... Onde havia cultivadores de amendoim,  comerciantes e gilas (comerciantes ambulantes), havia burros...

Burro, asno, jumento, jerico, cujo berço foi a nossa África Mãe, Equus africanus asinus, segundo a nomencolatura trinomial de Lineu (1758)... Mas também "besta de carga", desde há pelo menos 5 mil anos a.C. quando o seu ancestral selvagem foi domesticado, tal como o cavalo... Mas na escolinha do nosso tempo punham-se "orelhas de burro" aos mais atrasados da classe... Pobre bicho, hoje em perigo de extinção...

Sem querer mentir, o único burro (fora... os humanos) que vi na Guiné foi a caminho de Madina/Belel, a 31 de Março de 1970, no decurso da Op Tigre Vadio: estava num estado lamentável, morto por abelhas selvagens e em vias de decomposição, já coberto de formigas... Não sei se vivia em "região libertada"... Mas tudo indicava que o PAIGC e a respectiva população - nomeadamente ao longo do corredor do Óio - também usavam os bons serviços do burro, no transporte de armas, mantimentos e outras mercadorias... Enquanto nós aturávamos...as nossas bestas!

E já agora, sobre o pobre do burro encontrei os seguintes provérbios crioulo-guineenses:

Buru tudu karga ki karga si ka sutadu i ka ta janti (O burro, com pouca ou muita carga, se não é açoitado não anda);

Karna di buru ta kumedu na tenpu di coba, di fugalgu na tenpu di seku (= carne de burro se come na estação, a de animal nobre na seca);

Praga di buru ka ta subi na seu ou Praga a di buru ka ta ciga na seu (Praga de burro não sobe ao céu).

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15588: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXVII Parte): Uns continuaram nessas guerras, outros noutras - 3 e Anexos (Fim)

1. Parte XXVII de "Guiné, Ir e Voltar", série do nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XXVII

Uns continuaram nessas guerras, outros noutras (III) e Anexos

O Passos, alferes da 4.ª Rep/QG e um dos últimos companheiros de Bissau, antes de ter sido mobilizado trabalhara no Parque Mayer, fora electricista e contra-regra, convivera com actores e coristas. Quando regressou foi visitá-los, andou por lá uns tempos, enquanto acabava o curso. Depois, foi para a CP, mais um engenheiro, pois claro. A última vez que se viram, já lá vão quase duas décadas, onde havia de ser, foi num alfa pendular do Porto para Lisboa. 

O Amândio César, um poço de energia, continuou a escrever e a publicar, até à maré baixar para ele e para quem pensasse como ele. 

No dia 28 de Setembro de 1974, com o interior vestido de luto pela morte da sua Pátria, escapou por um triz de ser linchado em Coimbra. Conseguiu safar-se, refugiou-se no seu Minho natal, passou a fronteira para Espanha e foi para o Brasil até os tempos de fúria acalmarem. Morreu desgostoso com o rumo que o país tinha tomado num dia de Agosto de 1987. 

Mário Dias enveredou pela carreira militar. Ainda fez mais três comissões, uma em Moçambique e duas em Angola. O 25/4 apanhou-o em Cabinda. 

Regressado a Lisboa foi colocado no Regimento de Comandos na Amadora. Foi testemunha e interveniente do processo que envolveu os Comandos no verão de 1975. Macau foi o destino seguinte como instrutor das forças de segurança. 

Na reserva já há alguns anos, ainda recorda os tempos dos Comandos da Guiné como os que mais o marcaram. 

Ainda muito jovem fora com os pais viver para a Guiné. Estudou no liceu de Bissau onde foi colega de vários guineenses que mais tarde se tornaram conhecidos na luta de libertação.

Como se previa, o Piçarra1, o alferes companheiro de quarto do Hospital Militar de Bissau, esteve largos meses na Estrela, no Hospital Militar Principal. Depois de várias cirurgias, foi para Alcoitão fazer fisioterapia e aprender a utilizar as próteses. Por influência do Movimento Nacional Feminino, segundo disseram, arranjaram-lhe um emprego numa grande empresa, na outra margem do Tejo. 

O Capitão Viegas, um dos companheiros da viagem de regresso, entre as comissões foi estudando Direito até se licenciar. Estagiou num gabinete de advogados, muito conhecido em Lisboa, enquanto foi andando por ali acima até General. Foi nomeado Chefe do Estado-Maior do Exército, com a aprovação do Presidente da República, seu ex-colega do escritório de advocacia. O outro militar, apontado por outras esferas como tendo uma folha de serviços mais brilhante para o cargo de chefe máximo do Exército, foi o General Leandro, veja-se a coincidência. 
O Ministro da Defesa Paulo Portas, mão na porta à saída de um Conselho de Ministros, considerou publicamente que o General Viegas tinha um perfil mais adequado que o General Garcia Leandro. Tão adequado que tempos depois recebeu uma carta a dizer que o nomeado se demitia das funções por ter perdido a confiança no Ministro. É isso, foi mesmo assim. 

O Brigadeiro Reymão Nogueira, acabada a comissão foi colocado como Governador Militar de Lisboa e permaneceu no cargo ainda uns anos, até passar à reserva. 

Poucos anos depois de regresso, nos princípios da década de 70, numa tarde de inverno em Guimarães, o Albino, o soldado da MG-42, passinho miúdo, lesto como um carteirista, esgueirava-se por aquelas ruas estreitas, cheias de gente. Teve que apressar o passo para o apanhar. Albino, que é que tens feito? Sentaram-se num café, falaram da vida, o Albino ainda à procura de um rumo. Saí ontem de Paços de Ferreira, do estabelecimento prisional. Vidas, meu alferes! Morreu cedo, poucos anos depois deste reencontro. 

O Furriel Ázera ainda ficou na Guiné até Agosto de 67, administrativamente ligado à nova Companhia de Comandos. Foi colocado num gabinete pacato, a tratar de papelada. O local é que não era o melhor, ficava junto ao cemitério. 

Quase todos os dias ouvia as descargas da praxe, que se usam nos enterros militares. Não aguentou mais. Um dia foi ter com o Capitão Alves Cardoso, o Comandante da 3.ª Companhia de Comandoss, pediu-lhe que o incorporasse num dos grupos. 

Voltou assim à guerra até acabar o tempo. Depois regressou aos Açores e à sua bela cidade, Praia da Vitória. Mas nunca mais recuperou a alegria de viver. Sem paz há tantos anos, conhece os antidepressivos e os tranquilizantes melhor que muitos médicos. 

O Vítor Caldeira, o alferes que substituiu o Vilaça nos "Vampiros", também passou ao Quadro Permanente. Fez uma comissão nos Comandos em Moçambique e, já depois do 25 de Abril, encontrou no Casão Militar o então Coronel Garcia Leandro, que tinha sido nomeado Governador de Macau. Por onde anda Caldeira? Quer vir para meu Ajudante de Campo, para Macau? E foi. 

Na tarde de um domingo de Agosto, a TV da Sala de Sargentos da Escola Prática de Infantaria de Mafra estava a passar um filme para um único espectador, o Sargento Tudela, o antigo Cabo Tudela dos “Vampiros”. 

Entrou um tipo, sentou-se quase em frente ao sargento. Boa tarde, respondeu o Tudela sem despegar os olhos do filme. Passaram a ser dois espectadores. Num momento olharam-se nos olhos e, num lampejo o velho Tudela deve ter dito lá para ele, donde é que eu conheço este gajo? Os dois pares de olhos concentraram-se de novo no filme. 

Então, que tal o filme, perguntou o recém-chegado? Que dava para entreter, não havia mais nada para fazer naquela tarde de domingo. Passaram-se mais uns minutos e a coisa não atava nem desatava. Até que o intruso se voltou para o Tudela, eu conheço-o, não sei é donde. 
A sua cara não me é estranha também, respondeu meio desinteressado. 

De onde será, de onde não será, o visitante a insistir, mas sem grande entusiasmo da parte do velho sargento. 

Não me está a conhecer, Tudela? Não pode ser, o meu comandante da Guiné! 

Depois esqueceram-se do tempo a ouvirem-se um ao outro. Que tinha 77 feitos. Que depois da Guiné, tinha ido para Angola, depois para Moçambique, depois para Mafra e por lá tem estado estes anos todos. Que é diabético, já não tem um dedo do pé. E que nunca viveu uma vida tão apaixonante como aquela que passou nos Comandos da Guiné. Que ia passar uns dias a casa dele a Cantanhede, uma casa pintada de amarelo, junto ao restaurante Marquês de Marialva e que depois regressava a Mafra, a sua verdadeira casa. 

Não se queriam deixar nem por nada. Depois ainda se encontraram mais duas vezes, até um dia receber uma chamada de um camarada. O Tudela morreu, escorregou nas escadas do convento. 
Generais, sargentos, cabos, capitães, coronéis, civis, Comandos velhos da campanha da Guiné, assistiram à saída do velho Tudela do convento, rumo à última viagem até Cantanhede. 

A Lurdes, a paixão do Luís, continuou em Bissau e segundo alguns conhecidos, já nos finais da década de 60 continuava a namorar Comandos, desta vez um furriel. Chegado o 25 de Abril e com todo o movimento que se seguiu foi viver para uma das ilhas de Cabo Verde. Casou com um conhecido comandante do PAIGC. 

O Marques de Matos, Chefe de Equipa dos “Diabólicos”, tantos anos sem saberem uns dos outros, um dia deu sinal de vida. O que é feito de mim? 

Ora, andei para a frente, comecei por vender máquinas Rank Xerox, daquelas grandes. Um dia, o meu padrinho de casamento encontrou-me acidentalmente na rua. Fernando, queres vir para os seguros? 

Fui, comecei quase como paquete, subi e desci na carreira profissional, quando desci, tome-se nota, foi porque sempre me recusei a vergar a espinha. Igual a mim próprio, sempre recto nos procedimentos e nas relações, lembro-me assim desde pequeno. E quando caí, preferi que fosse eu a dar o sinal de queda. Sem ninguém se aperceber, deixar-me cair em sentido, sabe do que estou a falar? 

Um dia fiz a queda facial tão a preceito que ia quebrando o nariz. 

Devem ter visto que tinha algo que se devia preservar, promoveram-me a director da companhia. Esgalhei, dei tudo o que tinha, até o meu coração me avisar que lhe estava a pedir demasiado. Tive que meter travões, antecipei a retirada. 

Mas mantenho-me activo, visito famílias onde há carências, estou a falar da fome. Levo-lhes comida e também companhia. Ah! E confesso, sempre tive um norte na minha vida, Deus! Deu-me sinal que existe, mais que uma vez. Tenho dois filhos adultos, netos, uma casa à beira do mar onde faço uns grelhados de peixe de fazer inveja ao “Índio” de Vila Nova da Cacela e até aprendi a ler a vida nas mãos das pessoas. 

E um imenso orgulho de ter feito parte dos Comandos. Não, não cobro nada por dizer isto. Muitas coisas que aconteceram já não existem na minha memória. Outras persistem, não me deixam, como algumas que ocorreram numa estadia do nosso grupo em Barro. A imagem da bajuda mortalmente atingida, ainda quente, um qualquer a aproximar-se dela, a baixar as calças e eu a ver e a mostrar-me igual a mim próprio. Parece que foi ontem! 

O Azevedo, outro furriel do grupo, deu sinais de vida. Continua a viver em Ovar. Do outro lado da linha ouvia-se algazarra de miúdos. Netos, Azevedo? Seis, comandante! Uma ou duas semanas depois, passava na A1 perto do desvio para Aveiro. Lembrou-se do Azevedo, aquele magnífico furriel dos “Diabólicos”. Azevedo, está a trabalhar? Eu estou sempre a trabalhar, comandante! Estou próximo do desvio para Aveiro, de regresso a Lisboa, mas para o ver vou para a frente ou para trás, o que for preciso, Azevedo, quero é dar-lhe um abraço! Sai no desvio para a Vila da Feira, passa a portagem, uma rotunda a seguir, corta na segunda à direita, nova rotunda, outra vez na 2.ª à direita, estou lá à sua espera para lhe dar um abraço, comandante. Assim fez, parou o carro, e agora onde pára o Azevedo? Sai-lhe de um Mercedes azul, ainda novo, um tipo gordo, careca, de bigode à Pancho Villa. Era o Azevedo, mas a melena farta desapareceu e o peso quase tinha duplicado. Pois o Azevedo, depois de regressar, empregou-se numa conhecida empresa de Ovar. 

Em 1979 foi convidado para ir para Luanda, pôr a filial a funcionar, ainda no tempo do Agostinho Neto, as coisas não estavam nada fáceis. Cumpriu a missão e regressou à sede. Viu os filhos a crescerem, os netos a seguir. Sempre optimista, entusiasta, o futuro começa agora, que porreiro! Ainda deu tempo para engatar uma conversa, pegar nela para outra. Do tipo da história do relógio suíço, quando deram por ela já estavam a falar da aldeia onde se fabrica o relógio. Marcaram a continuação da conversa para outro dia que já estava a fazer-se tarde. 

Mais de quarenta anos decorridos, na procura dos camaradas do grupo, calhou cair-lhe nas mãos a direcção do "Angola". O "Angola" chamava-se Fernando de Bessa Afonso. Nunca soube porquê, chamavam-lhe Angola e ele chamou-o sempre por "Angola". E ele respondia presente. Mais preocupado com outras coisas, nunca procurou saber o porquê do cognome. Imaginou sempre que o Angola era assim chamado porque devia ter alguma relação com Angola. Logo que soube que o "Angola" morava em Viana do Castelo, telefonou-lhe. 

Quem fala? “Angola”, é você? A resposta do outro lado demorou. Era ele, o magnífico soldado "Angola", no nome e no registo militar Soldado Fernando de Bessa Afonso. 

E 42 anos depois retomavam o contacto. Um ou dois meses depois teve que deslocar-se ao Porto. É hoje que vou rever o "Angola". Combinaram encontrar-se naquela linda cidade, junto ao "Gil Eanes", pousado no Lima, cansado das largas viagens que fez como navio-hospital da frota bacalhoeira. 

O "Angola" apareceu-lhe, bem apresentado, como se fosse para uma formatura. Cabelo farto, barba cuidada, da cor que os anos fazem, tudo branco. Da emoção do reencontro, ficou um abraço que nunca mais acabava. 

Na esplanada de um café da Av. dos Combatentes, aquela linda avenida de Viana, deixou-o discorrer. 

O meu alferes nunca soube, se calhar, mas eu tenho uma história comprida.  Nasci em Angola. Quando chegou o tempo da tropa ofereci-me para os Páras. Fiz o curso e, no fim, tive direito a umas férias. Não me apresentei na data que estava indicada. Fui expulso e mobilizado para a Guiné. Fui para o BCav 490, em rendição individual, para Cuntima. Sim, para Cuntima, junto à fronteira com o Senegal. E o meu alferes chegou lá um ou dois meses depois. Depois fui para os Comandos, para o seu Grupo. 

E depois da comissão na Guiné, fui convidado pelo Capitão Saraiva e, olhe, fui com ele para Moçambique, integrado na 9.ª CCmds. Infelizmente, o Cap. Saraiva pisou uma anti-pessoal e ficou gravemente ferido. Se eu estava lá com ele? Claro, foi na serra do Mapé, eu próprio fui um dos que o assistiu. Quem o substituiu foi o Cap. Júlio Oliveira, hoje general, se não estou em erro. 
Coisas do arco-da-velha, meu alferes! Um dia, emboscados, apanhámos uma pequena coluna da FRELIMO. Limpámos aquilo e, não quer saber, que o único sobrevivente foi um miúdo de meses. Pegámos nele e levámo-lo para Montepuez. O que é feito dele? Está cá, tirou um curso superior, olhe, vive em Lisboa. Depois... 

Duas horas, que o tempo não dava para mais. “Angola”, quantos anos tem? 66, faço pára-pente, sou instrutor, ainda ontem em Cerveira... 

O João Parreira ingressou, muito jovem ainda, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Dezembro 1961. Depois veio a tropa e a Guiné. Partiu com a CArt 730 do BArt 733 em Outubro de 1964. Em 9 Janeiro de 1965 foi ferido, numa operação à base de Bafantandem, na zona de Cancongo. Depois entrou para os Comandos, para o Grupo dos “Fantasmas” do então Tenente Saraiva. Foi outra vez ferido em Abril 1965 na operação “Açor”, nas tabancas de Portugal, na zona do Incassol. E como não há duas sem três, voltou a ser novamente atingido por estilhaços do rebentamento de uma granada de um RPG em 6 Maio 1965 na operação “Ciao” em Catungo, Cacine, mesmo ao lado do Morais, que morreu logo ali, com o Parreira a olhar para ele, sem nada poder fazer. 

Em Setembro de 1966 regressou a Lisboa e ao MNE. Com saudades de África, daqueles calores, deve ter sido por isso, foi para o Consulado Geral de Portugal em Salisbúria, para a Rodésia, em Dezembro, onde geriu o Consulado, de 1 Janeiro 1978 a Fevereiro 1980. Ainda passou pelo Malawi entre Abril e Maio de 79 e regressou de novo a Salisbúria. Ia todos os meses a Blantyre, Malawi, fazer a gestão dos consulados. Por lá andou até Março de 80. 

Depois colocaram-no na Embaixada em Lusaka, Zâmbia, onde ajudou a preparar a visita presidencial e a dar apoio consular à nossa comunidade. 

Voltou a Lisboa e ao MNE em Dezembro 1981. Em Setembro de 1982 partiu para Londres, depois Harare, Zimbabwe em Janeiro de 1989. Em Agosto de 1994, regressou outra vez à base, Lisboa, MNE. 

‘Medalhas? Sim, ganhei três na Guiné, tenho-as aqui, no corpo.’ 

O Presidente da República gostou do trabalho do João Parreira, condecorou-o com a Ordem do Infante D. Henrique. 

A vida profissional começou-a, por uma coincidência, com o Tenente-Coronel Cavaleiro, o Comandante do Batalhão de Cavalaria 490, estacionado em Farim. Foi através das suas referências que começou logo a trabalhar e soube mais tarde que o Coronel, de vez em quando, perguntava ao cunhado, administrador da empresa, então como é que anda o tipo? 

Os primeiros tempos não foram nada fáceis, problemas de saúde arrastaram-se durante anos. Só dez anos depois do regresso é que se veio a descobrir que tinha trazido da Guiné um parasita intestinal que lhe provocava, para além de outros problemas, úlceras nas córneas. 

Naqueles anos, finais de 60 até meados de 70, quando se lembrava daqueles tempos ficava com insónias e, quando dormia, voltava a sonhar com aquelas Guinés. Demorou anos a encontrar-se, a ajuda da mulher, sempre presente, e os nascimentos dos filhos ajudaram-no a estabilizar. 

Década e meia mais tarde, em Lisboa, já na direcção comercial de uma multinacional suiça, voltou a ter notícias do seu antigo comandante de batalhão. A secretária do administrador tinha o apelido Cavaleiro. A senhora é alguma coisa ao Coronel Cavaleiro? Sou sobrinha, conhece o meu tio? ´

Ao longo de mais de 40 anos a Guiné foi-se enterrando cada vez mais na memória até se esquecer que por lá alguma vez tivesse passado. Em conversas a que por vezes assistia sobre o que se passava ou se tinha passado naquela guerra, a Guiné era um assunto que se tornou alheio. Os cheiros da terra, os linguarejares das pessoas, o sibilar das balas e dos rebentamentos, o Cacheu, o Geba e o Corubal, os pássaros, os macacos cães, o HM 241, a base aérea, os cantares ritmados, os batuques, as cores das roupas, eram imagens que há muito o tinham deixado. Nem tinha a consciência que tudo isso estava à mão, logo ali, tão perto que bastava destapar a caixa e que uma imagem traria outra e outra e a Guiné viria outra vez à tona. 

Foi o que aconteceu quando começou a escrever esta história. À medida que ia lendo os apontamentos amarelecidos dos fins dos anos 60, as imagens e os sons iam surgindo, voltou a sentir os cheiros do capim, o calor das lalas de Faquina Mandinga, os tarrafos de Buba, as humidades frescas das madrugadas das matas do Oio. Sem nunca se ter apercebido, aquela terra tinha vivido sempre com ele. “Nunca mais foste o mesmo, raras são as fotos em que apareces com um sorriso”, disse-lhe alguém meia dúzia de anos depois do regresso. A inquietação absurda, sem razão aparente para a sentir, acompanhou-o a vida toda, as horas do sono nunca mais foram as que eram antes, nem com a ajuda dos lorenins. 

************

A luta armada teve início, oficialmente, em 23 de Janeiro de 1963 com o flagelamento ao aquartelamento de Tite. Tanto quanto sabemos foi Arafan Mané quem tomou a iniciativa do ataque, sem o conhecimento prévio de Amílcar Cabral, que terá sabido do facto através de uma estação de rádio. 

Tite, o Como, a zona do Oio, a mata do Cantanhez, Madina e Guileje, foram pasto de um fogo que se expandiu durante esses anos por quase todo o território. Os ventos ajudavam, eram fortes e de feição. Emboscadas, ataques aos aquartelamentos e povoações, minas e armadilhas foram deixando marcas na população e nos combatentes dos dois lados. 

Bissau era o descanso dos guerreiros. Nos intervalos da guerra, combatentes do Exército, da Marinha e da Força Aérea paravam em Bissau, a maioria para virem a Lisboa de férias. Outros estacionavam nas enfermarias do HM 241, tentando prolongar as vidas. 

Alguns guerrilheiros aproveitavam as idas a Bissau para visitar as famílias e conhecidos e espiar os movimentos das tropas portuguesas, informações que depressa transmitiam por um tam-tam qualquer aos Comissários do Partido. 

A luta foi decorrendo assim, de início de fraca intensidade e endurecendo à medida dos anos. No princípio eram Seskas, Simonovs e Mausers, meses depois, poucos, a PPSH e a Kalash cuspiam metralha. E a guerrilha foi avisando que, em breve, novas armas mais mortíferas estavam a chegar. 

Do lado das Forças Portuguesas a G-3, a bazooka e os morteiros de 60, os Dorniers 27, os T-6 preparados para bombardeamentos (em breve período os F-86 da Nato, estacionados na Ilha do Sal), os Alouettes-2, no início, e depois os ALL-3, os jactos Fiats G-91 a partir dos finais da década de 60, as LDMs, LDGs e os Navios Patrulhas aguentaram-se até ao fim. 

Em poucos anos, a guerrilha estreou os morteiros pesados, os RPGs, o canhão sem recuo, os foguetões e os mísseis Strella, estes em 1973. 

Estava-se perto do fim. A manobra do PAIGC, de sair de Bissau e das povoações maiores para se infiltrar e disseminar pelas tabancas, tinha-se revelado de enorme importância.  Os Fiats G-91 entraram, as operações com recurso aos Alouettes-3 tornaram-se correntes, mas o ânimo das nossas tropas já não era o mesmo. 

Na metrópole, quem queria e podia punha-se na alheta. Em qualquer canto, em França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Holanda, Suécia ouvia-se falar a língua de Camões. 

Uma Guerra que nunca devia ter sido feita. Uma Guerra que não devia ter terminado. Uma Guerra perdida nas bolanhas e nas matas. Uma Guerra perdida em Lisboa. 

A Guerra começou oficialmente em Janeiro de 1963 e terminou em 9 de Setembro de 1974. Os últimos soldados portugueses regressaram a Lisboa em 15 de Outubro. 

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Anexos : Breve apontamento sobre a História dos Comandos do CTIG2

I. Cronologia 

˗ Partida, em 29 de Outubro de 1963, para Angola dos Oficiais, Sargento e Praças, do CTIG, a fim de frequentarem um curso de Comandos, no CI 16 na Quibala - Norte: 

Maj. Inf.ª Correia Diniz 
Alf. Mil. Maurício Saraiva 
Alf. Mil. Justino Godinho 
2.º Sarg. Inf.ª Gil Roseira Dias 
Fur. Inf.ª Mário Roseira Dias 
Fur. Mil. Cav. Artur Pereira Pires 
Fur. Mil. Cav. António Vassalo Miranda 
1.º Cabo At. Inf.ª Abdulai Queta Jamanca 
Sold. At. Inf.ª Adulai Jaló 

˗ Regressaram a Bissau em 6 de Dezembro de 1963, e, formaram um Grupo que participou na Operação "Tridente" (Ilha do Como), de 15 de Janeiro a 22 de Março de 1964. 

˗ Em 3 de Agosto de 1964, início das actividades do CIC/Brá, com a Escola de Quadros para dar instrução ao 1.° Curso de Comandos da Guiné, que decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964. Deste curso saíram os três primeiros Grupos de Comandos, que desenvolveram a sua actividade na Guiné até Julho de 1965: 

"Camaleões": Alf. Mil. Cmd Justino Godinho (Cmdt) 
"Fantasmas": Alf. Mil. Cmd Maurício Saraiva (Cmdt) 
"Panteras": Alf. Mil. Cmd Pombo dos Santos (Cmdt) 

˗ O CIC/Brá, sob o comando do Maj. Inf.ª Cmd Correia Diniz, recebeu do CIC de Angola, para a formação de quadros, os seguintes militares: 

Ten. Mil. Cmd Abreu Cardoso 
Alf. Mil. Cmd Luís Câmara Pina 
2.º Sarg. Infª. Cmd Ferreira Gaspar 
Fur. Mil. Cmd Pompílio Gato 
1.º Cabo Cmd Pires Júnior (Pegacho) 
1.º Gr. Cmds "GATOS" / BART 400, comandado pelo Alf. Mil. Cmd Martins Valente. 

Estes elementos participaram nas primeiras acções conjuntas com os Grupos acima referidos. 

˗ O CIC/Brá foi extinto em 01 Julho de 1965 

˗ Para dar continuidade à formação de Grupos de Comandos, foi criada a Companhia de Comandos do CTIG (CCmds/CTIG), tendo sido nomeado seu comandante o Cap. Artª. Nuno Rubim, substituído em 20 de Fevereiro de 1966 pelo Cap. Art. Garcia Leandro. 

˗ O 2.º Curso de Comandos teve início em 07 de Julho de 1965, terminando em 04 de Setembro do mesmo ano, com a formação de 4 Grupos de Comandos, que tomaram os nomes: 

"Apaches": Alf. Mil. Cmd Neves da Silva (Cmdt) 
"Centuriões": Alf. Mil. Cmd Almeida Rainha (Cmdt) 
"Diabólicos": Alf. Mil. Cmd Silva Briote (Cmdt) 
"Vampiros": Alf. Mil. Cmd Pereira Vilaça (Cmdt) 

˗ O 3.º Curso de Comandos, realizado pela CCmds/CTIG, aquartelada em Brá, decorreu de 9 de Março de 1966 a 28 de Abril de 1966, e foi constituído por militares voluntários pertencentes a Unidades sediadas na Guiné e que se destinaram a recompletamento dos Grupos de Comandos, tendo sido, cerca de um mês depois, englobados no Gr Cmds "Diabólicos". 

˗ Com a chegada à Guiné da 3.ª Companhia de Comandos, vinda do CIOE - Lamego, a CCmds/CTIG foi extinta em 30 de Junho de 1966, mantendo-se em actividade o Grupo de Comandos "Diabólicos", até finais de Setembro de 1966, data em que a maioria dos militares que o integravam terminaram a sua comissão de serviço. 


II. Resultados da Companhia de Comandos da Guiné (23/08/64 a 31/08/66) 

˗ Efectivos envolvidos: 211 
˗ Mortos em combate: 12 
˗ Feridos em combate: 19 
˗ Acções realizadas: 1133 
- Gr. “Fantasmas”: 21 operações 
- Gr. “Camaleões”: 9
- Gr. “Panteras”: 11 
- Gr. “Apaches”: 14 
- Gr. "Centuriões":12 
- Gr. “Diabólicos”: 24 
- Gr. “Vampiros”: 14 
˗ Armas apreendidas: 71 
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Notas:

1 - Nome fictício
2 - In Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961/1974); 14.º Volume - "Comandos"
3 - Total de operações, incluindo acções executadas apenas por oficiais e sargentos

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(FIM)
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Nota do editor

Todos os postes da série de:

28 de Junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14803: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (I Parte): Introdução, Dedicatória e A Caminho

30 de Junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14814: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IIa Parte) Em Cuntima, na fronteira Norte com o Senegal (1)

30 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14817: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IIb Parte) Em Cuntima, na fronteira Norte com o Senegal (2)

2 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14827: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (III Parte): Morreu-me um gajo ontem

7 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14845: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IV Parte): Comandos do CTIG

9 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14857: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (V Parte): Brá, SPM 0418

14 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14876: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VI Parte): A nossa causa é uma causa justa

23 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14922: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VII Parte): Clara; Apanhado à mão e Entre eles

30 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14951: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VIII Parte): "Hotel Portugal"; "Um guia" e "Artigo 4.º do RDM"

6 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14975: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IX Parte): Mais dois lugares è mesa; Bomba em Farim e Rumo a Barro

13 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14998: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (X Parte): Barro, Bigene; Bigene, Barro

20 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15024: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XI Parte): Mornas e Segundo Encontro com o RDM num mês

27 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15044: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XII Parte): Guia em fuga; Um descapotável em Bissau e Entram os Alouettes

10 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15098: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIII Parte): Conversa em Brá e Nunca digas adeus a Cuntima

24 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15149: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIV Parte): Fuzileiros, Páras e Felupes; O que se terá passado em Catió; Casamento com data marcada e Ponto da situação em Brá

1 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15186: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XV Parte): ME-14-04; Partir mantenhas; Buba, outra vez e Vamos ser independentes

8 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15221: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVI Parte): Cabral no Oio; Uma carta e Galinha à cafriela

15 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15254: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVII Parte): Fima, enfermeira do Partido; Cassaprica e Correspondência

22 de outubro de 2015> Guiné 63/74 - P15280: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVIII Parte): Extinção da Companhia de Comandos do CTIG; Mansoa e Valium

29 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15303: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIX Parte): Chegou a 3.ª Companhia de Comandos e Pesadelo

5 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15330: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XX Parte): Hospital Militar 241; Mamadú; Fuga? e Só água fria por baixo

12 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15357: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXI Parte): Grande Hotel; Água IN; E agora para onde? e CCS, QG

19 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15385: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXII Parte): Outros horários; Contas com os fornecedores; Um mês e meio para o fim; Um Folgado no QG e VAT 69

27 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15417: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXIII Parte): Lifna Cumba, o "Joaquim"; Um longo Dezembro e Os Últimos Dias

3 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15439: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXIV Parte): "Regresso, dois anos depois" e "Tantos anos depois: por quê recordar?"

10 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15473: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXV Parte): Uns continuaram nessas guerras, outros noutras - 1
e
17 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15498: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXVI Parte): Uns continuaram nessas guerras, outros noutras - 2

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15538: Feliz Natal / Filis Natal / Merry Christmas / Feliz Navidad / Bon Nadal / Joyeuz Noël / Buon Natale / Frohe Weihnachten / God Jul / Καλά Χριστούγεννα / חַג מוֹלָד שָׂמֵח / عيد ميلاد مجيد / 聖誕快樂 / С Рождеством (14): Giselda e Miguel Pessoa; João Parreira; Ernestino Caniço; Santos Oliveira e Hugo Moura Ferreira

1. Mensagem natalícia dos nossos camaradas: Giselda Pessoa (ex-Sargento Enfermeira Paraquedista da BA 12) e Miguel Pessoa (Coronel Pilav Ref, ex-Tenente Pilav da BA 12:

Desejando um Feliz Natal e boas entradas em 2016! 

Com amizade
Giselda e Miguel Pessoa


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2. Mensagem natalícia do João Parreira (ex-Fur Mil Op Esp da CART 730/BART 733, Bissorã, 1964/65; ex-Fur Mil Comando, CTIG, Brá, 1965/66)

Caros Camaradas
Editor, Luís Graça e co-editores, Carlos Vinhal e Magalhães Ribeiro, bem assim como todos os outros Camaradas Tabanqueiros,
Que tenham um óptimo Natal, e que os dias do Ano Novo sejam uma sequência de proveitosas realizações e repletos de paz e felicidade, são os meus sinceros votos.

João Parreira


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3. Mensagem do nosso camarada Ernestino Caniço (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208, MansabáMansoa e Bissau, 1970/71):

Amigo Carlos 
Para todo o pessoal da Tabanca aqui ficam os meus votos de Feliz Natal e um óptimo Ano 2016.

Um abraço 
Ernestino Caniço



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4. Postal de Boas Festas do nosso camarada Santos Oliveira (ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66):




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5. Postal de Natal do nosso camarada Hugo Moura Ferreira (ex-Alf Mil da CCAÇ 1621, Cufar e Cachil, e CCAÇ 6, Bedanda, 1966/68)


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Nota do editor

Poste anterior da série de 24 de Dezembro de 2014 Guiné 63/74 - P15537: Feliz Natal / Filis Natal / Merry Christmas / Feliz Navidad / Bon Nadal / Joyeuz Noël / Buon Natale / Frohe Weihnachten / God Jul / Καλά Χριστούγεννα / חַג מוֹלָד שָׂמֵח / عيد ميلاد مجيد / 聖誕快樂 / С Рождеством (13): Ao Menino Jesus (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15082: Tabanca Grande (473): José Vargues, ex-1.º Cabo Escriturário da CCS/BART 733 (Bissau e Farim, 1964/66), tertuliano 702

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano, José Vargues (ex-1.º Cabo Escriturário da CCS do BART 733, Bissau e Farim, 1964/66), com data de 3 de Agosto de 2015:

Estive em na Guiné de 1964/1966 como 1.º Cabo Escriturário do Comando da CCS.
Estive na Granja, depois em Brá e passado algum tempo fui para Farim num Dakota, com mais alguns camaradas.
Na secretaria estava a chefiar o Alferes Martins, o 1.º Sargento Guimarães e os 1.ºs Cabos Sancho, apelidado de "Almada" e o Alfredo, apelidado de "Andorinha".

Durante o tempo que estive em Farim, estive com mais 3 camaradas num quarto perto do aquartelamento.

Quero aqui relatar um caso que aconteceu comigo.
Uma noite que estava de Cabo da Guarda na guarita junto ao arame farpado, bastante longe do aquartelamento.
Levei comigo dois soldados nativos e escolhi fazer o 1.º turno.
Adormeci e acordei sobressaltado com os disparos feitos pelo Alferes Lopes da Tesouraria, para o mato através da vigia.
Ele levou as três armas e no outro dia estavam na Tesouraria. Ele nada referiu.

Aqui ficam os meus agradecimentos, mais uma vez.

Um abraço
José Vargues


 Parada em Farim. José Vargues assinalado pela seta


2. Comentário do editor:

Caro camarada Vargues, bem-aparecido na tertúlia onde hoje és recebido formalmente.
Como o mês de Agosto coincide com alguma acalmia no Blogue, deixei para agora a tua apresentação.
Não estranhes o tratamento informal por tu, uso entre nós, independentemente das nossas idades e de outras "diferenças".

Quanto à história que nos contas, o teu oficial andou muito mal porque não se deve em circunstância alguma tirar a arma a ninguém, muito menos a quem está de serviço. Há muitas maneiras de chamar a atenção e "castigar" o prevaricador se e quando necessário.

Embora, julgo eu, tenhas feito uma guerra mais calma, se tiveres algumas histórias, que não precisam ser de guerra, para nos contar, manda para as darmos a conhecer à tertúlia. Se mandares fotos, peço-te que o faças com mais resolução, já que a que nos mandaste, e eu publiquei, vinha só com 32KB. O tamanho ideal para uma boa edição é acima dos 100KB.

Em relação ao teu Batalhão, temos 17 entradas, clica aqui para acederes aos postes.
Há na tertúlia 4 camaradas que pertenceram ao BART 733:
Artur Conceição e João Parreira da CART 730;
António Bastos do Pel Caç Ind 953 e
Luís Camolas, que como tu fez parte da CCS.
Clica nos nomes para acederes às suas postagens.

Julgo que está dito o essencial pelo que te endereço um abraço de boas vindas em nome da tertúlia e dos editores.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de Setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15080: Tabanca Grande (472): José Matos, investigador independente em história militar, filho do nosso falecido camarada José Matos, fur mil da CCAV 677 (Fulacunda, São João e TIte, 1964/66)... Novo grã-tabanqueiro nº 701

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14857: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (V Parte): Brá, SPM 0418

1. Parte V de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 5 de Julho de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489 (Cuntima), e Comando do 2.º curso de Comandos do CTIG (Brá), CMDT do Grupo Diabólicos (1965/67).


GUINÉ, IR E VOLTAR - V

Brá, SPM 04181

Inferno na mata em frente a Brá. O sol queimava ainda não eram 9 da manhã.
Quicos à legionário pelo pescoço abaixo, trinta e tal tipos desapareciam pelo chão.
A cento e tal metros, Saraiva, Miranda, Moita, Mário Dias e outros, estrategicamente colocados, vigiavam-lhes os movimentos.

Um rabo mais levantado, pau pau nos troncos das palmeiras. Aqueles filhos da puta quase que me acertavam, viste? Cuidado com os gajos, pá! E vim eu de Guileje, grita o Vilaça! Pau pau, para o gajo que piou. Sai, sai daí, Vilaça, os tipos agora não te largam! Saio como, pá? Que merda!

Mata em frente a Brá

Quico a espreitar por um lado da palmeira, pau pau, outra vez no tronco.
Vão ali dois gagos aos esses, não os largue, assape-lhes, o Saraiva para um dos outros. Projécteis a bater no chão, lascas da terra a saltar, buum buum, granadas ofensivas a cair-lhes aos lados.
Olhos a cuspirem ódio no meio da poeirada. Estes cabrões não me largam! Um dos desesperados, localiza a palmeira onde se abrigava o capitão. Levanta suavemente o cano da G3 e tira a folga ao gatilho lentamente até a bala ir por ali fora e desaparecer no tronco, a pouco mais de dois metros do chão, talvez.

Um silêncio a durar minutos, ninguém se mexia. Estão à espera de quê, meninas? Nada, nem um pio.

Tinha acabado de jantar no hotel Portugal com o Toni, com quem matara saudades do Porto. O Toni Ramalho tocava no conjunto do Toni Hernandez que fizera e ainda fazia furor entre a malta nova, a animar as festas em Santo Tirso, Riba d’Ave, Vizela, Guimarães, um pouco por todo o Norte. Viera de férias, e claro, falava da metrópole. Ora então, Toni, abre lá!



Hotel Portugal, Bissau

Com os olhos brilhantes, ouvira-o cantarolar o "Calhambeque" e "E que tudo o mais vá pró inferno", do Roberto Carlos, Love me Tender do Elvis the Pelvis, a Sylvie Vartan, pá, o Johnny Holliday, Les garçons et les filles da Françoise Hardy, já ouviste? Les Quattre-cents coups, grande filme do Truffaut! Qual filme de guerra, pá, é a história de um miúdo, de 14 ou 15 anos para aí, que passa a vida no desenrascanço, os pais não querem saber dele, passa a vida a golpar para ir ao cinema. Duas horas para aí, sempre a ouvir!

O curso de comandos chegara ao fim. Segunda-feira começava a preparação dos novos grupos. Os nomes já estavam escolhidos, os Centuriões herdavam os sobreviventes dos Fantasmas do Saraiva, os Apaches os dos Camaleões do Godinho, os Vampiros o 4.º grupo que não existia anteriormente e os Diabólicos ficavam com o pessoal dos Panteras do tenente Pombo.

Quatro semanas cheias, com muita emoção, actividade física até mais sim, andar na mata de noite e de dia como deve ser, aprender a assobiar de noite, como pôr a arma a olhar, tentar distinguir os sons à noite e de dia, ligar disparos a armas, sentir ricochetes, chicotadas altas e baixas, projécteis a bater nas árvores, exercícios, repete, outra vez, táctica no terreno, sempre com fogo real. Trabalho nocturno todas as noites, granadas a toda a hora e em todo o lado, até debaixo da almofada da cama, montagem e desmontagem de minas e armadilhas, travessia de bolanhas, tiro de todas as posições, instintivo para alvos móveis, tiro-a-tiro, rajadas curtas de 3 a 5, disposição para emboscadas e golpes de mão, uso e manutenção dos rádios AN PRC/10, AVF, Hitachi, National, prática de primeiros socorros, injecções nas veias, intramusculares, intradérmicas até.

Nos intervalos da instrução no mato faziam por praticar uma alimentação rica em proteínas. Pão, se tivessem, e se não tivessem mais nada que se desenrascassem, que arranjassem na natureza. Apanhavam moscas e gafanhotos, tiravam-lhes as asas, pão fechado depressa, para aproveitar tudo.

As tribos da Guiné, Fulas, Balantas, Mandingas, Papeis, Manjacos, Felupes, Bijagós e o que se sabia da posição deles face ao conflito, utilização de guias, tudo embrulhado com muita mentalização, tanta que quando estavam a dormir eram acordados pela Voz, precedida de música alta, ritmada, intensa. Depois da Voz, música suave ajudava-os a adormecer.
Ao fim de semana descansavam. Iam para o mato executar golpes de mão a acampamentos do PAIGC que o Saraiva tratava de lhes arranjar nas 2.ª e 3.ª Repartições

De uma das vezes voaram num Dakota para leste, Canquelifá, foram procurar uma base da guerrilha no Piai, na fronteira com a Guiné-Conacri e em duas outras vezes foram para o triângulo do Oio, um na área de Bissorã, o outro entre Mansoa e Mansabá. O pessoal, à volta de 20 oficiais e sargentos enquadrados por comandos naturais da Guiné, Mamadú Jaló, Marcelino, Kássimo, o Tomás Camará e poucos mais, portara-se bem.

Sentia-se bem preparado, tinha a consciência que estava mais forte, já que tinha que ser, podia fazer uma guerra como devia ser.

Porta de armas do quartel de Brá. 
© Foto do autor.

O quartel de Brá era enorme. Era melhor que estivessem sós, mas repartiam sem grandes problemas as instalações com os Adidos e com o Batalhão de Artilharia 733. As instalações eram boas, limpas todos os dias. Os quartos seguidos, num edifício térreo de frente para a messe, uma rua de alcatrão bem tratado no meio, um campo de volei ao lado.


terior do aquartelamento de Brá. Messes em frente, à direita. 
© Foto de Mário Dias.


No edifício à direita pernoitavam os oficiais dos comandos. Para lá da mata em frente ficava a base aérea e o aeroporto de Bissau.


As traseiras davam para terra batida, capinada uns dias antes que ainda cheirava a fresco, o arame farpado a pouco mais de 200 metros, junto à estrada alcatroada que ligava Bissau a Mansoa e que se ramificava depois em estradas de terra batida, picadas como lhe chamavam, para Bissorã uma, para Mansabá a outra, formando os dois lados do famoso triângulo do Oio, albergando pequenos mas numerosos acampamentos Inimigos em volta da base de Morés, destruída e logo de novo levantada noutro lugar próximo.


O aeroporto de Bissalanca a escassos quilómetros era um entretimento, iam lá tomar café, ver as chegadas dos voos semanais da TAP, as hospedeiras de saia travada a descerem as escadas do avião, o pessoal novo a chegar, chamavam-lhes maçaricos, periquitos meses depois, quase todos em rendição individual, as caras deles, coitados, e as jovens mulheres recém-casadas ao encontro dos maridos, corações descontrolados, mortos por as apertarem, beijos envergonhados, os olhares invejosos dos outros nas pernas delas.

No bar do aeroporto, o Paul Anka, às vezes, fazia o fundo, Only you. No quarto que repartia com o Vilaça, herdado do Saraiva e do Godinho, adormeceu embalado com a música ritmada da ventoinha do tecto.
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Nota:
1 - Serviço Postal Militar e nome de código atribuído à CªCmds.

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Incidentes em Bissau

Nada de admirar, estamos na época das chuvas. O chumbo do céu a bater no alcatrão, até fumo subia! Voltou ao quarto a correr, no gravador a Rita Pavone "Perché, perché, la domenica mi lasci sempre sola"... Vilaça na cama, olhos no tecto, cantava com ela, oh Rita, grande Rita, canta, sua desgraçada, abre-me bem essas goelas!

Sem saber o que fazer, voltou a deitar-se, os Centuriões2 outra vez na mão. As coisas não andavam famosas em Brá, nem tudo estava a correr bem. O capitão Rubim ameaçava demitir-se, pirar-se deles. Acima de tudo estava farto, cansado de ver por um canudo as promessas do Comando Militar.

Do Porto nada de notícias. A última carta que tinha recebido não lhe deixara muitas esperanças. Que não sabia se a coisa ia dar certo, que estava com dúvidas, que se calhar era melhor fazer uma pausa na escrita. A retaguarda ameaçava ruir, sentia falta de pé. Nestes meses todos, habituara-se a vê-la como se fosse a boa consciência que tinha deixado lá. Recebia cartas regulamente, todas as semanas, era um ritual pegar nelas, retirar-se para o quarto, abri-las, cheirá-las, pô-las por data, deitar-se na cama, ouvi-la.

Já há tempos que mantinham essa correspondência. Escreve para aqui, escreve para acolá, conheceu-a já nem se lembrava bem como. Gostou dela desde o início. A figura batia com o que escrevia. Foi para os Açores até que acabou por ser mobilizado.

Nos dias de férias da mobilização, antes do embarque, foi despedir-se. Daquele turbilhão de acontecimentos em tão poucos dias recordava o momento em que se separaram na Avenida dos Aliados, na paragem dos eléctricos, frente à Arcádia. Se um dia viesse a casar, era com ela que gostaria. Interessado, escrevia-lhe com regularidade, dava-se a conhecer melhor. Ela dava-lhe notícias, geralmente optimistas, do trabalho, da faculdade, da vida no Porto.
Mantinha-o ligado à vida real.

A Guiné estava a ser uma coisa estranha, um trambolhão de acontecimentos absurdos, uns atrás dos outros. Ia abatendo os dias para as férias cada vez mais próximas, mantinha-se mais ou menos equilibrado, parecia ter ganho até uma imagem de bom senso naquela barafunda.
Escrevia para alguns amigos e para um conhecimento de Angra. Esporádicos, do género como tens passado, vai correr tudo bem, o tempo passa depressa, nós por cá vamos andando.
De Angra, a correspondência era diferente, trazia-lhe recordações daquela liberdade, daqueles meses loucos, de Setembro quase até ao Natal do ano passado. Tanta liberdade, meu Deus, tanta asneira, nem sabia como saíra dali incólume, manchado saíra de certeza.

Todos, mas todos os regulamentos do Exército tinham ido para o tecto. O trabalho que teve para arranjar aquele conhecimento, quase que desistira, chegou até a pensar oferecer-se voluntário para sair dali, nem que fosse para a Guiné. O tempo que gastou atrás dela, a chuva que apanhou à noite a subir a pé para o Monte Brasil3, sem nada, nem uma esperança. Mais de 15 dias seguidos, ela sempre com cara de pau, conversa só se fosse para chamar a polícia. Amanhã é dia de última tentativa, andava a repetir há dias.

Ao fim de duas semanas, o tempo que se perdeu, ela lá se dispôs a conhecer o quartel. Ele, feito burro, acreditou que estava perante uma santa, mostrou-lhe a relíquia da capela do quartel, uma igrejinha dos tempos de um Filipe de Espanha, as muralhas, até o dístico "Antes mortos livres que em paz sujeitos", tão ingénuos como ele afinal.

Finalmente conseguiu convidá-la para uma partida de bilhar na sala de oficiais. As portas fechadas, que o comandante ainda não saíra, taco na mão, puseram-se a jogar bilhar livre.

Ela, quase do tamanho dele, mas muito melhor proporcionada, que vistosa nem se fala, a cor da pele que as açorianas têm, quando pegava no taco, o vestido a subir por ali acima. Meu Deus. As bolas difíceis, então aquele tripé ou lá como se chama, não está aí? Nem associava nada, aquela maravilha toda estendida em cima do pano verde, e ele definitivamente arrumado no jogo.
O taco na mão dela, o cabelo comprido em cima dos olhos. Perdeu o sentido do jogo, de oficial de dia também, ia até perdendo a compostura se ela não lhe diz, hoje não. Hoje não, porquê?
Ora porque não, nem hoje nem amanhã, depois de amanhã vamos a ver, ele sem perceber, mais burro que nunca, ela a sorrir. Nem um beijo, nem nada? E ela, mas quem pensas tu quem sou? Tudo a ruir, o castelo também se calhar, tanto esforço para nada. Hit the road, Jack, o Ray Charles a estrear a grafonola comprada dias antes no PX4.

E subitamente, dois dias depois, ficou a saber quem ela era, o jogo todo aberto. Uma loucura dali para a frente. Por acréscimo, nem é bom falar nisto, pusera-se a poupar dinheiro à tropa, dando prémios aos melhores recrutas. Quem fizer 20 flexões, quem correr os 100 metros antes dos 20 segundos, quem se apresentar melhor, quem fizer isto tudo, dois dias de dispensa!
Num dia, lá para as 11 da manhã, estava a despachar o pequeno almoço e o expediente, tudo ao mesmo tempo, o 1.º sargento disse-lhe, talvez não seja má ideia, meu aspirante, avisar o pessoal do rancho, quase metade da companhia de recrutas está de licença estes dias todos.
Uma vergonha, nem lembrar quanto mais para contar. Tributo à gente boa daquelas ilhas, que terra tão abençoada!

As cartas desse conhecimento traziam-lhe os cheiros da Ilha, o capacete da humidade daqueles dias em Setembro, a vontade de preguiçar, os banhos sem roupa no mar dos Biscoitos5, naquelas manhãs e tardes em que as ondas iam e vinham, mansas, embrulhadas na bruma. O gosto da areia na boca, as mordidas naqueles seios minúsculos, os bicos enormes, o beijo até sentir as coxas dela a apertar-lhe o pescoço. Cartas perturbadoras, claro, de esquecer.

"Morreu um tipo de um país qualquer6, o Salazar decretou 3 dias de luto e lá estamos nós a ouvir música de mortos com a nossa bandeira a meia haste. Custa-me engolir estas histórias quando os nossos mortos estão a ser ignorados.

Fala-se no próximo baile de finalistas, que vai ser uma festa de arromba. Alguns dos nossos vão roncar com as namoradas ou com os arranjinhos. O Parreira anda todo satisfeito, até o Quintanilha, aquele alferes dos páras mandou vir da metrópole um fato de cerimónia! Quando estive de férias em Lisboa logo a seguir à formação dos grupos, os Fantasmas accionaram uma mina e foi o que se sabe, 9 dos nossos já lá estão. Entre eles o meu grande amigo Artur. Morrem-nos 9 homens e a Emissora Nacional continua a twist e a ié-ié. É isto que me custa engolir. E ainda por cima, cabo-verdianos e alguns guineenses não vêem com bons olhos a nossa presença nas festas deles”, descarregava o Miranda, mais que irritado.

Mas que raio estava aqui a fazer? A Guiné não lhe estava a dizer nada, não a sentia como sua, sentia-se um intruso. Até com os civis brancos, poucos, talvez três dúzias, se calhar nem tanto, para além da cor da pele, de comum não sentia nada. E até lhe parecia que a sua presença era bem vinda como comprador, só isso.

Na esplanada do Bento7, a 5.ª rep. como também era conhecida, bebia cerveja com mancarra, num grupo de meia dúzia de alferes e furriéis comandos. Um terá dito, depois, que naquela noite, na Associação Comercial de Bissau, havia o baile dos finalistas da Escola Técnica. Outro lembrou-se de perguntar se alguém recebera convite. Eu não, tu não, aquele também não. Ninguém se lembrou de nós, como pode ser? Queres ir? Vamos.

Edifício da Associação Comercial e Industrial de Bissau. 
© Foto do autor.

Dentro da Associação, no enorme salão de baile, finalistas e professores da Escola Técnica de Bissau, familiares e convidados, todos animados a dançarem ao ritmo da orquestra do maestro Reis Pereira, viram alterado o programa por volta da meia-noite.

Os poucos elementos policiais, que se espalhavam pelas escadas de acesso ao andar de cima, tentaram barrar-lhes a entrada. Não conseguiram. Quando os dançantes os viram entrar em fila, fizeram alto e o baile parou. Depois, ninguém soube bem como tudo começou.

A princípio, as frentes pareciam bem delimitadas, a maioria dos participantes em festa de um lado e a meia dúzia de intrusos do outro. Com o decorrer das hostilidades, as duas partes em confronto clarificaram-se ainda mais. Quando se começaram a ouvir vivas ao camarada Presidente Amílcar o conflito alargou-se para a via pública, até que um pelotão da PM entrou em acção. Trinta e tal tipos com escoriações para o hospital, a polícia civil e a PIDE também metidas, vidros e loiças em cacos, cadeiras e mesas partidas, uma noite que nunca mais acabava.
Mesmo em frente ao Palácio do Governo, onde, soube-se depois, da janela, o Governador via aqueles gajos darem-lhe cabo da psico. Uma vergonha!
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Notas:

2 - Jean Lartéguy, escritor panfletário das acções da Legião Estrangeira na Indochina e na Argélia Francesas.
3 - Castelo de S. João Baptista, antiga fortaleza, onde estiveram presos muitos oposicionistas ao regime que vigorou em Portugal até ao 25 de Abril.
4 - Armazém da USAF na Base Aérea da Terceira.
5 - Freguesia do Concelho da Praia da Vitória
6 - John Kennedy, presidente dos E. U. América.
7 - Cervejaria com esplanada na baixa de Bissau, muito frequentada por militares.

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Nino? Sentido!

Nove horas da noite, grupos em sentido na parada. Porta fechada num gabinete. O capitão pergunta aos comandantes dos grupos os porquês de tanto atraso da formatura. Para que horas estava marcada a instrução dos grupos? Às 21? E que horas têm? 21h02? Às 21h00, 1 ou 2 minutos depois são outras horas, ou não? Um minuto, meu capitão, resmunga baixo um! Uns bardamerdas é o que vocês são, os gajos fazem o que querem de vocês!

O meu grupo estava pronto às 5 para as nove, diz-lhe outro. Saraiva pára, vira-se de frente, olha-o de baixo para cima, dispara, ouça lá seu alferesinho de merda, você acha que não sou capaz de o pôr daqui para fora ao murro e pontapé?

Não devia ter falado, meu capitão, agora já estou avisado. a raiva tira a boina, o alferes não lhe larga os olhos. O capitão passa a mão pelo cabelo, três afastam-se ligeiramente a olharem para o lado, o outro segue-lhe os movimentos.

Esta, suas meninas, esta, martela o capitão, com a mão virada para o tal, é a única, a única atitude que um comando pode ter! Falamos mais tarde, alferesinho, agora todos à minha frente, 20 flexões para cada um, grupos incluídos.


Capitão Maurício Saraiva, com os "Apaches" ao fundo. Brá, Setembro de 1965.


O capitão Maurício Saraiva, promovido a capitão por distinção, até então o único vivo com a Medalha de Valor Militar em Ouro, depois de duas cruzes de guerra, tinha metido o chico8, estava em Lisboa na Academia Militar.

Aproveitara as férias para vir a Bissau dar-lhes instrução operacional, e sair com eles para o mato durante o curso de comandos para oficiais e sargentos do CTIG.

Foi um dos fundadores dos comandos da Guiné. Tinha estado em Angola, com o Godinho, os irmãos Roseira Dias, o Miranda e outros. Depois formou o grupo dos Fantasmas e com ele percorreu a Guiné de uma ponta a outra.

Deixou fama pela forma como fazia a guerra, por vezes parecia encará-la como se fosse uma brincadeira. Fazia que retirava, dava às vezes até sinais de fuga descontrolada, como se quisesse animar o IN a mostrar-se confiante. Escondia-se com o grupo, paciente, uma ou duas horas se fosse preciso. E depois, Fantasmas ao ataque! Uma série de êxitos coroavam-no e era objecto de mal disfarçada homenagem, numa altura em que a regra era ver as NT recolhidas a posições defensivas.

Mas nem sempre as coisas correram bem. Tanta intrepidez e desafio também lhe trouxeram sérios problemas.

Novembro de 64, dia 28. Perto da fronteira com a Guiné-Conacri, na estrada de Madina do Boé para Contabane, a uma escassa centena de metros do pontão sobre o rio Gobige, os Fantasmas detectaram uma mina anti-carro.

Levantaram a mina e simularam o rebentamento. Ficaram emboscados nas proximidades cerca de 2 horas. Viram um grupo IN aproximar-se e afastar-se logo que deram pela presença de mulheres na estrada. Uma hora depois viram um elemento IN a fugir. Afinal, estavam em igualdade de circunstância, todos sabiam da presença uns dos outros. No dia seguinte voltou com o grupo ao local. Meteu-se com alguns soldados no Unimog mais pequeno à frente, e encaixou o resto do grupo no Unimog maior atrás. A primeira viatura passou, a outra, uma dezena de metros atrás, não. Pisou uma mina. A viatura incendiou-se, as munições explodiram como foguetes num arraial minhoto e do depósito de combustível saía fogo. Quase todos os homens foram projectados a arder. Sete mortos logo ali e três feridos graves. Regressaram doze a Bissau. Com o grupo dizimado, poucos dias depois arrancou com os restantes para uma operação.

Já quase no final da comissão, em Cameconde, lá para o sul. No diário do furriel João Parreira, um deles, podia ler-se:
 
“6 Maio 65. Saímos às 15h00 para a operação “Ciao”, num Dakota até Cacine e depois em viaturas até Cameconde, onde já se encontrava um pelotão à nossa espera. O Capitão Rubim foi connosco. Saímos às 19h00 em direcção ao objectivo. Segundo as informações que nos foram fornecidas, a base IN era composta por cerca de 80 homens bem armados, comandados por Pansau Na Isna, chefe militar, adjunto do João Bernardo Vieira, de etnia Papel, mais conhecido pelo Comandante Nino.

Já na madrugada do dia 7, a poucos quilómetros do objectivo demos indicações ao pelotão para permanecer ali e esperar pelo nosso regresso, com a missão de proteger a nossa retirada ou dar-nos apoio, caso fosse necessário. Assim, seguimos silenciosamente até perto do acampamento, situado na mata a sudoeste de Catunco. Apesar de termos feito uma aproximação cuidadosa, fomos detectados por uma sentinela. Tentámos assaltar o acampamento. Mas eles estavam bem preparados, reagiram ao nosso fogo e o tiroteio prolongou-se. Quando o fogo deles abrandou, entrámos por ali dentro e vimos material abandonado durante a fuga. Oito armas, cunhetes de munições, granadas, petardos, equipamentos, minas, fardas, e muitos documentos, entre os quais um caderno que pertencia a um tal Armindo Pedro Rodrigues, com elementos importantes da Ordem de Batalha do PAIGC.

Carregados com o nosso material e com o que tínhamos capturado, regressámos para junto do pelotão de recolha. Juntámo-lo e começamos a vê-lo em pormenor. Faltava o aparelho de pontaria de um morteiro, até então ainda não apreendido na Guiné.

O Morais afiançava tê-lo visto lá. O tenente Saraiva chamou o Amadú e o Morais e disse-lhes para voltarem ao acampamento. Embora estivéssemos conscientes do perigo, arriscámos, partindo do princípio que o IN se tinha retirado após as baixas sofridas. O Morais perguntou quem é que queria ir com ele e com o Amadú. Ofereci-me bem assim como o capitão Rubim, o furriel Matos e mais 7 camarada, 10 no total.

De novo no interior do acampamento a arder. Vi uma árvore gigante, com umas cavidades enormes. Espreitei para dentro de uma, o Morais para a outra, à procura de material, e o restante pessoal, por ali perto, fazia o mesmo. Subitamente, rajadas de metralhadora e granadas de bazuca caíram-nos em cima. Uma destas rebentou entre nós. Um pequeno estilhaço partiu a coluna do Morais, que caiu sobre uma fogueira. Eu fui atingido no lado direito das costas, mas na altura nem localizei o ferimento.

Vi o Morais a morrer quando o olhei de relance. Um vago murmúrio, depois mais nada, um ar sereno no rosto, pareceu-me. Deitei-me e reagi ao fogo, mas passado pouco tempo fiquei sem força no braço, a G-3 ficou muito pesada, e depois já nem o gatilho conseguia apertar. Passei a espingarda para o braço esquerdo e fiz fogo, mas julgo que não fui nada eficaz. Os outros 8 camaradas, embora ligeiramente, foram todos atingidos. Depois os restantes elementos do Grupo foram lá buscar-nos. Junto do pelotão de apoio, injectaram-me morfina. Tinha perdido muito sangue. Prestaram-me os primeiros socorros em Cacine.

Fomos evacuados para Bissau. Eu de barriga para baixo, bem atado, com mais uma injecção de morfina, e o Morais, morto, cada um em macas de lona, encaixados no exterior do heli9. Durante o trajecto, e em duas localidades diferentes, na minha sonolência ouvi rajadas de metralhadora que me pareceram passar rente ao helicóptero. Pareceu-me uma eternidade a viagem até ao hospital de Bissau, onde, depois de me terem operado, fiquei internado.

8 Maio. O Marcelino foi o primeiro a vir ver-me ao Hospital. O crucifixo que eu trazia ao peito era uma crosta, uma grande cruz de sangue seco. Pedi-lhe que o lavasse.

9 Maio. Muitos camaradas me visitaram hoje, o major Dinis, o tenente Saraiva, o alferes Pombo, os furriéis Matos, Moita e o Miranda, claro. Da parte da tarde vieram a D. Beatriz Sá Carneiro, mulher do Comandante Militar e a D. Mariana do MNF10.

O Morais era órfão de pai. No caso dele correu tudo no mesmo sentido. Mal. Não era necessário a presença dele nesta operação, já tinha acabado a comissão. Em Brá tentaram persuadi-lo, mais que uma vez, a não ir. Tantas vezes, que diferença vai fazer sair mais uma, insistia. Não embarcou com o Batalhão a que pertencia, por ter combinado que esperava que o tenente Saraiva e os furriéis Matos, Moita e Ilídio acabassem a comissão. A estes faltavam-lhes apenas 15 dias. Imaginava o regresso à Metrópole, todos juntos num navio, como se regressassem de um cruzeiro de férias.

O Miranda recebeu o corpo no Hospital. Foi ele com o Mário Dias, o Fabião e o Ilídio que o lavaram, vestiram e deitaram no caixão. Fizeram uma colecta para a compra do caixão de chumbo. E coincidência, morreu no mesmo dia em que o seu Batalhão de origem desfilava em Lisboa, com a missão cumprida.”

Claro que, fosse para onde fosse, o Saraiva trazia com ele esses e outros acontecimentos, como se uma auréola o enfeitasse.

Quando reentrou em Brá, para passar o tal mês de “férias”, apresentaram-lhe os novos que estavam a frequentar o curso e pessoal já bem conhecido dele, o capitão Rubim, o sargento Mário Dias, os furriéis Miranda, Moita, Matos, Fabião, o João Parreira, o cabo Marcelino, os soldados Kássimo, Tomás Camará, o Adulai Jaló e outros.

Dos novos conhecia um ou outro, e aos que não conhecia tinha algum tempo à frente para os ver trabalhar no mato e depois veria a quem entregaria o crachá. Passava a vida a pô-los em sentido. Uma volta na conversa e lá vinha o Nino à baila. O Nino, estão a olhar para mim?

O Nino11, que porra, estes gajos são todos surdos? O Nino, ele a insistir e os alferes com falta de entendimento. Sentido, porra! Aqui nos comandos quando se fala no Nino, toda a macacada, vocês também, saltam como uma mola, estejam onde estiverem, não interessa, põem-se a pé! Em sentido!

E foi assim que se fez escola, dali para a frente, sempre que alguém pronunciava o nome do Nino, os outros punham-se em sentido.

Uma vez, em Biambe, na zona do Oio, uma tempestade como não havia na memória deles, tinha partido o grupo em dois, aí pela uma da madrugada, noite negra como só em África quando o céu está todo tapado. Um, sozinho, lá encontrou o trilho depois de andar a tactear o chão. Daqui não saio, vou-me mas é sentar!

A chuva não parava, pareciam pedras a cair, faziam tanto barulho no camuflado que receou que o denunciassem. Ainda bem que só tinha as cuecas debaixo, menos peso para carregar. Nada de sinais, nem de trás nem da frente. Esta é boa, onde é que os gajos se meteram, que merda, assobiou baixo, a imitar o pássaro que afinaram no curso. Nada de respostas, minutos a passar, chuva em barda. Estou frito, estou mesmo perdido, o coração como um cavalo a galope, até sentia calor, olhava para todo o lado e só via escuridão, pirilampos nem vê-los, nada, só ouvia o barulho da água a bater. E agora, o que faço? Eles hão-de dar pela minha falta, não me vão deixar aqui. E se não derem?

Calma, esperas pelo nascer do dia, viras as costas ao Sol, cortas mato, nada de trilhos, sempre em frente, até à estrada Mansoa-Bissorã, escondes-te, há-de aparecer uma coluna um dia destes, quase todos os dias passam. Depois é só saltar para a estrada e pronto. E se a guerrilha te vê, o que é que fazes? Pois. Minutos a durarem horas, o coração outra vez.

Um pequeno som, pareceu-lhe, serão eles, ou estarei a sonhar? Um assobiar baixinho. É isso, são eles, nunca mais vinham, assobia também, assobio cada vez mais próximo, uma mão, o Kássimo, o Saraiva atrás. Então e os outros? O capitão, danado, a bufar, e os outros? Kássimo à frente a assobiar, dentro do trilho, foram andando para trás, mãos no cinturão do da frente. Encontraram o capitão Rubim e o alferes Vilaça, os dois sentados, costas com costas. A dormir na forma, ah?

No outro sábado o Saraiva encontrou os quatro alferes sentados, tinham acabado de almoçar na messe de Brá. E o programa para hoje, qual é, perguntou. Vou até Bissau espairecer, diz um, outro vou mas é dormir com a cama, a correspondência a preocupar o terceiro, o quarto, sei lá? Ele arranjava um melhor, têm 5 minutos para se equiparem para sair.

Levou-os para o aeroporto, os motores já quentes do Dakota pronto para descolar. Foram para leste, Nova Lamego até Canquelifá, perto da fronteira com a Guiné-Conakri. Chegaram com o Sol quase a ir-se. Esperaram fechados dentro do avião, os motores parados.

Abriram-lhes as portas, entraram directos para uma GMC com as lonas corridas. Meteram-lhes lá dentro queijo partido aos bocados e pão. O Saraiva, gargalhada baixa, a pedir os cantis, para encher de água fresca, disse. O meu não precisa, está cheio até cima, nem se ouve, mesmo que o abane, diz um. Passe, o capitão a insistir. Que a marcha ia ser longa, cerca de 20 km, e a água vai ser decisiva.

Ouçam bem, só bebem quando eu der sinal, todos a beber ao mesmo tempo.

© Foto do Júlio Abreu. Com a devida vénia.

Carvão negro na cara e nos braços, pareciam manjacos e mandingas. Pôs-se o sol, meteram-se no mato, dois a dois, trilhos fora, quilómetros e quilómetros, a noite toda.

Comandos ao ataque, o Saraiva desalmado a gritar, como gostava de começar o dia. Fizeram-se a eles, por ali dentro, as casas de mato com 2 ou 3 gajos que nunca lhes tinham sido apresentados a pisgarem-se. Depois, um dos intrusos passou à história. Da gargalhada. Quando sentiu os projécteis de uma metralhadora pesada inimiga a bater lá em cima nas árvores, até disse para os outros, olha a NT a apoiar! Os outros a rirem-se, uma força danada dentro deles. No caminho do regresso lembraram-se da genica que sentiram, estamos numa forma do caraças, não estamos?
Nunca souberam de onde tinha vindo tanta gana, se calhar tinha sido quando o capitão,

 finalmente, autorizou meterem água, devia ter vitaminas. A certa altura do caminho de retirada, começaram a ficar sem forças. Estranharam, nunca lhes tinha acontecido, não acertavam com o trilho, não era só um, eram todos. Menos o capitão. Alguns paravam, encostavam-se às árvores, queriam sentar-se, os olhos para cima. Quem parar fica para trás, o Saraiva lá à frente, na esgalha. Em pequenos grupos foram chegando. Em Canquelifá, uma cerveja gelada, boca abaixo, duma vez só. Alguns só acordaram com os motores do Dakota e um ou dois nem assim. A caminho do avião, pareciam zombies, em coluna por um, pelo campo fora.

Da outra vez, mandou tapar-lhes os olhos com algodão, fita adesiva e um lenço negro por cima. Só tiram os lenços e o adesivo quando eu mandar. É para ver se adivinham para onde vamos passar o fim-de-semana. Viaturas pela estrada fora, para onde havia de ser, para o Oio. Quando entraram em Mansoa, pararam. Então, quem é amigo? Para onde vamos então? Toca a tirar os lenços, olhos e ouvidos bem abertos agora. Foram por ali fora até Bissorã. A mesma história do queijo e do pão, uma cerveja para cada um, cantis cheios de água, por aqueles trilhos, a noite toda.

Um cigarro agora é que sabia bem. Pois, também a mim me apetecia estar na praia de Carcavelos, ao sol com a miúda, os ouvidos dele em todo o lado. Fumas no fim do fogo. O dia clareou, estavam no sítio certo, as casas de mato em frente. Os guerrilheiros é que faltaram à chamada naquela altura. Não saímos daqui enquanto os gajos não aparecerem, o capitão a provocá-los. Vieram mais tarde, quando já não dava muito jeito, mas arranja-se sempre qualquer coisa, que remédio. Um daqueles alferes integrado na equipa do furriel Moita, apanhado num campo de mancarra, com nada para se abrigar, ou estava com pressa de regressar a Bissau, ou tinha visto no cinema uma cena parecida, chateou-se, aqui vou eu, quem quiser que venha. Quis lá saber da parelha e da equipa, meteu-se por aquelas casas de mato dentro. Depois ficou lá dentro sozinho, sem saber bem o que fazer. Os companheiros daquele fim-de-semana encontraram-no a olhar para o ar, para os ramos das árvores a abanarem com as balas. Estes gajos nunca mais aprendem, porra, 20 flexões aí já, o Saraiva oportuno como sempre. Agora sim, podem fazer fogo com o isqueiro, toca a fumar!
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Notas:

8 - Dizia-se dos milicianos que passavam ao Quadro Permanente.
9 - Allouette II
10 - Movimento Nacional Feminino.
11 - Considerava o Nino como um verdadeiro chefe militar e, apesar de inimigo, merecedor de respeito.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14845: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IV Parte): Comandos do CTIG