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quinta-feira, 5 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8222: Os nossos camaradas guineenses (30): Cherno Baldé, 4º Gr Comb, 1ª Secção (Comandada originalmente pelo Fur Mil At Inf Joaquim A. M Fernandes), Sold, Ap Metr Lig HK 21, nº mecanográfico 82115269, fula... O mesmo que terá abatido em finais de 1972 o comandante de bigrupo Mário Mendes

 Sonhei com Portugal
por José Carlos Suleimane Baldé


Era uma noite,
calma,
serena!
Um ambiente bem silencioso!
Vejo os céus de Portugal.
Alguém disse:
- Levanta a cabeça!
Nos céus sem nuvens
vi variadíssimas estrelas
que nunca vira antes!
De repente soou um grito,
dizendo:
- Não tenhas medo,
que aqui é Portugal!

[ Revisão / fixação de texto: L.G.]



1. Divulguei há dias os nomes de alguns camaradas guineenses que pertenceram à CCAÇ 12, do meu tempo (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971), e que felizmente ainda estão vivos.  Não sei se ainda sonham com Portugal,  como o Zé Carlos Suleimane Baldé, autor do poema acima reproduzido...

A maior partes deles, tal como o Zé Carlos,  integrou o 4º Gr Comb, que era comandado pelo Alf Mil Cav António Rodrigues (já falecido), bem como pelos Fur Mil At Inf Joaquim Fernandes e António Fernando Marques, estes ainda vivinhos da costa e membros da nossa Tabanca Grande, embora com marcas (físicas) de guerra para sempre... 

Este foi também o Gr Comb a que eu, pião das nicas (como me chamava o meu capitão)estive mais emocionalmente ligado durante a minha comissão...

Um dos nomes da lista que me chamou mais a atenção foi o do Cherno Baldé... Só pode ser ele, o do 4º Gr Comb, 1ª Secção (Comandada originalmente pelo Fur Mil At Inf Joaquim A. M Fernandes), Sold, Ap Metr Lig HK 21, nº mecanográfico 82115269, fula... 

2. Há tempos perguntava por ele, num comentário ao poste Poste P5909, nestes termos: 

A propósito da informação dada pelo António Duarte [da 3ª geração de quadros metropolitanos da CCAÇ 12, a de 1973/74} e confirmada pelo Joaquim Mexia Alves (que privou muito com a malta da CCAÇ 12, sendo amigo do Cap Bordalo), foi o Apontador de Metralhadora HK 21, do 4º Gr Comb, quem abateu o Mário Mendes, chefe do bigrupo de Baio / Buruntoni, em finais de 1972, para lá de Madina Colhido.

No meu tempo, esse apontador era o Cherno Baldé, de etnia fula, pertencente à 1ª secção (originalmente comandada pelo Fur Mil Joaquim Fernandes, o nosso engenheiro, que depois ficou afecto à equipa de reordenamento de Nhabijões, e foi ferido numa mina em 13 de Janeiro de 1971).

O que será feito do Cherno Baldé ? É vivo, está morto ? Em 13 de Janeiro de 1971, foi um dos feridos (embora não tenha sido evacuado para Bissau) na 2ª mina A/C em que caímos todos, eu, o Marques e mais duas secções do 4º Gr Comb, à saída do reordenamento de Nhabijões. 


Agora sei/sabemos que está vivo, e sei/sabemos  onde mora... Não estará seguramente bem. Nem sei se estará inteiramente seguro... Mas espero bem que os irmãos guineenses tenham definitivamente feito as pazes e o luto... pela guerra de 1963/74, ou 1961/74, ou 1959/80 (é indiferente saber quando começou e quando terminou exactamente; das guerras sabe-se quando começam, nunca quando acabam...).

Meio século volvido, todas as dívidas (mesmo  as de sangue e de honra) prescreveram naturalmente... Meio século é mais do que a esperança média de vida de um africano em Áfrioca... Meio século depois, só nos resta saber contar (e saber ouvir) as velhas histórias,  de medo e de coragem, dos cabras, dos guerreiros, tugas, fulas, balantas, beafadas e mandingas..., que durante anos se espreitavam uns aos outros, por detrás dos grossos bissilões das florestas-galerias da bacia hidrográfica do Geba e do Corubal, armados de G3, uns, de Kalash, outros... Hoje, se se encontrassem de novo, seria apenas para beber uma bejeca ou um sumo de manga na tasca do Zé Maria em Bambadinca... (que já não existem, nem a tasca do Zé Maria nem a Bambadinca do nosso tempo).

Cherno, ficamos a velar por ti! (LG)






Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Sector de Bambadinca > Amedalai > Novembro de 2010 > "Estamos em Amedalai e alguém que se apresenta como José Carlos Suleimane Balbé [ex-1º Cabo, CCA>Ç 12, 1969/74] , pede para ser fotografado. Ei-lo, [ao meio], ladeado por Samba Baldé (Samba Gebo) e Madiu Colubali. O fundo é dado por membros da família de Mamadu Djau". À despedida, o Zé Carlos levou o Beja Santos à sua morança, para lhe mostrar a bandeira portuguesa que ele tem bem guardada num armário, afixada, com muito orgulho...


Foto (e legenda): © Mário Beja Santos (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. 

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Nota do editor:


terça-feira, 3 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8213: Convívios (325): Coimbra, 21 de Maio: 38º Encontro do Pessoal da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/72) com a presença do José Carlos Suleimane Baldé (Victor Alves)



Óbidos > Restaurante A Lareira > 22/5/2010 > 16º Convívio do Pessoal de Bambadinca 1968/71 > Luís Graça (ex-Fur Mil, CCAÇ 12, 1969/71), Victor Alves (ex-fur mil SAM, CCAÇ 12, 1971/72), Celestino Ferreira da Costa (Major inf ref,  o 2º Capitão da CCAÇ 12, 1971/72, residente na Trofa, trazido pela mão do Fernando Sousa), Jorge Cabral (ex-alf mil Pel Caç Nat 63, 1969/71).   


Foto: ©  Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados




1. Através do António Murta (ex-1º Cabo Op Cripto, da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), organizador do 17º Convívio do Pesssoal que esteve em Bambadinca, 1968/71, recebemos cópia de uma mensagem do ex-Fur Mil SAM Victor Alves, que é um dos organizadores do 38º Encontro da CCAÇ 12 (1971/72)... No mesmo dia, e na mesma cidade...

De: Victor Alves
Enviada: sábado, 30 de Abril de 2011 19:37
Assunto: Almoço - Coimbra - 21 Maio

Boa tarde, Amigo de Guerra António Murta,

Eu sou aquela pessoa que estive o ano passado no vosso convívio já a meio da tarde, e fui lá recolher alguns  donativos, destinados ao pagamento da vinda a Portugal do José Carlos Suleimane Baldé, militar da nossa CCaç 12, que começou convosco em Contuboel e depois em Bambadinca. Fui  incorporado em rendição individual, sendo portanto elemento da 2ª. CCaç 12 (Quadros vindos da metrópole) para vos render [em Março de 1971].


Por outro lado,  nós desde que chegámos em Dezembro  de 72, temos vindo sempre a fazer o nosso encontro. Vamos este ano fazer o 38º encontro,  comemorando os  40 anos da nossa chegada à Guiné.

O ano passado,  em Óbidos,  sugeriu-se que fizéssemos um encontro [conjunto] na  Herdade da Lobeira,  do Vacas de Carvalho. Alguns de vocês,  porque já tinham tudo acertado para aí,  Coimbra, e também porque já tinham ido à Lobeira duas vezes (e para além disso da última vez não tinha sido bem aquilo que vocês desejavam),  recusaram a ideia,  de um novo encontro, na Lobeira. Isto  foi o que ouvi em Óbidos.

Assim sendo,  nós resolvemos fazer também o nosso 40º  encontro no mesmo dia, 21 de Maio, em Coimbra .

Está pensado durante a tarde alguns de nós levarmos o José Carlos Suleimane Baldé ao vosso convívio, de modo a que alguns de vós, pricipalmente quem pertenceu ao 4º Pelotão,  o possa rever. Para além disso poderemoss ficar a saber melhor o que foi feito ao pessoal da CCaç 12 após a independência [da Guiné-Bissau]. (*)

Resta-me desejar-lhes um bom encontro, que corra tudo efectivamente como vocês desejam. (**)

Cumprimentos

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7440: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (5): Do Bambadincazinho para Ponta Varela

Guiné > Zona Leste > Mapa do Xime (1955), 1/50000  > Detalhe: O Rio Geba, o Rio Corubal, à esquerda, Poindon, Ponta Varela, Madina Colhido, estrada Xime-Ponta do Inglês, Rio Geba Estreito,  Xime, estrada Xime-Bambadinca, Enxalé (em frente, na margem direita do Rio Geba), Samba Silate, Ponta Coli, Amedalai... Tudo lugares míticos, carregados de emoções para os camarigos que viveram e lutaram no Sector L1 (Bambadinca) ou que desembarcaram, numa LDG, a caminho de outras terras da vasta zona leste da Guiné, via Bambadinca-Xitole ou Bambadinca-Bafatá... (LG)


1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Dezembro de 2010:

A partir deste dia 21 de Novembro passei a andar às ordens do Fodé Dahaba. Procurei deixar tudo anotado e por ordem. Em vão. Na mesma folha onde escrevi o nome de Demba Embaló, o guarda-costas de Jorge Cabral, pus o nome de Aliu Baldé, Binta Seidi, e para baralhar mais as coisas escrevi os nomes dos comandantes do PAIGC em Madina e Belel: Santiago Mendes, Farazinho Pereira e Samper Mendes.
A partir daqui ainda vai ser pior. Felizmente que me posso guiar pela ordem, dia-a-dia, registada pela máquina fotográfica. Mas falei com tanta gente, perguntei por tanta gente, estou certo e seguro que vou cometer graves omissões.
Nem tudo o que queria ver e que pedi ao Fodé foi possível visitar: a estrada da Amedalai para Moricanhe estava praticamente intransitável, e só conheci muito tarde a solução salvadora, Lânsana Sori e a sua milagrosa motocicleta; chegar ao Buruntoni e ao Baio é muito difícil, e tem que ser a partir da Ponta do Inglês; a mesma coisa com a viagem da Ponta do Inglês até à mata de Fiofioli, onde se situa a tabanca de Tubácuta onde viveu o comandante Domingos Ramos.
O importante é que a viagem nunca acaba. E os sonhos do viandante permanecem.

Um abraço do
Mário
__________________

Operação Tangomau (5)

por Beja Santos

Do Bambadincazinho para Ponta Varela

1. A partir de Bambadinca, chega-se num ápice ao Bairro Joli, contíguo de Santa Helena. Por aqui andei no passado longínquo em missões pacíficas e em nomadizações hostis. Durante a guerra, comprava-se aqui gado,  muito útil para os problemas de intendência de Missirá, os dois cabritos que Jobo Baldé ali assou no Natal de 1968, daqui vieram, seguiram pela bolanha de Finete num Unimog 411 e finaram-se na véspera de Natal, para gáudio de quem combatia e vivia naquele ponto do Cuor. Estes caminhos do Bairro Joli eram espiolhados devido à incontestável conivência de alguma população com os inimigos de Madina/Belel. Era o drama das relações de sangue de quem tinha optado pela luta ou ficado à sombra da bandeira portuguesa.

Em Santa Helena, Fá Balanta e Mero viviam comunidades balantas onde se acoitavam, à sorrelfa, civis e militares do mato, que procuravam informações, compravam tabaco ou sal, abasteciam-se de gado, traziam esteiras e produtos das suas hortas. Atravessavam o Geba estreito entre as bolanhas de Finete e Ponta Nova. Aparecíamos ao amanhecer em missões pouco conciliatórias e às vezes com inquirições duras. A verdade é que a comunicação, mesmo com mortes e feridos de permeio, nunca se interrompeu completamente. Ora é acima de Ponta Nova que eu vou habitar. Aqui se devotou Inácio Semedo a construir casa, destilaria e horta. A casa, basta ver a fotografia, é bem semelhante àquelas que se podiam ver em Malandim, Saliquinhé ou São Belchior, até mesmo no Enxalé, ao tempo.

O panorama que se desfruta é, no mínimo, deslumbrante. O Tangomau vai desfrutar das vistas do amanhecer e do entardecer, são momentos mágicos. De manhã, antes das sete horas, Bambadinca aparece submersa pelo sereno, uma neblina que se evola com o primeiro calor da manhã, deixa ver, em toda a sua majestade, as bolanhas, os palmares e os meandros do Geba estreito. À tarde, é o cerimonial do pôr-do-sol, a bola de fogo tisna-se de todos os tons ígneos, até se esconder entre Mato de Cão e Chicri. Nesta casa onde me acolhera, há muito da traça portuguesa adaptada ao calor tropical, as varandas são indispensáveis, os telhados prolongam-se para dar sombra sobre os alpendres.

O Tangomau e comitiva são recebidos pela Dada e Fernando Semedo, Mio. Há duas crianças (Tuinho e Thierry), uma menina de nome Florinda, a empregada, depois vai aparecer um outro empregado, Alberto Djata. Mostram-lhe o quarto, a casa de banho, a sala onde irão ver os canais franceses mais alguns filmes em DVD.

O Tangomau logo regista a casa, teve mesmo a pretensão de captar as duas bolanhas em sequência, saiu imagem amassada, desbotada, paciência. Vamos agora ao que importa, mentaliza-se que se avizinham emoções muito poderosas, vai rever gente que muito estima, vão ser expostos problemas (para ele) insolúveis, ser-lhe-ão feitos pedidos que não poderá atender, é preciso estar de ânimo forte.

A casa no Bairro Joli, perto de Santa Helena,  onde estou a viver. Foi erguida por Inácio Semedo, que pertenceu ao PAIGC e que por isso obrigado a viver em Angola durante 7 anos. Um dos seus filhos, o Eng.º Fernando Semedo, procura pôr de pé o sonho do seu pai, dar vida ao projecto agro-industrial


2. Para se sentir preparado, veio cedo contemplar a bolanha de Ponta Nova, trouxe “As Palavras”, de Jean-Paul Sartre, uma narrativa autobiográfica muito dolorosa e corajosa, não é qualquer um que se acomete a escrever assim:“Uma manhã, em 1917, em La Rochelle, aguardava alguns colegas que deviam acompanhar-me ao liceu; estavam a demorar; sem já saber o que inventar para me distrair, resolvi pensar no Todo-Poderoso. Logo ele se precipitou no azul-celeste e se sumiu sem dar explicação: não existe!, disse eu a mim próprio com um espanto cortês, e julguei o assunto arrumado. De certa maneira estava, visto que nunca mais, desde aí, senti a menor sensação de o ressuscitar. Mas o Outro subsistia, o Invisível, o Espírito Santo, o que garantia o meu mandato e regia a minha vida por grandes forças anónimas e sagradas. Deste, senti bem maior dificuldade em me livrar, pois que se instalara atrás da minha cabeça, nas noções adulteradas que eu usava para me compreender, me situar e me justificar. Escrever foi durante muito tempo pedir à Morte, à Religião, sob uma máscara, que me arrancassem a minha vida ao acaso. Fui da Igreja. Militante, quis salvar-me pelas obras; místico, tentei desvendar o silêncio do ser por um sussurrar contrariado de palavras e, sobretudo, confundi as coisas com os seus nomes: isto é querer”.

Divago sobre esta capacidade de falar sobre a perda da fé quando se começa a ouvir o motor da Renault Express. Fodé apresenta cumprimentos, não há tempo a perder, os eventos sociais estão marcados. Há só uma curta paragem no mercado de Bambadinca, o Tangomau vai abastecer-se de bolacha Maria, banana-maçã e alguma goiaba. Primeiro, e de acordo com a lei Mandinga, receber cumprimentos dos homens grandes, aparecem capitaneados por Aliu Fuma, mais do que octogenário, trazido pela mão de um genro. Há saudações e depois orações, dá-se graças a Deus por este reencontro. A seguir a família, mulheres, gente mais jovem e as crianças. Sucedem-se as reverências mandingas, o Tangomau é saudado com o profundo respeito da amizade que merecem os velhos. Aliás, o Tangomau vai passar repetidamente a ouvir o cumprimento: “Olá, velho! Corpo?”.

É neste grupo que aparece Mamadu Baldé, filho de Queta Baldé, chegara expressamente de Amedalai apresentar cumprimentos. E temos o último cerimonial, o pessoal da casa, mulheres e filhos. É nisto que o Tangomau acorda para um drama, a terceira mulher do Fodé, a quem chamam a Louca, aparece, profere uma frases ininteligíveis e desaparece. É a mãe de Calilo, Iaguba, Braima, isto só para falar dos machos, é impossível fixar o nome daquele rol de fêmeas a que constantemente Fodé grita para pedir coisas ou dar ordens.

Não fosse o Tangomau um obscuro fotógrafo amador e teria conseguido capturar a deslumbrante extensão das bolanhas de Ponta Nova e Finete, com Mato de Cão lá ao fundo. É o que há, pede-se desculpa por não se ter capturado um panorama magnífico do Geba estreito.


3. Súbito, o Tangomau é avassalado por uma emoção, diante dele, de braços abertos e riso bom aparece-lhe Samba Gebo, sempre jovem, distinto, mal se apresentou e já começa a pedir livros, lápis e papel. No seu caderninho, o Tangomau notou: o Samba trouxe-me a juventude de Missirá, é o porta-voz daquela gente abnegada, leal, sempre pronta a seguir-me.

Chegou igualmente Madiu Colubali, tem a vista turva, desfaz-se em ademanes. Fodé grita, a família Fati, os Sanhá e os Dahaba têm uma recepção à nossa espera em Amedalai. O primeiro choque surge quando o Tangomau pede uma curta paragem na ponte de Udunduma, depois de uma ligeira discussão Fodé condescende. Tiram-se fotografias e o Tangomau precipita-se ladeira acima, à procura do local onde esteve instalado o destacamento mais infecto da Guiné.

Encontrou uma tabanca, foi muito bem acolhido, explicou ao que veio e apanhou um instantâneo e uma festa de mulheres, só fixou que se tratava de um corte de cabelo. Pouco depois, chegaram a Amedalai, a tabanca é enorme, talvez tenha mesmo duplicado ou triplicado. Os Fati, os Sanhá e os Dahaba são uma pequena multidão. Fodé discursa, um homem grande responde e o Tangomau, inexplicavelmente, pede a palavra e conta onde e como nasceu a profunda amizade que nutre por Fodé. Fala-se de Finete, de uma colaboração muito leal, e no fim conta-se aquele desastre brutal no amanhecer de 22 de Fevereiro de 1969. Mudara a vida do Fodé e aquele menino alferes descobria que às vezes uma ordem pode dar um sinistro despropositado, como fora o caso daquele.

O almani presente na cerimónia levanta-se e reza uma nova acção de graças. O Tangomau gagueja: “Deus Todo-Poderoso tem compaixão de nós, perdoa os nossos pecados e conduz-nos à vida eterna”. Procura-se a seguir Mamadu Djau, não está, aproximam-se os familiares e até um homem que se apresenta como primeiro-cabo da CCaç 12, dá pelo nome de José Carlos [Suleimane Baldé], exige ficar numa fotografia para que lá em Portugal saibam que está vivo. E parte-se para o Xime, o alcatroado tem resistido bem ao tempo, o Tangomau viu-o nascer, em 1970. Pelo caminho, despontam as tabancas que surgiram depois da guerra, Taliurá e Ponta Coli, são os manjacos que exploram estas ricas de bolanha.

Uma variante da fotografia que já saiu no álbum, publicada há dias: estamos em Amedalai e alguém que se apresenta como José Carlos Suleimane Balbé [ex-1º Cabo, CCA>Ç 12, 1969/74] , pede para ser fotografado. Ei-lo, ladeado por Samba Baldé (Samba Gebo) e Madiu Colubali. O fundo é dado por membros da família de Mamadu Djau.


4. Chegados ao Xime, a primeira curiosidade é de visitar o porto. Este já existe, está reduzido a miseras meia-dúzia de estacas. Até o capim brota do alcatrão, como se protestasse por tão indigno abandono. Numa elevação, ergue-se uma estrutura monumental, ao que parece um silo para a mancarra, trata-se de uma infra-estrutura que nunca teve uso, quando Luís Cabral caiu em desgraça Nino Vieira votou ao desprezo os projectos do seu antecessor. Há ainda uma visita a fazer a membros da família Fati, aparece a viúva de Mankuma Biai, um guia muito capaz que prestou um óptimo serviço ao Tangomau na operação “Rinoceronte Temível”, tendo mesmo sido louvado.

O Xime é uma mistura de instalações ao abandono e da nova tabanca. Fodé adverte que vamos para o último itinerário da viagem, Ponta Varela. Tomou-se à direita a estrada Xime-Ponta do Inglês, seguiu-se por um estradão mal tratado, ao fim de meia hora entrei num território que percorrera sempre à espera de contacto com o inimigo. O que o levara ali era conhecer o local onde, nesse passado remoto da guerra, as forças do PAIGC desfechavam bazucadas sobre as embarcações civis que, arrastadas pela corrente, se aproximavam do tarrafe, à entrada do Geba estreito.

Nas operações que se destinavam ao Poindom ou Ponta do Inglês flanqueava-se as bolanhas e os velhos trilhos, que o PAIGC minara. Eram viagens que se faziam com luz, temia-se uma sarrafusca nocturna, com a desvantagem do inimigo saber retirar e de novo golpear. O importante é que mal chegados à tabanca, e feitos os cumprimentos da praxe, o Tangomau pediu para ir até à margem do Geba.

Um jovem, de nome Mussá, ofereceu-se mas logo avisou que havia passeata para cerca de 3km, o que não incomodou o Tangomau, ele segue excitado por mangais, picadas, hortas e palmares. Irá guardar a imagem dos fios de luz, uma luz coada a ouro, se ir infiltrando pelos cajueiros, tudo dentro de uma grande serenidade, não há mais presença humana, o passeio não cansa, depois surge o Geba, o terreno amoleceu e Mussá mostra o local, aponta para um pilar de cimento, era dali, dentro dos cajueiros fechados que vinha o fogo mortífero.

Captam-se várias imagens, o que era segredo deixou de o ser. E regressa-se em passo estugado. Dos aspectos essenciais, o Tangomau tomou nota: dentro de dias irá conhecer M’Fon Na Bra, comandante do bigrupo que actuava em Ponta Varela; a memória, vacilante, recuou até ao mês de Março de 1969, foi no HM 241 que o Tangomau conheceu aqueles membros da família Fati que vivem agora no Xime; na nova tabanca de Udunduma gostou muito de ser questionado pelos jovens que pretendiam mais informação sobre o quartel. Ainda havia umas folhas soltas com observações registadas,  perderam-se. E assim findou o primeiro dia organizado pelo Fodé, Calilo vai depositá-lo no Bairro Joli.

Demba Embaló, guarda-costas de Jorge Cabral, do Pel Caç Nat 63. Atenda-se à naturalidade da pose, quando se vêem estas fotografias acorre ao espírito as pessoas naturalmente aristocráticas. O Demba coligiu a folha que já aqui foi publicada com os nomes dos soldados do Pel Caç Nat 63. O Demba vende cola e tabaco no mercado de Bambadinca. Garanti-lhe que uma das razões que me trouxera à Guiné era preparar a compra da casa do Jorge Cabral. O Demba tomou-me a sério: “Fica tão contente, tão contente!”

5. Deixou-se para o fim um pormenor essencial: Fodé vive no Bambadincazinho, não há que enganar. Mal se apercebeu dessa realidade, o Tangomau foi visitar a Missão do Sono, a escassas dezenas de metros. Aí voltará na manhã seguinte, na companhia de Mamadu Djau. Mas não se quer adiantar mais pormenores, amanhã será um dia dedicado a Bambadinca, haverá baba e ranho de todo o tamanho, desde o quartel ao porto, também ele desaparecido. Será aí que o Tangomau, especado, olhará para a bolanha de Finete, exactamente no local onde a canoa de Mufali Iafai o conduzia, perto do fim do dia. Mufali também desapareceu.

Ao longo deste dia perguntou-se por muita gente, foram explosões, umas atrás das outras. Serifo Candé, que o Tangomau tanto ansiava abraçar em Biana, perto de Fá, morreu. Na semana anterior morrera Mamadu Silá, o 108, um gigante de corpo com um fiozinho de voz. O Tangomau chega cabisbaixo, com aquela sensação paradoxal que satisfez a curiosidade de visitar lugares anteriormente interditos mas ter perdido camaradas inesquecíveis. Depois cumprimenta a família Semedo, já anoiteceu, conta o que viu e quem visitou, adormeceu cedo, desta vez não teme só os encontros com as pessoas, teme os lugares que vai rever e que tanto estimou, um afecto que guardará até ao fim dos tempos.

Outra variante da fotografia já publicada sobre Ponta Varela, exactamente no local onde as forças do PAIGC atacavam as embarcações civis. É pena não se ficar com a ideia de como, também neste local, nascera o Geba estreito, o leito do rio afunila, à esquerda, não muito longe daqui, passa o rio Corubal [. Vd. detalhe da carta do Xime, 1955, acima].

Fotos: © Mário Beja Santos (2010). Direitos reservados.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7417: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (4): 20 de Novembro, de Bambadinca para o Bairro Joli

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5909: Os nossos camaradas guineenses (25): José Carlos Suleimane Baldé, ex-1º Cabo, CCAÇ 12 (Contuboel, Bambadinca e Xime, 1969/74), vive em Amedalai e sonha com Portugal, Não tenhas medo, que aqui é Portugal! (Odete Cardoso / J.L. Vacas de Carvalho)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Finete, regulado do Cuor > 1969: Destacamento de milícias e aldeia em autodefesa de Finete, junto ao Rio Geba. Na foto, o furriel miliciano Luís Manuel da Graça Henriques e dois dos soldados africanos da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, do 4º Grupo de Combate, o Soldado Arvorado (mais tarde promovido a 1º cabo) José Carlos Suleimane Baldé e o Soldado Umarú Baldé, apontador de morteiro 60. Umaru, o puto, na foto, de pé, de cachimbo: na época teria 16 ou 17 anos... A sua recruta e a instrução de especialidade destes dois militares do recrutamento local foi feita em  Contuboel (Abril/Julho de 1969) (*). O Umaru veio para Portugal, onde morreu, há uns anos, de doença. O José Carlos,  que era ligeiramente mais velho (18 ? 19?), vive em Amedalai, uma tabanca fula do regulado do Xime, na estrada Xime-Bambadinca. Andará hoje na casa dos 60 anos.


Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados


Guiné-Bissau > Regiãod e Bafatá > Xime > Amedalai > 26 de Julho de 2006 > O José Carlos com a família.

Foto: Odete Cardoso (2010). Direitos reservados


Extracto de um carta que o José Carlos mandou à Maria Odete Cardoso, esposa do ex-Alf Mil Jaime Pereira, da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/72) e onde transcreve, sob a forma de poema, o sonho que teve, a sua visão de Portugal e o seu desejo, que quer ver concretizado antes de morrer, de conhecer Portugal. Não sei qual a data mas deve ser recente. A Odete corresponde-se com o José Carlos, desde 2000, depois de uma ida à Guiné, com o marido, em 1999, e otro camarada, o José Sobral.


Sonhei com Portugal,
por José Carlos Suleimane Baldé


Era uma noite,
calma,
serena!
Um ambiente bem silencioso!
Vejo os céus de Portugal.
Alguém disse:
- Levanta a cabeça!
Nos céus sem nuvens
vi variadíssimas estrelas
que nunca vira antes!
De repente soou um grito,
dizendo:
- Não tenhas medo,
que aqui é Portugal!

[ Revisão / fixação de texto: L.G.]



1. Mensagem, de 25 do corrente, do José Luís Vacas de Carvalho, membro da nossa Tabanca Grande, ex-Alf Mil Cav, Pelotão Daimler 2206, e também instrutor de companhias de milícias (Bambadinca, 1970/71) [, foto à esquerda]

Caríssimos: Recebi esta msg, da Maria Odete Cardoso, casada com o ex-alferes Jaime Pereira [, da CCAÇ 12, Bambadinca, 1971/72]. Achei muita piada. O Zé Carlos foi soldado das duas CCAÇ 12 [, 1969/71 e 1971/72]. Tem uma filha em Portugal e gostava de a vir ver. O resto está dito pelo Odete.

Um abraço a toda a Tabanca
Zé Luis

2. Mensagem da Odete Cardoso, com data de 25 do corrente, com conhecimento ao Victor Alves (ex-Fur Mil SAM, da CCAÇ 12, 1971/72), residente em Santarém:

Vaquinhas: Aqui vai o que enviei ao V.A. Envio por 2 vezes. Podes usar a foto e o poema no blogue, se considerares adequadas.

Eu tenho uma carta em que ele recorda os militares da CC12 anterior [ 1969/71] (**).

Um abraço. Odete


3. Mensagem, de 23 do corrente, enviada por Odete Cardoso ao Victor Alves:

Contribuir para a realização de um sonho... põe-se a questão:
- Quem é que fica mais feliz? O  que realiza o sonho, ou os que proporcionam a sua realização?

Se o quisermos fazer temos de nos apressar, pois os vossos homens guineenses,  com 60 anos,  já estão na meta da esperança de vida em África.

Eu mantenho correspondência com o José Carlos desde o ano 2000 e, em 2004, quando lhe nasceu uma filha ele deu-lhe o meu nome e daí eu fazer-lhe chegar, via nossa embaixada em Bissau, alguma ajuda.

Penso que se os 2 grupos da CCAÇ 12 quisessem contribuir com uma quantia a partir de 10 euros cada, conseguiríamos o montante para a viagem de avião e assim ele poderia estar presente no almoço de 2010.

Mando-te uma fotografia dele, tirada em 2006, com roupinha from Portugal, a última carta que me enviou, agradecendo um telemóvel e uns sapatos e um poema em que ele sonha visitar Portugal.

Tu é que és o homem das relações públicas.

Um grande abraço. Aparece com a tua Lena.

Odete Cardoso

4. Mensagem enviada por L.G. ao J.L. Vacas de Carvalho:

Meu caro José Luís:

Fico-te muito grato pelas notícias sobre o nosso José Carlos Suleimane Baldé, do 4º Grupo de Combate da CCAÇ 12 (1969/71)... Fizemos diversas operações juntos, estivemos em tabancas em autodefesa... Ele foi meu cozinheiro, guarda-costas, intérprete, aluno, bom amigo... Foi o nosso 1º Cabo Africano, promovido depois de ter feito a 4ª classe... Andava sempre de caderninho na mão, e lapiseira... Era humilde, atento, prestável, dedicado... Tenho uma foto dele com o puto Umaru, que já morreu [, tirada em Finete, na margem direita do Geba Estreito]. O António Marques vai também ficar feliz por saber dele e poder ajudá-lo. Vamos combinar como o poderemos ajudar... (Caímos junto, o eu, o Marques, o Umaru, o José Carlos... na fatídica mina A/C, em Nhabijões, em 13 de Janeiro de 1971, duas secções da CCAÇ 12, lembras-te...).

Por mim, tudo farei para o ajudar... Podemos mobilizar o blogue. Adorei o poema dele... [ Merece uma análise de conteúdo: devido a uma forte aculturação - ele conviveu com os portugueses desde 1969 até 1974 -, Portugal surge-lhe, no seu imaginário, como um verdadeiro eldorado]. O ano passado, quando fui à Guiné, em Março, falaram-me dele, que vivia em Amedalai (***)... Infelizmente não passei pelo Xime. E por Bambadinca, foi a correr. Vou publicar o teu texto e o da Odete no blogue. Já falei ao Victor, esta manhã. E tentei contactar a Odete. Infelizmente, já não me lembro do Jaime. A sobreposição foi curta. Vim-me embora no princípio de Março de 1971, seguindo de Bambadinca para Bissau, onde aguardei transporte para a Metrópole. Mas espero poder encontrar-me com ele, a Odete, o Jaime e tu, numa próxima oportunidade.

A foto do José Carlos não abre, por que vem em formato dmi. Não tenho programa para a abrir. Não é possivel digitalizarem a foto em formato jpg, que é o mais compatível com a linguagem em html do blogue ? Estou em casa: telef. 21 471 0736. Amanhã vou almoçar à Tabanca do Centro. Depois fico na Lourinhã. Em 29 de Maio ou 5 de Junho faremos o nosso V Encontro Nacional. Não podes falhar desta vez.

5. Mensagem, de ontem, da Odete Cardoso:

Caro Luis Graça:

É muito compensadora esta troca de afectos.

A visita que fiz com o Jaime e o Zé Sobral, em 1999, à zona de Bambandinca,  foi marcante e mostrou a saudade e respeito que os vossos homens guardavam dos portugueses.

Aqui vai a foto do Zé Carlos tirada em 26.7.2006.

Um abraço.

Odete Cardoso

6. Comentário de L.G.:

Odete, obrigado pela sua gentileza. É uma grande emoção, para mim, para o António Marques, para o Joaquim Fernandes, para o António Levezinho, para o Humberto Reis, par ao José Luís de Sousa (funchalense, que espero que esteja bem nestes dias difíceis para a Madeira!), para o Gabriel Gonçalves, para o Abel Maria Rodrigues (o único alferes da velha CCAÇ 12 que faz parte deste blogie!), e outros camaradas da primeira CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971) saber notícias dos nossos camaradas guineenses, e em especial do 1º Cabo José Carlos Suleimane Baldé, que era de etnia fula como a grande maioria, e o único - salvo erro - que no nosso tempo conseguiu reunir as condições para ser promovido a 1º cabo. Sempre o estimei, protegi, ajudei e tratei como amigo. (Sobre a nossa CCAÇ 12, 1969/1974, temos pelo menos 95 referências na II Série do nosso blogue, além de dezenas e dezenas na I Série)

Tive notícias do nosso José Carlos, em Março de 2008, aquando da minha ida à Guiné, por ocasião do Seminário Internacional de Guiledje (***). Infelizmente não tive tempo de o visitar em Amedalai. Oxalá ainda nos  possamos encontrar em vida... A Odete  como é que faz para o contactar lá ? Tem algum número de telemóvel (que é coisa que se começa a banalizar, mesmo no interior da Guiné-Bissau) ? Já pedi a amigos meus, de Bissau,  para saberem dele,  em Amedalai. Da próxima vez que lhe escrever, fale-lhe do Furriel Henriques...

Odete, gostaria de a conhecer pessoalmente bem como ao Jaime. Os dois estão convidados a ingressar na nossa Tabanca Grande. Vou ver se lhe telefone para nos encontrarmos e falarmos com mais tempo e vagar. (****)

_____________

Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1026: Estórias de Contuboel (iv): Idades sem lembrança (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)


(...) Quarto texto do Renato Monteiro, da série de cinco, que intitulei estórias de Contuboel, pequenos apontamentos que o meu amigo escreveu com base na sua experiência de instrutor de recrutas guineenses, em Contuboel, no 1º semestre de 1969. Desses recrutas, metade foram parar à CCAÇ 2590, que mais tarde (em Junho de 1970) passou a designar-se CCAÇ 12. A outra metade deu origem à CART 11, mais tarde CCAÇ 11.

IDADES SEM LEMBRANÇA



 Coisa pela qual não passam: a comemoração do dia do aniversário. Pois não parece haver um entre os africanos do meu pelotão que saiba a sua idade. E lê-se-lhes nos olhos a inutilidade desse conhecimento que, apesar de tudo, acaba por ser superado através de um palpite dado por nós. Mera suposição inspirada no vinco e na dimensão das rugas, na maior ou menor vivacidade do olhar, não sei bem, num feeling que sustenta a nossa avaliação.

E é assim que Cherno Camará passou a partir de hoje a contar 23 anos, idade que acabou por merecer divertida discórdia quando comparada ao tempo de vida atribuído ao Amaduri Camará, 21 anos, por alguns considerado mais velho do que o primeiro.

Mas fora de qualquer polémica foram as 18 Primaveras calculadas para Demba Baldé, o Malagueta, seguramente o recruta mais jovem da nossa troupe, filho de Ira Baldé, prestigiado chefe de uma das tabancas da região de Gabu Sare.

Quanto a mim, talvez não fosse menos sensato deixar-se estes homens, na sua maioria ainda mais novos do que nós, tão alheados da sua idade quanto as árvores que se desenvolvem sem contarem os anéis do tronco que marcam o tempo da sua existência.

Opinião igualmente partilhada por Ussumani Colubali, para o qual o que importa é nunca perder de vista de quem se é filho, irmão, neto, bisneto e pai; bem como o lugar onde se nasceu e o número de cabeças de gado e de mulheres que se possui, sendo seguro que a memória da data de nascimento não leva a viver mais, sequer a acertar-se com o dia da sua morte. Ao contrário da generalidade dos africanos, muito reservados, Ussumane não se coíbe de expressar os seus juízos mesmo sem ser chamado a fazê-lo.

Assim, diz não existir à face da terra nenhumas Forças Armadas capazes de tão grandes façanhas como as nossas, razão que o levou a oferecer-se para o exército, aproveitando ainda uma vantagem: a possibilidade de, assim, ganhar uns patacões, muito difíceis de obter por outro meio.

Proveito que o Demba Baldé de bom grado dispensaria. Que foi o pai, contra sua vontade, que o mandou servir a tropa. Quando melhor estaria junto da sua Comança Baldé, ainda mais nova do que ele, a fazer filhos, a comer bianda e a tratar do gado. (...)





Vd. restantes postes da série do Renato Monteiro:

28 de Julho de 2006 > 
Guiné 63/74 - P1001: Estórias de Contuboel (i): recepção dos instruendos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

30 de Julho de 2006 > 
Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

2 de Agosto de 2006 > 
Guiné 63/74 - P1017: Estórias de Contuboel (iii): Paraíso, roncos e anjinhos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)



4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1027: Estórias de Contuboel (V): Bajudas ou a imitação do paraíso celestial (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

(**) Vd. poste de:

21 Maio 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Composição da CCAÇ 12, por Grupo de Combate, incluindo os soldados africanos (posto, número, nome, função e etnia)

(...) Pode parecer fastidiosa, inútil, irrelevante... a minha lista de Baldés... Não penso o mesmo: pode ter (ou vir a ter) algum interesse documental, historiográfico, eu sei lá... Pode facilitar a pesquisa de informação, de testemunhos, de depoimentos...

É também um pequeno, modestíssimo, gesto de elementar justiça para com aqueles guineenses que lutaram ao nosso lado, que fizeram parte da CCAÇ 12 e, portanto, da nova força africana com que sonhou Spínola e que tanto atemorizou o PAIGC. Infelizmente, uma parte deles (quantos, exactamente?) já não hoje estarão vivos. Uns foram fuzilados, como o Abibo Jau, outros terão morrido de morte natural, que a sua esperança de vida era muito menor que a nossa, em 1969...

Eu estou à vontade para publicar esta lista: sempre critiquei a africanização da guerra da Guiné, embora longe de imaginar que, no dia seguinte à nossa retirada, começasse a caça aos traidores, aos contra-revolucionários, aos mercenários, aos colaboracionistas... Em 1969, ainda estava vivo o Amílcar Cabral e eu admirava-o, intelectualmente... Achava que na Guiné, depois da independência, tudo seria diferente, e não aconteceriam os ajustes de contas que se verificaram noutras revoluções ou guerras civis, na Rússia, na China, na Espanha franquista, na França depois da libertação, etc. Pobre de mim, ingénuo!...

Mas, por outro lado, também fui cúmplice da sua integração no nosso exército: mesmo sendo da especialidade de armas pesadas de infantaria, e não fazer parte formalmente de nenhum dos quatro grupos de combate da CCAÇ 12, participei em muitas das operações em que estes participaram, fui testemunha da sua coragem e do seu medo, dormi com eles nas mais diversas situações, incluindo nas suas tabancas... Foram meus camaradas, em suma.

Soldados ex-milícias, a maior parte com experiência de combate, os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 12 (originalmente, CCAÇ 2590), eram oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Badora e Cossé, com excepção de um mancanhe, oriundo de Bissau.

“Todos falam português mas poucos sabem ler e escrever", lê-se na história da CCAÇ 12 (O que só verdade, 21 meses depois de os termos conhecido e instruído em Contuboel, em Junho e Julho de 1969). Foram incorporados no Exército como voluntários, acrescentou o escriba, para branquear a instustentável situação dos fulas, condenados a aliarem-se aos tugas.

Tirando o 1º Cabo José Carlos Suleimane Baldé (promovido ao actual posto em 16 de Setembro de 1969),eram, todos,  praças de 2ª classe. Samba Só, Mamadá Baldé, Braima Bá e Quecuta Colubali passaram a soldados arvorados na mesma data, por reunirem qualidades para uma eventual promoção ao posto de primeiros cabos: "ascendente sobre os camaradas, experiência de combate e aprumo militar" (sic). Entretanto, houve mais promoções no final da 1ª Comissão da CCAÇ 12 (a rendição individual dos quadros metropolitanos fez-se a partir de Fevereiro de 1971).

É muito provável que todos ou quase todos os graduados africanos da CCAÇ 12 ( e da CCAÇ 21, para a qual transitaram em 1973) tenham sido fuzilados, em 1974 e 1975 (...). (*****)

(...) 4º Gr Comb

Comandante: Alf Mil Cav 10548668 José António G. Rodrigues [já falecido, em Portugal]

1ª secção

Fur Mil 15265768 Joaquim A. M. Fernandes [membro da nossa Tabanca Grande; saiu para integrar a equipa de reordenamento de Nhabijões; ferido com gravidade na 1ª mina A/C do dia 13/1/1971]
1º Cabo 18861568 Luciano Pereira da Silva

Soldado Arvorado 82115469 Samba Só (F)
Soldado 82109869 Samba Jau (Mun Metr Lig HK 21) (F) [ferido na 2ª mina A/C, do dia 13/1/1971]
Sold 82115269 Cherno Baldé (Ap Metr Lig HK 21) (F) [ferido na 2ª mina A/C, do dia 13/1/1971]
Sold 82117569 Mamai Baldé (F)
Sold 82117869 Ansumane Baldé (Ap Dilagrama) (F)
Sold 82118269 Mussa Jaló (Ap Dilagrama) (FF)
Sold 82118969 Galé Sanhá (FF)

2ª secção

Fur Mil 11941567 António Fernando R. Marques [membro da nossa Tabnca Grande; ferido com gravidade na 2ª Mina A/C do dia 13/1/1971]
1º Cabo 17714968 António Pinto

1º Cabo 82115569 José Carlos Suleimane Baldé (F)
Soldado Arvorado 82118369 Quecuta Colubali (F) [ferido gravemente  na 2ª mina A/C do dia 13/1/1971]
Soldadado 82110469 Mamadú Baldé (F)
Sold 82115869 Umarú Baldé (Ap Mort 60) (F) [já falecido, em Portugal, para onde emigrara]
Sold 82118769 Alá Candé (Mun Mort 60) (F)
Sold 82118569 Mamadú Colubali (FF)
Sold 82119069 Mamadu Balde (F)

3ª secção

1º Cabo 00520869 Virgilio S. A. Encarnação [passou a integrar a equipa de reordenamento de Nhabijões]

Soldado 82116069 Sajuma Jaló (Ap LGFog 8,9) (FF)
Sold 82110269 Suleimane Baldé (Ap LGFog 8,9) (F)
Sold 82111069 Sori Baldé (F)
Sold 82115669 Sherifo Baldé (F) [ferido gravemente na 2ª mina A/C do dia 13/1/1971]

Sold 82115769 Tenen Baldé (F) [ferido gravemente na 2ª mina A/C do dia 13/1/1971]

Sold 82117169 Ussumane Baldé (F) [ferido gravemente na 2ª mina A/C do dia 13/1/1971]

Sold 82117769 Califo Baldé (F)
Sold 82118469 Califo Baldé (F)

(***) Vd. poste de 11 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2625: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (4): Na Ponte Balana, com Malan Biai, da RTP África

(...) Guiné-Bissau > Região de Tombali > Ponte Balana > 1 de Março de 2008 > Caravana do Simpósio Internacional de Guileje... Imaginem quem é que eu deveria encontrar aqui ? O operador de câmara da RTP África, Malam Biai... Nascido em 1965, em Bambadinca, de etnia mandinga, diz que é primo do J.C. Mussá Biai, natural do Xime e membro da nossa Tabanca Grande...

Quando puto, ia ao quartel de Bambadinca, à cata dos restos de comida do pessoal da tropa... Lembra-se bem dos militares da CCAÇ 12, unidade de intervenção que esteve em Bambadinca (Sector L1, Zona Leste), entre 1969 e 1973; dos dois ataques do PAIGC ao aquartelamento; da professora Violete (que dava aulas aos putos da 4ª classe); dos fuzilamentos a seguir à Independência (assistiu, aliás, à execução pública de um agente da polícia administrativa de Bambadinca)... 

Confirmou-me, de resto, a notícia do fuzilamento, na região do Xime, do Abibo Jau, o gigante da CCAÇ 12, e do tenente ou capitão Jamanca, que conheci na 1ª Companhia de Comandos Africanos, e foi depois comandante da CCAÇ 21 (o que vem ao encontro do relato já aqui feito pelo Mussá Biai)...

Diz-me, além, disso que o antigo 1º Cabo da CCAÇ 12, o José Carlos Suleimane Baldé, meu guarda-costas, intérprete, guia, cozinheiro, secretário, está vivo, em Amedalai, perto do Xime... Gostaria de o rever. (...)

(****) Último poste desta série > 22 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5520: Os nossos camaradas guineenses (24): Vi matar o meu camarada Lamine Sanha (Braima Djaura)

(*****) Sobre a CCAÇ 12 e os seus soldados africanos, vd. postes de:

11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIII: Aos nossos queridos nharros (Zé Teixeira)

11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLV: Ex-graduados da CCAÇ 12 também foram fuzilados (António Duarte)

(...) O António Duarte (que foi furriel miliciano na CCAÇ 12 na fase final, depois de transitar da CART 3493, que esteve em Mansambo) vem lembrar que em Bambadinca (e um pouco por todo o lado), os que foram encostados ao trágico poilão por onde passávamos muitas vezes, não foram apenas os comandos africanos mas também os nossos nharros da CCAÇ 12 (que foram constituir novas unidades, como a CCAÇ 21), e se calhar dos Pel Caç Nat 52, 53, 54, 63... No nosso tempo já havia ou dois três soldados arvorados por cada grupo de combate da CCAÇ 12... Mais tarde passaram a cabos e, em segunda comissão, foram promovidos a furriéis, ao que parece na CCAÇ 21, comandada pelo comando Jamanca (...)

12 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)

29 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIV: Ao Fernando Sousa: Sei que estás em festa, pá  (Luís Graça)