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quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16420: Notas de leitura (874): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VIII: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (IV): "Os guineenses são muito resistentes...Numa ocasião, uma bomba caiu perto de uma mulher e feriu-a no abdómen... Eu devia abrir-lhe o abdómen pois tinha peritonite. Coloquei-lhe anestesia local e, quando lhe ia dar a geral, um avião largou outra bomba que caiu perto. A mulher levantou-se, com a ferida meio aberta, e fugiu. Não a vi mais. Depois disseram-me que a tinham localizado, já morta, a cerca de quatro quilómetros dali."




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca – Eis, projectada no mapa, a principal actividade operacional das NT e a do PAIGC durante um pouco mais de três meses (entre 8 março e 18 junho de 1969), aonde Alfonso Delgado acabaria por intervir, certamente com muito trabalho e enormes dificuldades, prestando apoio médico aos guerrilheiros feridos em combate, algumas cirurgias e amputações, quase sempre durante a noite à luz de archotes de palha ardendo.

Na mata do Fiofioli, as principais operações das NT realizaram-se em março e abril de 1969, reagindo os guerrilheiros do PAIGC com ataques a aquartelamentos, destacamentos e emboscadas em abril, maio e junho, nomeadamente a Sul da linha de circulação entre Xime-Bambadinca-Mansambo-Xitole, a saber: Xime, Ponta Coli, Amedalai, Ponte do Rio Udunduma, Bambadinca, Taibatá, Demba Taco, Moricanhe, Mansambo, Ponte dos Fulas e Xitole (estrelas cor magenta)


Infogravura: Jorge Araújo (2016)


Oitava parte, enviada em 25 do corrente, das "notas de leitura" coligidas pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Alves Araújo. Trata-se de um extenso documento, que está a ser publicado em diversas partes (*), tendo em conta o formato, a especificidade e as limitações do blogue.


Foto acima: O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo: (i) nasceu em 1950, em Lisboa; (ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); (iii) fez o doutoramento pela Universidade de León (Espanha), em 2009, em Ciências da Actividade Física e do Desporto, com a tese: «A prática Desportiva em Idade Escolar em Portugal – análise das influências nos itinerários entre a Escola e a Comunidade em Jovens até aos 11 anos»; (iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; (v) para além de lecionar diversas Unidades Curriculares, coordena o ramo de Educação Física e Desporto, da Licenciatura em Educação Física e Desporto].



1. INTRODUÇÃO

Caros Camaradas Tertulianos; aproveito para reforçar os meus agradecimentos pelos vossos comentários aos textos anteriores, considerando-os relevantes neste contexto de partilha de memórias, a partir dos quais desejo organizar uma outra narrativa, concluído este trabalho que continuo a dar a melhor atenção.

Dito isto, seguimos hoje com a oitava parte deste meu projecto relacionado com a divulgação de algumas das principais experiências transmitidas por três médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência, nos anos de 1966 a 1969, como foi o caso do clínico Amado Alfonso Delgado.

Relembro que esta espontânea iniciativa surge na sequência de ter tido acesso ao livro escrito em castelhano pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch, uma coletânea de memórias e experiências divulgadas pelos seus dezasseis entrevistados, a que deu o título de «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp.] ou “on line” em formato pdf, em versão de pré-publicação.

Relembro, ainda, que por tratar-se de uma tradução e adaptação do castelhano, onde procurei respeitar as ideias expressas nas respostas dadas a cada questão, entendi não fazer juízos de valor sobre o seu conteúdo, colocando entre parênteses rectos, quando possível, algumas notas avulsas de reforço sócio-histórico ao que foi transmitido, ajudando-nos, por um lado, a melhor compreender o outro lado do conflito e, por outro, na busca de fechar o puzzle dos diferentes episódios em que ambos estivemos envolvidos.

De acordo com esta metodologia e objectivos serão bem-vindas todas as achegas factuais ao agora divulgado, pois consideramos que a história, enquanto ciência do Homem, necessita do seu aprofundamento, daí o título com que baptizei este trabalho: “d(o) outro lado do combate - memórias de médicos cubanos”.

2. O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO [III]

Esta oitava parte do projecto “memórias de médicos cubanos” corresponde ao quarto de cinco fragmentos em que foi dividida a entrevista ao doutor Amado Alfonso Delgado, médico de clínica-geral, com experiência em cirurgia.(*)

Nos três fragmentos anteriores [P16357; P16380 e P16396], referentes às primeiras quinze questões formuladas, encontramos os antecedentes que influenciaram a sua decisão de cumprir uma missão internacionalista, tendo-lhe surgido a hipótese de o fazer na Guiné Portuguesa (hoje Guiné-Bissau), que aceitou.

Esta inicia-se na véspera de Natal de 1967, tinha então vinte e sete anos de idade, na companhia de outro médico, voando de Havana até Conacri. É na Guiné-Conacri que tem a sua primeira experiência profissional africana, prestando serviço médico no Hospital de Boké, uma unidade de saúde de rectaguarda do PAIGC, juntando-se a mais quatro clínicos cubanos aí colocados anteriormente.

Em abril de 1968 tem início a sua integração na guerrilha ao ser destacado para a frente Leste para substituir o seu companheiro Daniel Salgado, médico-cirurgião militar que entretanto adoecera com o paludismo.

A sua entrada em território da Guiné-Bissau verificou-se pela fronteira Sul com a sua primeira caminhada a terminar na base de Kanchafra, aonde se encontravam vinte combatentes cubanos. Seguiram-se outras etapas ao longo de oito dias, com caminhadas cada vez mais duras, pois não estava preparado para esse desempenho. Nesse espaço de tempo passou por diversas aldeias onde se alimentava com farinha e carne, afirmando ter passado fome, habituando-se, desde então, a comer pouco.

Ao quarto dia disseram-lhe que tinha chegado à Mata do Unal, na região do Cumbijã. Continuada a “viagem” a pé, chegou à foz do Rio Corubal / Rio Geba (Xime) onde lhe foi transmitido que naquele lugar havia um problema mais perigoso que a tropa portuguesa, chamado “macaréu”. Quando chegou à outra margem [, presume-se que fosse a margem direita], encontrou um homem branco em calções, com gorro na cabeça e uma camisa. Este olhou-o com alguma indiferença, tendo-lhe perguntado: “tu pensas aguentar esta ratoeira? “Esquece, pois não duras nem três meses”. Perguntei-lhe porquê? Ao que me respondeu: “tu verás como isto é”.

Entre maio de 1968 e setembro de 1969 [dezassete meses], movimentou-se nas matas do Unal e do Fiofioli [Sector L1 - Bambadinca], com destaque para esta última frente, aonde esteve os primeiros nove meses de 1969, durante os quais teve muito trabalho, com enormes sobressaltos, muitas corridas em ziguezague, rastejanços e dores de barriga (com diarreias), que implicaram sucessivas trocas de acampamento, incluindo a destruição das suas enfermarias [, na mata do Fiofioli], por quatro vezes [, uma das quais no decurso da grande Op Lança Afiada, 8 a 19 de março de 1969].

Esteve cercado por várias vezes. Viu aviões bombardeiros, helicanhões, barcos da marinha e militares [, tropas paraquedistas do BCP 12, ] descerem de helicóptero. Para além dos constantes ataques a que esteve sujeito, foi também atacado por mosquitos que lhe perfuraram a roupa que tinha no corpo e por centenas de abelhas que lhe “ofereceram” os seus ferrões.

Por tudo isto passou vários meses sem ter contacto com o mundo. Devido a todas estas ocorrências e das tensões a elas associadas, por efeito da intervenção dos militares portugueses em diferentes acções naquela região, acreditou não ser possível sobreviver, pensando muito nos filhos, que iriam ficar sem pai… coitados.

Eis mais algumas memórias reveladas pelo médico Amado Alfonso Delgado. (**)


Entrevista com 25 questões [Parte IV, da 16.ª à 21.ª]
“Cirurgias com a ténue luz de fachos de palha ardendo” 
(Cap XI, pp. 136 e ss)


(xvi) Neste contexto complexo 
realizou operações cirúrgicas?

A maioria das vezes que operei foi em sítios calmos, aonde se situavam os 'hospitalitos' [enfermarias de colmo, a que dificilmente se poderia chamar hospitais de campanha], e onde também nos chegavam pessoas que pisavam minas ou tinham sido feridas em emboscadas.

Quase sempre os feridos chegavam de noite e tinha que os operar com archotes de palha. Fiz cerca de cinquenta operações. Amputações fiz muitas devido às minas [anti]pessoais. Também operei tórax e braços.


(xvii) Como faziam 
os archotes?

Apanhávamos maços de erva seca [capim], cortávamos, dobrávamos e amarrávamos com a mesma palha e pegávamos-lhes fogo. Às vezes não via o que estava a operar apesar de colocar à minha volta oito a dez archotes.

Os guineenses tinham muita resistência e com qualquer coisa ficava resolvido. Para minorar uma fractura óssea, fixava-lhes um tronquito da floresta e quinze dias depois estava bom. Se era uma pneumonia, com três injecções de penicilina curavam-se. Muito poucas vezes as feridas se infectaram após as operações que realizei. Eles sangravam pouco.

No primeiro hospital onde estive [Boké] fazíamos-lhes análises de hemoglobina e era muito raro que algum tivesse mais de 5 g/dl. Em Cuba temos 13, 14 g/dl. Mas apesar desta situação, caminham mais e são mais fortes que nós.


(xviii) Conte algumas das suas experiências 
com a população

A maioria da população não sabia a sua idade, era o mesmo dizer cinquenta como trinta anos, devido ao contexto onde viviam. Eram muito afectuosos e protegiam-nos muito, às vezes às custas das suas próprias vidas.

Eu senti-me muito bem na Guiné e creio que foi uma das melhores épocas de trabalho da minha vida. Às vezes chegava a uma tabanca, e era para eles como um filme ao verem um branco. De repente ficava cercado por quarente/cinquenta crianças e logo me começavam a tocar nos pelos, na cara, nos braços. Era algo raro que nunca antes tinha visto.

Numa outra ocasião, uma bomba caiu perto de uma mulher e feriu-a no abdómen. Eu levava um manual de como aplicar a anestesia, porque naquele momento não me encontrava com o assistente. Devia abrir o seu abdómen pois tinha peritonite. Coloquei-lhe anestesia local, e quando lhe ia dar a geral, um avião largou outra bomba que caiu perto. A mulher levantou-se, com a ferida meio aberta, e fugiu. Não a vi mais. Despois disseram-me que a tinham localizado, já morta, a cerca de quatro quilómetros dali. Eram coisas que se passavam.

Outras vezes tive que ser dentista. Tinha equipamento para extrair dentes e por sorte eles têm poucas cáries. Aprendi e extrai, naquele tempo, perto de cinquenta.

Como já referi, os guineenses são pessoas muito resistentes. Um dia chegou-me um homem que tinha sido atingido por uma bala, há três meses atrás. Ela entrou-lhe pelo abdómen e saiu-lhe pelas costas, e estava como se nada tivesse acontecido. Se fosse em Cuba, morria-se três vezes. Tive que o enviar para Conacri [Boké], pois era uma operação complicada.

Noutra ocasião levaram-me uma criança que não obrava pelo ânus, mas por orifício perto do recto na ponta da nalga. Não sabia o que era, apalpei-o e encontrei uma coisa dura dentro. Enviei-o para Boké aonde lhe fizeram uma radiografia e viram que era um pau que a tinha atravessado desde a nalga até ao diafragma. Atravessou seis alças intestinais. O pau tinha apodrecido e as fezes saíam por esse sítio. O médico Almenares operou-o e teve de lhe cortar seis pedaços de intestino.

Estando na Mata do Fiofioli, trouxeram-me um comandante [?] com uma ferida no abdómen. Deitava pouco sangue, pus-lhe um penso e enviei-o para o hospital de Boké para o operarem. Para o transportar até esse lugar, designaram entre catorze a dezasseis homens. Dois o colocaram numa padiola em cima dos seus ombros e seguiram. Foram-se revezando pelo caminho ao longo de duzentos quilómetros [?]. Ao fim de um mês, este comandante apareceu para me cumprimentar e agradecer-me pois já estava bom.

Também atendi em duas ocasiões feridos com mordeduras, na cara, provocadas por leopardos [, ou mais provavelmente onças] feridos por caçadores, pois normalmente estes animais não atacam os seres humanos. Atendi, ainda, vários elementos da população com mordidelas de serpentes, pois existem milhares delas na Guiné.

(xix) Encontrou doenças 
que não existem em Cuba?


Sim, várias doenças raras. Por exemplo, aldeias inteiras com tracoma, que é uma infecção nos olhos e nas pálpebras que deixa cegas as pessoas. Visitei aldeias aonde muitos estavam cegos. Pessoas com lepra avançada, a que, lhes faltavam dedos, e por isso nos davam as mãos pois gostavam muito de nos cumprimentar.

Havia uma doença, a míasis, produzida pela picada de uma mosca, que provoca um abcesso e daí saiam vermes (bichos). Outra que produzia umas bolhas no corpo, denominada oncocercose, que é um tipo de filária. Uma vez lembrei-me de lancetar uma dessas bolhas a um doente e não fechava. Essa doença tem tratamento especial. Existe um verme que se mete por debaixo da pele e os guineenses apanham um palito, o amarram com um fio de palma, o introduzem no furúnculo e o vão rolando todos os dias até que tiram o enorme bicho a que chamam «verme (bicho) da Guiné».

Existem muitos parasitas e insectos perigosos como a nígua, que se introduz na pele das pessoas em época seca e forma como um furúnculo. Tem-se que o extrair o qual tem a forma de carraça.


(xx) Anormalidades da sua vida 
nas matas de Guiné-Bissau?

Eis algumas! Tomávamos banho no rio. Não tínhamos nem toalhas nem sabão, nem tampouco papel para escrever alguma mensagem. Durante oito meses tive um par de ténis que era o melhor para fazer caminhadas e, por último, já os amarrava com folhas largas pois não havia corda [atacadores].

Quando nos lembramos disso, damo-nos conta de que nessas ocasiões havia coisas que não eram muito normais. Por exemplo, numa ocasião quando me encontrava numa zona perto de um rio, despi-me e lancei duas granadas à água. Imediatamente me atirei ao chão e depois das explosões mergulhei e apanhei perto de vinte peixes mortos. Nesse dia comi com abundância. Penso que todos estávamos um pouco loucos, pois a guerra é a mãe [da loucura e e a rainha de todas as coisas; alguns transforma em deuses, outros em homens; de alguns faz escravos, de outros homens livres, (cit. Heraclito; 535 a.C.-475 a.C.: filósofo pré-socrático considerado o “pai da dialética”].

Colocaram-me à disposição um sangrador de palmeiras (para fazer escorrer o vinho, tipo corta-gotas utilizados nas garrafas). Como não tinhamos desinfectante para colocar na água contaminada, pedíamos a um homem que subisse ao cimo das palmeiras e aí extraía o líquido acumulado que era como se fosse vinho. Cada três/quatro dias me traziam cerca de quatro litros desse líquido. Havia dias em que bebia perto de dois litros de vinho.
Durante o tempo que estive na Guiné comi carne de búfalo, crocodilo, antílope, tartaruga, hipopótamo, javali, macaco, pássaros de várias espécies, apesar da comida principal ser arroz e óleo de dendém.

Em três ocasiões tive paludismo. Uma delas deu-me muito forte e quase que não me podia levantar. Eu próprio me tratava.


(xxi) Andava junto 

com os guerrilheiros?


Andei e fiquei em vários sítios, primeiro em Kandiafara, perto da fronteira Sul, depois na mata do Fiofioli [frente Leste], aonde estive em cinco lugares diferentes, pois é um território com uns trinta quilómetros quadrados [ao longo das margens do Rio Corubal] e mudávamo-nos cada vez que sentíamos algum movimento estranho.

Informavam-me qual o dia que atacariam algum ponto [aquartelamento; destacamento; coluna de abastecimento; tabanca, …] onde estavam os portugueses. Deixavam-me geralmente a um quilómetro desse lugar. Era sempre um ataque com canhões e morteiros. Na mata não é fácil e às vezes ficava um guerrilheiro em cima de uma árvore dando indicações aonde estavam a cair os projécteis para se poder corrigir o tiro. Os portugueses, enquanto elas [granadas] iam caindo, abrigavam-se, e depois contra-atacavam.

[À intensa actividade operacional das NT na
 região da mata do Fiofioli em 1969, como foram os exemplos referidos no P16396: (“Op. Lança Afiada”, entre 8 e 19 de março, movimentando cerca de 1300 efectivos; “Op. Baioneta Dourada” em 2 e 3 de abril, envolvendo um total de sete Gr Comb e “Op. Espada Grande”, em 4 e 5 de abril, com nove Gr Comb, reagiu o PAIGC, treze dias depois, com a primeira acção, realizando uma emboscada na Ponta Coli, no troço da estrada Xime-Bambadinca, em 18 de abril, esta liderada por Mário Mendes Cmdt do bigrupo que atacou os dois grupos de milícias aí instalados em missão de segurança à estrada anteriormente referida, ou seja, o Pel Mil 104 (sediado em Taibatá) e o Pel Mil 105 (destacado em Demba Taco), ambos com uma secção em Amedalai - P12154. Três anos depois, em 25 de maio de 1972, Mário Mendes viria a morrer em combate, na Ponta Varela, na acção “Gaspar 5”, envolvendo seis Gr Comb: três da CART 3494 e três da CCAÇ 12, tendo-lhe sido capturada a sua Kalashnikov, bem como documentação relacionada com  as acções a desenvolver naquela zona - P13440].

[Quarenta dias depois desta emboscada, na noite de 28 de maio de 1969, os guerrilheiros do PAIGC atacaram pela primeira vez (e que viria a ser a única) o aquartelamento e posto administrativo de Bambadinca (Sector L1), aonde estava instalado, à data, o comando do BCAÇ 2852 (1968/70). Participaram no ataque, que durou cerca de quarenta minutos, dois bigrupos (mais de cem elementos), tendo utilizado três canhões s/r (cujos invólucros se apresentam na imagem à direita), morteiros, RPG, metralhadoras ligeiras e pesadas e armas automáticas de assalto, sem grandes consequências - P11575.

[Em simultâneo com este ataque, outros guerrilheiros procediam à sabotagem da ponte sobre o Rio Udunduma, ao tempo sem qualquer segurança, situada a quatro quilómetros, na estrada Bambadinca-Xime. Para o local seguiu o 3.º Pelotão da CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69), comandado por Carlos Marques Santos (ex-Fur Mil), reforçado pelo Pel Caç Nat 63, visando a ocupação e defesa do pontão, criando um posto avançado de protecção a Bambadinca.



Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) – Uma das primeiras imagens da Ponte do Rio Udunduma, objecto de sabotagem por parte do PAIGC, na noite de 28 de maio de 1969, aquando do ataque ao quartel de Bambadinca (P11162, com a devida vénia). Aqui passei o 2.º semestre de 1973 e mais algumas semanas de 1974.


[Em 2 de junho de 1969, com início às 20h30, ocorreram, com pequenos intervalos entre si, novos ataques a Amedalai, Demba Taco e Moricanhe, respectivamente. Esta última tabanca seria evacuada dois dias depois para reforço de Amedalai - P1019.

[Em 8 de junho, pelas 18h15, seria a vez do Xitole ser flagelado com mort 82, registando-se novos ataques três dias depois (11 de junho: às 05h05 e 22h50) com mort 82 e canhão s/r, todos eles sem consequências. Nesse mesmo dia (11), às 00h01, novo ataque, agora a Mansambo, com canhão s/r, mort 82, LGFog e armas automáticas, durante trinta minutos, sem consequências. Um novo ataque seria repetido dois dias depois (13), com início às 18h30, com a utilização do mesmo material bélico, sem consequências. No dia seguinte (14) seria flagelado o destacamento de Taibatá, defendido pelo Pel Mil 104. Finalmente em 18 de junho, pelas 17h30, foi flagelado, durante 25 minutos, o destacamento da Ponte dos Fulas, no subsector do Xitole, com mort 82, igualmente sem consequências (in: história do BCAÇ 2852 - Bambadinca, 1968/70, pp. 87/88).

[É de crer que este vasto programa de acções esteja relacionado com o documento assinado por Amílcar Cabral (1924-1973), em 4 de junho de 1969, dando instruções para a realização de ataques, no dia 10 de junho, a diversos quartéis e destacamentos da frente Leste (Bambadinca, Gabú, Cabuca, Xime, Mansambo, Canjadude e várias tabancas com milícias e tropas portuguesas), devendo nalguns casos ser repetido durante três dias - P12156].

Continua…

_________________


Notas do editor:

(*) Vd. poste de 17 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16396: Notas de leitura (871): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VII: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (III): Na mata do Fiofioli, pensei que ia morrer, pensei nos meus filhos, que iriam ficar sem pai… coitados, tão pequenos


(**) Último poste da série "Notas de leitura" > 22 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16412: Notas de leitura (873): "O que a Censura cortou": notícias da Guiné, por José Pedro Castanheira (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16380: Notas de leitura (868): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte VI: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (II): Na margem direita do rio Corubal, na mata do Fiofioli: «¿Tú piensas aguantar la mecha esta?, olvídate, que no duras ni tres meses" / "Tu pensas aguentar esta ratoeira? Esquece, pois não duras nem três meses”...


Guiné > Região controlada pelo PAIGC, possivelmente no sul > Visita de uma delegação escandinava às "regiões libertadas" > Novembro de 1970 > Foto nº 25 > Progressão, na savana arbustiva, por meio do capim alto, de um grupo de guerrilheiros. Presume-se que as colunas logísticas do PAIGC tivessem segurança por parte da milícia ou do exército populares...

Fonte: Nordic Africa Institute (NAI) / Fotos: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a competente autorização do NAI. As fotografias tem numeração, mas não trazem legenda. Edição e legendagem; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


Sexta parte, enviada a 7 do corrente, das "notas de leitura"  (*) coligidas pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Alves Araújo. Trata-se de um extenso documento, que está a ser publicado em diversas partes (*), tendo em conta o formato e as limitações do blogue,


1. INTRODUÇÃO

Caros tertulianos: no P16357 (**) iniciámos a publicação da segunda de três entrevistas realizadas pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch a médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência.

Seguimos agora com a segunda de quatro partes em que o entrevistado continua a ser o dr. Amado Alfonso Delgado, médico de clínica geral mas com experiência em cirurgia. O seu depoimento global pode ser consultado no livro, escrito em castelhano, com o título «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp. Disponível "on line"em formato pdf, numa versão de pré-publicação].

Nesta obra encontramos uma panóplia de outros relatos e experiências vividas exclusivamente por médicos cubanos em diferentes missões africanas como foram os casos passados na Argélia, no Congo Leopoldville, no Congo Brazzaville ou em Angola.

Porque se trata de uma tradução (com adaptação livre e fixação do texto em português, da minha responsabilidade), não farei juízos de valor sobre o conteúdo desta e das outras entrevistas: apenas coloquei entre parênteses rectos algumas notas avulsas de enquadramento sócio-histórico ao que foi transmitido, com recurso a imagens desse contexto retiradas da Net e dos arquivos do nosso blogue.


Foto acima: O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo: (i) nasceu em 1950, em Lisboa; (ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); (iii) fez o doutoramento pela Universidade de León (Espanha), em 2009, em Ciências da Actividade Física e do Desporto, com a tese: «A prática Desportiva em Idade Escolar em Portugal – análise das influências nos itinerários entre a Escola e a Comunidade em Jovens até aos 11 anos»; (iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; (v) para além de lecionar diversas Unidades Curriculares, coordena o ramo de Educação Física e Desporto, da Licenciatura em Educação Física e Desporto].


2.  O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO [II]

Sumariando as primeiras cinco questões abordadas pelo médico Amado Alfonso Delgado no poste anterior, é de relevar que foi por ter iniciado o Serviço Médico Rural em Realengo 18, em Guantánamo, e pela prática clínica desenvolvida no Hospital de Gran Tierra de Baracoa, para onde fora transferido em janeiro de 1967, que surge a oportunidade de cumprir uma "missão internacionalista", que ele desejava que fosse no Vietname mas que acabou por ter outro destino: a Guiné Portuguesa (hoje Guiné-Bissau).

Com vinte e sete anos de idade inicia a sua missão africana na véspera de Natal de 1967, na companhia de outro médico, voando de Havana até Conacri, com escala em Gander [Canadá], Praga, Paris e Senegal (, quase meia volta ao mundo!). Durante o primeiro trimestre de 1968 presta serviço médico no Hospital de Boké, na Guiné-Conacri (e uma das bases do PAIGC) na companhia de mais quatro clínicos cubanos: o cirurgião militar Almenares, um ortopedista, um analista de laboratório e um técnico de raio X.

Em abril de 1968 segue para a frente Leste, substituindo o seu companheiro Daniel Salgado, na base de Kandiafra, por este se encontrar doente com uma forte crise palúdica. Nesta base encontravam-se vinte combatentes cubanos. Entre maio de 1968 e setembro de 1969 [dezassete meses], movimentou-se nas matas do Unal Ina região de Tombali) e Fiofioli [Sector L1 - Bambadinca], com destaque para esta última frente, onde pensou não sobreviver, tantas foram as dificuldades por que passou.

Eis o relato de outros apontamentos revelados pelo doutor Amado Alfonso Delgado tendo por base o guião da sua entrevista.

A entrevista tem com 25 questões. Hoje apresentamos a resposta (em itálico) às  questões de 6 a 11 com a devida vénia ao autor, conhecido jornalista cubano Hedelberto López Blanch (n. 1947).


“Cirurgias com a ténue luz de fachos de palha ardendo” 
(Cap XI, pp. 136 e ss)


Entrevista com 25 questões [Parte 2 > da 6.ª à 11.ª]

(vi) Quando chegou 
à zona da guerrilha?

Em Conacri estive cerca de uma semana [em janeiro de 1968]. Levaram-me a uns armazéns do PAIGC e aí distribuíram-me roupas, dois pares de botas, arma, granadas e outras coisas. Os companheiros que iam deixar aquela terra africana perguntaram-me para onde ia com aquele carregamento, explicando-me que deveria levar ténis uma vez que era o mais adequado, pois que no interior da Guiné-Bissau iria ter de caminhar muito e quanto mais pesado pior. De qualquer modo, levei uma mochila bem carregada.

Num dia de semana fui transportado num camião que me levou, não sei durante quanto tempo, passando por várias aldeias até chegar a uma povoação de nome Boké, onde havia um hospital de rectaguarda do PAIGC, perto da fronteira com a Guiné-Bissau [, a sul]. Ali permaneci três meses [até meados de abril de 1968], na companhia de vários cubanos.

Aí conheci o [comandante] Victor Dreke (chefe da missão militar cubana) e o [tenente] Erasmo Vidiaux [Robles],  outro importante combatente cubano, quando ambos circulavam naquela zona. [Estes dois oficiais participaram, anteriormente, na missão cubana no Congo-Leopoldville (Belga), em 1965, comandada por Ernesto “Che” Guevara (1928-1967)].

Com permanência fixa em Boké, estavam [quatro técnicos de saúde]: o dr. Almenares (cirurgião militar de Santiago de Cuba que morreu alguns anos depois em Cuba com cancro da próstata), um ortopedista, um analista de laboratório e um técnico de raio X. Eu ia como médico de clínica geral, mas como tinha experiência de cirurgia ajudei o Almenares em várias operações, particularmente feridos de guerra.

(vii) Porquê e quando lhe destinaram 
a zona de guerra?

Um dia disseram-me que teria de ir para a frente Leste, pois havia que substituir o médico [Daniel] Salgado (morreu em 2000 de um cancro no fígado),  que tinha contraído paludismo e não se sentia bem. Saí em abril de 1968 num camião e depois de várias horas chegámos à fronteira entre as duas Guinés. Cruzámos um rio e chegámos a um acampamento denominado Kandiafara. Aí estavam vinte cubanos e onde passei vários dias até que chegou a ordem para avançar.

Designaram vários guerrilheiros guineenses para me levarem a um determinado lugar. recordo que andámos durante sete ou oito dias, em etapas de muitas horas. Foi muito duro, nunca tinha caminhado tanto mas sentia-me bem. Iam também algumas raparigas guerrilheiras que de vezes em quando ajudavam no transporte dos meus bens, colocando a minha mochila às suas cabeças.

Num desses dias entrámos numa lagoa [ou bolanha?] e nela caminhámos durante horas. Não sei como o podiam fazer mas conheciam perfeitamente o itinerário e o terreno, e em várias situações a água chegava-nos ao peito. A lagoa estava cheia de sanguessugas,  aconselhando-me a amarrar bem as calças e a levantar os braços bem alto para que não entrassem. Numa porção de terra, cercada de água, parámos para descansar e onde passámos a noite. Tinha um capote grosso e através deste os mosquitos picavam-me. Tive de me tapar completamente com uma manta. Pela manhã voltámos à caminhada.


Mapa da região de Cumbijã, no sul,  com a posição relativa de Unal. Infogravura de António Murta


(viii) De que se alimentavam?

Durante este trajecto comemos pequenas quantidades de arroz e em duas ou três ocasiões parámos em aldeias [tabancas] onde nos deram um pouco de farinha e carne. Comíamos pouco e, por isso, nos fomos habituando. Depois não me preocupava em alimentar-me, o mesmo não aconteceu no princípio, quando passava fome.

Volvidos quatro dias entrámos num lugar que me disseram ser a Mata de Unal, muito perigosa e onde o tiroteio era abundante. A menos de um quilómetro as tropas portuguesas batiam a zona com a sua artilharia. 

Continuámos a marcha até chegar a um rio grande que tinha cerca de dois quilómetros de largura. Era a junção dos rios Corubal e Geba [Xime] que iam desaguar no Atlântico. Nesse braço de mar existiam tubarões [?], hipopótamos e crocodilos, onde me disseram para ter muito cuidado porque um homem que havia caído aí recentemente nunca mais apareceu.

Fizemo-lo em canoas de troncos de árvores e informaram-me de que deveria tirar tudo do corpo caso a embarcação se virasse. Às vezes as canoas [pirogas] levavam umas trinta pessoas. Tentei chegar à embarcação mas não pude, porque era de estatura baixa. Os nativos eram altos, experimentados e podiam/sabiam andar no lodo, mas eu ao quarto ou quinto dia me enterrei até aos joelhos e não podia continuar. Naquele momento tiveram que me puxar com o meu equipamento: a arma e mais três carregadores, e me levaram até à canoa. A travessia foi feita durante a noite, uma vez que aí não existiam lanchas de patrulhamento nem aviação para nos atacar.

Disseram-me, ainda, que ali havia um problema grave, mais perigoso que a tropa [portuguesa], que era o “macaréu”. No princípio não entendi e deduzi que fosse um animal, até que um dia vi o dito macaréu, que era uma maré que entrava e subia, não sei quantas vezes no dia. Uma onda de vários metros procedente do mar e se apanhasse algo pela frente era certo que o virava e o fazia desaparecer. Eles sabiam quando podiam passar.


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Xime > 1972 >  Imagem do “macaréu” no Rio Geba por onde circulou o dr. Alfonso Delgado no ano de 1969. Três anos depois, em 10 de agosto de 1972, a CART 3494 perdeu neste mesmo local, estupidamente, três elementos do seu contingente (faz quarenta e quatro anos): Abraão Moreira Rosa, da Póvoa de Varzim; Manuel Salgado Antunes, de Quimbres, Coimbra; e José Maria da Silva e Sousa, de São Tiago de Bougado, Santo Tirso (história deste naufrágio nos P10246, P13482 e P13493).


(ix) Como comunicava 
com eles?

Uma vez que os cubanos haviam chegado já há algum tempo, os guineenses tinham facilidade de aprender vários idiomas. Alguns deles falavam português, que era parecido com o espanhol, e ao fim de um mês eu já falava com eles. Durante a viagem de canoa, onde iam vinte guerrilheiros, seguia ainda outro cubano, que era um técnico de raio X, de apelido Pupo, e apesar de ser muito mais forte do que eu, era com dificuldade que resistia aquela caminhada.


(x) Nessa região encontrou-se 

com o médico que iria substituir?

Quando chegámos à outra margem [, direita, do Rio Corubal], encontrei um homem branco em calções, com gorro na cabeça e uma camisa. Olhou-me com alguma indiferença, perguntando-me: "Tu pensas aguentar esta ratoeira? Esquece, pois não duras nem três meses”. Perguntei-lhe porquê? Ao que me respondeu: “Tu verás como isto é”[No original: "¿Tú piensas aguantar la mecha esta?, olvídate, que no duras ni tres meses».]

Este homem era de facto Daniel Salgado, médico militar que também esteve na segunda Frente e a quem eu ia substituir. O que aconteceu depois foi que ele passou a ser o meu melhor amigo que tive e cuja amizade se prolongou em Cuba durante muitos anos até que faleceu. Como já sabia que eu vinha, preparou um macaco para o almoço. Ali esteve mais cinco dias até que partiu de regresso. Nesse lugar soube da existência de um hospitalito [enfermaria de colmo] na frente Leste, na região de Bafatá [Sector L1], que me disseram ser na Mata de Fiofioli [mapas abaixo].


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Localização da mata do Fiofioli, zona de floresta galeria, situada na margem direita do Rio Corubal, entre Mangai e Concodea Beafada [P9080].


O "hospital de campanha" ["hospitalito"] onde esteve o dr. Delgado foi destruído pelas NT no decurso da grande Op Lança Afiada, que envolveu mais de 1300 homens entre militares e carregdores civis: vd. poste de 3 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11665: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): III Parte: Dias D+4, D+5, D+6, D+7: Pânico entre os carregadores devido aos ataques de abelhas, muitas helievacuações por desidratação e esgotamento, muitas toneladas de arroz destruído, muitas centenas de animais apanhados e consumidos, várias grandes tabancas (como Mangai, Ponta Luís Dias e Fiofioli), escolas, dois hospitais de campanha e outras instalações queimadas...

Essa zona do hospitalito [enfermaria] tinha quatro palhotas: uma para os feridos, com dois pequenos bancos de madeira, duas camas construídas com estacas e palha por cima; a cozinha; o depósito de géneros e a do médico, que se encontrava um pouco mais distante. Estava situado na confluência de dois rios [Corubal + Buruntoni?] surgindo depois um grande espaço de terra que ia ter ao mar [?].

Era nessa ponta onde nos encontrávamos, num plano mais alto, bastante fechado e com muitos animais [seria entre a Ponta Luís Dias e a Ponta do Inglês? De referir que o destacamento da Ponta do Inglês foi desativado em 7/8 de outubro de 1968, com a evacuação do pelotão aí instalado da CART 1746, regressando este à sua Unidade aquartelada no Xime, comandada pelo nosso saudoso amigo e camarada ex-Cap Mil António Vaz (1936-2015). A decisão da sua evacuação é atribuída a António de Spínola (1910-1996), então Brigadeiro, contemplada no plano de redistribuição das NT no terreno, iniciado após a sua chegada, em maio de 1968, ao CTIG - P10009].

O responsável pelo hospitalito [enfermaria] era um cabo-verdiano, enfermeiro, ao qual lhe pedi autorização para caçar. Primeiro, disse-me que não se podia gastar munições, mas depois indicou-me que só o poderia fazer um pouco mais distante por forma a não sinalizar a sua posição.

Levantava-me às cinco da madrugada, cozinhava o arroz, que era o pequeno-almoço, e depois fazia a visita, pois quase sempre tinha algum ferido. Operava quando havia combates, uma vez que dava a ideia de ser uma guerra planificada. Aconteciam emboscadas pré-estabelecidas, onde estavam os guerrilheiros com mulheres e filhos. Eles tinham muitas vezes critérios rigorosos na guerra. Em certas ocasiões ficavam num acampamento, apesar do opositor [o inimigo] saber da sua localização, e quando este bombardeava morriam alguns.


(xi) Como tratava os guerrilheiros 
no mato?

As estações do ano na Guiné-Bissau são duas: a época seca [, de novembro a abril] e a da chuvas [,de maio a outubro]. Durante a época seca passavam meses [seis] e não caía uma gota de água, na outra, em determinadas ocasiões, a chuva caía durante dias. 

Os guerrilheiros faziam a sua vida normal, debaixo de água [à chuva], e pela noite reuniam-se à volta de uma fogueira para se aquecerem. Nesta época a vegetação crescia e tapava todo o hospitalito [enfermaria]. Era uma época má para a caça e a única que se conseguia apanhar era algum macaco, embora se considerasse ser uma época boa para a guerra, pois os aviões não nos detectavam.

As avionetas de reconhecimento [DO 27] passavam com frequência e quando o faziam várias vezes seguidas, mudávamos o acampamento, porque a seguir acontecia, quase sempre, um ataque. 

Por outro lado, a época seca era boa porque tínhamos abundante comida, muita carne, mas o opositor te atacava muito mais, bombardeando a partir dos helicópteros [Alouette III – Heli Canhão, de fabrico francês, utilizados pelas NT nos três TO (imagem abaixo]. 


DO 27

Heli canhão

Os helis desarmados  realizavam essencialmente operações de transporte geral, reconhecimento, heli-assaltos e evacuações sanitárias. Os armados, chamados de “helicanhões”, tinham o nome de código “Lobos Maus”, estavam equipados com canhão lateral Mauser MG-151/20 (20 mm). O artilheiro estava sentado de lado e disparava o canhão pela abertura do portão esquerdo. (http://neloolen-modelismo.no.comunidades.net/alouette-iii-52-anos-na-fap, com a devida vénia)].

Continua…
___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 8 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16370: Notas de leitura (865): O ensino da literatura da Guiné nas escolas portuguesas (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16357: Notas de leitura (865): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte V: o caso do clínico geral Amado Alfonso Delgado (I): queria ir para o Vietname foi parar ao Fiofioli...



Mapa das regiões [frentes e bases] do PAIGC. Os símbolos azuis correspondem aos itinerários percorridos pelo médico Diaz Delgado (de julho de 1966 a dezembro de 1967). Os verdes correspondem ao médico Alfonso Delgado (de abril de 1968 a setembro de 1969). Infogravura adapt. de Supintrep nº 31, fevereiro de 1971, por Jorge Araújo.



Quinta parte, enviada a 13 de julho último, das "notas de leitura" coligidas pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro, Jorge Alves Araújo. Trata-se de um extenso documento, que está a ser publicado em diversas partes (*), tendo em conta o formato e as limitações do blogue. 


 
Foto à esquerda:

O nosso grã-tabanqueiro Jorge Araújo: (i) nasceu em 1950, em Lisboa; (ii) foi fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); (iii) fez o doutoramento pela Universidade de León (Espanha), em 2009, em Ciências da Actividade Física e do Desporto, com a tese: «A prática Desportiva em Idade Escolar em Portugal – análise das influências nos itinerários entre a Escola e a Comunidade em Jovens até aos 11 anos»; (iv) é professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; (v) para além de lecionar diversas Unidades Curriculares, coordena o ramo de Educação Física e Desporto, da Licenciatura em Educação Física e Desporto].



1. INTRODUÇÃO

Caros tertulianos. Concluímos no P16304 (*) a publicação da primeira de três entrevistas realizadas pelo jornalista e investigador Hedelberto López Blanch a médicos cubanos que estiveram na Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau] em missão de “ajuda humanitária” ao PAIGC, na sua luta pela independência.

Estas três entrevistas, associadas a outras doze missões africanas ocorridas em situações e momentos  diferentes, como foram os casos de Argélia, Congo Leopoldville, Congo Brazzaville e Angola, estiveram na origem do seu livro, escrito em castelhano, com o título «Histórias Secretas de Médicos Cubanos» [La Habana: Centro Cultural Pablo de la Torriente Brau, 2005, 248 pp. ].[Disponível "on line"em formato pdf, numa versão de pré-publicação].

Recordo que o primeiro entrevistado foi o cirurgião Domingo Diaz Delgado, elemento do primeiro grupo de clínicos chegados à Guiné em 1966, a quem foram formuladas vinte e oito questões relacionadas com a sua missão, desde a tomada de decisão pessoal [finais de 1965] e chegada a Concri,maio de 1966, até ao regresso a Havana, em janeiro de 1968.

Considerando que ela decorreu durante vinte meses, dos quais dezasseis nas matas das frentes Norte e Leste da Guiné [1966-1967], as respostas às questões formuladas dão-nos conta, com bastante detalhe, do modo como foi feita a preparação para a missão, da viagem (secreta) de barco e do processo de inclusão na estrutura do PAIGC.

 O depoimento deste homem é interessante para quem quiser conhecer melhor o contexto da guerra de guerrilha, as condições logísticas vividas em bases improvisadas, precárias e com escassos recuros recursos, bem como as misérias e as grandezas da medicina que se podia praticar naquelas condições, cvom o médico opra socorrendo os guerrilheiros feridos nos combates, ora prestando  cuidados àss populações sob o seu controlo. Descreveu, também, as actividades operacionais no interior de um bi-grupo durante os primeiros três meses de 1967, na frente Norte [Sambuia], até ao momento em que adoeceu, por paludismo, sendo transferido para Conacri aonde permaneceu durante mais três meses em recuperação. Faz, ainda, referência ao modo como foram passados os últimos seis meses de 1967 na frente Leste, acompanhando os guerrilheiros em actividades operacionais nos corredores entre Madina do Boé e Beli. Regressou a Cuba em janeiro de 1968.

Quanto à segunda entrevista, que agora se inicia, tem como principal interlocutor o médico de clínica geral, com experiência em cirurgia, Amado Alfonso Delgado. A sua missão teve início na véspera de Natal de 1967, na companhia de outro médico, voando de Havana até Conacri, com escala em Gander [Canadá], Praga, Paris e Senegal. A sua chegada a Boké, na Guiné-Conacri, aconteceu nos primeiros dias de 1968, aonde se manteve durante três meses, prestando serviço médico no Hospital local, na companhia de mais quatro clínicos cubanos: o cirurgião militar Almenares, um ortopedista, um analista de laboratório e um técnico de raio X.

Em abril de 1968 segue para a frente Leste substituindo o seu companheiro Daniel Salgado, na base de Kandiafara, por este se encontrar doente com uma forte crise palúdica. Nesta base encontravam-se vinte combatentes cubanos. Entre maio de 1968 e setembro de 1969 [dezassete meses], movimentou-se nas matas do Unal e Fiofioli [com passagens e histórias de locais míticos que marcaram a minha vida e a de muitos de nós, como foram os casos do Xime, Ponta Coli, Ponta Varela, Poindon, Ponta do Inglês e Enxalé].[vd. infogravura acima].

É de tudo isto, e de algo mais, que o médico Amado Alfonso Delgado aborda no seu depoimentos.

Porque se trata de uma tradução (com adaptação livre e fixação do texto em português, da minha responsabilidade), não farei juízos de valor sobre o conteúdo desta e das outras entrevistas: apenas coloquei entre parênteses rectos algumas notas avulsas de enquadramento sócio-histórico ao que foi transmitido, com recurso a imagens desse contexto retiradas da Net e dos arquivos do nosso  blogue.

2.  O CASO DO MÉDICO AMADO ALFONSO DELGADO [I]

Nesta longa entrevista, Amado Alfonso Delgado fala da sua família e dos seus estudos, bem como da decisão, amadurecida, de se oferecer para uma missão internacionalista em apoio à luta do PAIGC. Fala da sua longa viagem de Havana a Conacri, de Conacri a Boké, na fronteira Norte com a Guiné. Recorda as caminhadas longas de sete dias por matas e bolanhas, estas às vezes cheias de sanguessugas, dos terríveis suplícios que eram os mosquitos e as abelhas, enfim, das ofensivas das tropas portuguesas…

A entrevista tem com 25 questões. Hoje apresentamos a resposta (em itálico) às cinco primeiras, com adevdia vénia ao autor, conhecido jornalista cubano Hedelberto López Blanch (n. 1947).

“Cirurgias com a ténue luz de fachos de palha ardendo” (Cap XI, pp. 136 e ss)

“Para Alfonso Delgado foram dias aziagos, de sacrifícios, e por que não, de heroísmo, para servir um movimento de libertação que em meados da década de sessenta [do séc. XX] era o mais organizado e combativo de África”.

Nasceu em 1940 na cidade de Santa Clara [local da última batalha na Revolução Cubana, cujos combates foram liderados pela dupla do Exército Rebelde: Ernesto Che Guevara (1928-1967) e Camilo Cienfuegos Gorriarán (1932-1959), realizada no último dia do ano de 1958, levando ao exilio, nessa data, o então presidente de Cuba, Fulgêncio Batista (1901-1973), primeiro rumando à República Dominicana, depois até à Ilha da Madeira (Portugal) e, por último, a Espanha, onde morreu em Marbella, em 6 de Agosto de 1973, de enfarte do miocárdio].

Até à entrada para a universidade, estudou em colégio particular, dos antigos Maristas, não sem sacrifício opara a família, de origem modesta: a mãe era professora e i pai militar, “Os seus pais fizeram grandes esforços para lhe pagar, que frequentou desde o primeiro grau até ao quinto ano do bacharelato. Com a Universidade de Havana fechada, em 1957, pela ditadura de Fulgêncio Batista, teve procurar os seus pr+óprios meiso de subsistência, tendo trabalhado nomeadamente numa pequena fábrica de tubos em Cotorro [um município situado a sudoeste da Província e cidade de Havana].

Em 1959, a Universidade reabre e o nosso futuro médico começa a estudar medicina..

Na altura da entrevista, era cirurgião do Hospital Docente Clínico-Cirúrgico Dr. Salvador Allende, em Covadonga, Calçada del Cerro, em Havana. [A nova designação de Hospital Dr. Salvador Allende (1908-1973) verificou-se em 1973 em homenagem ao presidente chileno, também ele médico – morto em 11 de setembro de 1973, na sequência do golpe de estado liderado pelo seu chefe das Forças Armadas, Augusto Pinochet (1915-2006). Este estabelecimento de saúde chamava-se originalmenmte Casa de Saúde «Quinta Covadonga», tendo sido inaugurado em março de 1897.

“O início desta casa de saúde «Quinta Covadonga» é atribuído a acção desenvolvida, a partir de 1896, pelo emigrante asturiano (província espanhola) Manuel Valle, contando esta com vários pavilhões sanitários e onde existiam as tecnologias mais avançadas da época. A comunidade asturiana em Cuba passou a contar, desde o seu início, com apoio médico qualificado a preços simbólicos. De referir que esta instituição de saúde dependia do «Centro Asturiano de La Havana», uma sociedade de beneficência que promovia a solidariedade e a assistência entre os naturais das Astúrias e que no início do século XX chegou a ter cem mil sócios. Durante a década dos anos noventa, o governo do Principado decidiu apoiar a reconstrução e modernização deste centro, considerado o maior do sistema sanitário público cubano. Desde 2001 o edifício actual, reconstruído em 1927 por efeito de um incêndio em 1918, serve de sede a colecções de arte universal do Museu Nacional de Belas Artes Cubano]".




Cuba > La Habana > Cerro > Quinta Covadonga  > Hospital Docente Clínico Quirúrgico "Dr. Salvador Allende"

[Imagem da respetiva página no Facebook, reproduzida com a devida vénia[








(i)  Como eram os estudos de medicina 

nesses primeiros anos?

Em setembro de 1959 reiniciaram-se as aulas e eu pertencia ao primeiro grupo de estudantes de medicina depois do triunfo da Revolução. Nessa altura, inscrevíamo-nos sem fazer exame de ingresso. Antes, praticamente não tínhamos de assistir às aulas todos os dias, bastava ir a algumas sessões. Tinham-me dito que para ser bom médico tinha que trabalhar em hospitais, e no primeiro dia perguntei a um estudante se conhecia algum médico.

Levou-me, então, ao Hospital Kourí, actual Oncológico, aonde me apresentou a um médico que por sinal era cirurgião, e graças a essa coincidência continuei nessa área desde o início do trabalho como estudante de cirurgia no Kourí. Depois consegui outros locais para praticar, em particular a Clínica Cirúrgica de Havana. Este primeiro grupo de médicos graduou-se em 1965, no Pico Turquino [mapa abaixo], com a presença de Fidel de Castro (n-1926.08.13). Estivemos cinco dias a andar pelas colinas. Apesar de não ser muito desportista eu gostava de andar, e acabei por ser o segundo a chegar ao Pico Turquino entre os mais de trezentos que subimos.

Após a graduação perguntaram-me se queria fazer o Serviço Médico Rural nalgum local específico e perguntei-lhes aonde é que faria falta. Indicaram-me o de Realengo 18, em Guantánamo [enquadramento histórico em http://www.ecured.cu/Ejercito_ Rebelde], um dos lugares mais complicados.

Fui nomeado director da policlínica e depois transferiram-me para o Hospital de Gran Tierra de Baracoa. Ali trabalhava de manhã, à tarde e à noite, e praticamente não descansava para prestar apoio à população. Em Gran Tierra [município do oriente] passei oito meses e quando estou a terminar o Serviço Médico Rural, por volta de agosto de 1967, o director municipal dá-me conta de que existia a oportunidade de cumprir uma missão internacionalista.



(ii) Alguma vez levantou a hipótese 
de fazer essa missão?

Num determinado momento tinha expressado ao director do hospital a minha disposição de cumprir uma missão, sobretudo no Vietname pelo heroísmo desse povo, e na verdade sentia-me uma certa pena de não ter participado na guerra contra Batista. Estive afastado da acção política nesses primeiros anos. Creio que houve duas razões que me fizeram mudar, a primeira porque trabalhava com um grupo de cirurgia que ganhava muito dinheiro e quando operavam as pessoas no hospital nem falavam com o paciente. Em contrapartida, quando iam operar numa clínica privada, conversavam com a pessoa, a adulavam, e, por isso, desliguei-me do grupo. A outra teve a ver com “Crise de Outubro” (Crise dos Mísseis), em que fiquei indeciso sobre a posição a tomar.

[O princípio da crise dos misseis em Cuba, nome atribuído ao conflito entre os Estados Unidos, a União Soviética, ex-URSS, e Cuba em outubro de 1962, tem a sua origem na descoberta, por parte de espiões americanos, de bases de mísseis nucleares soviéticos em território cubano. De imediato, os Estados Unidos bloquearam a costa cubana e durante treze dias esteve eminente o início, em Cuba, de uma guerra nuclear, ou seja, a III Guerra Mundial, só ultrapassada pelo acordo a que chegaram as duas superpotências. Mesmo assim os Estados Unidos decidem bloquear totalmente a Ilha, impondo um embargo ao comércio com Cuba e proibindo os seus aliados de estabelecerem relações comerciais com aquele país [vd. enquadramento histórico aqui ].

Aí, as pessoas, ao conversarem sobre este episódio, diziam-me que havia que acordar, uma vez que uns pensavam no socialismo e outros no capitalismo, mas se ocorresse algum conflito, havia que estar do lado dos americanos. Esses dois factos levaram-me a cortar com as relações que tinha. Estive em Santa Clara e Guantánamo e quando regressei conclui a formação, embora os meus colegas de curso praticamente não me conheciam.

Voltando ao tema de partida, acrescento que o director municipal de saúde de Gran Tierra de Baracoa comunica-me que José Ramón Machado Ventura, então ministro da Saúde Pública, necessitava de alguém para uma missão, mas que devia ter absoluta garantia de que a cumpriria. Disse-lhe que iria até onde fosse necessário, perguntando-lhe se seria para o Vietname, mas apenas me foi dito que seria uma missão dura.




(iii) Encontrou-se com Machado Ventura 
[, ministro da saúde]?


De Guantánamo apanhei um avião até Havana para me encontrar com Machado Ventura, o qual já conhecia do tempo da pós-graduação, pois esteve no hospital aonde fui director. Um dia ele apareceu por lá, quando estava cheio de utentes. Porque soube que ele vinha, pensando que era uma inspecção, preparei-lhe um quarto, e pus-lhe uma coberta limpa na cama. Mas, em vez de nela se deitar, fê-lo no chão. Perguntei-lhe porquê? Respondeu-me se eu gostaria que ele sujasse a coberta.

Após a entrevista, o dr Machado Ventura despediu-se e pediu-me que estivesse contactável. Três ou quatro dias depois, fui contactado para que comparecesse no Ministério onde dois funcionários se reuniram comigo e disseram-me que a missão era para a Guiné Portuguesa [hoje Guiné-Bissau]. Comecei a preparar-me, pois deram-me roupa, fiz uma carta de despedida e recebi um passaporte como engenheiro agrícola
.

(iv) Teve algum treino militar? 


Não. Por sorte, quando estive na pós-graduação havia uma companhia serrana, constituída por combatentes que participaram no Realengo 18 [enquadramento histórico identificado acima], e cada vez que acontecia uma mobilização, deslocava-me com eles e sabia já manejar perfeitamente as espingardas: a AK [sigla da arma automática «Kalashnikov», de fabrico soviético] e outras armas, imnagem à esquerda].

(v) Como e quando fez a viagem?

Eu e outro médico voamos do Aeroporto de Havana, fazendo escala em Gander (Canadá), Praga, Paris, Senegal e Guiné-Conacri. Embarcámos no dia 24 de dezembro de 1967, chegámos a Praga a 25 e seguimos para Paris, onde permanecemos dois dias. Na República da Guiné ninguém nos esperava. Recorremos a um carro de aluguer e pedimos para nos levarem até à embaixada cubana. Levaram-nos, então, a uma casa, tocámos e apareceu um companheiro que nos informou que havia uma reunião em casa do embaixador. Dirigimo-nos até lá. Estava a decorrer uma festa e pensei: “Disseram-me que isto era duro e quando chego encontro as pessoas comendo porco e bebendo rum”. A festa, afinal, tinha a ver com a despedida do primeiro e segundo grupos de internacionalistas que regressavam a Cuba [aonde estava, certamente, o cirurgião Domingo Diaz Delgado, o primeiro entrevistado neste trabalho].

O médico que viajou comigo era militante da Juventude [Comunista] e disseram-nos que um de nós iria para um pequeno hospital junto à fronteira com a Guiné-Bissau e o outro iria acompanhar a guerrilha. Pensei que muito provavelmente esta situação seria para o outro, mas foi para mim e que aceitei.

Porém, antes da nossa partida de Havana, tinha viajado por barco um outro grupo de trinta combatentes e seis médicos [final de novembro ou início de dezembro’1967] que, quando cheguei a Conacri, já estavam no interior da Guiné-Bissau.


Continua…

____________


sexta-feira, 3 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16164: Dossiê Guileje / Gadamael (27): Tenho cada vez mais a certeza de que andaram a gozar comigo - ou connosco - durante 13 anos (António J. Pereira da Costa, cor art ref (ex-alf art, CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmdt, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74)


Guiné > Região de Tombali > Sangonhá, a sul de Gadamael-Porto > c. 1967/68 > Vista aérea do destacamento, "uma espécie de fortim do faroeste", com um heliporto, uma pista de aviação, barracões e três poilões... Na altura  estava a chegar uma coluna militar [lado esquerdo]. Foto, provavelmente tirada de uma aeronave DO 27, de autor desconhecido. Proveniência: Álbum fotográfico Guiledje Virtual. Cortesia do nosso saudoso amigo Pepito (1949-2014), cofundador e líder da AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) até à data da sua morte (, em Lisboa)

Foto: ©  / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados (Edição e legendagem: L.G.).




Guiné > Mapa da província > Escala 1/500 mil (1961) > Detalhe: Posição relativa de Sangonha e Cacoca, as nossas posições mais próximas da fronteira com a Guiné-Conacri, a sudeste. Estes dois destacamentos e tabancas foram abandonados pela CCAÇ 1621 em 29/7/1968, por ordem de Spínola.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015)


1. Comentário de António José Pereira da Costa ao poste P16152 (*)

Cor art ref (ex-alf art , CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmdt, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74)

Olá,  Camaradas:

Considero que o abandono controlado de Sangonhá, Cacoca e, posteriormente, Ganturé, preparou o que viria a suceder em 1973. 

Sei, porque assisti à reunião, que o brigadeiro Spínola queria recuperar tropa da quadrícula para a intervenção e, por isso, contra a opinião do "meu capitão", determinou o abandono imediato de Sangonhá e Cacoca. Por fim, já em janeiro de 1969, Gandembel foi-o também e Mejo, onde chegou a haver uma companhia sediada, já o tinha sido. 

Podemos dizer que, em janeiro de 1969, a extremidade sul  da Guiné estava guarnecida por Cacine, Cameconde, Gadamael e Guileje o que é manifestamente pouco, até em termos de apoio mínimo. 

Tenho para mim que o controlo da estrada Cacine-Guileje era essencial para a manobra das NT, mas muito difícil de obter e manter. A superioridade do In em termos de apoio de fogo (artilharia) foi sendo cada vez maior (parece que com apoio topográfico e observação) e a possibilidade de cada uma das companhias actuar, com êxito, no seu sector, restringindo a passagem ao In era muito pequena. Além disso, o In não necessitava de residir na área, a não ser a sul de Cacine onde se estabelecera desde o início e ficou. 

A situação táctica tornou-se numa bomba-relógio que teria de explodir, mais tarde ou mais cedo.
Saliento que a capacidade de actuação do Comando do COP 5 era mínima, com três companhias dispersas, sem cavalaria (necessária para a movimentação das unidades) e sem qualquer unidade de intervenção que pudesse lançar no terreno numa acção mais elaborada. Podemos dizer que para além de boas(?) comunicações nada tinha que justificasse a sua existência. 

Já tenho pensado que alguém estava à espera de um "desenlace"...  Mas isto já é teoria da conspiração. 

Cacine era um bom local para desembarque de reabastecimento, especialmente material pesado, e juntamente com Gadamael concedia domínio sobre o rio e possibilidade de apoio de vária ordem.
Quanto à reunião de 15 de maio de 1973 só peca por tardia e eu não vejo como é que se poderia alterar de modo tão drástico e em tão curto espaço de tempo a FAP que operava na Guiné. A substituição das metralhadoras por canhões era elementar. Nunca supus que cada avião fosse tão mal armado, neste campo.

Sabemos que desde o começo se queria "embaratecer a guerra". Assim chegou-se, de facto a um pacto de silêncio em que a alta hierarquia das FA e "os políticos". Creio que aqueles não queriam levantar ondas junto daquelas. Já me referi ao facto de a nossa artilharia ser ceguinha e surda, respondendo a olhómetro às iniciativas do In. Já nesse tempo existiam radares contra-morteiro e referenciação pelo som e luz, só que...

E outro exemplo é o radar ANTPS-1D da BA 12, que repousava tranquilamente a 12 metros de altura. Já se perfilava então a possibilidade de sermos atacados com os tais MIG e nas condições que o António resume. Para lhes fazer frente nada melhor que três unidades AA da II GM. Pode não ser eficaz, mas é histórico.

Isto se não acontecer um ataque aéreo com qualquer teco-teco ou com um Antonov a largar bombas à mão, pela porta do fundo, sobre um pequeno quartel da periferia. Não se riam porque isto foi feito na Guiné... pelas NT. Nunca entendi aquela da contracção do dispositivo nem vejo quais as vantagens. Será que se esperava que se pudesse vir a expandi-lo? Boa táctica esta do encolher para, mais tarde, esticar...

Kandianfara era já nossa conhecida, em 1968, assim como o Porto de Camassó (no Quitafine), mas não era atacável por estar fora do TN [, território nacional]! Outra coisa que não entendo, mas aceito.

Já noutro lugar escrevi que não houve guerra e que Portugal nunca declarou guerra a nenhuma potência estrangeira e, por isso,  o Senegal e a República Guiné eram países contra os quais só "para gastos de casa" havia acusações. 

O emprego de tropa especial [, BCP 12,] naquele sector, "só depois da casa roubada", causa-me apreensão. Será que o comando empenhou todas as suas reservas e não tinha nenhuma para acorrer a uma nova situação? Ou estabeleceu prioridades e só actuou no Sul de pois de ter resolvido (?) o problema do Norte.

De qualquer modo parece que ficou provado que uma boa antecipação ou, no mínimo, uma resposta pronta, poderia ter resolvido os problemas no Sul, no Norte e no Leste. Assim, foi sempre que atamancada uma solução, com as consequências que se conhecem. 

Tenho cada vez mais a certeza de que andaram a gozar comigo - ou connosco - durante 13 anos (11, no caso da Guiné).  Mas felizmente houve o 25 de Abril, senão teríamos outra Índia. Pior e não é difícil ver porquê. Na Índia éramos prisioneiros de um exército regular de matriz britânica. Na Guiné éramos os colonialistas, salazaristas, imperialistas e lacaios de qualquer coisa que não me ocorre, o que era um problema, já que o nosso governo era relapso a aceitar os seus falhanços e adorava heróis mortos.

Um Ab e desculpem qualquer coisinha. (**)
António J. P. Costa
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quarta-feira, 1 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16152: FAP (95): de Gadamael a Kandiafara… sem passaporte nem guia de marcha (António Martins de Matos, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)


Foto nº 2  > "Foto de  autor desconhecido mas já por várias vezes publicada,  refere-se à última missão do Cor Moura Pinto na Guiné, com os pilotos e mecânicos do FIAT G-91 (Co a devida vénia ao autor) 


Foto nº 2 A > 


Foto nº 2 B 

Cortesia do bogue Especialistas da Base Aérea 12 Guiné 65/74 > 25 de janeiro de 2009 > O fim de um grande homem, um grande comandante


 Foto e legenda de Arnaldo Sousa:  pessoal dos Fiat G91/R4 e alguns pilotos. O Comandante da Zona Aérea e da BA12, Coronel [Pilav] Gualdino Maria Moura Pinto (, já falecido [. por doença, segundo inmformação do AMM, e não no acidente  com avião da TAP, o TP 425, vindo de Bruxelas, ocorrido a 19/11/1977 no Aeroporto do Funchal]. 

Da esquerda para a direita: em pé: Sargentos Robalo, Antunes, Pinheiro, Gaudêncio; Cap Pilav Letras, Cor Pilav Moura Pinto, Major Pilav Pedrosa, Cabos Veríssimo, Pinto, Sousa, Sargento Duarte. 

Em baixo: Cabo Lopes, Furriel Pinheiro, Sargento Ramiro, Cabos Brás, Veríssimo (II). Na escada do avião o Ten Pilav Matos. 

Esta foto de despedida foi tirada dias antes da partida do Coronel Moura Pinto para a Metrópole. Pessoa muito educada e de poucas falas, passava com muita calma e esboçando um ligeiro sorriso, inspecção ao avião sem tecer comentários e sem encontrar ponta por onde pegar como se costumar dizer. Todos o admiravam.  [...]  Arnaldo Sousa,  MMA 1ª/72.



A. Mensagem, com data de 24 de maio, do nosso camarada António Martins de Matos [AMM]  [ex-tenente pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje ten gen pilav ref; membro da nossa Tabanca Grande]


Caros amigos

Quase chegados às datas importantes de Gadamael, aqui junto um texto que abarca o período de 1 de junho de 1973 até ao 25 de abril de 1974.

Se o acharem com “pés para ser publicado”, gostaria que o fizessem no 1 de junho, data em que os acontecimentos foram “complicados”.

Para adocicar o texto junto 4 fotos:

A 1ª, tirada por mim, é de Pirada, mostra a distância entre o aquartelamento e o marco da fronteira [Foto nº 1];

A 2ª (, de autor desconhecido mas já por várias vezes publicada, ) refere-se à última missão do Cor Moura Pinto na Guiné, com os pilotos e mecânicos do FIAT G-91:

A 3ª e 4ª foram tiradas da Internet, representam o MirageV e o Skyvan.

Abraço
AMM


B. De Gadamael a Kandiafara… sem passaporte nem guia de marcha

por António Martins de Matos

Numerosos são os textos, palestras, opiniões e até filmes sobre os acontecimentos em Guileje e Gadamael entre os meses de maio e junho de 1973, a maior parte das vezes descrevendo e prognosticando o principio do fim das nossas tropas (NT) e enaltecendo a manobra do PAIGC, no que alguns à posteriori e no sentido de valorizar o momento, denominaram de “Operação Amílcar Cabral”.

Inexplicavelmente os referidos textos, palestras e filmes só relatam os acontecimentos no brevissimo período de duas semanas, entre os dias 22 de maio e 5 de junho de 1973, ninguém se mostrou interessado em seguir a estória dos dias seguintes e saber o que realmente acabou por acontecer em Gadamael e em toda a zona sul da Guiné.

Quem se desse ao trabalho de analisar com maior profundidade os acontecimentos desse junho de 1973 acabaria por constatar que a grande ofensiva do PAIGC no sul da Guiné se resumiu apenas àquelas duas semanas e logo se volatilizou, tudo regressando à situação anterior a 1972.

Porquê? Que se passou?

O que travou o avanço do PAIGC e estancou o tão apregoado “efeito dominó”,propagandeado vezes sem conta por 'Nino' Vieira?

A explicação é simples e tem duas vertentes, por um lado a presença do Batalhão de Paraquedistas na área condicionou de imediato os movimentos dos guerrilheiros na zona, por outro lado a Força Aérea Portuguesa (FAP) bombardeou as matas à volta de Gadamael, silenciando várias bases de fogo, e em seguida entrou pelo território da República da Guiné-Conacri, destruindo a maior base de apoio do PAIGC, situada perto da localidade de Kandiafara.

Passados que são 43 anos e antes que o tema acabe por cair no esquecimento, aqui junto algumas considerações sobre a situação então vivida e factos ocorridos nesses dias.



Mirage V (Imagem, de origem desconhecida, recolhida na Internet, AMM)


1. O material em falta

Na Guiné e logo após a identificação do míssil Strela (6 de abril de 1973), os pilotos da FAP tinham pedido três melhoramentos urgentes.  a saber, pretendiam que: (i) fossem substituídas as metralhadoras 12,7 mm do FIAT G-91 por canhões de 20/30 mm: (ii) fosse instalado na aeronave um sistema de alerta anti-míssil:  e, (iii) na base de Bissalanca, necessitavam de um radar de busca/defesa aérea que os apoiasse em operações de dia/noite ou mau tempo.

Ainda que dispendiosos, todos estes requisitos eram fáceis de implementar, na Força Aérea Alemã havia aviões iguais aos nossos mas equipados com dois canhões de 30mm, sistemas anti-míssil já eram usados no Vietname, e Bissalanca até já tinha um radar de defesa aérea desde 1964, montado em torre metálica perto da cabeceira da pista, só que … não funcionava.

Em complemento a este pedido dos pilotos, o Comandante da Zona Aérea, Coronel Moura Pinto, tinha declarado em 15 de maio de 1973, durante a reunião de Comandos no Quartel-general do Comando Chefe, que, face à ameaça dos mísseis Strela e possível entrada no conflito de aviões MIG, para continuar a dar um apoio eficiente às NT precisava de  oito aviões SKYVAN, para substituir os DO-27, cinco helicópteros equipados com armamento axial, e doze aviões do tipo MIRAGE, com um raio de acção não inferior a 300 milhas náuticas.

Este requisito sobre o raio de acção não era inocente, no caso de um futuro ataque de MIG haveria necessidade de retaliar e destrui-los no solo e a única pista apta a receber os aviões, estava situada em Conacri, a uma distância de cerca de 200 milhas de Bissalanca.

Todos estes pedidos foram devidamente registados, logo os estados-maiores entraram na borbulhagem da burocracia e, de reunião em reunião, estudo em estudo e acta em acta, lá se foram adiando as soluções.

Esta inércia, ignorância, desleixo ou falta de respeito pelos militares que em 1973 combatiam na Guiné já há muito se tinha tornado por demais evidente, o Governo de Lisboa não sabia e/ou não estava minimamente interessado em resolver a situação no Ultramar, o seu lema pautava-se por um … “adiar é resolver”.

Tivessem lido os “Tratados sobre Guerra Subversiva” e deveriam saber que, com o passar do tempo, a situação iria evoluir da “tímida flagelação” para uma “guerra convencional”, onde a artilharia e a aviação acabariam por ter um papel fundamental.

No entanto, durante todos os anos do conflito e para além de alguns pequenos melhoramentos no armamento das nossas forças armadas, nada mais tinha sido feito.

Em boa verdade já não existia o capacete de ferro, cartucheiras a tiracolo e a Mauser mas os tempos da primeira mina encontrada (1963) já tinham passado, usávamos dilagramas e bazucas contra o RPG, obuses da 2ª Grande Guerra contra o canhão sem recuo e o FIAT G-91 contra uma previsível e futura aviação de MIG, de dono indefinido e, ao contrário do que muitos acreditavam, quase certamente pilotados por mercenários experientes, oriundos da Alemanha de Leste, URSS, Reino Unido, …como já anteriormente tinha acontecido na guerra Nigéria/Biafra.

Por outro lado e em termos de defesa aérea, a Guiné continuava totalmente desprotegida, não só contra aviões de combate mas também contra qualquer “avioneta” que, de noite, resolvesse vir largar sobre Bissau umas granadas, uns tijolos ou uns panfletos.

Ao chegar o 25 de abril de 1974, um ano depois do aparecimento do míssil Strela e depois de seis aviões terem sido abatidos, de todos os requisitos operacionais então solicitados e tidos como urgentes e imprescindíveis, nenhuma alteração/melhoramento tinha ocorrido.


Short Skyvan SC-7 (G-BEOL) of Invicta Aviation at the Cotswold Air Show at Cotswold Airport, Kemble, Gloucestershire, England. Later in the day it was used to drop a parachute team.
Date June 2010.  

[By Adrian Pingstone (Arpingstone) (Own work) [Public domain], via Wikimedia Commons ]


2. Estratégias

Entre 6 e 8  de junho de 1973 o então CEMGFA, General Costa Gomes, visitou a Guiné, trazendo a resposta/solução do Governo aos pedidos feitos a 15 de maio de 1973 no Quartel-general do Comando Chefe.

Segundo ele e por motivos não explicados, os pedidos de material militar dificilmente seriam satisfeitos, mas, em contrapartida, aceitavam/sugeriam a retracção dos aquartelamentos da fronteira.

Era a segunda visita de Costa Gomes nesse ano, desde logo se tornou evidente que, para transmitir aquelas decisões do Governo não teria sido necessário vir a Bissau, algo que poderia ter sido comunicado por mensagem, a razão da deslocação e a sua principal missão era a de tentar “amaciar” Spínola.

O General Spínola conhecia bem os textos de Clausewitz e Mao Tse Tung, sabia que a guerra na Guiné nunca poderia ser ganha pela força mas sim cativando as populações locais.  A sua estratégia há muito que estava definida, passava por não hostilizar as populações, criando ordenamentos auto-defendidos, com escolas e apoio sanitário, saudando o regresso dos que anteriormente tinham apoiado a guerrilha e deixando em aberto a possibilidade de, num futuro não muito distante, iniciar negociações com os líderes locais tendo em vista a oferta de uma autonomia negociada.

Interessante e quase nunca referido, durante o seu Comando, Spínola proibira terminantemente que alguém, alguma vez, efectuasse algum disparo na zona da Ilha do Como.

Spínola logo rejeitou a solução apresentada pelo CEMGFA, a estratégia da retracção autorizada pela Metrópole só iria conduzir a um beco sem saída, quando, de retirada em retirada e por falta de espaço, não mais pudessem retrair as forças, a saída acabaria por ser semelhante à que os americanos de Saigão vieram a adoptar em 1975, dos telhados da cidade em direcção aos navios fundeados na baía.

Por outro lado, uma retracção iria destruir pela raiz todo o esforço em que se empenhara, iria deixar vulneráveis todas as populações das áreas junto às fronteiras, e às quais tinha prometido protecção.

A estratégia de Spínola não agradava ao Governo, podia vir a ser um mau exemplo para Angola, e, para o Governo de Marcelo Caetano, só Angola era importante.

Desiludido, sentindo-se manipulado, Spínola desistiu, … outros que fizessem melhor…

Ninguém fez melhor.

Entretanto, o Comandante da Zona Aérea, Coronel Moura Pinto, que sabia de estudos na FAP desde 1971 para a compra de aviões MIRAGE V, ao constatar que o apoio urgente e pedido em 15 de maio de 1973 continuava adiado e a não fazer parte das prioridades do Governo e que, em vez disso e em jeito de consolação, ia recebendo equipamento variado mas sem qualquer utilidade, logo criticou as chefias de Lisboa.

Desta vez foram rápidos a reagir, de imediato foi destituído do cargo que desempenhava.


3. Gadamael

Fazendo parte do então criado COP5, juntamente com Cacine e Guileje, Gadamael era um aquartelamento sem grande estória ou posição estratégica, a sua importância resumia-se a uma missão do tipo entreposto, receber via fluvial os abastecimentos destinados a Guileje e …expedi-los.

Até 1968 o aquartelamento tinha-se mantido protegido de ataques vindos da fronteira pela existência dos destacamentos de Cacoca e Sangonhá e, apesar de entretanto estas duas posições terem sido desactivadas, pouco ou nada se alterou, o rio Cacine era um obstáculo natural para o PAIGC, bem mais interessado em utilizar o Corredor do Guileje.

Raramente Gadamael era atacada, como consequência, o plano de defesa do aquartelamento não era muito elaborado, uns mini-abrigos e algumas valas eram mais que suficientes.

Quando em 22  de maio de 1973 e sem qualquer aviso lhe entraram pelo aquartelamento cerca de 200 militares e 500 civis fugidos de Guileje, logo as coisas se complicaram, não havia espaço para acomodar tanto pessoal.

Em 25 de maio de 1973 e depois de se ter recomposto da surpresa de lhe terem oferecido de bandeja um aquartelamento das NT, ainda por cima cheio de víveres, o PAIGC logo procurou explorar o seu inesperado êxito, em cinco dias recolocou a sua artilharia pesada na direcção de Gadamael e passou a executar um “tiro ao alvo” contra o aquartelamento, bem mais intenso do que tinha feito contra Guileje.

Tudo o que depois aconteceu, resultou apenas da … falta de espaço.

A segunda pedra do dominó oscilou, tudo isso sem que os militares de Gadamael merecessem algum reparo ou reprimenda, apenas tinham sido surpreendidos por acontecimentos estranhos e inopinados, para os quais em nada tinham contribuído e eram completamente alheios.

Oscilou mas não caiu.

Entre 1 e 3 de junho de 1973 a FAP evitou fazer bombardeamentos na zona, nada a ver com desculpas de mau tempo, Strelas ou AA [, antiaéreas], mas sim por se saber haver inúmeros militares e população espalhados e em debandada por toda a área, só com a chegada dos paraquedistas em 3 de junho de 1973 a situação ficou mais ordenada.

A partir do dia seguinte as áreas suspeitas foram devidamente identificadas, as bases de fogo dos morteiros de 120 mm acabaram por ser bombardeadas e calaram-se de vez.

De seguida foi a busca das armas de maior alcance, situadas para além da fronteira, durante alguns dias ainda se tentaram encontrar as bases de fogos nas clareiras perto de Satiguia, mas a área era demasiado vasta, mereceu um pensamento apropriado:  “Em vez de andarmos à procura das formigas, o melhor será encontrarmos o formigueiro”.

Estava lançado o mote para destruir Kandiafara.


4. Kandiafara

No inicio do conflito na Guiné os “estrategas” de então terão pensado que o armamento da guerrilha se limitaria à “catana, canhangulo e arma fina”, tal ideia fez com que o dispositivo das forças portuguesas fosse planeado essencialmente de modo a controlar as fronteiras, espalhando os efectivos pelo terreno, alguns quartéis mesmo no limite do nosso território, em missão do tipo controlo de polícia, ver quem entra e quem sai.

Com a evolução da guerra tal aproximação revelou-se desajustada, a Guiné era um território pequeno, tendo por vizinhos o Senegal e a Guiné-Conacri, ambos hostis, e com as suas fronteiras altamente permeáveis a infiltrações.

Não obstante o dispositivo nacional estar espalhado por todo o território, o apoio logístico do PAIGC ao interior conseguia facilmente ser executado através de corredores de abastecimento mesmo nas vizinhanças dos nossos aquartelamentos, Jumbembem e Sambuiá no Norte, e Guileje no Sul disso eram exemplos.

A missão das NT de tentar impedir o fluxo e refluxo de colunas de abastecimento através desses corredores de infiltração sempre se revelou de êxito duvidoso, algumas colunas terão sido bloqueadas, mas o melhor que se conseguia fazer era atrasar o seu deslocamento, grande parte delas terá passado incólume.

Mas não era só o problema de conter as infiltrações que nos devia preocupar, alguns dos aquartelamentos tinham sido construídos a escassos metros da fronteira e por essa razão ao alcance de um simples tiro de arma ligeira disparado do país vizinho, casos de Guidaje, Pirada e Buruntuma.

Com o passar do tempo e o aparecimento na panóplia do PAIGC de artilharia mais potente, inúmeros outros aquartelamentos logo vieram engrossar a lista dos que podiam ser atacados a partir do “estrangeiro”, a saber,  Bajucunda, Copa, Canquelifá, Guileje, Gadamael.

O abandono do Guileje em 22 de maio de 1973 deu ao PAIGC uma nova perspectiva de como bastava posicionar a sua artilharia pesada na zona da fronteira para poder forçar as NT a recuar, tudo isto sem serem obrigados a grandes riscos ou movimentações.

Com a introdução no conflito de uma nova peça de 130 mm (M-46, de alcance superior a 20 quilómetros), a breve trecho outros quartéis iriam ficar em semelhante situação, Piche, Cacine e Aldeia Formosa certamente seriam os próximos alvos.

A não ser tomada uma decisão que contrariasse este tipo de ataques, o PAIGC preparava-se para nos obrigar a retirar de todos os quartéis próximos da fronteira, sem sequer necessitar de entrar no nosso território.

A única maneira de conter estes ataques passava por destruir os grandes centros de logística, ambos situados na Guiné-Conacri, Kandiafara a cerca de 20 quilómetros a oriente de Guileje, recebia o material de guerra desembarcado em Boké e, com a ajuda de Simbeli e Kambera, abastecia todo o sul, e Koundara a uma distância de cerca de 40 quilómetros a leste de Buruntuma que, com o apoio de Kumbamori, abastecia o norte e leste.


5. Os riscos

Portugal já tinha passado por uma má experiência quando da “Operação Mar Verde”.

A maioria dos objectivos tinha falhado, de positivo tínhamos recuperado os prisioneiros portugueses, mas Sekou Touré continuava a ser o presidente da Guiné-Conacri, a oposição ao seu regime tinha sido aniquilada e não estava resolvido o mistério sobre a presença ou não de aviões MIG no seu território.

No plano internacional, de imediato tínhamos sido acusados de um acto de guerra e violação das fronteiras contra um estado soberano, tendo o Conselho de Segurança das Nações Unidas logo aprovado duas resoluções contra Portugal.

Em termos militares pagámos igualmente a ousadia de tal operação, Sekou Touré pediu e obteve um maior apoio militar da URSS, material de guerra que veio engrossar a panóplia do PAIGC.

O Governo Português ainda se esforçou por tentar defender a ideia que nada tinha a ver com a invasão, mas a deserção de alguns elementos dos comandos africanos puseram a nu a nossa participação.

Em termos de lições aprendidas e para um eventual novo ataque dentro do território da Guiné-Conacri havia uma série de riscos que Portugal não podia voltar a correr, a informação sobre o objectivo tinha de estar precisa e actualizada, o alvo tinha de ser totalmente destruído e não podiam ser deixadas “pontas soltas” em território da Guiné Conacri.

Quanto à situação internacional…. logo se veria.


6. O armamento

Cada avião FIAT G-91 foi armado com duas bombas de demolição de 750 libras (cerca de 340 quilos por cada bomba) e 200 munições 12,7 mm em cada uma das 4 metralhadoras.

As bombas de 750 libras, de origem americana, eram de demolição e actuavam por sopro. Obrigavam a um cuidado redobrado na pilotagem, estava-se perto do peso máximo autorizado para a descolagem e, devido à pequena dimensão da asa, não era possível manobrar o avião numa situação de assimetria, as duas bombas tinham que ser largadas na mesma picada de bombardeamento, ainda que pudessem bater dois alvos distanciados de 500 metros.

De referir que este problema de assimetria nas asas custou-nos a perda de um avião em 1 de setembro de 1973 quando, num bombardeamento na área do Morés, o piloto largou uma das bombas e, por motivos não esclarecidos, conservou a outra. (FIAT G-91 5416).

Quanto às metralhadoras, elas apenas seriam usadas para defesa próxima, na remota hipótese de algum encontro imediato com um MIG que nos viesse atacar.


7. A execução

Nessa manhã estavam 8 aviões prontos para operações mas na Guiné e nesse período só havia 6 pilotos qualificados na aeronave.

Logo pela manhã saíram 2 helicópteros de Bissalanca em direcção a Gadamael, tinham como missão ficarem de alerta para uma tentativa de resgate de algum piloto que eventualmente fosse abatido em território da Guiné-Conacri, algo que encarávamos como muito provável, já que sabíamos Kandiafara fortemente defendida com antiaéreas ZPU-4 de 14,5 mm, peças AA de 37 mm e mísseis Strela.

Havia ainda a possibilidade de, caso existissem, sermos confrontados e perseguidos por aviões MIG.

Os de Gadamael ouviram-nos passar, ainda vieram ao rádio, estavam habituados a ver-nos bombardear as matas na zona da fronteira, queriam saber onde íamos, não respondemos, desta vez o objectivo não era na vizinhança mas sim … no estrangeiro.

Em 20 minutos chegámos a Kandiafara, íamos altos, a cerca de 3500 metros de altitude, o que nos dava grande vantagem, lá de cima podíamos ver a área do objectivo na sua totalidade, estávamos ao abrigo de disparos de Strela e, uma vez identificados os alvos, permitia-nos uma picada imediata sobre os mesmos.

Fomos recebidos com um fogo cerrado das peças AA de 37 mm, os projecteis rebentavam um pouco abaixo de nós, formando um tapete branco de pequenas explosões.

Logo de seguida os seis aviões picaram sobre os respectivos alvos e cada um largou as suas duas bombas de 750 libras.

Na recuperação do passe sentimo-nos a ser perseguidos pelo fogo das ZPU-4, o chamado “calor na nuca”; pela minha parte vi algumas tracejantes passarem perigosamente perto da cauda do avião que me precedia, até que ele, com uma manobra brusca, inverteu a direcção da subida.

Depois de, no rádio, verificarmos que todos estavam bem, o regresso a Bissalanca foi “cada um por si”, interessava regressar o mais rápido possível, de modo aos mecânicos reabastecerem e remuniciarem as aeronaves.

Uma hora depois de termos aterrado já estávamos de novo no ar, novamente 6 FIAT G-91, cada um com outras 2 bombas de 750 libras.

Sabíamos que, a haver MIG, esta segunda missão seria o momento indicado para nos atacarem.

A chegada a Kandiafara foi bem diferente da vez anterior, já não houve tapete de explosões de 37 mm, apenas algumas tracejantes de ZPU-4, o que até nos permitiu localizá-las e largar bombas nas suas posições.

Nova verificação de que tudo estava bem e regresso imediato a Bissalanca para mais um remuniciamento.

Mais uma hora de espera e iniciámos uma terceira viagem ao estrangeiro, mais 12 bombas de 750 libras, ao chegarmos a Kandiafara já não vislumbrámos qualquer reacção hostil, nada, …, a área estava cheia de fumo e pó e … parecia deserta.

Esta última largada de armamento já não teve alvos definidos, foi mais na zona, o que tinha de ser destruído já o fora anteriormente.

Ainda ficámos algum tempo a circular à vertical do objectivo, tentando vislumbrar alguma reacção vinda do chão ou do ar, nada aconteceu.

A mais famosa e importante base de apoio do PAIGC acabara de ser destruída.


8. Os resultados 

Em termos diplomáticos a missão acabou por ser um sucesso já que, inexplicavelmente, não houve qualquer queixa internacional.

Como justificação para esta “não queixa” poder-se-á afirmar que, sendo certo que o bombardeamento foi bem dentro do território da Guiné-Conacri, por outro lado foi dirigido apenas contra instalações do PAIGC.

Numa análise mais “elaborada” arriscar-me-ia a dizer que este bombardeamento terá mesmo agradado ao presidente Sekou Touré, o qual há muito que não se sentia seguro com o crescente potencial bélico do PAIGC dentro do seu território, por comparação com a debilidade das suas forças armadas.

Em termos operacionais a missão foi igualmente um sucesso, por um lado nenhum avião foi atingido, por outro lado a capacidade de abastecimento do PAIGC na região sul ficou seriamente abalada e o grande esforço que vinha realizando nessa área, diluiu-se de imediato.

Em resumo, em Kandiafara foram largadas 36 bombas de 750 libras, o equivalente a mais de 12 toneladas de explosivos, o maior bombardeamento da FAP nos 13 anos de guerra em África.

Para o êxito da missão muito contribuíram os mecânicos, tantas vezes esquecidos, por vezes maltratados e que, nessa manhã, tinham feito um esforço sobre-humano para prepararem as 18 saídas e o respectivo armamento.


Foto nº 1 > Guiné > Zona leste > Pirada b> 1973 > "Foto  tirada por mim, é de Pirada, mostra a distância entre o aquartelamento e o marco da fronteira".

Foto (e legenda): © António Martins de Matos (2016). Todos os direitos reservados.


9. O rescaldo 

Em novembro de 1973 e como a indiferença perante a necessidade de melhorar o equipamento militar se continuasse a manifestar, o novo Comandante da Zona Aérea, Coronel Lemos Ferreira, subiu o tom das criticas, “SUGERINDO” que, à semelhança do ocorrido na Índia doze anos antes, o Governo preparava-se para tentar encontrar um “bode expiatório”, algo que permitisse justificar o fim do Ultramar, uma maneira hábil de tentar ilibar os políticos e culpar os militares.

Os recém nomeados Ministros da Defesa e Exército, Silva Cunha e Andrade e Silva e o então CEMGFA, General Costa Gomes, engoliram o “sapo” e nada fizeram.

E continuaram a nada fazer.

Algum tempo antes da missão a Kandiafara a FAP já havia bombardeado Kumbamori (no norte) e Kambera (no sudeste), enfraquecendo a logística de apoio do PAIGC nas zonas norte e sul.

O passo seguinte seria atacar e destruir Koundara, a base que apoiava o leste.

Foi feita uma missão de ensaio onde se verificou que o FIAT G-91 com o armamento apropriado e partindo de Bissalanca, apenas conseguia chegar a Buruntuma, devido ao seu pequeno raio de acção.

Ainda assim, a missão podia ser realizada, mas os aviões tinham de, no regresso, aterrar em Nova Lamego para reabastecer, nada de difícil, apenas mais demorado.

Inexplicavelmente … não fomos autorizados.  Ficava no ar a impressão que “alguém, algures” … queria perder a guerra.

Entretanto o nosso sobrevoo na zona de Buruntuma alertara as NT, nunca se saberá como os identificaram mas, … descobriram aviões MIG no ar.

Em dezembro de 1973 o General Bettencourt Rodrigues ordenou uma vasta operação no Cantanhez.

A comparação com Spínola estava a revelar-se difícil, no seu currículo já tinha uma má nota, responsável pela “comemoração da independência”, ainda que a mesma se tivesse efectuado fora da Guiné.  Necessitava urgentemente de marcar pontos.

Em termos de estratégia, a sua decisão desde logo deixava algumas dúvidas sobre a razão e oportunidade, outrora o Cantanhez fora um santuário do PAIGC mas tudo isso se diluíra devido a três factores: (i) a construção dos aquartelamentos das NT na margem esquerda do rio Cumbijã; (ii) o ataque e destruição de Kandiafara;  e (iii) os posteriores bombardeamentos na área, só terminados quando, depois de termos atacado a tabanca nossa/deles de Santa Clara, a população tinha entrado pelo aquartelamento de Cadique a pedir auxilio.

Tínhamos bombardeado a tabanca e de seguida fomos buscar os feridos, tivesse o Fernando Pessa sabido do acontecimento e logo diria … “E esta, heim?”.

Aos olhos de qualquer piloto habituado a sobrevoar a Guiné era evidente que os apoiantes do PAIGC e habituais no Cantanhêz, há muito se tinham apresentado aos nossos aquartelamentos ou … atravessado o rio Cacine, direcção Guiné-Conacri.

Para a FAP e face à não destruição de Koundara, o novo ponto crítico da Guiné estava há muito definido, o leste, onde a protecção das NT continuava a ser descurada.

Em 1 de janeiro de 1974 e com a missão no Cantanhez ainda a terminar, foi o momento do PAIGC iniciar os ataques a Canquelifá, Bajocunda e Copá, com o apoio logístico da entretanto poupada Koundara e a estratégia já anteriormente usada em Gadamael, o chamado “tiro ao alvo”, desta vez utilizando foguetões de 122 mm.


10. O fim

Quando em janeiro de 1974 o PAIGC se retraiu no sul e norte para poder iniciar os ataques ao leste, os “estrategas” do QG/CTIG já não estavam minimamente interessados em estudar e discutir as tácticas e os planos da guerra, mas sim em como se livrarem dela.

Desde logo identificavam como culpados Marcelo Caetano, o seu Governo e os 50 aviadores de Bissalanca que, segundo as más línguas, em vez de apoiarem as NT, “já nem voavam”, ainda que, misteriosamente, continuassem a largar ferro por tudo o que era sitio e a serem abatidos por Strelas (31 de janeiro de 1974, FIAT G-91 5437).

A 8 de fevereiro de 1974 foi a vez das NT abandonarem Copá.

Os passos seguintes foi lerem o livro de Spínola “Portugal e o Futuro”, prepararem a “estratégia revolucionária para aplicar no 26Abril” e … aguardar.

Quando George Orwell escreveu …“A maneira mais rápida de acabar com uma guerra é perdê-la”... não adivinhava ter conseguido tantos admiradores em Lisboa e … arredores.

Dedicado ao meu mui mui grande Comandante Moura Pinto e aos meus amigos Pedroso de Almeida, Bessa e Gil, todos eles já a voarem por outros céus.

AMM
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