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terça-feira, 6 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16453: Memórias de um médico em campanha (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547) (6): Pequenas Grandes Verdades



1. Mais um belíssimo texto enviado pelo nosso camarada Adão Pinho da Cruz, Médico Cardiologista, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), este com pequenas grandes verdades.


MEMÓRIAS DE UM MÉDICO EM CAMPANHA


6 - Pequenas Grandes Verdades

Fiquei sempre com esta paradigmática sensação desde que, por volta de 1970, encontrei no átrio da Faculdade de Medicina da Salpêtrière, em Paris, um busto holográfico de Hipócrates que parecia dizer-me: Mon fils, la vie est le chemin pour la rencontre de nous-mêmes [, "Meu filho, a vida é o reencontro de nós mesmos"]. Mas já muito antes, na guerra colonial, as longas horas a olhar para o vazio se enchiam inesperadamente de pequenas explosões, não de granadas, mas de pequenas grandes verdades de um pensamento acorrentado à la rencontre de nous-mêmes.

Sentado numa pedra junto à margem, no meio do dilema entre vida e suicídio, depois de encontrar um dedo humano na boca do peixe-serra, que tinha um fígado de um metro quadrado, dizia o filósofo, condenado a mais nove meses de mato por tentar embarcar para a metrópole uma G3, com o fim de matar o sogro que lhe havia violado a mulher:
– Este é um sítio porreiro para alguém se suicidar, não acham?

Mas não havia ninguém à volta para receber a pergunta. Concluiu que falava para si mesmo:
- Ora merda, ninguém me ouve. Mas têm de concordar que é um poço fundo, tão fundo que não dá tempo para chegar vivo lá abaixo.
– A verdade procura sempre o amor na densidade dos processos e na empatia do sofrimento. – clamava bem alto o meu amigo arquitecto, pés bem assentes no escuro do pequeno cais de madeira, entre a amplidão do espaço de uma noite estrelada e os limites das margens do Cacheu.
– Muito se tem falado sobre o facto de umas coisas da vida imitarem as outras ou não coincidirem com as outras. Não se trata de uma questão de imitação ou discordância, mas de procurar saber o que acontece quando duas coisas se juntam, naturalmente, para criar algo de novo, isto é, saber o que acontece se ambas descobrem a verdade absoluta ou se a verdade absoluta não é mais do que a verdade relativa e circunstancial dos momentos das nossas vidas.

Não entendi muito bem, mas compreendi perfeitamente porque é que ele trazia debaixo do braço meia dúzia de discos de Beethoven, em vez da espingarda.

Assim que for dia, se dia chegar a ser nesta escura paisagem, lembraremos o amigo que na véspera escrevia versos com sangue da primeira bala, com a força da vida que cedo se apagou na segunda bala, gritando entre sonhos para os jagudis que o miravam e esperavam comer-lhe o corpo:
– O valor simbólico da percepção da vida está para além das filosofias baratas, e lembra que entre as grandes verdades da vida, outras mais pequenas se encontram a uni-las, como o amor, a poesia… e a morte.

A lua ia já muito alta, e caía a pique nas águas fundas do Cacheu. Eu e o padre capelão embarcávamos numa LDM [, Lancha de Desembarque Média,] , semelhante às que fizeram o desembarque da Normandia, em direcção a Binta, que ficava vinte milhas a norte. Ele levava como missão confortar as almas e eu levava como missão tratar uma caganeira geral do pelotão que ali se encontrava. A margem esquerda do Rio Cacheu, o Oio, era uma mata completamente cerrada de tarrafe, e território dos guerrilheiros.

A meio do caminho, nas entranhas do mais absoluto silêncio, apenas apunhalado pelo arrepiante pio de alguma ave nocturna, o padre perguntou-me:
 –  O que é para si a verdade?

E eu respondi:
– Neste momento, para mim, a verdade não é esta enorme lua andar à volta da terra, mas as bazucas que, eventualmente, estarão por trás do tarrafe e nos farão mergulhar no fundo do rio, onde uma legião de jacarés esfomeados nos espera. A verdade para mim, caro padre, está no facto de estarmos aqui os dois, no coração da selva, sem termos a coragem de confessarmos um ao outro que não nos cabe um feijão no cu. O senhor com o Breviário e eu com Les Damnés de la Terre [, "Os Condenados da Terra", de Frantz Fanon], duas realidades completamente diferentes, unidas pela força de uma pequena verdade circunstancial, o cagaço.

E o Padre, com duas lanchas no fundo do rio [, possível referência à LDM 302,] desde há dois meses, ancoradas na sua cabeça, pedia explicações não se sabe a quem:
– Alguém tem de me indicar a saída da noite sem regresso, não pode haver quem não saiba o caminho da derradeira fome, do calor do resto de lume do último verso, não acha,  caro doutor?

E eu respondi:
– Já viu estes passarinhos fritos, amavelmente e inesperadamente oferecidos por dois fuzileiros, no meio do rio Cacheu, noite fora, nos confins da selva? Somos quatro dentro de uma lancha perdida no tempo, meu amigo, dois fuzileiros, um crente e um ateu. Enquanto deus anda à deriva, esta metralhadora com balas do tamanho de um palmo, não.

Os gritos sem voz das mães dos filhos que por aqui ficaram, nem sequer beliscavam o silêncio. Não havia mães nem filhos, nem momentos de aflição. Apenas medo. A sensação de que o tempo era de morte, e a superfície espelhada do rio como um vidro vermelho de sangue deram para conversar:
– A noite e o vazio estão na origem cosmológica do mundo. Sofrer pode ser apenas sorrir. A pequena grande verdade do ser dissolve-se na tensão interna de quem ama a vida. Não será verdade?

E o fuzileiro, ainda com alguns passarinhos na sertã de meio metro de diâmetro,  avançou:
– Já fiz muitas missões por este rio fora, mas nunca com um padre e um médico. Uma bênção e um privilégio, mas que, nem por sombras me dão a segurança desta Browning.

E deu um beijo na metralhadora.

Já a lua se havia sumido e o sol faiscava nas três ou quatro garrafas vazias, quando abrimos os olhos, estendidos no convés. Ainda ecoavam nos ouvidos as pequenas grandes verdades, libertadas pelo estimulante whisky que os dois fuzileiros conseguiram no contrabando:
– Parecendo às vezes um lago tranquilo de um qualquer paraíso  – diz o segundo fuzileiro–  … e embora os rios corram para o mar, este parece nascer do mar, avançando sobre nós e tentando afogar-nos como aconteceu no último afundamento da lancha.
– Pois é – comenta o padre–, parece uma blasfémia, mas os desígnios de Deus nada mais são do que interacções sensoriais e perceptivas entre realidades virtuais e realidades reais, indispensáveis à compreensão da vida e do papel do ser humano.

Esta grande verdade nada mais produziu nos presentes do que um eructante soluço.

Não se riam. Assim como a dor transforma em humilde ignorante todo o que a sofre, também a mente humana, no meio do cagaço, discorre sabiamente sobre todas as filosofias, respondi eu, com as palavras ainda envoltas em vapores etílicos: nada se confunde plenamente, nada se distingue de forma absoluta, mas toda a nossa vida comporta áreas de intersecção muito importantes. Na relação gemelar entre os seres humanos, só a queda da hegemonia dos disparates torna possível as pequenas verdades da simplicidade da vida, no seu sentido antropológico.

Ao fim de dois dias, estancada a diarreia e reacesa a luz do Espírito Santo, alguém levantou, mais ou menos a despropósito, não o modus faciendi do seguimento para norte, mas a questão da transdisciplinaridade da vida, relação profunda e não superficial entre os saberes, uma das atitudes e estratégias fundamentais no avanço do conhecimento para a justiça, para a ética, para a solidariedade e cidadania, a fim de acabar com a puta da guerra. Dizia o alferes, já no fundo da garrafa de bagaço que trouxera de férias:
– Ainda há quem pense que existe um qualquer tipo de antagonismo entre imaginação de natureza poética, política, e bélica, mas não há. O que há é uma relação podre entre a razão e anti-razão, levando à morte das pequenas verdades e à destruição do ser humano.

Ora, nada destas filosofias tinha a ver com a terrível picada de vinte quilómetros que tínhamos pela frente, através da selva, durante sete horas, entre Binta e Guidage, já na fronteira do Senegal, onde íamos tentar acalmar alguns apanhados da cuca, pertencentes ao pelotão que lá se encontrava desterrado. O ataque de um enxame de abelhas selvagens a meio do caminho, ataque mais temido do que uma emboscada, foi uma daquelas pequenas grandes verdades que se agarram como crude ao caminho da memória. Como não havia qualquer deus na farda do padre capelão a receber as angústias dos homens, concedi a mim mesmo a difícil tarefa de ser eu o senhor e dono do nosso desígnio. Com muita sorte e pequenas verdades dentro de uma caixa de ampolas de hidrocortisona, conseguimos reverter dois graves choques anafilácticos.

– Diga-me lá meu caro padre, de que nos servem as grandes verdades?
– Servem para lhe pagar, com todo o gosto, a pequena verdade de uma cerveja, quando chegarmos a Guidage.

As pequenas grandes verdades da vida continuam a dizer-me que a relação do Homem com os inúmeros fenómenos que o rodeiam, com tudo o que vê e ouve, com tudo o que entende e não entende, é a mais poderosa essência da vida. A razão do Homem, fruto da obediência ao facto de existir… é um facto.

Três perguntas:
– Não será esta cerveja, saída do fundo do bidon de gelo para uma goela a quarenta graus, um milagre?
– Acha que, algum dia, a terra engolirá os exércitos genocidas que se empanturram de vidas e se embebedam de sangue para glória do Senhor dos Exércitos?
– Há alguma razão para andar com um colar de orelhas ao pescoço ou dar um sabonete Lux às bajudas e fuzilá-las de seguida?

O capelão, com um pé no Senegal e outro na Guiné – a fronteira era o caminho da fonte – encolheu os ombros, sorriu e sentenciou:
– Sempre haverá espinhos nos olhos e aguilhões nos flancos da vida.
– Sim – respondi– , sempre haverá grandes verdades na noite do Homem, a tapar as pequenas verdades do nascer do sol.
____________

Nota do editor

Poste anterior de 16 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16392: Memórias de um médico em campanha (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547) (5): O diagnóstico

terça-feira, 27 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13200: (In)citações (64) Nunca é demais... reafirmar o apreço pelo alto serviço prestado pela Marinha no apoio às unidades do setor de Catió... [ Manuel Lema Santos / Benito Neves / Victor Condeço (1943-2010) ]


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Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67 > 22 de fevereio de 1967 > Regresso da Op Sobreiro. Fotos do álbum de Benito Neves, ex.fur mil

Fotos (e legendas): © Benito Neves (2010). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem, de 25 do corrente, de Manuel Lema Santos [,1º tenente da Reserva Naval,  imediato na NRP Orion, Guiné1966/68; membro da nossa Tabanca Grande desde 21 de abril de 2006] [, foto à esquerda]:

Caro Luis Graça e restantes Companheiros Tertulianos,

Não posso passar ao lado da leitura de textos do Benito Neves (*) e outros Camaradas ou Companheiros sem que, tendo partilhado missões e vivências em cenários demolidores da razão humana, me perfile num cumprimento sentido e pesaroso pelo desaparecimento prematuro, quer do Victor Condeço quer de muitos outros camaradas. Alguns, meus amigos pessoais e que por lá deambularam comigo.

Conheci-o [, ao Victor Condeço,]  em escassas mensagens trocadas, grandes na dimensão da partilha e o inquestionável orgulho e gratidão que tanto ele como o Benito Neves reafirmaram no repetido apreço do alto serviço que a Marinha e as imortais LD, LDP ou LDM representaram na sobrevivência daquelas unidade militares sitiadas em remotos aquartelamentos "cus de judas" e outros em "nenhures". Todos lá sabemos ir sem GPS...

Benito Neves
Mais tarde, foi-me concedida a honra e o prazer de integrar o grupo
de um almoço-convívio por eles organizado num restaurante, e imagine-se, com um antigo guerrilheiro do PAIGC, também a senhora, a filha do casal e já com uma neta. A continuidade do Benito Neves no envio de documentos históricos não representa para mim uma novidade. Prefirirei saudá-lo como um necessário e aplaudido regresso. A memória histórica da região de Catió passa necessariamente por testemunhos como o dele. Obviamente que não só o dele, mas também o dele.

Mais do que alargar-me em romagens de saudade à minha memória histórica Guiné, prefiro reencaminhar antigos camaradas e companheiros para as linhas que então publiquei, suportado pelas mensagens trocadas com o saudoso Victor Condeço e o Benito Neves.

Muito grato fico pelo conhecimento que me deste! 

Abraço amigo para todos,

Manuel Lema Santos
 
PS - Vd. poste no meu blogue Reserva Naval > 2 de abril de 2010 > Nunca será demais... .as acções das LD’s, LP’s, LDP’s e LDM’s na Guiné!

Victor Condeço
(1943-2010)
Com especial destaque para a mensagem [, em comentário, de 3 de abril de 2010, ] do Victor Condeço [1943-2010]:

(...) 'Nunca é demais...' afirmar que para Catió, a Marinha foi crucial para a sua sobrevivência como localidade e como região.

A ligação a Bissau e a outras povoações fazia-se antes da guerra, como sabemos, pela estrada para Buba, que a meio percurso ligava com a de Bedanda.

O início das hostilidades na zona, em 25 Junho 1962, com o afundamento da jangada de Bedanda, abatizes nas estradas e os cortes de fios telefónicos, a vila de Catió ficou isolada.

As estradas acabariam por ser abandonadas, a partir desta altura o transporte de pessoas e bens era quase integralmente feito por via fluvial.

Até Fevereiro de 1968 a pista de aviação só permitia a operação de Helis, DO-27 e as Cessna dos TAG, só a partir desta data com o aumento da mesma, passaram ali a operar os velhos Dakotas da Força Aérea.

Foi já durante a minha comissão, entre finais de 1967 e início de 68, que foram feitos trabalhos de desmatação ao longo daquela estrada a partir do cruzamento de Camaiupa, na tentativa de a reabrir, o que nunca foi conseguido.

Esta operação mobilizava todos os dias uma enorme quantidade de meios tanto de Catió, como de Cufar de Bedanda.

Os trabalhos, foram interrompidos se não erro, após a chegada do novo CMDT Chefe Brig Spínola e nunca reatados no meu tempo.

Por tudo isto pode avaliar-se a importância que a Marinha teve na criação das condições para a manutenção desta Sede de Circunscrição, que tão disputada foi pelo PAIGC.

Com um abraço
Victor Condeço (...)
___________________

Notas do editor

(*) Vd. postes de:


24 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13189: Memória dos lugares (267): Cachil, na ilha de Caiar, a sudoeste de Catió, na margem esquerda do Rio Cobade

25 de maio de  2014 > Guiné 63/74 - P13191: Memória dos lugares (268): Cachil, que eu conheci em julho/agosto de 1966... Suplício de Sísifo... e de Tântalo: rodeados de água, mas a potável tinha que vir de barco, em garrafões, de Catió ... (Benito Neves, ex-fur mil, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)

domingo, 30 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10880: Tabanca Grande (376): Manuel Salada, Sargento-Ajudante da Marinha, na Reserva, ex-Cabo Manobra da LDM 304 (Guiné, 1966/68)

1. Mensagem do nosso amigo Rui Silva, filho do nosso camarada e novo tertuliano Manuel Salada, Sargento-Ajudante da Marinha de Guerra na Reserva, que cumpriu uma comissão de serviço na Guiné, nos anos de 1966 a 1968, como Cabo Manobra na LDM 304:

Boa tarde
Estou a escrever-vos por interposta pessoa.
O meu pai esteve na Guine em 67 e 68 tendo sido patrão da LDM 304 que patrulhava a zona do Rio Grande de Buba e Tombali (peço desculpa não sei se os nomes se escrevem assim estive agora ao telefone com ele a pedir estes dados, pois só agora descobri este blog). Era Cabo Manobra e conhecido por Salada (Manuel).

Frequentou o Curso de Sargentos, tendo passado à reserva como Sargento-Ajudante.

Além da comissão efectuada na Guiné esteve em mais 2 comissões, uma em Luanda que terminou aquando do 25 de abril de 74, tendo ainda efectuado uma outra a bordo de um navio hidrográfico, sendo que nesta, o objectivo era cartografar as espécies de peixes existentes em diversas zonas das então nossas colónias.

Como já está com 80 anos, computadores e afins nem lhes chega perto mas irei escrever uma ou várias das inúmeras historias dele para vos enviar. Não escrevo agora nenhuma para evitar algum erro ou incorrecção pois estaria a contar a história na 3.ª pessoa.

Quanto a foto actual envio já com a promessa de em breve enviar a antiga juntamente com algumas histórias.

Atentamente
Rui Silva


A LDM 302 navegando no Cacheu, junto ao tarrafo da margem. 
Legenda;
A – Poço (resguardado com chapa balística);  B – Peça Oerlinkon; C – Tarrafo; D – Casa do leme; E – Bote de borracha; F – Porta de abater; G – WC. Foto da Revista da Armada, reproduzida com a devida vénia. 

Foto: © Manuel Lema Santos (2008). Todos os direitos reservados.

Rio Grande de Buba - Recorte da Carta da Província da Guiné


2. Comentário de CV:

Caro amigo Rui Silva,
Muito obrigado por trazer até à nossa Tabanca Grande o senhor seu pai, o nosso camarada Manuel Salada, mais um militar da nossa briosa Marinha de Guerra, que vai ocupar um lugar muito especial pois é o elemento menos jovem nesta família de ex-combatentes.

Uma vez que se propõe a ser o interlocutor de seu pai junto no nosso Blogue, esperamos que consiga dele algumas histórias vividas nos rios da Guiné, assim como fotos que ele terá no seu espólio de recordações.
Não se preocupe se acontecer vir um ou outro nome de rio ou localidade escrito com erro, porque cá estamos nós para proceder à devida correcção. Nós que somos mais novos, tantas vezes nos enganamos, que fará que já atingiu a bonita idade dos oitenta e esteve naquele Teatro de Operações vai para 45 anos.

Feita esta singela apresentação, resta-nos enviar ao nosso camarada Manuel Salada um abraço de boas-vindas em nome dos editores e de toda a tertúlia deste Blogue.

Votos de um 2013 com saúde para toda a família.

Ao seu dispor
Carlos Vinhal
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10843: Tabanca Grande (375): José da Luz Rosário, ex-Fur Mil do Pel Canh S/R 2298 (Cabuca e Buruntuma, 1971/72)

segunda-feira, 12 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9600: Álbum fotográfico de João Martins (ex-Alf Mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69) (2): Ainda a viagem, de LDG, em setembro de 1968, de Bissau a Bambadinca, com o meu Pel Art a caminho de Piche


Foto nº 2/199: Aproximação a Bissau, do avião da TAP que trouxe o nosso camarada João Martins, de regresso da metrópole, depois das suas férias em julho de 1968...


Foto nº 58/199: O Rio Geba, visto de Bissau, ao pôr do sol...



Foto nº 62/199: A LDM [, Lancha de Desembarque Média] 311, a navegar no canal do Geba, nas imediações do Ilhéu do Rei, frente ao porto de Bissau. (Distância aproximada: 1,5 km).



Foto nº 66/199: A LDG [Lancha de Desembraque Grande] nº 101, pronto a zarpar, rio Geba cima, carregada de artilheiros e de artilharia, rumo a Bambadinca, aproveitando a maré cheia...


Foto nº 70/199:  Margem direita do Rio Geba, Porto Gole... Ou não ?  Parece-me ser Porto Gole, pelo perfil do casario... A distância aproximada entre as duas margens é de 6,5 km..


Foto nº 71/199: Margem esquerda do Rio Geba, depois da foz do Corubal, quando o rio começava a estreitar, antes do Xime... A temível Ponta Varela, onde era habitual os fuzileiros das LDG fazerem fogo de morteirete, apanhando de surpresa os "viajantes"... Este era um dos pontos referenciados como provável local de ataque do PAIGC às embarcações... Mas, em geral, o IN não se metia com as LDG, tinha-lhes "muito respeitinho"... Atacava de preferência as embarcações civis, indefesas... A distância aproximada entre as duas margens era de 400 metros...


Foto nº 73/199: O inconfundível porto fluvial de Bambadinca e instalações do destacamento da Intendência... Era penosa a viagem pelo Geba Estreito, do Xime até Bambadinca, passando pelo perigoso Mato Cão, devido ao curso "tortuoso" do rio... De LDG, só na maré vazia... Hoje este troço do rio está completamente assoreado... A distância aproximada entre as duas margens era ligeiramente superior a 100 metros...

Fotos: © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados. (Fotos editadas por L.G.; legendas do autor das fotos e do editor).


Guiné > Zona leste > Rio Geba (Xaianga) Estreito > Percurso entre o Xime e Bambadinca > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil> Detalhe


1. Segunda parte da mensagem, enviada ontem, por João José de Lima Alves Martins, respondendo à seguintes perguntas dos editores, a seguir listadas: (A primeira parte da mensagem será publicada, oportunamente, noutro poste, noutra série):

Gostavamos que o João Martins nos confirmasse:



(i) o trajeto da viagem (Bissau-Xime ou Bissau-Bambadinca, pelo Rio Geba);


(ii) o tipo de embarcação (inclinamo-nos para a LDG, já que uma LDM não aguentava com viaturas, 3 peças 11.4, caixas de granadas, mais os homens de um Pel Art e o resto da tralha, desde garrafões de vinho a colchões...).


A viagem pela picada Xime-Bambadinca, em meados de 1968, não era segura... Acreditamos que a LDG tenha ido mesmo até Bambadinca (aproveitando a maré cheia).  Nessa época, a passagem por Ponta Varela, antes do Xime, sempre temida, mas não tanto pelo Mato Cão, já no Geba Estreito. Eu fiz esse percurso, a caminho de Contuboel, nove meses depois, de Bissau, em LDG, partindo de madrugada com a maré cheia, mas só até ao Xime... O resto do percurso (Xime-Bambadinca-Bafatá-Contuboel) foi por estrada, onde chegámos ao fim da tarde... (LG).


2. Recorde-se que o João José Alves Martins foi Alf Mil Art do BAC 1 (Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69). Entrou para a Tabanca Grande em 12 de Fevereiro de 2012.

Na sua página, no Facebook, o João Martins  tem um notável álbum fotográfico, com 199 imagens, obtidas a partir de diapositivos, relativas à sua comissão de serviço no TO da Guiné. Parecem estar ordenadas cronologicamente e uma boa parte delas estão legendadas. O que nos permite, por exemplo, seguir o o nosso camarada e o seu Pel Art, ao longo da viagem desde BAC1 [ Bateria de Artilharia de Campanha nº 1], em Bissau, até Piche... Viagem essa que não foi em julho de 1968, como supunhamos inicialmente, mas sim em setembro.

3. Explicações dadas pelo João Martins:


Luís Graça


É com muito prazer que recordo o tempo que passei na Guiné; lá, encontrei a alma e a coragem dos nossos antepassados, e toda uma obra de colonização que, ao contrário do que muitos pensam, nos deve orgulhar. (...)

Quanto às tuas perguntas, a viagem para Piche fez-se em Setembro de 68, depois de ter regressado de férias, pelo rio Geba e até Bambadinca numa LDG.

É claro que para chegarmos a Piche, passámos por Bafatá e por Nova Lamego; no caminho [ entre Nova Lamego e Piche], como afirmas, apanhámos um valente susto porque ficámos "parados sozinhos" com um furo, e fomos ajudados por uns naturais aos quais dei umas moedas, mas que, se tivéssemos tido azar,  seriam de "outra cor"...(faz parte das minhas memórias).

Passei por Farim, mas foi no regresso, e ainda me lembro do Dakota que tremia que nem varas verdes e fazia uma barulheira que só visto...


Quanto ao dia 21 de Abril [, dia do nosso VII Econtro Nacional, em Monte Real], teria muito prazer em estar convosco, mas acontece que estou a fazer grandes obras numa casa que tenho em S. Martinho do Porto e vou lá aos sábados para as acompanhar pelo que terá que ficar para outra oportunidade.


Um grande abraço,


João Martins
____________________

Nota do editor:

sábado, 13 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8666: O Regresso dos Heróis (Domingos Gonçalves) (3): O último susto


O Regresso dos Heróis*

Por

Domingos Gonçalves
(Ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887)


DEDICATÓRIA
A todos os colegas da CCAÇ 1546 do BCaç 1887



III - O ÚLTIMO SUSTO

Dia 13
Pelas doze horas o Alfange atracou em Binta. De imediato, desembarcou a Companhia de “Periquitos” e as respectivas bagagens. Depois, a minha Companhia embarcou. Pouco depois das duas horas, acenando um adeus às terras de Binta, subíamos o Cacheu até Farim. Nunca percebi muito bem esta programação da viagem. Com efeito, a lógica que na tropa não tem lugar, apontaria para que embarcássemos apenas quando o barco descesse o rio. Mas, como gostam muito de nós e estão satisfeitos com o nosso trabalho e com a guerra que fizemos ao longo de todos estes meses, os que mandam em nós quiseram que fizéssemos turismo, durante mais umas horas, viajando por este rio maravilhoso, em condições de excepcional conforto.

 LDG Alfange - Foto de autor desconhecido. Com a devida vénia

Em Farim entraram no Barco a Companhia N.º 1548 e a Companhia de Comando e Serviços e, já de noite, iniciou-se a viagem para Bissau, com uma ligeira paragem de novo em Binta, donde se partiu quando a noite já ia bastante alta.

A partir de Binta, a barcaça que nos transportava seguiu viagem, escoltada por um barco de Guerra, que navegava à nossa frente escassas dezenas de metros.

Pouco passava das 21 horas. Rio abaixo tudo parecia normal. Na penumbra da noite apenas se escutava o ligeiro ruído provocado pelo deslizar sereno do barco sobre as águas do Cacheu, e o barulho surdo dos motores da embarcação que nos transportava.

A escuridão da noite, o céu sem estrelas e um horizonte que morria ali muito perto, na penumbra das margens, emprestavam à viagem um ambiente sinistro feito de mistério e receio. Fora da barcaça, que navegava com as luzes apagadas, apenas se vislumbrava a sombra da floresta que, nas margens, se casa com o rio, e um pouco à frente, embora pouco perceptível, a sombra do barco que nos escoltava. Aquele era um ambiente de mistério, sinistro e tristonho, a que, aliás, durante outras viagens pelo rio já nos tínhamos habituado.

Não muito longe de Binta, a escassas centenas de metros, numa curva do rio, começámos a ser alvejados por tiros de bazooka, ou de canhão sem recuo. E um calafrio enorme apossou-se de mim, e também, por certo, de todos os que viajavam a meu lado. Eram eles, os turras, que nos estavam a atacar ali, no meio do rio, quando pensávamos que a guerra para nós já não existia, e já nem tínhamos uma reles G3 para varrer com algumas rajadas as margens do rio. Era efectivamente a guerra que continuava a perseguir-nos!

E o barco de guerra que seguia à nossa frente, e nos escoltava, foi atingido lateralmente por algumas granadas, que lhe causaram bastantes estragos, tendo a tripulação sofrido um morto e alguns feridos. Viveram-se momentos de pavor, mas não houve pânico.**

Guiné > Bissau > A LFG Lira, já atracada em Bissau, ao lado da Orion, sendo bem visíveis, na ponte, os estragos provocados pelo rebentamento da granada de RPG, em chapa balística de 0.25.

Guiné > Bissau > A LGF Lira > Os danos no convés, no rufo da casa das máquinas e nos botes de borracha dos FZ .
Fotos: © Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.

Entretanto, um grupo de fuzileiros que seguia na nossa barcaça, em missão de segurança, abriu fogo sobre as margens do rio, para a zona donde teria partido o ataque. Ao mesmo tempo, o barco de guerra que nos escoltava seguia, a grande velocidade, para Bissau. E a barcaça que nos transportava recebeu ordens para regressar a Binta, onde chegou pelas vinte e duas horas.

E todos nós, cerca de 500 homens, passámos a noite em frente a Binta, a bordo da embarcação.

Foi uma noite difícil de passar. A barcaça não tinha espaço para transportar, com o mínimo de condições, uma centena de pessoas, e estávamos lá dento três Companhias com as respectivas bagagens.
Os soldados quase não tinham espaço para se mexer.

Mais uma vez, tivemos muita sorte. Se os gajos em vez de acertar no barco de guerra que nos dava escolta, tivessem disparado e acertado no nosso, com tanta gente dentro, poderia ter acontecido mais um grande desastre. Bastaria apenas a confusão gerada por uma granada que acertasse em cheio no barco, aliada à escuridão da noite, para que houvesse uma tragédia de consequências imprevisíveis.

Apesar de tudo, o azar quase que não o foi. Os nossos homens, para além do incómodo do atraso da viagem e da noite passada no meio do rio, sem um agasalho que os protegesse da humidade, nada mais sofreram.

Mas não deixou de ser para todos nós mais um grande susto com o qual já ninguém estava a contar. E ali tão perto de Binta não havia memória de que os barcos de guerra tivessem sido alguma vez atacados.

(Continua)
____________

Notas de CV:

(*) O Regresso dos Heróis é um livro do nosso camarada Domingos Gonçalves (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68), edição de autor.

(**) Vd. poste de 16 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1665: Operação Larga Agora, Tancroal, Cacheu, local maldito para a Marinha (Parte I) (Lema Santos)

Em 13 de Janeiro de 1968, a LFG Lira que escoltava a LDG Alfange, depois de ter transportado 3 companhias de FT de S. Vicente para Binta, foi violentamente atacada no Tancroal com RPG, sendo atindida na ponte e no rufo (cobertura) da casa das máquinas. O resultado, além dos estragos materiais, foi dramático: 1 morto e 8 feridos, alguns deles em estado grave, sendo 2 evacuados de helicóptero e 3 de Dornier.

Vd. último poste da série de 10 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8657: O Regresso dos Heróis (Domingos Gonçalves) (2): Guiné, 1968

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5164: Blogues da Nossa Blogosfera (21): Por mor dos navios da nossa armada e dos seus marinheiros (Diogo Duarte)

Blogue Reserva Naval, do nosso camarada e amigo Manuel Lema Santos, criado e mantido desde meados de 2006... Magnífico, sóbrio elegante... Obrigatório para quem quiser saber tudo (ou quase tudo...) sobre o papel da nossa Marinha de Guerra no TO da Guiné (LG).

Blogues da nossa blogosfera... Barco à Vista > Informações sobre a Marinha Portuguesa... Blogue, criado em Junho de 2009, por alguém do "Porto, Norte, Portugal" , e que se apresenta como tendo "por escopo servir de acervo de documentação e permitir a consulta de dados de natureza técnica das principais unidades da Marinha de Guerra Portuguesa"... Devo acrescentar que os nossos marinheiros detestam a palavra "barco": para eles, a nossa Armada não tem "barcos", mas sim "navios"... Mas percebe-se o título do blogue, quando já havia um outro, Navios à Vista, de Rui Amaro, Foz do Douro, Porto, um blogue para "troca de impressões sobre navios e portos"... (LG)


1. Mensagem de Diogo Morais Duarte, leitor do nosso blogue, com data de 13 do corrente:

Assunto - Artigo sobre LDM

Caro camarada,

Sou um leitor assíduo do blogue. Como por via da regra têm pouca participação do pessoal da Marinha, deixo um pequeno contributo.

Indico-vos um blogue que tenho vindo acompanhar:
http://barcoavista.blogspot.com/ , que desta vez apresenta um artigo sobre as LDM - Lanchas de Desembarque Médias [, publicado em 13/10/2009].

Estou certo que terá interesse para todos, pois devem ser certamente poucos os camaradas que nelas não navegaram ou não as viram nos rios da Guiné. (**)

Cumprimentos,
Diogo Morais Duarte
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série: 19 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5134: Blogues da Nossa Blogosfera (20): JEROALCOA.BLOGSPOT.COM, de José Eduardo Oliveira

(**) Alguns excertos do artigo e apontamentos de leitura:

(i) As LDM (da classe LDM 400) deslocavam cerca de 60 toneladas, mediam 17,8 x 5 x 1 metros, a sua velociadade máxima era de 9,2 nós (16 km), a sua autonomia não ultrapassava as 220 milhas (à velocidade de 8,2 nós), tinham um guarnição de 4 homens (m cabo - o famoso "patrão da lancha" - e 3 marinheiros)...

(ii) Outras características (classe LDM 400):

- Armamento > 1 Peça OERLIKON Mk2 de 20mm/65 (2 Km de alcance); 2 Metralhadoras MG-42 de 7,62mm.

- Capacidade de carga > 80 militares / 35 toneladas de carga / 1 viatura blindada até 32 toneladas / 1 camião de 6 toneladas / 2 viaturas ligeiras...

- Ano de construção: 1967/68

- Emprego operacional: Transporte e apoio logístico (mantimentos, munições, etc); Embarque e desembarque de tropas; Serviço público.


(iii) Distribuição das LDM pelos teatros opeacionais do Ultramar, durante a guerra colonial: Angola: 5; Guiné: 51; Moçambique (Lago Niassa): 4

(iv) As LDM "eram o principal meio de desembarque da Marinha no que respeita ao emprego de Fuzileiros, aquando da execução de operações militares com a totalidade dos efectivos de uma CF (140 militares) ou de um DFE (80 militares), originando o binómio LDM-Fuzileiros"...

(v) "Trata-se de um tipo de embarcação concebido para utilização temporária (máximo 48 horas), dado não dispor de meios de subsistência, não obstante a título de exemplo na Guiné-Bissau foram usadas em patrulhas de rios que chegavam em média às duas semanas, sendo de referir que tal situação ocorria em detrimento das condições de vida a bordo e sacrifício das suas guarnições".

(vi) (...) "No caso da Guiné-Bissau (multiplicidade de braços de mar e rios, grandes amplitudes de maré e rios muito sinuosos), [o emprego de LDM] atingia mais de 80%, percentagem esta que aumentou a partir de 25 de Março de 1973 com a diminuição de voos de carácter logístico da FAP, devido ao fogo anti-aéreo com recurso a mísseis terra-ar de fabrico soviético SA-7 Grail Strela por parte do PAIGC".

(vii) (...) Pelo facto de "serem dotadas de pouca velocidade, muitas foram alvo de ataques desencadeados a partir das margens pelo PAIGC na Guiné-Bissau, sendo o caso mais conhecido o da LDM 302, atacada e afundada três vezes; outras foram visadas pelo rebentamento de engenhos explosivos improvisados, submersos e de fabrico artesanal do PAIGC, em rios estreitos e pouco fundos, denominados por "minas aquáticas", em ambas as situações as respectivas guarnições tiveram algumas baixas (feridos e mortos), mas nunca deixaram de ripostar, honrando assim as dignas tradições da Marinha Portuguesa"

Fonte: Barco à Vista > 13/10/09 > Lanchas de Desembarque Médias (Com a devida vénia...)

Vd. também o magnífico, sóbrio e elegante Blogue Reserva Naval, criado e mantido, desde Abril de 2006, pelo nosso camarada e amigo Manuel Lema Santos (Lisboa), um homem que acalenta ainda a paixão do mar, dos rios da Guiné e do tempo que em foi oficial da nossa Armada... Trata-se de um "espaço aberto a antigos Oficiais da Reserva Naval na publicação de documentos, relatos, imagens e comentários. Um meio de comunicação e participação na divulgação do legado histórico da Reserva Naval da Marinha de Guerra"...

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4861: Cartas (Carlos Geraldes) (3): 1.ª Fase - Agosto e Setembro de 1964

1. Terceiro e último poste da 1.ª Fase - Bissau da série "Cartas" de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66.

1.ª Fase: Bissau

Bissau, 06 Ago. 1964
Nos últimos três dias não estivemos em Bissau. Fomos para mais uma perigosa operação.
O perigo é a minha profissão, como dizia o outro, mas acho que por aqui o perigo é ainda um bocado difícil de encontrar. Por enquanto corre tudo relativamente bem, sem sobressaltos. Esperemos que assim continue.

Nesta carta, como noutras anteriores, é evidente a preocupação de aligeirar a imagem da guerra, de mascarar a realidade, para não atormentar a família que lá longe na Metrópole, seguia angustiada as notícias que chegavam dos vários teatros da guerra colonial

Desta vez fomos para os lados de Catió e Bedanda, perto da fronteira Sul. Fomos e viemos a bordo de um contratorpedeiro, o “Vouga”. Ficámos assim a conhecer uma série de oficiais da Marinha, extraordinariamente simpáticos. Ficámos todos entusiasmados com o nível de educação, camaradagem e cultura destes indivíduos. Trataram-nos muitíssimo bem, principalmente quando no regresso do mato aparecemos todos sujos e esfarrapados. Não se pouparam a esforços, arranjando-nos banho, roupas lavadas e comidas quentes, apesar de já passarem das duas horas da madrugada.

A operação tinha o nome de código, “Broca”. Participaram, além de nós, várias Companhias de Infantaria, dois Destacamentos de Fuzileiros, dois Pelotões de Pára-quedistas, comandados por um amigo dos tempos da Universidade, o Mascarenhas. E ainda a Aviação, peças de Artilharia e, é claro, também a Marinha, com os barcos para o transporte de todo aquele pessoal.

A zona era território dominado pelo inimigo e há mais de um ano que ninguém se atrevia a ir lá. Os turras, segundo se constava, tinham até campos de treino. A missão da nossa Companhia era bater a mata a noroeste da estrada que vai para Catió e depois limpar essa estrada. Não encontrámos resistência armada limitando-nos a destruir todas as tabancas que por ali existiam e que davam o sustento necessário ao inimigo, matando todo o gado, estragando as plantações de bananeiras e fazendo prisioneiros aqueles que não fugiam e se entregavam pois, caso contrário, eram mortos pelos nossos soldados que, desta vez, se comportaram com um sangue frio extraordinário e não dispararam um único tiro a mais.

Quem na realidade defrontou propriamente o inimigo foram os fuzileiros que tiveram cinco feridos e um morto. Como resposta mataram uma quantidade de turras, apreenderam muito material e creio que por uns tempos aquela zona ficará controlada pelas nossas tropas. A estrada que tínhamos de percorrer estava toda semeada de enormes árvores abatidas e, de não passar lá ninguém, tinha capim com quase 3 metros de altura. Agora ficou totalmente desimpedida.

Estivemos naquela zona dois dias (segunda e terça) e nunca vi mato tão cerrado como aquele. Autêntica floresta virgem. De segunda para terça-feira, dormimos metidos em buracos, à chuva, comidos pelos mosquitos. Quando chegámos, às 6 horas da tarde de terça-feira, a Catió, demos um enorme suspiro de alívio. Ao tirar a mochila de cima dos ombros até me senti flutuar. Regressámos depois ao “Vouga” em lanchas de desembarque e ia enjoando pois o mar estava picado e continuava a chover. O transbordo foi uma coisa de loucos. As ondas tanto levantavam a LDM acima do convés do “Vouga” como nos precipitavam num abismo profundo quase até à quilha. Tínhamos que calcular o momento certo para saltar para bordo, arremessando primeiro as armas e as bagagens, para depois saltarmos nós próprios de qualquer maneira fechando os olhos ao perigo, numa confusão indescritível.

Chegados a Bissau às 13H30 da tarde do dia seguinte e, depois de lavados e vestidos de novo, corremos até à Baixa, para comer frangos de churrasco e beber muita cerveja. E à hora do jantar regressámos à Messe dos Oficiais para de novo encher o estômago, tal era a fome que sentíamos depois de dois dias alimentados apenas a rações de combate.

No dia seguinte convidámos os oficiais do “Vouga” para uma jantarada, numa modesta retribuição pela forma magnífica como sempre nos têm tratado. No final acabámos todos a ouvir fados. Sim, porque aqui também se ouvem fados e dos mais castiços.
Juntou-se um grupo de sargentos e alferes, mais ou menos todos de Lisboa e foi uma noite de fados em cheio, até às cinco da madrugada a beber vinho e a comer anchovas (à falta de melhor) com queijo e pão. Garanto que ninguém ficou bêbado, mas fiquei um pouco farto de fados…

Os da Marinha gostaram tanto do convívio que agora são eles que nos querem convidar para bordo do “Vouga” para outra confraternização.
Se entrássemos nesse ritmo o resto da comissão até que nem seria nada desagradável. Mas em Dezembro já se vão embora, deixando estes mares.


Bissau, 22 de Ago.1964
A operação “Crato” demorou dois dias, 18 e 19 de Agosto. Choveu forte e sem parar.
Embarcámos na madrugada de terça-feira, às 04H00 num barquito de guerra que atravessou o rio Geba para sul e nos foi colocar na outra margem junto à região de Tite (acima de Bolama), zona de forte implantação dos turras, apesar de estar assim tão perto de Bissau. Às 06H00 e às 07H00 desembarcaram primeiro os fuzileiros enquanto do navio metralhavam a margem com balas tracejantes (era bonito, parecia fogo de artifício). Por volta das 08H00 desembarcámos nós na praia, tal como os aliados fizeram no dia D, na Normandia, com água pela cintura e com os pés a enterrarem-se no lodo. Mal chegávamos a terra firme, dispersávamos e corríamos a abrigarmo-nos atrás das árvores e nas depressões do terreno mais propícias. Mas não houve novidade alguma, pois também lá não havia os terroristas que, segundo as Informações, era costume estarem sempre por ali alvejando qualquer embarcação que se aproximasse. O local chama-se Jabadá (Mafra no código da operação) e forma nessa zona uma espécie de promontório conhecido precisamente por Ponta de Jabadá.

Começamos então a penetrar para o interior, em manobra conjunta com mais quatro Companhias que vinham de sul e, com dois destacamentos de fuzileiros (o equivalente a duas Companhias de Infantaria) que progrediam paralelamente a nós. Por volta das 04H00 da tarde chegámos à tabanca que era o nosso primeiro objectivo, pois era lá que supostamente se refugiava um antigo grupo de turras. Fizemos o envolvimento (a mim calhou-me o lado esquerdo) e, depois de termos disparado dois ou três tiros de bazooka como medida dissuasora, avançámos em pequenos grupos isolados. Mas não havia ninguém em toda a aldeia, tudo deserto, apenas porcos e galinhas que esvoaçavam assustadas. Cabras presas a estacas berravam desalmadamente. Os soldados atravessaram rapidamente as leiras à volta das palhotas, derrubando as cercas para mais facilmente poderem passar. Houve ainda quem chegasse a ser atacado por um enxame de abelhas, deixado ali, talvez de propósito, mas conseguiram evitá-las a tempo.

Não se tocou em nada e atravessando a aldeia chegámos a um descampado mesmo na margem da bolanha onde resolvemos acampar para passar a noite que se aproximava rapidamente (às 18 horas já é escuro). Formámos um círculo, aí com cem ou cento e cinquenta metros de diâmetro, e preparámo-nos para ali nos acomodarmos o melhor possível. Eu, o capitão e quase todo o grupo de comando reunimo-nos no centro, junto de uma árvore bem grossa. Escusado será dizer que estávamos ainda todos encharcados e não podíamos alimentar esperanças de secar a roupa durante a noite, pois a chuva continuava a cair.

Foi a maior noite da minha vida.

Cansados e cheios de frio, mesmo assim, quando já cabeceávamos de sono, os malditos mosquitos não nos deixavam dormir atacando-nos como loucos furiosos, entrando pelos ouvidos, nariz e boca! Nessa noite ninguém dormiu. E quase ia havendo uma desgraça, pois uma manada de vacas que por ali andava à solta, resolveu passar por cima de nós, procurando certamente o habitual local onde se recolhia à noite nas cercanias da aldeia. Inacreditavelmente ninguém entrou em pânico e eu lá andei a fazer de cow-boy à força (sem cavalo) a assobiar baixinho para encaminhar as vacas o melhor que podia para fora do nosso acampamento. Houve ainda quem não resistisse a efectuar alguns tiros à toa, pretendendo ver alguns vultos suspeitos a rondar as palhotas. Provavelmente alguém que, a coberto da noite se arriscava a regressar à aldeia para recolher algumas coisas que não tinha podido levar na precipitação da fuga que, com certeza, antecedera a nossa chegada.

De manhã foi a destruição total da tabanca, deitando-se fogo a tudo, cortando as bananeiras e abatendo as perto de cem vacas, a tiro de G-3. As cabras e os porcos eram mortos mesmo à cacetada.

O resto do dia foi preenchido com o percurso de regresso ao ponto de partida. Encontrámos as Companhias que vieram do Sul e fez-se então uma grande batida a toda aquela zona. Soubemos depois que os nativos daquela região tinham ido entregar-se à protecção da guarnição de Tite, prometendo não auxiliar mais os bandidos, como eles chamam aos turras, tal o medo que esta concentração de tropas lhes causou.

O reembarque nas LDM’s é que foi demoradamente trágico, com toda a gente impaciente por regressar, mas sem encontrar maneira de sair dali. A maré tinha subido de tal modo, que só podíamos alcançar as lanchas com água pelo pescoço, pois as margens cobertas pela densa vegetação do mangal não permitiam a suficiente aproximação. Alguns de nós tiveram mesmo de ir a nado.
E chovia sempre sem parar.

Regressámos a Bissau às 18H30 de quarta-feira, cansadíssimos (mais do que da outra vez), apesar de a operação ter durado menos tempo e ter tido menos perigos que as anteriores.
Tomei banho e o sabão até custava a fazer espuma. Jantei mesmo sem fazer a barba e caí na cama como um pedregulho de meia tonelada.


Bissau, 27 Ago. 1964
São nove horas da noite e vou ainda aproveitar para vos escrever, pois amanhã de manhã fecham as malas do Correio.
Já passaram quase quatro meses.
Sei que dentro em pouco direi que já passaram seis, depois dez… e, finalmente começarei a contar os meses que faltarão.

A guerra continua na mesma, fria e tensa. Não acredito que tenha alguma coisa de comum comigo. Apenas sei que a experiência que estou a viver será útil talvez para quando for velho ter muitas histórias de aventuras e guerreiros antigos para contar aos meus netos se os chegar a ter.
Ando um bocado falho de memória. Talvez seja da humidade que fez criar bolor no meu cérebro. Sabiam que aqui a percentagem de humidade do ar ronda os 96%?
As chuvas caem agora com mais intensidade e sempre que saio para o mato é rara a vez que não regresso todo encharcado, da cabeça aos pés. Mas mesmo assim, ainda não me constipei.


Bissau, 08 Set. 1964
Na tarde de quarta-feira partimos para mais uma operação. Esta chamava-se operação "Dedal" e dela só regressámos no domingo seguinte no final do dia. Vim todo picado pelos mosquitos e tive de tomar dois comprimidos para a comichão que me fizeram muito sono.

A operação realizou-se de novo na outra margem do rio Gêba, mas agora mais para o interior, numa península defronte de Porto Gole. Como de costume, foram connosco várias Companhias. A missão consistia em fazer uma batida a mais completa possível naquela zona, destruir todas as povoações e tentar capturar o maior número de elementos inimigos e material que encontrássemos. Tínhamos uma lista com mais de cinquenta nomes que, caso fossem feitos prisioneiros, nem era preciso interrogar, podiam ser logo abatidos ali mesmo no local.

Desta vez a minha Companhia dividiu-se e cada Pelotão (ou Grupo de Combate, como lhe chamam agora, por ter mais uma Secção de armas pesadas, com um morteiro de 60 mm e uma bazooka do tempo da Maria-Caxuxa) progredia sozinho por sua conta e risco. A mim calhou-me a ala direita e tive mais sorte que os outros, pois desloquei-me muito menos e passei quase dois dias inteiros estacionado num local perto da margem do rio para impedir a fuga daqueles que, querendo escapar às nossas tropas, procurariam refúgio mais a Sul. A noite de quarta para quinta-feira foi dormida a bordo do navio que nos transportou. Desembarcámos às 09H00 da manhã de quinta-feira e logo depois cada qual foi para seu lado.

A primeira povoação que encontrámos estava abandonada, pois já nos tinham pressentido na noite anterior e tinham fugido. Queimámos tudo e matámos todo o gado que havia. Mais adiante encontrámos duas cabanas escondidas numa zona de mato mais cerrado e com indícios de servir para ponto de reunião ou para aquartelamento de algum pequeno grupo armado. Numa delas estava uma granada de mão colocada tão à vista que deu logo para desconfiar. Mandei que todos se afastassem e disse ao furriel especialista em minas e armadilhas que fosse investigar. Era de facto uma armadilha um pouco tosca mas para a qual teríamos de tomar muita atenção, pois a cavilha de segurança da granada estava presa a um fio que no outro extremo ia prender-se a um tronco espetado no chão da cabana. Assim se qualquer um de nós descuidadamente a agarrasse e levantasse do chão ela rebentaria imediatamente causando-nos graves danos certamente. Com o credo na boca rebuscámos tudo, o mais cuidadosamente possível e encontrámos, nas redondezas, uma caixa de madeira com mais de duzentas munições variadas e ainda três granadas de tipo desconhecido. Na caixa estavam pintadas várias palavras e indicações que pareciam ser russas ou checas.
Com a febril sensação de quem está na pista da arca do tesouro dali para a frente esquadrinhámos palmo a palmo toda a mata à medida que progredíamos. Mas com muito pouco proveito com grande pena nossa. Só mais à frente, noutra povoação abandonada, é que se encontrou uma velha carabina de carregar pela boca, o vulgar canhangulo deitado fora por alguém que não se queria comprometer, pela certa.

Quando chegou a noite (de quinta para sexta-feira) preparámo-nos para dormir uma noite mais descansada, na orla da mata que limitava a imensa bolanha que tínhamos vindo a rodear. No meio da escuridão tentando não dar a perceber a nossa presença, improvisámos o melhor que podíamos os locais para passar a noite. Mas um dos soldados, inadvertidamente, encostou-se a um pequeno montículo julgando ter achado ali um óptimo travesseiro mas que mais não era do que um morro de bagabaga, formigueiro repleto de furiosos insectos que, perante o perigo iminente de uma invasão por um ser estranho, atacaram inesperadamente o intruso com todas as forças das suas mandíbulas. Quando todos nós já deslizávamos nas asas de Morfeu, acordámos de repente com uma barafunda e uma gritaria tais que mais parecia que o acampamento tinha sido atacado por inimigos sanguinários que a coberto da escuridão nos queriam degolar.

Quando consegui vislumbrar com a pouca luz que o reflexo da bolanha deixava chegar até nós, o corpo do soldado que desesperadamente se esfregava no chão arrancando toda a roupa para se poder ver livre daqueles furiosos insectos, não sabia se havia de rir ou ter um ataque de fúria perante aquela cena caricata que deitava abaixo todas as medidas de segurança que procurámos ter para não denunciarmos a nossa presença. Com vontade de lhe partir a cabeça à coronhada para o fazer calar, mesmo assim lá consegui acalmar os ânimos e aos poucos restabeleceu-se o silêncio. Dali para a frente a sorte estava lançada, só poderíamos beneficiar dela se o inimigo assim o permitisse.
Mais ninguém conseguiu voltar a dormir naquela noite, esquadrinhando as sombras reflectidas nas águas da bolanha, com medo de tudo e de nada.

Na manhã seguinte continuámos a progressão conforme estava planeado e no meio de um caminho largo e com aspecto de ser muito movimentado deparámos com uma pistola de fabrico checo ainda com quatro balas no carregador. Certamente mais uma que foi abandonada na precipitação da fuga. Foi talvez o nosso mais valioso achado, a que o capitão chamou logo seu…
Continuando sempre em ligação rádio com o comando da Companhia, acabei por me instalar num sítio à margem do rio Corubal (um afluente do Gêba), local onde aguardei até ao reembarque no domingo de manhã. Fiquei ali, portanto, também a proteger a retirada. Como não dormia há duas noites já adormecia de pé, encostado às árvores. Mas nessa noite dormi bem, pois até tivemos tempo para fazer camas com troncos cruzados, cobertos de capim e, com as capas impermeáveis (que desta vez não nos esquecêramos de levar) improvisar uns toldos para nos abrigar da chuva. Fizemos fogueiras e assámos galinhas que, temperadas com os caldos das sopas instantâneas das rações de combate, ficaram uma delícia. Os mosquitos, miraculosamente, resolveram não aparecer nessa noite e dormimos regaladamente, sem nos lembrarmos do inimigo, como se estivéssemos no Paraíso.

O sábado passou-se ali, parados sempre no mesmo sítio, enquanto aqueles que tinham ido pelo lado esquerdo, faziam batidas ao Norte para empurrarem os turras, se os houvesse, para o nosso lado. Felizmente não demos pela presença de ninguém. Eu, também, tinha sempre o cuidado de mandar acender fogueiras para lhes assinalar a nossa presença e lhes dizer que era escusado virem por este lado…
Parece que me perceberam e não tive qualquer problema.

Os restantes pelotões foram chegando nos dias seguintes mais ou menos estafados e com mil histórias para contar, mas também de mãos a abanar. Apenas o último, encontrou uma Mauser e algumas munições diversas. E como também tinham encontrado, num acampamento abandonado, um grande barracão coberto de folhas de zinco, aproveitaram e carregaram esse material que ainda estava em bom estado, depois de destruírem todo o resto. Foi uma sensação curiosa e ao mesmo tempo hilariante, vê-los chegar, em fila indiana, carregando, cada soldado, uma folha de zinco à cabeça, como laboriosas formiguinhas a acartar mantimentos para o ninho.

Este último dia foi porém o mais movimentado e atrapalhado de todos.
Como de costume, pela manhã chegou a LDM dos fuzileiros que trazia de Bissau os abastecimentos. O oficial que a comandava, o Tenente Silva, meu conhecido de anteriores passeios náuticos, veio logo ter comigo todo entusiasmado com uma ideia que tinha tido. Pouco antes de atracar avistara umas vacas a vaguear junto à margem, bem perto dali.
E a ideia era a seguinte: se pudesse meter algumas daquelas vacas dentro da LDM, podia levá-las para Bissau, onde, vendidas para a Messe, dariam de certeza bom lucro. Só que precisava que eu lhe emprestasse alguns homens, dois no mínimo, para o ajudar a metê-las dentro da LDM.

Embora eu estivesse alertado para não me movimentar fora das áreas que me estavam estipuladas no plano de acção, ingenuamente acreditei que nada de mal poderia acontecer e cedi dois homens que se ofereceram como voluntários, o José Figueiredo, de alcunha o Braga-1 e o Alberto Carlos, o Braga-2.
Só que, como sempre acontece, o que pode correr mal, acaba sempre por correr mal.

Quando a LDM encostou no local onde tinham sido vistas as vacas, em vez de vacas, do meio do capim, levantaram-se de súbito dois supostos turras que desataram a fugir. Os nossos bravos soldadinhos vão logo a correr atrás deles, como loucos. Acontece que por acaso, estava mesmo a passar por ali um avião T6 que patrulhava a zona e detectou um movimento no solo que lhe pareceu suspeito. Tendo rapidamente entrado em contacto com a base, certificou-se que naquela zona não era previsto estar a nossa tropa, portanto só poderia ser o inimigo e, sem hesitar dispara dois rockets sobre o alvo.

Resultado: o inimigo desapareceu como fumo, deixando os meus dois soldados deitados no capim a gemer, feridos com estilhaços nas pernas.

Guardei sempre em meu poder uma cópia do relatório oficial desta operação que se tornou de bastante utilidade quando, muitos anos mais tarde, um desses soldados se lembrou de requerer do Exército uma pensão por ferimentos em combate. O que só conseguiu graças à existência daquele documento, única prova que restou para comprovar o acontecido. Nem no hospital de Bissau havia qualquer registo. Bom e, no relatório também não apareciam as vacas, felizmente

Depois foi a grande confusão. O capitão da nossa Companhia, alertado pela rádio, não sabia de nada e não compreendia como é que poderiam estar soldados dele naquela zona. Todos berravam, pedindo socorro para os feridos, os altos comandos exigiam relatórios e toda a gente julgava estar a ser submetida a uma grande ofensiva inimiga, indignada também pela incompetência da aviação que não sabia distinguir as nossas tropas, do IN.
Mas só eu e o oficial da Marinha sabíamos o que de facto se tinha passado por causa de duas vacas.

Quando as coisas se acalmaram e os feridos foram levados finalmente para o hospital de Bissau, ainda conseguimos esboçar um sorriso de alívio depois de tamanho susto. Os feridos não tinham sido atingidos com gravidade e o pior foi-se esvanecendo.
Mas o capitão preveniu-me logo: os altos comandos nunca poderiam vir a saber a verdade senão a confusão iria ser muito pior.

Desde aí, entre mim e o Tenente Silva, estabeleceu-se uma longa amizade, nascida de uma cumplicidade num delito, embora fortuito, do qual nos sentíamos igualmente culpados, sem no entanto sabermos quem era o mais culpado dos dois.

Apesar de pertencermos a ramos diferentes das Forças Armadas e, na Guiné nunca mais nos termos encontrado, mantivemos contacto por escrito durante largos anos, até que lhe perdi o rasto depois dele ter emigrado para França

Falta ainda referir que, na noite anterior, os fuzileiros tinham feito uma emboscada na outra margem do rio Corubal e tinham apanhado uma metralhadora pesada, duas metralhadoras ligeiras, várias espingardas e pistolas. Parece que um grupo terrorista, pressentindo que havia barcos no rio, passou de Uána Porto para a outra margem para os flagelar de mais perto. Mas foram cair direitinhos na armadilha que os fuzileiros tinham armado.

Chegados a Bissau, no domingo à tarde, talvez até por isso, estava o cais cheio de gente para nos ver chegar. Foi um espectáculo inédito (quase surrealista) apreciar o nosso desfile que mais parecia uma parada de vagabundos sujos e famintos, sem qualquer ponta de brio militar. Mas até o Brigadeiro, Comandante Militar, apareceu para nos cumprimentar! Tudo fogo-de-vista, claro, para encher os olhos do Zé Pagode, pois no dia seguinte, surgiram no nosso aquartelamento uns capitães de outras unidades dizendo que tinham ordens para levar as tais chapas de zinco. Refilámos de tal maneira que foram constrangidos a retirar ordeiramente.
Existem sempre os eternos figurões que aproveitam todas as oportunidades para tentar enfiar o barrete ao próximo. Então aqui na tropa é demais. É ver quem mais se pode aproveitar.

O tempo continua de chuva, embora sejam só aguaceiros espaçados.
É a altura dos tornados que provocam quase sempre estragos no porto de mar, afundando umas lanchas e avariando outras.

Comprei um rádio a pilhas. É um Sony com ondas médias e curtas que, por 1.450$00, me vai ajudar a passar o tempo entre as guerras.


Bissau, 15 Set.1964
Não tenho saído para o mato pois o Cardoso é que o tem feito, com o meu Pelotão. Coisas do nosso Capitão que, é para o Cardoso se ir treinando…
Só no outro dia é que saí para ir prender, por ordem do Administrador do Concelho de Bissau, um sujeito que seria um agente terrorista, escondido aqui numa tabanca perto. Creio que a tarefa dele era angariar adeptos e depois enviá-los para o mato.

Meteu-me pena, pois ele não nos esperava, quando entrámos rapidamente pela aldeia dentro. Ficou a tremer e só teve tempo de gaguejar qualquer coisa que, creio ter sido uma despedida para os outros.
Como vêem até isto nos obrigam a fazer, papéis de Pide! Não tive dificuldade nenhuma com ele, pois nem reagiu. E fui eu lá, com um jeep e uma camioneta carregada com 14 homens armados para trazermos mais um borrego para a matança! Geralmente são raros que sobrevivem aos interrogatórios. É sempre a teoria do mais um, menos um…
Só queria ver isto acabado!


Bissau, 23 Set. 1964
Chegámos no “Vouga”, ontem à noite. Tudo ainda me parece um pesadelo que desejaria não ter vivido. A operação “Tornado”, como se chamava, foi terrível. A região era a pior que já vi, toda semeada de bolhanhas, completamente alagada pela chuva que tem caído incessantemente. Não era terra nem água mas sim uma enorme região mergulhada em lama líquida. Uma lama viscosa que, nos prendia como tenazes. Quando algum de nós mergulhava até à cintura, eram precisos três a puxá-lo para ao fim de muitos esforços o arrancarem de lá sem botas e com as calças em farrapos.

Localização: zona Sul, entre Cacine e a fronteira com a República da Guiné.
Saímos daqui no nosso habitual contratorpedeiro “Vouga”. É o único navio grande que está cá, tendo chegado agora um outro que, o vem substituir, a fragata “Diogo Gomes”.

Chegámos diante da famigerada Ilha de Como, ao fim da tarde. Pelas nove da noite passámos para lanchas de desembarque. O Carvalho na mais pequena, a LDP 101 e eu e o Castro, o capitão e o grupo de comando da Companhia, na maior a LDM 202.
Subimos o rio Cumbijã e desembarcámos finalmente em terra, pelas seis da manhã do dia seguinte. Se é que aquilo se podia chamar terra. Era só água, lodo e o entrelaçado dos ramos do mangal que delimitava as margens. Atravessada essa primeira barreira, estendia-se à nossa frente um enorme arrozal, tendo como pano de fundo um formidável maciço de palmeiras e mato cerrado. Dispersámo-nos o mais possível e fomos avançando com todas as cautelas.

Desta vez foram alguns grupos pequenos que nos atacaram com tiros inofensivos, fugindo sempre quando tentávamos apanhá-los.
Já a uns 200 metros da mata ouvimos as primeiras rajadas de pistola-metralhadora, de um grupo de cinco ou seis que deviam estar empoleirados no cimo das palmeiras. Sempre o mais abaixados possível e fazendo fogo de vez em quando, para nos protegermos, lá nos fomos aproximando cada vez mais. Mandámos duas ou três granadas de morteiro e uma rebentou mesmo na orla das árvores. Após meia hora de tiroteio e vendo talvez que a nossa manobra de envolvimento os pudesse vir a dominar, fugiram e nunca mais ouvimos as famosas rajadas de pistola-metralhadora, a tão característica PPSH, a costureira, pois faz um matraquear que lembra uma máquina de costura.

Depois deste primeiro incidente, continuámos a progressão atravessando a mata até encontrarmos uma estrada. Uns metros mais à frente fomos novamente alvejados por vários tiros que nem soubemos de onde vieram. Ninguém ficou ferido mas como não respondemos, tornaram a fugir, deixando-nos o caminho livre. A táctica deles foi sempre a de utilizar grupos pequenos de 5 ou 7 que, rapidamente se deslocam para qualquer lado, flagelando e fazendo parar Companhias inteiras. Como não os conseguimos ver, fogem sempre que lhes apetece. São extraordinariamente ágeis, pois por duas vezes, dois grupos deles (alguns até já usam farda camuflada) iam tropeçando nas nossas posições, mas logo que davam por isso, desapareciam com tal rapidez que pareciam eclipsar-se. Mesmo assim creio que matámos alguns.

Esta operação durou três dias, sábado, domingo e segunda-feira. O último dia foi o pior, pois choveu sempre, ininterruptamente. Actuaram mais de 900 homens e a missão que nos coube consistia em formar uma linha de cerco à volta de uma mata onde se acoitava o inimigo. Ali parados, enrolados nas capas impermeáveis que nos abrigavam da chuva que não parava de cair, por volta do meio-dia já tiritávamos de frio. Mas o pior, o que mais custou, foi o lodo e os pântanos intermináveis que tivemos de atravessar, sem qualquer esperança de amparo, sem qualquer protecção, receando a morte que nunca se faz anunciar.
Como consolo valeu-nos a habitual e sempre simpática recepção que tivemos no regresso, quando embarcámos no “Vouga”, por parte dos nossos já conhecidos companheiros destas lutas, os oficiais, os sargentos e os marinheiros daquele barco de guerra.

Tendo regressado na terça-feira à noite, bastante cansado, isso não me impediu no entanto de, após um rápido banho, fazer a barba e vestir a roupa civil, ir com os outros a um restaurante da cidade, o “Tropical”, comer a tradicional omeleta de camarão, o bife com batatas fritas e um ovo estrelado, tudo regado com a bela cerveja Sagres com que todos, Exército e Marinha, nos habituámos a confraternizar, cimentando amizades, tentando esquecer os horrores e os malefícios desta guerra.
Desta vez, quando caí na cama, parecia o rochedo de Gibraltar desabando no mar.
Descansámos dois dias, de licença e, só hoje é que fui ao Quartel ver como é que paravam as modas…

Comprei uns chinelos para a mãe e já os mandei pelo Correio. Oxalá goste! Ultimamente tem havido muita falta de aviões, de maneira que não sei quando é que receberão a encomenda.
__________

Nota de CV:

Vd. postes da série Cartas de:

14 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4821: Cartas (Carlos Geraldes) (1): Apresentação e Prólogo
e
21 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4848: Cartas (Carlos Geraldes) (2): 1.ª Fase - Maio a Julho de 1964

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3368: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (8): Navegações...

Navegações



por Alberto Branquinho

ex-alf mil da CArt 1689 (1967/69)


Muitas foram as andanças, mudanças e transferências com a “casa” às costas, em transportes por terra e por água. Com carácter provisório ou mais ou menos definitivo. Por água – em braços de rios, canais, rios e grandes rios e, por vezes, quase oceano. Com armas e bagagens, mudando de quartel para quartel ou para bases (provisórias) de operações.

Um homem tem que levar tudo o que é seu, sem o qual não se diferencia dos demais e, também, o material de guerra que lhe está distribuído.

Em batelões rebocados, mas quase sempre nas LDG’s, LDM’s e LDP’s. As mais das vezes em LDM’s e LDP’s, porque tinham capacidade de manobrar naqueles rios de curvas e contra-curvas (em maré cheia), em apertos de canais e de marés, de ilhotas, de lodo, lodo, lodo, sempre lodo. De dia e de noite, no chegar das madrugadas.

Houve aquela situação insólita, em que, navegando no Rio Geba em LDG para jusante e com a maré a vazar de maneira acelerada, o homem ao leme virou francamente à esquerda para evitar um baixio e, poucos metros adiante, a proa estacou. Tentou safar-se, mas já grande parte do fundo da “chata” estava preso no areal lodoso. A margem esquerda ficou a cem, cento e vinte metros; chão com pouco lodo e arenoso, com pequenos lagos. À direita da lancha a água corria, indiferente. A sensação era de encurralamento. Houve que esperar a subida da maré. Foi montada segurança no lado esquerdo da lancha, com muita atenção à vegetação na margem. Não houve surpresas.

Insuportável era o transporte, por lancha, em dias de chuva. O pessoal cobria com lona o espaço à proa, que era destinado à concentração para desembarque. Devido à ondulação, sem visibilidade para o exterior e sem ventilação suficiente, havia enjoos e vómitos.

O pessoal chegava debilitado, incapaz de uma “guerra” imediata, a necessitar de se sentir com os pés em terra, mas teriam que sair correndo furiosamente, a chapinhar naquela água-lodo da maré alta, fazendo uma linha-de-fogo, derivando metade para a direita e a outra metade para a esquerda.

Naquela viagem em LDM em que, quando o fogo rebentou da margem direita, os marinheiros (donos e senhores da sua casa), berraram para baixo:
- Vocês aí quietos!

O pessoal da guerra apeada não entendeu porquê, mas agacharam-se contra a chapa. Na sua farda azul e abrigados como podiam, os marinheiros responderam ao fogo, enquanto a metralhadora pesada, da torre, abriu fogo cadenciado, com uma força que impunha respeito.

Quando um marinheiro saltou para baixo, agarrado a uma perna que sangrava, um grupo da tropa que estava a ser transportada, contra as ordens recebidas, passou, também, a fazer fogo para a margem.
Num canto da lancha um soldado começou a disparar para o céu.
– “Pára com isso! Que estás a fazer?”
– “Estou a meter-lhes medo, meu alferes.”

Era uma noite sem nuvens e de lua cheia. Navegavam ao longo da costa, em LDP. O coração muito apertado, com a imaginação a trabalhar furiosamente, prevendo o pior no desembarque, ao amanhecer, quando a “chata” baixasse aquele nariz em prancha. Mas era, ainda, muito noite.

Observando o recorte das palmeiras mais altas, de ramagem forte, recortadas no céu e as sombras das ilhotas em contraluz com o mar adiante, iluminado pelo luar, esfumavam-se os maus presságios. À medida que a lancha avançava, as ilhotas iam-se confundindo ou separando umas das outras. A luminosidade da lua estilhaçava-se numa imensidão de pequenos requebros até ao horizonte, que era já oceano. Do lado esquerdo da lancha a terra firme, a mata escura e densa, onde, com o luar, se adivinham os poilões mais altos, frondosos, imponentes ou tufos de palmeiras que sobressaíam do escuro da mata.

Sobrevém a grane interrogação sobre o futuro próximo, quando amanhecer, sobre que pedaço de terra, lodo, tarrafo, bolanha, pode um homem vir a morrer ou poder ficar estropiado.

O pessoal dormia pelos cantos da lancha ou, pelo menos, não vagueava pelo espaço disponível. Olhando com atenção, notavam-se no escuro, espaçadas, pontas de cigarro acesas.
Voltam-se os olhos de novo para as ilhotas que vão passando ao lado da lancha, para o mar, depois para a lua. Ela vai passando devagar, muito devagar para o outro lado da lancha. Os olhos acompanham-na, inconscientemente, nesse movimento vagaroso. Subitamente, um ruído lá atrás obriga a olhar nessa direcção. Uma figura surge iluminada pela lua e berra:
- Que merda é esta, pá? Tínhamos a lua a estibordo e agora está a bombordo. Estás a dormir?
Era o “patrão da lancha”.

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Notas: artigos da série em

22 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3224: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (7): Honório, o aviador...

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Guiné 63/74 - P3233: Blogues da nossa blogosfera (2): Rumo a Fulacunda , de Henrique Cabral (CCAÇ 1420, 1965/67)

1. Mensagem de 23 de Setembro de 2008, do nosso camarada Henrique Cabral (1), ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Guiné, 1965/67, convidando-nos a visitar o seu novo Blogue Rumo a Fulacunda, dedicado à sua Unidade.

Amigos e Camaradas,
…de navegações - em matas e bolanhas naquele tempo na Guiné e hoje na Net (2).

Começo por agradecer a todos quantos visitaram e comentaram o ENTRE FOGO CRUZADO pois num tão curto espaço de tempo já muito contribuíram para o seu enriquecimento.

Venho agora dar-vos a conhecer o RUMO A FULACUNDA, esperando que possa agradar-vos e ser um complemento ao anterior.

Lamento não ter fotos de alguns locais mas aguardo a vossa contribuição que nestes casos será preciosa.

Saudações cordiais
Henrique

2. Comentário de CV:

Quem conhece já o Entre Fogo Cruzado, vai encontrar no Rumo a Fulacunda o mesmo bom gosto na apresentação do Blogue e verá belas fotografias dos sítios onde estivemos e onde passámos. Recomendo.

Aqui ficam os endereços:

Entre Fogo Cruzado - http://entrefogocruzado.wordpress.com/

Rumo a Fulacunda - http://rumoafulacunda.wordpress.com/

Não posso deixar de dar os parabéns ao camarada Henrique Cabral por porporcionar tão belas páginas, sobre a Guiné, não só aos ex-combatentes, mas a todos os cibernautas.



Fabricando o aparelho para subir às palmeiras, com crintim. O cibe, é uma espécie de palmeira de tronco esguio e direito cuja madeira é muito forte e pesada.

Imagem retirada de
Entre Fogo Cruzado, com a devida vénia ao Henrique Cabral


Fulacunda > No porto, aproveitando a subida da maré, uma LDM atascada é rebocada por outra.

Imagem retirada de
Rumo a Fulacunda, com a devida vénia ao Henrique Cabral

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Notas de CV

(1) - Vd. poste de 9 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2339: Tabanca Grande (44): Henrique Cabral, Fur Mil, CCAÇ 1420 (Mansabá, 1965/67), editor do Blogue Entre Fogo Cruzado

(2)- Vd. poste de 8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3034: Blogues da nossa blogosfera (1): Bissau Calling (Joaquim Mexia Alves)

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2915: Com os páras da CCP 122/ BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (1): Aquilo parecia um filme do Vietname


Guiné > Região de Tombali > Posição relativa de Cacine, Gadamael e Guileje, na bacia hidrográfica do Rio Cacine, junto à fronteira sul com a Guiné-Concacri (pormenor). Topónimos assinalados a verde.


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Cacine > Simpósio Internacional de Guileje > Visita dos participantes ao Cantanhez > 2 de Março de 2008 > Cais de Cacine, ao fim da tarde... Cacine é hoje uma povoação decadente... Por aqui passaram importantes contingentes das tropas portugueses, e nomeadamente tropas especiais, como os fuzileiros e os pára-quedistas, nomedamente em Maio, Junho e Julho de 1973, quando o PAIGC lançou uma grande ofensiva contra as nossas posições no sul, em especial no corredor de Guileje: Iemberém, Guileje, Gadamael...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


Capa do livro de Carmo Vicente - Gadamael: memórias da guerra colonial. 2ª ed. Lisboa: Caso. 1985. 110 pp. Prefácio de Manuel Geraldo (*).

Foto: © Jorge Santos (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Leopoldo Amado, datada de 7 de Abril de 2008:

Lendo hoje algo sobre Gadamael, apressei-me a reencaminhar-vos o texto de Vicente Carmo que em tempos enviei ao Pepito e que penso que deve ser publicado, pelo menos rcialmente, no nosso blogue, pois dá uma ideia do que foi Gadamael, depois de Guiledje. Leopoldo Amado



2. Mensagem de Leopoldo Amado, de 17 de Outubro de 2007, enviado ao Pepito:


Assunto: Gadamael, de Carmo Vicente

Caro Pepito,

Segue em anexo o prometido texto de Carmo Vicente,  inquestionavelmente, dos autores mais ousados da grande gama de literatura de guerra existente sobre a Guiné. Ainda há dias, li uma outra coisa dele sobre os crimes de guerra e fiquei estarrecido.

O texto dele traz-nos inclusivamente alguns nomes que nos são familiares como o do nosso compatriota D... (provavelmente parente do jovem sportinguista e Director da Escola de Formação Profissional da AD, esqueço-me do nome) e ainda do nosso Coutinho e Lima [ex-comandante do COP3, à data do abandono de Guiledje, em 22 de Maio de 1973].

Lamento não o conhecer pessoalmente o Carmo Vicente, pois seria uma presença necessária no Simpósio [Internacional de Guiledje], até pela sua frontalidade e sensatez.

Tentei em vão pôr-me em contacto com ele e descobri, através de uma pequena pesquisa na NET, que o homem é agora empresário do sector da construção civil, possuindo, inclusivamente, uma ou várias empresas que laboram no sector do fornecimento de pedras diversas.

Para além de ser extremamente factual, o texto que agora envio é de tal acutilância que também dá uma ideia aproximada da determinação com que o PAIGC, no Sul, teria conduzido o processo que visava desalojar o Exército português de todo o corredor fronteiriço com a República da Guiné.

Não seria provavelmente má ideia colocar este no blogue [Luís Graça & Camaradas da Guiné] e ficar a espera de reacções que certamente enriqueceriam ainda mais os testemunhos sobre o Sul em geral e sobre Guiledje, Balana e Balana Cinho, em particular.

Talvez devêssemos e pudéssemos criar no site do Simpósio uma secção com textos afins, à semelhança, por exemplo, de alguns outros de Idálio Reis, e a transcrição da entrevista de um ou outro ex-combatente do PAIGC (Umaro Djalo, por exemplo), os quais poderiam ir ajudando a balizar as intervenções, tornando-as mais ricas, na medida em que, a partir daí, certamente os intervenientes teriam de fazer um maior esforço para se distanciarem das evidências e dos lugares-comuns.

Abraço,
Leopoldo Amado



3.  1. Extracto de VICENTE, Carmo - Gadamael. Cacém: Edições Ró. 1982, 1ª ed.,  pp. 97-105. .

Excerto enviado pelo historiador Leopoldo Amado. De acordo com a nossa orientação editorial, optámos por não publicar as passagens em que o autor faz críticas ao comportamento humano, disciplinar ou operacional de camaradas seus, incluindo superiores hierárquicos. As passagens omitidas (incluindo aquelas em que o autor indentifica pelo apelido camaradas que têm direito à reserva de privacidade e ao anonimato] vêm assinaladas com parênteses rectos: [...].


Com devida vénia ao autor e à editora. Revisão e fixação do texto, comentários e subtítulos: LG.


Aviso à navegação:

Chega-nos às mãos, graças ao nosso historiador e amigo Leopoldo Amado, mais uma peça para o dossiê Gadamael... Temos aqui falado muito de Guileje e até de Guidaje, mas pouco de
Gadamael

É sabido que estes três G estão associados à escalada da guerra, que se seguiu ao assassinato de Amílcar Cabral, em 20 de Janeiro de 1973 e precedeu a declaração (unilateral) de independência da Guiné-Bissau em 24 de Setembro de 1973. 

Maio, Junho e Julho de 1973 foram três meses terríveis para as NT, cercadas em Guidaje, Guileje e Gadamael (**).

Este testemunho sobre os acontecimentos de Gadamael são de um 1º sargento paraquedista, Vicente Carmo, da CCP 122/BCP 12 (Guiné, Bissalanca, 1972/74). 

O Vicente Carmo era(é) amigo do Manuel Rebocho, sargento pára-quedista da CCP 123. E é conhecido do Victor Tavares, ex-1º Cabo da CCP 121, que também esteve em Gadamael, entre Junho e Julho de 1973. O Manuel Rebocho (CCP 123) e Victor Tavares (CCP 121) são membros da nossa tertúlia e já aqui nos deixaram testemunhos dramáticos da sua actividade operacional. Parte dos seus depoimentos, relativamente a Gadamael, podem ser cotejados com os do Carmo Vicente (CCP 122). Todo o batalhão, o BCP 12, esteve envolvido na batalha de Gadamael (entre 2 de junho e 17 de julho de 1973).

Ainda não tive acesso ao livro do Vicente Carmo, Gadamael - Memórias da guerra colonial. A última edição, a 2ª, é de 1985 (Editora Caso, Lisboa). Não faço, por isso, uma recensão do livro que não li, limito-me apenas a rever e a fixar o texto que me chegou, e a torná-la mais legível, através da inserção de subtítulos.


 Agradeço ao Leopoldo Amado a sugestão bibliográfica. Devo apenas corrigir uma informação (errónea) que ele nos transmite: a empresa Carmo Vicente Lda, com sede no concelho de Santarém, não tem naada a ver com o nosso camarada paraquedista, cujo paradeiro desconheço. Sei que é DFA. Conforme confirmei pessoalmente, o fundador e sócio-gerente desta firma é um homem muito mais novo (na casa dos 40), que nunca esteve na Guiné e muito menos nos paraquedistas.

O testemunho do Carmo Vicente deve ser lido como mais um contributo, em primeira mão, para o conhecimento de um dos momentos cruciais da Guerra na Guiné, a ofensiva do PAIGC contra o corredor de Guileje, e que começou com a Op Amílcar Cabral, levando à retirada de Guileje pelas NT em 22 de maio de 1973.

Gadamael (bem como Guidaje, a norte) vergaram, mas não caíram. É nosso dever lembrar aqui os combatentes, de um lado e de outro, que morreram nestes ferozes combates... A defesa de Gadamael terá custado cerca de meia centena de mortos, para além de dezenas feridos.

Recorde-se o que na badana do livro, acima citado, se pode ler (*):

"Carmo Vicente é [era em 1985] 1º sargento pára-quedista, tem 38 anos, e participou em 3 comissões de serviço nas frentes de combate da Guiné e Moçambique. Gadamael é uma narrativa apaixonada, mas profundamente crítica, dessa experiência, constituindo mais uma achega importante para a construção histórica do itinerário colonial de parte significativa da juventude portuguesa, entre 1961 e 1975.

"Sobre Carmo Vicente escreve em prefácio Manuel Geraldo: Ao contrário de vários autores que até agora se debruçaram sobre o mesmo tema, Carmo Vicente possui a vantagem de ter sido mobilizado pela 1ª vez como soldado, acabando por chegar a 1973 na situação de 1º sargento, no comando de um pelotão, precisamente em Gadamael. Logo, viveu o conflito em toda a sua plenitude, como 'actor' em escalões progressivos e com graus de sensibilidade diversa. Embarcado para a Guiné em 1966, com a mentalidade de 'cruzado', Carmo Vicente acabaria por descobrir a verdadeira face dos interesses em jogo e do papel que lhe tinham reservado no palco das operações".
.



Na página não oficial do Batalhão de Caçadores Pára-quedistas nº 12 – Unidade e Luta (que ironia: era uma expressão muito querida a Amílcar Cabral...), pode entretanto ler-se o seguinte excerto relativamente à actividade operacional das três CCP, no sul da Guiné, no período em referência:


(...) "Apesar dos esforços a situação na Guiné continua a degradar-se. A pressão que os guerrilheiros vinham exercendo sobre os aquartelamentos no Sul do território começou a dar resultados. Em Maio de 1973 os guerrilheiros desencadeiam fortes ataques a Guileje, obrigando mesmo ao abandono do aquartelamento dos militares do Exército. Nas proximidades, Gadamael Porto fica em posição delicada com flagelações frequentes de armas pesadas.

"A 2 de Junho as CCP 122 e CCP 123 são enviadas para Gadamael, seguindo-se no dia 13 a CCP 121. O próprio comandante do BCP 12, Tenente-Coronel Araújo e Sá, tinha assumido o comando das forças que com a guarnição do Exército constituiram o COP 5.

"A posição de Gadamael Porto é organizada defensivamente com abrigos, trincheiras e espaldões, simultaneamente são desencadeadas acções ofensivas sobre os guerrilheiros. A resistência e a determinação das Tropas Pára-quedistas acabaram por surtir efeito e o ímpeto inimigo foi quebrado - Gadamael Porto não caiu.

"A 7 de Julho as CCP 121 e 122 regressam a Bissau e a 17 é a vez da CCP 123, a operação DINOSSAURO PRETO tinha terminado" (...).


Neste excerto sobre Gadamael, da autoria de Carmo Vicente, fala-se também das misérias e grandezas dos nossos paraquedistas... que não eram deuses nem super-homens, eram apenas homens com o resto das NT (os arre-machos, a tropa-macaca...) e os guerrilheiros do PAIGC. Noutro poste publicaremos algumas mensagens, sobre o livro e o seu autor, que nos mandaram alguns dos nossos camaradas da Tabanca Grande (a começar pelos ex-paraquedistas do BCP 12, o Victor Tavares e o Manuel Rebocho), a quem pedi conselho nestes termos:


"Junto vos envio um excerto do livro do Vicente Carmo sobre Gadamael. É já antigo, esse livro. Chegou-me às mãos, ou melhor, foi-me enviado por e-mail pelo Leopoldo Amado, com a sugestão de ser publicado, no todo ou em parte, no nosso blogue... Acontece que tenho reservas, devido à críticas, muito pessoais, que o autor faz ao comandante do seu batalhão (BCP 12) e a alguns dos seus camaradas... Não sei se são justas ou não... Mas vão contra o espírito do nosso blogue.

"Não conheço o livro nem o autor (de quem já publicámos em 11 de Fevereiro de 2007 uma versão sobre os distúrbios ocorridos em Bissau, em Janeiro de 1968). Gostava de ouvir a opinião dos nossos páras, o Victor e o Rebocho, nossos camaradas do BCP 12 (o Vicente era sargento da CCP 122), mas também daqueles que conheceram, de perto, Gadamael, na época em causa (Maio/Julho de 1973): caso do Casimiro Carvalho, do Jorge Canhão, do Hugo Guerra, do Coutinho e Lima... Mas também do Pedro Lauret... Enfim, também solicito o parecer do A. Marques Lopes e do Nuno Rubim, nossos assessores, bem como do Leopoldo, e dos meus queridos co-editores.

"Interessa-me sobretudo o relato (objectivo, isento ?...) sobre os acontecimentos de Gadamael, e não propriamente os juízos de valor sobre os homens... Podem-me dar-me uma ajuda ?"

Acabei por decidir publicar este excerto, em duas partes, omitindo apenas os nomes dos camaradas (do BCP 12) que são alvo de crítica do autor. Segui, no essencial, os preciosos conselhos dos camaradas a quem pedi opinião (incluindo o Victor Tavares e o Manuel Rebocho, que pertenceram a essa unidade e foram dois valorosos combatentes e orgulhosos pára-quedistas).

O depoimento de Carmo Vicente, em livro sob a forma memorialística, é demasiado precioso e importante para ficar por aí, perdido, nas prateleiras de algumas bibliotecas públicas ou nos armazéns dos alfarrabistas. Divulgando este pequeno excerto, homenagemos o autor, os paraquedistas e os demais combatentes, de um lado e de outro, que estiveram na batalha de Gadamael. E sobretudo os mortos, todos os militares e civis que lá perderam a vida, portugueses e guineenses...

Espero que o autor e o editor sejam condescentes connosco e que aceitem a nossa sugestão de uma nova edição. A 2ª edição remonta a 1985. Sugere-se uma 3ª edição, revista e melhorada. A 1º edição tinha diversos erros e gralhas, por falta de um bom revisor de texto. Gralhas, erros ortográficos e pontuação foram agora corrigidos, nesta versão bloguística (mais uma vez, com a devida vénia...). Uma 3ª edição teria seguramente o apoio do nosso blogue.

Segundo o Victor Tavares, o Carmo Vicente terá sido ferido em Gadamael. Ele leu o livro, mas não conheceu operacionalmente o seu camarada, que pertencia a outra companhia do batalhão (a CCP 122). Não estiveram juntos em Gadamael na mesma altura [a CCP 122 e a CCP 123 foram a 2 de Junho de 1973, partindo de Cacine; a CCP 121 foi mais tarde, a 13; e possivelmente cada companhia do BCP 12 ia com missões distintas]. 

Por seu turno, o Hugo Guerra (que também passou por Guileje e Gadaamel) diz que só conheceu o Carmo Vicente, em Lisboa, na ADFA. "Acho que partiu as duas pernas ao saltar dum heli e é DFA". 

O Manuel Rebocho, por sua vez, diz que é amigo do Carmo Vicente, não leu o livro e está em desacordo com ele em relação a críticas que faz aos seus comandantes.

Se alguém souber do paradeiro do Carmo Vicente, que nos contacte.


GADAMAEL PORTO -Parte I, por Carmo Vicente 

(Com a devida vénia ao autor e à editora)
Ficha do livro:

Titulo do livro: Gadamael
Autor: Carmo Vicente
Editora: Edições Ró
Ano de Publicação: 1982
Local de publicação: Cacém
Páginas referentes ao extracto (I e II Partes), enviado pelo Leopoldo Amado.: pp. 97 à 105.



Gadamael (**) era uma pequena aldeia, situada ao sul da Guiné-Bissau, entre Cacine e Guileje, a escassos três quilómetros da fronteira com a Guiné Conacri. Todo o aldeamento era fortificado. Fora construído pelas forças ocupantes, com a finalidade de controlar a população que, assim, ficava a fazer parte do quartel e sujeita a um regulamento rigoroso, quase militar.

À noite, ninguém podia sair ou entrar no aldeamento. O recolher obrigatório era permanente e começava ao anoitecer, para só acabar com a manhã. Nesse espaço de tempo, quem se aproximasse, podia ser morto, por ser considerado inimigo.

Era, por assim dizer, uma população resignada à sua sorte. Permanecia ali, porque sabia por experiência própria que a vida lhes era mais fácil apesar de tudo, ali do que no mato, onde toda a gente era considerada inimigo, sujeitando-se a ver destruídos os seus haveres, ou ser queimada pelo napalm, que os aviões despejavam todos os dias, sobre a terra mártir da Guiné.

Para além disso, se caíssem prisioneiros, iam sem dúvida parar as mãos da PIDE, coisa nada agradável, pois o tratamento dado por aquela polícia aos prisioneiros era simplesmente brutal.

O facto de se sujeitarem à protecção da tropa, não os transformava contudo em gente dócil e de maneira nenhuma conivente com ela. E muitas vezes era através da população civil que o PAIGC tomava conhecimento de todos os nossos movimentos: saídas para patrulhamentos, efectivos existentes, armamento usado, nomes dos militares mais graduados e por vezes, até, a sua situação familiar.


(i) CCP 122/BCP 12: Os pára-quedistas na segurança da nova estrada asfaltada entre Cadique e Jemberém


Quando em abril  de 1973
 [lapso de memória do autor, deve ser junho de 1973]   cheguei a Gadamael, integrado na Companhia de Caçadores Paraquedistas n.º 122, toda a população tinha fugido para o mato ou talvez, e isso é o mais plausível, para a vizinha Guiné, abandonando o aldeamento-quartel, devido aos bombardeamentos constantes do PAIGC. No quartel haviam ficado apenas os militares que constituíam o batalhão ali destacado: uns duzentos homens, entre combatentes e pessoal dos serviços.

Era assim Gadamael Porto. Um local nada agradável, onde eu e mais algumas centenas de camaradas passámos os quarenta mais longos dias, das nossas vidas. Onde muitos caíram para nunca mais se levantarem e outros se estropiaram física e moralmente para o resto dos seus dias.

A minha companhia tinha regressado de uma missão de combate que durara três meses. Em Cabochanque e Cadique tínhamos sofrido alguns mortos e feridos enquanto fazíamos a protecção dos trabalhadores que construíam a nova estrada asfaltada entre Cadique e Jemberém. Uma distância de pouco mais de treze quilómetros que nos ficou à razão de um morto por quilómetro. Ali, vários bons camaradas pagaram, com a vida, aquela obra de fachada estratégica mais que duvidosa, de Spínola.

Entre os mortos, contava-se o meu amigo Teixeira, de Carrazedo de Montenegro [ Valpaços, Vila Real] [...] (***).


(ii) Ordem para partir para Gadamael

Encontrávamo-nos terrivelmente cansados, depois daqueles três meses de mato e como seria lógico iríamos descansar. Era o que nós pensávamos. Porém, não era o que pensava o nosso comandante de Batalhão [...].

 Quando chegamos a Bissau, encontramos o comandante à nossa espera. Disse-nos sem grandes rodeios, que nos preparássemos para ir imediatamente para Gadamael Porto. A tropa ali estacionada precisava de nós e não podíamos, nem devíamos, regatear essa ajuda.


(iii) Sabíamos que Guileje tinha caído


Sabíamos o que se estava a passar em Gadamael Porto. Depois da queda da nossa posição fortificada de Guileje, o PAIGC, explorava agora aquele ponto, tentando varrer-nos progressivamente daquela zona que considerava libertada.

Sabíamos que Guileje tinha caído. Nem um só dos nossos homens o ignorava, apesar das informações nesse sentido serem o mais camufladas possível. Sabíamos que o major [ Coutinho e Lima,] que comandava a força ali estacionada, depois de várias apelos a Spínola para lhe mandar ajuda e ter recebido deste, apenas negativas e porque verificou que se ficasse mais um dia que fosse, naquele local, seria massacrado inutilmente, resolveu por sua conta e risco poupar a vida dos seus homens e a sua, abandonando aquela zona, transportando consigo apenas o material de guerra que uma tropa arrasada física e moralmente podia humanamente transportar, através de uma mata rasteira e extremamente cerrada.

Todos os militares que na Guiné davam o corpo ao manifesto apoiaram moralmente a atitude corajosa do comandante do aquartelamento do Guileje. No entanto, Spínola parece não ter sido da mesma opinião, ao mandar prender aquele militar que mais não fez do que livrar de morte certa ou do aprisionamento os militares que comandava, não os deixando morrer pela pátria, nem entrar na galeria dos heróis mortos e esquecidos.


Guiné >Região de Tombali > Gadamael - Porto > s/d [anterior ou posterior a Maio/Junho/Julho de 1973 ? ] > Tabanca, reordenada pelas NT.

Foto: Autores desconhecido. Álbum fotográfico Guiledje Virtual. Gentileza de: ©
AD -Acção para o Desenvolvimento (2007).


(iv) Bico calado: tínhamos mais medo da prisão do que dos guerrilheiros do PAIGC


Era realmente necessário, ajudar de qualquer maneira, os nossos camaradas de Gadamael. Tinham sofrido já vários mortos e feridos que era preciso evacuar o mais rápido possível. Nós sabíamos tudo isso e não podíamos, como militares e combatentes que éramos, negar-lhes essa ajuda. [...]

 Ninguém de entre nós, estava esclarecido politicamente, o estritamente necessário, para esboçar sequer o mais leve indício de recusa. Todos os camaradas tinham mais medo da prisão do que dos guerrilheiros do PAIGC. Apesar de com estes terem mais probabilidades de morrer, havia sempre a possibilidade de escapar e com a PIDE, nunca se sabia, o que poderia acontecer. Era deste medo colectivo, de desobedecer a uma hierarquia retrógrada, que os grandes senhores se iam governando. Aumentando louvores e galões de mistura com cruzes de guerra e torres espadas, que ultimamente eram distribuídas a indivíduos que nunca tinham posto uma mochila às costas e nunca saíram do ar condicionado dos quartéis-generais.


Guiné > Bissau > A LGF Lira > Os danos no convés, no rufo da casa das máquinas e nos botes de borracha (zebros) dos Fuzileiros... "Em 13 de Janeiro de 1968, a LFG Lira que escoltava a LDG Alfange, depois de ter transportado 3 companhias de FT de S. Vicente para Binta, foi violentamente atacada no Tancroal com RPG, sendo atingida na ponte e no rufo (cobertura) da casa das máquinas. O resultado, além dos estragos materiais, foi dramático: 1 morto e 8 feridos, alguns deles em estado grave, sendo 2 evacuados de helicóptero e 3 de Dornier" (MLS).

Foto e legendas: ©
Manuel Lema Santos (2007). Direitos reservados.


(v) De noite, de LDG, de Bissau a Cacine com 30 salgadeiras a bordo…


Saímos de Bissau, numa lancha de desembarque grande (LDG) com rumo a Cacine. Levámos connosco apenas o equipamento necessário para quatro dias. Tempo previsto para a operação que, segundo nos informaram à partida, se destinava a evacuação de toda a tropa e equipamento existente em Gadamael Porto. Tínhamos, segundo a voz do comando, que aguentar a segurança do aquartelamento até a completa retirada do último soldado do Exército. Findo esse trabalho, regressaríamos a Bissau e poderíamos então descansar.

Poucos de nós, acreditavam ainda, nas lindas promessas que nos vinham de cima e na parte que me toca, confesso, que não acreditava mesmo nada.  [...] Por isso também daquela vez, não acreditei que a estadia em Gadamael iria ser tão curta como nos queriam fazer crer.

O trajecto entre Bissau e Cacine, foi feito de noite, com todas as luzes apagadas para maior segurança. Os ânimos iam bastante exaltados. Talvez contribuísse para isso a proximidade de três dúzias de salgadeiras (urnas funerárias) que, sem nenhuma preocupação para ocultar a sua presença, viajavam, silenciosamente macabras, no mesmo transporte e apenas a alguns passos de nós. As urnas, ali naquele local e em tão grande quantidade, constituíam a prova irrefutável que as coisas em Gadamael Porto, estavam mesmo feias, levando alguns de nós, se não todos, a pensar que dentro de poucos dias ou até horas poderiam ir ocupar tão sinistras habitações.


(vi) Perdida a ilusão da superioridade de se ser pára-quedista


Ainda durante a viagem, começaram os protestos dos soldados, por não lhes ter sido dado tempo de descanso prometido. Na sua esmagadora maioria, estavam-se absolutamente nas tintas para a vitória ou a derrota de uma guerra onde tinham sido integrados contra a sua vontade e não lhes interessava mais do que safar a pele, o mais inteira possível. Estavam-se nas tintas para as condecorações e louvores. Foram voluntários para os pára-quedistas, porque lá na aldeia onde sempre viveram lhes tinham dito que lá é que era bom. Que havia boa comida e que teriam uma farda muito bonita e uma boina verde. Que saltariam de paraquedas e que as raparigas se pelavam pelos páras. 

Agora, porém, perdida a ilusão da superioridade (alimentada por vezes, até ao ridículo, pela hierarquia) em relação aos seus camaradas das outras armas a quem chamavam arre-machos, arrependiam-se de não ter optado pela farda verde azeitona e pela boina castanha dos homens do Exército. Se ainda lutavam, era simplesmente animado pelo afã de não morrer. Borrifavam-se nos amores pátrios e para uma guerra que não sentiam como sua, feita numa terra estranha que não tinha nada a ver com a sua verdadeira Pátria.

Nos últimos anos de guerra, deram-se condecorações e louvores, a combatentes e não combatentes e forjaram-se, criaram-se inventaram-se heróis. A Ditadura estava aflita e as medalhas eram o material mais barato para comprar o sangue e as consciências. E houve tantos que venderam a consciência e o sangue dos outros por um miserável pedaço de metal ou mais uma estrela, ou mais um risquinho amarelo nos ombros...


(vii) De Cacine para Gadamael, em LDM e zebros, e de capacete!


Depois de várias horas de LDG, chegamos a Cacine e ai começámos a aperceber-nos do perigo real que nos esperava no local para onde inexoravelmente nos estavam a empurrar. Ouvia-se nitidamente, o bombardeamento a que Gadamael estava a ser sujeito, provocado pelas armas pesadas que o PAIGC possuía em abundância. Ao ouvir aqueles rebentamentos, que nos soavam aos ouvidos de forma quase ininterrupta, os soldados vinham perguntar-me:
- Meu sargento, acha que este fogo é nosso, ou dos turras?

À esta pergunta eu dava invariavelmente a mesma resposta, dizendo que não, que aqueles rebentamentos, não eram provocados pelos turras, mas por nós, que eram os nossos obuses 14 em acção. Eu sabia que estava a mentir. Mas que podia eu responder àqueles homens assustados, se lhes dissesse o que pensava daquela situação? Ficariam de certo ainda mais aterrorizados.

Eram aproximadamente dez horas da manha quando saímos de Cacine com rumo a Gadamael. Desta vez o transporte foi feito em LDM (lancha de desembarque médio), que por serem mais pequenas eram mais facilmente manobráveis no rio que ia estreitando à medida que penetrava em terra. Conforme nos aproximávamos ia-se também acentuando o nosso nervosismo que, em alguns de nós, era já perfeitamente visível. Levaríamos connosco, o equipamento necessário para dois dias. Tudo o resto ficou nas LDM.

A quatro ou cinco quilómetros de Gadamael Porto, passamos ordenadamente das LDM para os Zebros (botes de borracha com motor fora de borda) dos fuzileiros. A partir dali, era extremamente perigoso continuar nas lanchas. Os Zebros, muito mais pequenos e de fácil manobra, permitiam-nos um desembarque rápido debaixo de fogo.

Pela primeira vez, desde há muitos anos, foi ordenado o uso do capacete, que apenas tinha sido usado nos primeiros meses da guerra em Angola. Fiquei irritado com esta ordem. O capacete é, neste estilo de luta, um apêndice que não se justifica de modo nenhum e que não compensa o esforço que o combatente despende para o aguentar. Pensei, com uma certa dose de humor negro, que a ordem para usar capacete mais não servia senão para nos dar um aspecto mais viril e mais guerreiro, frente aos militares que em Gadamael, perfeitamente desorganizados, corriam em todas as direcções e tentavam meter-se à força nos barcos que nos levavam a nós.


(viii) Gadamael parecia um filme do Vietname, com o aquartelamento e a tabanca praticamente destruídos


Chegámos ao cais uns atrás dos outros, e desembarcámos debaixo de uma saraivada de morteirada de cento e vinte milímetros, correndo sempre em direcção às valas que circundavam o quartel que, apesar de mal feitas e pouco profundas, sempre ofereciam mais abrigo do que o terreno plano junto ao cais.

De relance analisei a situação: todo o quartel e aldeamento circundante estavam praticamente destruídos. As granadas de morteiro de cento e vinte milímetros, os foguetões de cento e vinte e dois, que continuavam a explodir por todo o lado tinham dado ao quartel um aspecto quase lunar com crateras por todos os lados. Das instalações do quartel, apenas um ou dois edifícios ainda se mantinha teimosamente de pé, apesar de muito danificados. O que vi nos primeiros minutos deixou-me impressionado. Nunca até aí eu vira nada semelhante, nem sonhara sequer que aquilo fosse possível, naquele tipo de guerra. Parecia um filme rodado no Vietname.

Entretanto, os bombardeamentos continuavam sempre com redobrada intensidade, obrigando-nos a permanecer na vala, quase sem hipótese de pôr a cabeça de fora sem correr o risco de a perder. A experiência que já tinha de situações anteriores dava-me a certeza de que tínhamos ali uma bota difícil senão impossível de descalçar.

Os soldados estavam aterrorizados e só poucos ainda mantinham um certo sangue-frio, frente a situação. A contestação era geral. Não contra os guerrilheiros que nos combatiam, mas sim contra quem nos tinha metido naquela embrulhada. Contra os que tinham ficado em Bissau na sombra agradável dos gabinetes, indiferentes à nossa sorte. Contra os que diziam que uma guerra não pode ser feita sem baixas esquecendo-se que se na realidade nas guerras tem que morrer soldados, sargentos e capitães, também logicamente terão de morrer coronéis e generais. Naquela, infelizmente isso não acontecia e só por essa razão durava já havia doze longos anos.

Os soldados perguntavam o que faziam ali, numa guerra estúpida, lutando contra um inimigo que nunca viam e nem sequer odiavam. Não obtinham resposta. Aqueles que lhe podiam responder, tinham ficado na retaguarda como abutres a espera de poder saborear os louros da vitória ou enjeitar a derrota. Culpando-nos, se a última acontecesse, de falta de combatividade, de coragem, ou eu sei lá que mais para assim poderem fugir aos fracassos de operações mal planeadas.

Que poderiam perceber de contra-guerrilha, homens que nunca tinham posto os pés no mato e cuja teoria e táctica da mesma não ia além da aprendida num casarão da Gomes Freire ou da Amadora ou ainda em alguns manuais feitos pelos generais da brigada do reumático, agarrados possivelmente a normas antigas de fazer a guerra que pouco tinham evoluído desde a batalha do Buçaco. É que muito possivelmente nem saberiam distinguir muito bem, entre o efeito destruidor de uma bomba de foguete desses utilizados nas romarias e uma granada de morteiro de cento e vinte milímetros? E para que haviam os nossos generais-guerrilheiros-improvisados responder a um simples soldado que, apesar de contestatário, lá ia combatendo, dando a vida para que eles pudessem comprar mais um automóvel de luxo e as mulheres e amantes pudessem continuar nas canastradas com as mulheres e amantes dos ministros e outros quejandos?


(Continua > Gadamael - Parte II >
________________


Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Fevereiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1515: Antologia (58): A batalha de Bissau em Janeiro de 1968: boinas verdes contra boinas negras... Saldo: 2 mortos (Carmo Vicente)

(...) "1º Sargento Paraquedista Carmo Vicente (...) participou em três comissões de serviço nas frentes de combate da Guiné e Moçambique.

"O testemunho do Sargento Carmo Vicente [sobre os tristes acontecimentos de Bissau, em Janeiro de 1968,] consta na obra Gadamael de sua autoria, das Edições Caso (2ª edição), de Julho de 1985 (páginas 25 a 30).

"Para além da referida obra, Carmo Vicente é também autor de Grades de Novembro, Gritos de Guerra, A Sentença, Era uma vez... 3 guerras em África, entre outras.


(**) Sobre Gadamael, vd. os seguintes postes:

2 de Julho de 2005 >
Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)

2 de Dezembro de 2005 >
Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) (Magalhães Ribeiro)

15 de Junho de 2006 >
Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I)

(...) Trabalho de investigação do jornalista Eduardo Dâmaso (Público, 26 de Junho de 2005) (...)

(...) A revolta do navio Orion, da Marinha portuguesa, no dia 2 de Junho de 1973 foi decisiva para salvar a vida de centenas de soldados e população que fugiram dos bombardeamentos do PAIGC na batalha de Gadamael. Este episódio de desobediência a ordens de Spínola, desconhecido até hoje, é indissociável da resistência travada por meia dúzia de soldados no interior do aquartelamento de Gadamael. As suas histórias são aqui contadas por alguns dos seus protagonistas, como o comandante da Marinha Pedro Lauret, o coronel dos comandos Manuel Ferreira da Silva e o grumete Ulisses Faria Pereira. Eles são, com outros, os heróis desconhecidos de Gadamael. (...)

...) "Seriam uma oito da manhã de 2 de Junho [de 1973] quando a Orion chegou ao largo de Cacine. Foi a essa hora que também chegaram as notícias dos acontecimentos que tinham estado na origem daquela missão.

(...) "O major Pessoa, do batalhão de pára-quedistas [BCP 12] que se encontrava em Cacine, subiu a bordo da Orion e explicou o que se estava a passar: a guarnição de Guileje, um quartel situado numa zona próxima da fronteira com a Guiné-Conakri, tinha sido alvo de ataques fortíssimos e o comandante da unidade, [major] Coutinho e Lima, sem reforços, sem apoio de tropas especiais, sem meios de evacuação de feridos e mortos, decidira retirar do quartel e evacuar todo o pessoal para Gadamael. Foi imediatamente preso e enviado para Bissau às ordens de Spínola. Gadamael estava agora debaixo de fogo intenso e de alta precisão.

"O retrato da situação em Gadamael feita pelo major Pessoa era caótico. 'As últimas indicações indicavam que de um conjunto de efectivos de quase três companhias, só se encontravam no quartel a defender aquela posição cerca de 30 homens. Os restantes e a população encontravam-se em fuga pelas margens do rio', recorda Pedro Lauret.

"A reacção de Spínola à deserção anunciava-se tremenda. O major Pessoa informou então os comandantes do Orion que tinha estado de manhã em Cacine e Gadamael por brevíssimos instantes e tinha proibido o socorro a quaisquer militares em fuga, considerando-os 'uns cobardes'.

(...) "Apesar das ordens de Spínola, a disposição do major Pessoa era outra. 'Informou-nos da urgência de ir socorrer esse pessoal devido ao elevadíssimo risco em que se encontravam. Frisou-nos que se não estivéssemos dispostos a ir contra a determinação do general ele próprio tentaria recuperar os militares, nem que fosse em canoas', afirma Lauret.

"A determinação do major Pessoa, que volvidos trinta e dois anos não quer falar sobre os acontecimentos de Gadamael, percorreu todo o navio. O Orion partiu de imediato em auxílio das tropas fugitivas e nada comunicou ao Comando da Defesa Marítima " (...).

15 de Junho de 2006 >
Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte).

(...) Um momento alto do encontro do nosso 1º encontro na Ameira [em 2006] foi a evocação da LFG Orion por parte do ranger Casimiro Carvalho: foi através do nosso blogue que ele soube, trinta e três anos depois, que, além dos pára-quedistas [do BCP 12], houve outros anjos da guarda no princípio do mês de Junho de 1973, a guarnição da LFG Orion, representada na nossa tertúlia e no encontro da Ameira pelo comandante Pedro Lauret, na altura oficial imediato do navio (...).

(...) "Quem deu algum ânimo aos poucos que estavam foi desde logo o 1º cabo escriturário Raposo, açoriano, que se voluntariou para fazer o arriscadíssimo trajecto até ao paiol. Enfiou-se numa Berliet e foi buscar munições debaixo de fogo intenso. Gadamael estava cercado, sem artilharia, sem apoio aéreo, sem capitães, sem médico, sem rádio, sem munições de morteiro 81, tinha por companhia apenas três ou quatro militares na linha da frente.

"A bravura do cabo Raposo e do furriel Carvalho, porém, foi um encorajamento para todos. Com o morteiro 81 municiado pelas granadas trazidas na Berliet, com uma metralhadora que conseguiram montar e os tais três ou quatro militares passaram o resto da noite de 1 para 2 de Junho a lançar umas morteiradas e umas rajadas de metralhadora de tempos a tempos. Só no dia 2 de Junho é que se apercebeu que uma parte significativa dos militares que tinha fugido para a tabanca, se tinha deslocado com a população para junto do rio Cacine" (...).


5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)

19 de Março de 2007 >
Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

(...) "Depois de regressada do inferno de Guidaje, a CCP 121 encontrava-se estacionada em Bissalanca, gozando um curto período de descanso, após a desgastante acção que tivera no norte da província.

"Daí o Comando Chefe entender que os 4 a 5 dias de descanso concedidos já eram demais e ser necessário o reforço das nossas tropas aquarteladas em Gadamael por se encontrarem em grandes dificuldades. Acaba, por isso, por dar ordens para rumarmos a Gadamael, para onde partimos a 12 de Junho de 1973.

"Partindo de Bissau em LDG [Lancha de Desembarque Grande] com destino a Cacine, lá chegámos a meio da tarde deste mesmo dia. Como a lancha que nos transportava, não conseguia atracar ao cais por falta de fundo, fomos fazendo o transbordo por várias vezes em LDM [Lanchas de Desembarque Médias] para aquela localidade.

(...) "No dia 13 de Junho, de manhã cedo, preparámo-nos para rumar a Gadamael, sendo transportados em Zebros do Destacamento de Fuzileiros Especiais Africanos nº 21, dois grupos de combate sendo colocados nas margens do rio nas proximidades de Gadamael para onde seguimos em patrulhamento depois de serem desembarcados os outros dois grupos de combate da 121 que foram deslocados em LDM. No regresso, as embarcações seguiram para Cacine com os pára-quedistas da CCP122, aonde iriam recuperar durante um curto período" (...).

25 de Março de 2007 >
Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

18 de Junho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

25 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2481: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (11): Malan Camará... e a maldição dos 3 G + 1 J (Manuel Rebocho)

27 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gadamael (ex-Fur Mil Art Paiva)

7 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2729: Estórias de Guileje (10): os trânsfugas de Guileje, humilhados e ofendidos (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)

30 de Abril de 2008 >
Guiné 63/74 - P2801: Fotos e relatos de Gadamael, Maio / Julho de 1973, precisam-se (Nuno Rubim)

(...) "Como estou, como é vulgo dizer com a mão na massa, também penso realizar algumas pequenas pesquisas sobre outra saga, desta vez Gadamael.

"Já tenho o levantamento de todas as unidades que por lá passaram, mas naturalmente o que mais me vai ocupar é o período de Maio a Julho de 1973.

"Também seria muito interessante tentar fazer um esboço do que teria sido o aquartelamento nessa altura, sem abrigos blindados como os que houve em Guileje e Gadembel ...Só valas e trincheiras a céu aberto !" (...)

(***) David Ferreira Teixeira, Sold Pára-quedista, da CCP 123/BCP 12, morto em 14 de Abril de 1973.