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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7767: Memórias de Mansabá (14): Uma ida ao Morés (Ernesto Duarte)

1. Para as suas Memórias de Mansabá, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), em mensagem de 8 de Fevereiro de 2011, manda-nos o relato de uma ida ao Morés.


MEMÓRIAS DE MANSABÁ (14)

UMA IDA AO MORÉS

O tempo continua a passar com uma lentidão impressionante, estamos mais frios, mais autómatos, a Companhia foi uma Unidade disciplinada, reagindo em bloco ao mais pequeno sinal, uma pequenina excepção ou outra mas sem significado.

E continuando voltado para Morés, fomos muitas vezes, fazer emboscadas, patrulhamentos, operações ou golpes de mão, capinar a estrada de Bissorâ desde o Morés para Mansabá, provocar porque sabíamos que havia ali tanta gente.

 Localização da tabanca do Morés

É em mais uma ida a Cai, mais uma noite de água e mosquitos, um cansaço enorme, só quem por lá andou (Guiné) faz uma ideia, uma progressão por aquela mata, tão agressiva, um encontro, um potencial enorme mostrado por eles, começávamos a ter a noção que o potencial inicial era sempre mais forte, eles calaram-se começamos a procurar a zona, já de costas para Morés, à direita da Companhia eu e mais meia dúzia de camaradas procurávamos, naquelas tabanquinhas, que formavam a casa de mato, uns tiros, atirei-me para o chão, vi que o mesmo mexia à minha frente e para a minha direita, dei uma volta sobre mim, para a minha esquerda, um individuo que está um pouco à minha frente começa a dizer "acertei-lhe, acertei-lhe, apanhei-o". Levantei-me sem muita pressa, veio um camarada ter comigo dizer-me que tinha as cartucheiras no chão, apanhei-as. Ficámos a olhar, a tentar perceber porque é que as cartucheiras tinham caído, senti assim como que umas picadas do lado direito, joguei a mão e a mesma veio cheia de sangue, aproximaram-se mais uns quantos e chegamos à conclusão de que as cartucheiras tinham sido atingidas e que tinham sido os micro pedaços do carregador que me tinham ferido o lado direito.

Para mim, senti uma sensação muito boa e a necessidade de dizer muitas vezes: obrigado, obrigado.

Já na bolanha de Mansabá, encontrei o Capitão que me disse com aquele ar de militar muito sério:

- Desiludiste-me, nem sabes cair. Quero o auto de abatimento de material feito imediatamente.

Respondi que primeiro ia pedir a minha evacuação.

Morés.  Uma ida em grande.
A Companhia mais um grupo de Comandos e muitos carregadores com imenso material. Ao começar o raiar da Aurora, com a progressão a efectuar-se, a nossa artilharia começa a despejar para a nossa frente, continuamente. Aquele assobio, o rebentamento, e nós vamos, vamos obedientes, cheios de força e fé pela maldita mata, tem-se as caras feridas, a artilharia pára. Estamos numa zona de pequenas bolanhas com muitas cibes, há tiros, muitos, há morteiradas, muitas, mas é preciso retirar. Foi uma coboiada no melhor sentido. Era preciso tirar de lá o IN porque de Bissorã tinha vindo a CCAÇ 1419, e do Olossato a CART 1486, "Os Lobos". Já se tinha repetido antes, nos mesmos moldes, com êxito apreciável. Esta ida parece ter feito grandes estragos também. Ainda se repetiram no meu tempo mais duas ou três vezes, não com tanto aparato, mas com êxitos apreciáveis. Numa delas, Os Lobos capturaram mesmo muito material.

Vou-me voltar para o lado de Manhau.

Tudo isto está intercalado, um dia para Cutia, outro para Bijine, outro para Gendo, e sempre, sempre com intervalos muito curtos.

Cumprimentos
Ernesto Duarte
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7760: Memórias de Mansabá (2): A bajuda e as colunas para Manhau (Ernesto Duarte)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7760: Memórias de Mansabá (13): A bajuda e as colunas para Manhau (Ernesto Duarte)

1. Mensagem do nosso camarada Ernesto Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, com data de 8 de Fevereiro de 2011:

MEMÓRIAS DE MANSABÁ (13) 

A NOSSA "BAJUDA"

Falar de colunas, é falar de ir a Cutia, passando por Mamboncó, a Mansoa, a Manhau, a Banjara e a Farim, tendo a particularidade que fomos nós que reabrimos os itinerários Mansabá a Farim e Mansabá a Banjara.


Na estrada nós tínhamos uma viatura com o nome de Bajuda deixada pelos Águias Negras, que eu suponho que não tenha chegado até vocês, era uma longa vida para aquele clima.

Era uma GMC com uma casa feita em madeira, pranchas grossíssimas, blindadas com chapa de ferro, não consigo lembrar-me se tinha tecto e se se disparava pelas viseiras, mas sei que tinha sacos de terra por tudo quanto era sitio, e assente na caixa da camioneta também cheia de terra, protegida pela blindagem tipo Mansabá, tinha uma metralhadora pesada, com um poder de fogo impressionante, impunha respeito.

Picar a estrada era uma coisa fora do normal, não falando do andar a pé em África o tempo que se levava, andávamos muitos a pé à frente ainda dos picadores, praticando o desporto, possível naqueles sítios, tiro ao alvo, a tudo o que mexia, macacos, mas do que a malta gostava menos era dos abutres. Esses tiros, algumas vezes, detectaram emboscadas, com a nossa bajuda e as armas pesadas, não causavam muitos embaraços mas há excepções.

Uma delas foi no regresso de uma coluna para Mansabá que foi emboscada, em Mamboncó, com uma violência tremenda, saindo os que tinham ficado em Mansabá em socorro, e logo na subida começaram a levar a sério, tendo sido dada ordem à Artilharia para disparar. Aí calaram-se, mas como estavam muito próximo da estrada não foi logo, logo, mas a retirada deve-lhe ter sido muito difícil.

Tinha sido uma fase nova, os primeiros dias foram de alguma expectativa, voltando ao normal, tendo-nos lixado com mais duas minas anticarro, a primeira no mesmo sitio, onde já tínhamos apanhado com uma, junto à velha serração, e outra mesmo quase a entrar em Cutia.

A segunda junto à velha serração, foi rebentada por uma auto metralhadora, o rapaz ia para Mansoa para ser rendido e afastou-se o mais que pode para a direita da árvore para não passar minimamente na zona dos rodados, ela estava fora, se calhar até já há muito tempo. E acrescento, é de enlouquecer, já tinha tido a visão de uma queimada na estrada de Bissorã, mas ali ver aquela malvada estrutura a arder, e como é blindada não podermos fazer nada, nasce dentro de nós um ódio sem limites, uma vontade de vingança de destruir, as batidas do coração sobem para as 200.


Nós tínhamos o destacamento em Manhau onde um Pelotão com um grupo de Milícia, passava 15 dias. O Pelotão que ia, tinha que levar tudo, incluindo a água. Havia uma camioneta com um depósito de 10.000 litros, e como aquilo era muito perto, fazia-se a rendição, uma parte que trazia o carro da água depois quando o carro da água chegasse, eram os últimos rendidos. O carro da água andava muito devagar e às vezes até ficava para trás em demasia. Não sei a data, só sei que era o dia do Portugal Coreia, em 1966, estavam todos com muita pressa para irem ouvir o relato, não sei se fui eu, lembro-me de falar nisso com alguém, alterar a ordem das viaturas, não sei se com o Comandante de Companhia se com um Alferes. Eu tinha um rádio novo e não queria parti-lo, andando a tratar das coisas com ele na mão, e eles todos a gozar comigo, mas lá fiz ou fez-se a alteração da ordem das viaturas, passando o carro da água para os carros da frente.

Com a criação das caveiras, na prática só tínhamos dois pelotões, havia férias e a esta distancia não me lembro quem era o comandante de pelotão. Um pouco chateados mas lá fomos, eu dentro da bajuda segurando o rádio, quando atingimos a descida para a bolanha de Manhau foi a loucura, vieram granadas de mão, não sei de onde, lá tive que deixar o rádio que não se partiu. Mas com a bajuda, os moços das armas pesadas aguentámo-nos bem, até que parece que eles queriam era o carro da água e quando o viram atacaram sem perceberem que ele não estava no sitio que era hábito, mas eram sempre e sempre mais violentos, o estrondo das G3 levava sempre mais tempo a se impor, aquilo à direita tinha uma zona com muitas árvores, levou o seu tempo até se impor o silencio.

Havia uns rapazes que quando estavam em Manhau iam às laranjas a Mantida e foram... e foram, claro que eles, o IN, pensaram em apanhá-los mais a viatura, só que Deus é grande, eles não foram com a frequência que iam e entretanto, vieram uma quantidade de auto metralhadoras para Bafatá, que ao passarem por Mantida, tinham uma emboscada, pelo que ficou no terreno fizeram estragos enormes, foi feita guerra da mais violenta.
____________

Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 12 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7602: Memórias de Mansabá (1): No coração do Óio, bem perto do Morés (Ernesto Duarte / Carlos Vinhal)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7602: Memórias de Mansabá (12): No coração do Óio, bem perto do Morés (Ernesto Duarte / Carlos Vinhal)

 MEMÓRIAS DE MANSABÁ (12)

1. Mensagem do nosso camarada Ernesto Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, com data de 7 de Janeiro de 2011:

Quarenta e tal anos e Mansabá ainda aí estás, com toda a tua força

Caro Carlos
Que a tua vida e a dos teus continue a correr pelo melhor, são os meus sinceros votos, os meus pedidos aos céus.
[...]
Já vi a publicação, está espectacular, gostei de ver, embora quase tudo relacionado com aquele tempo me pareça, um sonho, ou um pesadelo, coisas que pouca diferença fazem, se fosse em Mansabá pedia, parece-me que era o que eu podia fazer, uma menção honrosa, que depois de investigado podia ir a louvor, e digo mais, revi uma montanha de coisas a correr, num segundo, e senti emoção, raiva, alegria e até a saudades, muitas saudades dos que partiram, dos que têm partido ultimamente, muito e muito obrigado Carlos.

Como bom miliciano, como bom homem de Mansabá ao pedir o favor da publicação foi um risco corrido, com plena consciência, era só e mais nada do que poder falar com alguém que fala a mesma língua do que eu, e possivelmente encontrar camaradas do mesmo ano e contar quatro ou cinco coisas que amanhã sejam lidas de outra maneira, que não sejam lidas como a maioria dos nossos contemporâneos as lêem, e que ao lê-las como realidade, como história viva, isto não é pretensão, muito menos falta de humildade, mas desejo que esse alguém, se torne um defensor da paz muito mais convicto, mas por outro lado tenho dúvidas que alguma coisa alguma vez funcione nesse sentido, mas lá vai, não é um alerta é um grito do fundo da alma guerra não, nunca mais.

Às vezes duvido se não está tudo a ser visto com um sinal contrário! Este ano apareceu no mercado uma espingarda e uma pistola metralhadora, aliás vários modelos, funcionando a pilhas, mas exactamente iguais às verdadeiras, em sistemas, em carregadores, e em cadencia de tiro e mesmo com balas plásticas, dentro dos 10 metros tinham uma eficácia muito boa, venderam-se milhões em Lisboa, com paginas na Net explicando tudo, com todo o pormenor.

O teu comentário, eu atrás de mim no OIO, só conheci os Águias Negras, que fizeram Cutia, tinha sido acabada de fazer poucos dias antes da nossa chegada e se em pormenores se a minha memória não falha, sofreram lá um ataque violentíssimo, e ficaram no terreno, mortos os primeiros dois ou três cubanos, e uma bazuca, tendo passado de se dizer que tinham, a confirmar-se que tinham. Chegados a Mansabá tínhamos água boa, tínhamos trincheiras, e aquele barracão com uma cama. Estavam a acabar Manhau, ainda fomos lá ajudar na decoração. Para aí uma semana antes da nossa chegada se tanto, tinham sofrido um ataque violentíssimo, tendem deixado no terreno um morteiro 82 rachado, parecendo que tinha rebentado uma granada dentro do cano, são os assuntos de fala na altura em que nós chegamos. A nossa chegada foi muito melhor com o apoio deles.

Mas aqui também não sei se não os prejudicamos mais do que ajudamos! Nós nunca conseguimos impor o tempo de guerra, as pessoas não compreendem isto, andamos quilómetros e quilómetros sem dar um tiro, sem ver ninguém e num repente, era a loucura. Eles aprenderam com todos os que foram antes e vocês já encontraram tipos não só com o conhecimento do terreno, mas já com muita técnica de guerra e uma principal, levando a luta para o sitio que lhes interessava e aquelas companhias de milícia que nós treinamos, para onde foram ?

Mamboncó, no sentido para Cutia à direita havia uma série de imbondeiros e era a descer um pedaço aí por 64 foram os F não sei quantos penso que do Montijo, pôr ordem na zona, deixando depois lá uns buracos, que no meu tempo foram limpos duas ou três vezes pela artilharia.

O senhor da serração no meu tempo era um fulano de idade, racista com uma criada cabo verdiana, eu gostava muito da tabanca andava sempre por ali e como tal e como eu gosto muito de conversar, conversamos muito, até ao dia em que nós não lhe trouxemos um tractor enorme de Banjara.

Tenho muitas duvidas se com a nossa maneira de ser, não passamos coisas de mais para o outro lado pensando que estávamos a fazer bem e se calhar muitas delas tiveram efeitos contrários, que deus nos perdoe porque a intenção foi sempre a outra.

O tipo mal acabado que estava em Mansabá em 65 e que eu me lembre era o Barata, não me lembro de mais nenhum, os outros sargentos eram bem acabados.

Carlos quanto a publicação de fotos, tu és o técnico eu só digo obrigado.

Vou parar mas volto, digo já faço alguma confusão com os palcos, eram todos muito iguais e naquele tempo as máquinas que tinham flash eram outras e havia quase sempre muita pressa.

Claro, quanto ao escrever mal, já não tenho idade para me preocupar muito, só me fica o respeito por vocês.

Um grande Abraço
Ernesto Duarte


2. Segunda mensagem de Ernesto Duarte, esta com data de 9 de Janeiro de 2011:

Herói, um fulano de coração grande que está no sítio errado na hora errada

Boa noite Carlos

Eu não jurei que vou encher a tua caixa de correio, até porque eu rebentava primeiro, mas como a língua Portuguesa é muito traiçoeira e mais quando não se sabe lidar muito bem com ela, que é o meu caso, gosto muito mais de números, mas como bom militar, que horror, mas como tipo de Mansabá, cá me vou adaptando.

Eu fui não sei quantas vezes, ponho-me residente em Mansabá, a Cutia, mas muitas e muitas vezes, passava-se aquela ponte, junta a uma ex serração, que levámos às costas, subíamos para Mamboncó por uma coisa chamada estrada, com tanto buraco ou tanto alto, nunca soube bem o que era, andava-se aquele pedaço, relativamente bom, Alto de Mamboncó ao fim descíamos por outro campo, que de estrada não tinha
nada.

Eu não acredito em heróis, heróis são fulanos muito homens, muito humanos, com grande espírito de sacrifício, abnegação, amor ao próximo, e um grande coração, e estando no sitio errado na hora errada, o que aconteceu com todos os que foram ao Ultramar. Estiveram no sitio errado na hora errada, para mim são todos heróis, ou Homens Grandes.

Eu falei naquele pedaço de caminho, eu sei que a Guiné infelizmente está cheia deles, mas aquele para quem passou pelo OIO conhece bem e pode avaliar o esforço gigantesco que era escoltar colunas por aquele espaço de estrada. E algumas colunas de abastecimento para Farim e Bafatá com muitas e muitas viaturas. E o trabalho mais importante até talvez fosse não ser soldado, mas sim o comer lama e encharcados e na outra sol de queimar, comendo pó e mais pó e eles quais formigas movimentando-se constantemente para a frente para trás, onde era preciso empurrar, empurrar muito para tirar do buraco ou subir o alto, pôr paus, tirar, paus, segurar, segurar para não se voltar, disparar onde fazia falta e no fim sorriamos uns para os outros, até talvez brincássemos, mas o nosso prémio ninguém nos podia dar, mas também ninguém nos podia tirar, era a nossa satisfação, a satisfação de termos cumprido, não cumprido com A, B ou C mas com nós próprios, uns com os outros, sabíamos que estávamos sós, até talvez nessas alturas não nos revoltássemos muito, mas o grupo sentia uma muito, muito boa satisfação colectiva.

Não te queria assustar, queria e quero dizer que tu, que vocês, não estão no sitio errado, na hora errada, antes pelo contrário, estão no sitio certo, na hora certa mas meteram ombros a uma obra muito grande, para nós podermos falar, contar episódios que pesam no fundo das nossas almas, e a possibilidade de encontrar camaradas que foram amigos e encontrar novos camaradas, novos amigos, que por um capricho do destino, só numa época diferente, deram os mesmos passos, ao ponto de se poder dizer que se confundem, mas com aquela parte que eu acho maravilhosa, a alegria de ser solidário a satisfação de auxiliar, uma satisfação que muitos lhes podem dar, dizendo obrigado, mas que se matem que se esfolem, ninguém lha pode tirar é vossa, e dentro da vossa simplicidade e humildade, sintam a pleno o seu sabor.

Já me esclareci totalmente penso eu.
Vou passar mais umas duas semanas fora.

Um abraço e até um amanhã, depois, depois,
Ernesto Duarte


3. Comentário de CV:

Caro Ernesto, que bom tenhas entrado na tertúlia, porque és da geração a quem a minha muito deve.
Apenas 5 anos nos separam, mas parece uma eternidade, e é numa guerra como foi aquela.

Vocês deixaram-nos a papinha feita, como que um tapete vermelho por onde circulávamos com mais (relativa) segurança, apesar das dificuldades que nos eram impostas pelos possíveis e inesperados encontros com o IN que partilhava aquela parcela de estrada. Mamboncó foi para nós um local fatídico, onde perdemos dois camaradas, o Manuel Vieira e o Espírito Santo Barbosa*, além dos mais de 20 feridos que tiveram de ser evacuados, naquele dia 6 de Dezembro de 1971, a pouco mais de um mês de a CART 2732 terminar a sua comissão de serviço.

Estrada Mansoa - Mansabá > Zona de Mamboncó por onde passava um dos corredores de acesso ao Morés

Fur Mil Nunes, Soldado Barbosa* e Fur Mil Vinhal

Unimog 404 ao serviço da CART 2732 consumido pelas chamas após ter sido atingido por fogo IN em 06DEZ71 na zona de Mamboncó

Mansabá fica na confluência de importantes itinerários, a saber: para Leste, Bafatá; para Oeste, Bissorã; para sul, Mansoa e para Norte, Farim

Mansabá era, no tempo da CART 2732, um quartel modelar onde havia segurança e o mínimo de conforto para várias centenas de homens, graças aos camaradas que antes de nós por lá passaram.

Atenta à foto que abaixo publico e verifica as alterações efectuadas, nomeadamente na zona superior direita da foto onde eram as Casernas, Bar e Refeitório dos Praças, Cozinha, Depósito de Géneros, Arrecadação de Material de Guerra e outras instalações.


 Vamos dar por finda a nossa conversa que é só do interesse dos mansabenses ou de quem por lá passou.

Um abraço para ti com votos de boa saúde
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7586: Panfletos de Ação Psicológica (2) (Ernesto Duarte)

Vd. último poste da série de 18 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7466: Memória dos lugares (118): Destruição do Mercado Central Bissau (2) (Nelson Herbert)

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Guiné 63/74 – P6849: Memórias de Mansabá (11): Sexta-feira, dia 13 de Agosto de 1971 (Carlos Vinhal)

1. Esta estória poderia fazer parte da série Efemérides, mas na verdade não teve importância nenhuma no desfecho da guerra colonial.


Mansabá, Sexta-Feira, 13 de Agosto de 1971*

Tarde quente do dia 13 de Agosto de 1971 que se adivinhava enfadonha. Como não tinha nada que fazer, estava deitado na cama deixando correr o tempo, ouvindo pela milionésima vez uma das duas cassetes que tinha.

O meu Pelotão estava de Serviço ao Aquartelamento e eu estando de Sargento de Ronda, só entraria ao serviço lá para a 1 hora da manhã. De repente lembrei-me que era Sexta-feira e ao mesmo tempo dia 13.

Como não sou supersticioso, saltei da cama e logo pensei que era o dia indicado para se fazer aquelas tarefas que se não devem fazer nestes dias ditos azarentos.

Vesti-me e fui ao quarto dos condutores procurar um voluntário para ir comigo ao exterior do arame farpado rebentar granadas velhas. Não foi difícil encontrar alguém, porque toda a gente gostava assistir ao espectáculo dos rebentamentos.

Enquanto o condutor foi aprontar um Unimog 411, fui levantar um Rádio e avisar o meu Alferes, que estava de Oficial de Dia, dos meus intentos, para que ele por sua vez avisasse todos os Postos de Sentinela à volta do Aquartelamento e mais quem achasse por direito ser prevenido.

Carregada a viatura, dirigimo-nos para o exterior do arame farpado, estrada de Mansabá para o K3, como quem vai para um picnic, para junto de uma árvore morta onde eu costumava, num buraco existente junto a ela, destruir o material que ia armazenando e que não tinha cumprido a sua missão de explodir quando lançado contra o IN.

Depois de dispostas, com cuidado, as granadas velhas no buraco, juntei-lhes uns pedaços de TNT providos de detonadores eléctricos para provocar o rebentamento controlado à distância.

Após o rebentamento e enquanto o fumo se dissipava, aproximei-me do local para verificar se tinha corrido tudo bem ou seja que nenhuma das munições ficasse inteira. Mal me abeirei da árvore, fui recebido por um enxame de abelhas selvagens, em polvorosa, que me perseguiram enquanto eu fugia a sete pés.

Como não fui suficientemente lesto fui picado na cabeça e nas mãos. Enquanto corria, pelo Rádio começaram a chamar por mim. Quando pude, parei e atendi. Era um militar das Transmissões a comunicar-me que o Comandante ordenava que me apresentasse imediatamente no seu gabinete.

Desmontei o serviço, carregámos as tralhas na viatura e lá fomos a caminho do Aquartelamento, não prevendo eu já nada de bom.

Quando entrei na porta da Secretaria, o gabinete do Comandante só tinha acesso por lá, fui alvo do riso por parte dos presentes. O meu aspecto era algo caricato pelos inchaços na testa provocados pelas picadas das abelhas, mas ao mesmo tempo vi caras de preocupação pelo que me esperava lá dentro.

Bati à porta e à voz de ENTRE, entrei, fiz a continência da praxe e em sentido esperei pela pancada. Indiferente ao meu aspecto, perguntou-me o Comandante, muito furioso:

- Nosso Furriel, quem o autorizou a ir fazer rebentamentos para o exterior do quartel?

Respondi que ninguém, e que julgava ter competência suficiente para saber qual era a melhor ocasião para destruir material perigoso, depositado na Arrecadação do Material de Guerra, à minha responsabilidade, desde que antecipadamente desse conhecimento do facto.

- Mas eu não soube de nada!!!

Disse-lhe que previamente tinha avisado o nosso Alferes Bento que estava de Oficial de Dia, para que ele por sua vez alertasse os postos de vigilância e providenciasse pela minha segurança e do condutor que me acompanhava.

- Vá chamar imediatamente o nosso alferes.

Fui ao Bar dos Oficiais procurar o Oficial de Dia para ele me acompanhar ao gabinete do nosso Capitão. Com os dois já na sua presença, foi a vez de o alferes ser interpelado:

- Nosso alferes, o nosso furriel Vinhal deu-lhe conhecimento de que ia fazer rebentamentos?

- Sim, meu Comandante, deu.

- E você avisou-me?

- Não meu Comandante, avisei toda a gente mas não me lembrei do senhor.

- Nosso furriel, pode retirar-se. Por esta vez escapou de uma porrada, mas tenha cuidado comigo!!!

O que se passou no Gabinete do Comandante depois de eu sair não sei, mas adivinho que o alferes tenha ouvido das boas.

Cá fora, na Secretaria, fiquei a saber pelo nosso Primeiro Rita que, quando se deu o rebentamento, o Capitão, julgando tratar-se de um ataque ao aquartelamento, deitou a fugir pelo gabinete fora, mas quando viu que toda a gente continuava sentada a trabalhar, impávida e serena e, ainda por cima com ar de riso, ficou furioso. Sabendo posteriormente que tinha sido eu o autor do rebentamento, julgou chegada a hora de dar a porrada que  me havia prometido tantas vezes.

Restabelecida a ordem, dediquei-me a tratar as picadas das abelhas e a reflectir sobre a tarde que tinha passado. Não foi enfadonha, mas convenhamos que naquela Sexta-feira dia 13, melhor tinha sido ficar na cama, sossegadinho, a ouvir pela milionésima vez a música de uma das duas cassetes que tinha e da qual sabia de cor e salteado a sequência das canções.

Perdendo agora um pouco de tempo a falar do meu inesquecível e caro Comandante, Capitão C, sempre digo que foi um dos meus melhores amigos na tropa que, não me conhecendo de lado nenhum, me tinha um amor cego. Quantas vezes aquele homem me ameaçou com porradas, nunca tendo, felizmente, pretexto suficientemente forte para levar avante a sua vontade.

Felizmente, para mim, mais tarde este senhor, depois de uma série de baixas por doença (?) ao Hospital Militar 241 de Bissau, foi definitivamente evacuado para o HMP de Lisboa.

Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Art.ª MA
CART 2732
Mansabá, 1970/72

__________

Notas de CV:

(*) Esta estória foi publicada na I Série do nosso Blogue (Poste DCLX)

Vd. poste de 21 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6770: Factos e Feitos mais importantes da CART 2732 (3): De Agosto de 1971 a 19 de Março de 1972 (Carlos Vinhal)

Vd. último poste da série de 27 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 – P6792: Estórias avulsas (90): Recordações (José Marques Ferreira, ex-Sold Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462)

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5254: Memórias de Mansabá (10): Uma história de passarinhos (Carlos Vinhal)

1. Uma história de passarinhos
Por Carlos Vinhal*

Não sendo propriamente um menino da mamã, era um super protegido ou não fosse filho único, tesouro de seus pais. Tinha no entanto permissão de brincar no parque infantil que era a nossa rua. Brincava-se à vontade porque o trânsito automóvel se limitava à passagem esporádica do senhor Artur, conceituado merceeiro da zona, que tinha um belíssimo automóvel preto.

Tudo era motivo de brincadeira, o arco e a gancheta, o pião, os cabazinhos ou sameirinhas (cápsulas dos refrigerantes), a bola, uma casca de fruta ressequida para com ela jogar à casquinha, uma bola feita com meias supostamente velhas surripiadas em casa, etc, etc.

Na minha rua, no meio das brincadeiras e do alarido dos rapazes, passavam em graciosos, rasantes e velozes voos, as andorinhas-dos-beirais. Tinham, como o seu nome indica, os seus ninhos nos beirais das nossas casas que invariavelmente reutilizavam em cada Primavera. Já nos deviam reconhecer dos anos anteriores, embora notassem aqui e ali a falta de algum que já não fazia parte das brincadeiras por ter crescido. Outros que tinham vindo de novo para aquele parque infantil que na rua montávamos diariamente.

Ainda se podiam ver os pardais, pássaros menos graciosos, mais barulhentos e desajeitados que nascem, crescem e morrem em Portugal, mas que não andam em Portugal. E esta?

Havia ainda umas avezinhas muito elegantes, graciosas que se assemelhavam às andorinhas, mas mais claras na sua penugem, as lavandiscas ou chirinas, chirininhas como lhes chamávamos.

Havia ainda os pombos correios que alguns vizinhos reproduziam em cativeiro. Ao fim da tarde eram soltos dos pombais para darem umas voltas pelas redondezas para manterem a sua forma de modo a poderem competir nos fins de semana que se aproximavam.

Em matéria de aves, limita-se a estas o meu conhecimento. Nunca fui de andar aos ninhos por achar um atentado mexer nos ovinhos, uma vez que depois as mães os rejeitavam. Ir assustar as indefesas crias no cantinho do seu ninho também estava fora de causa para mim.

Esqueci-me de referir uma aves enormes que por aqui voavam, e ainda voam felizmente, dada a proximidade do mar, as gaivotas.

Deixo aqui um parênteses para dizer que as andorinhas desapareceram definitivamente desta zona. Nunca mais voltaram. Será que morreram todas e acabou a Primavera sem o sabermos?

Quem, dum meio relativamente urbano, se encontra de repente no meio dos matos de África, fica extasiado com a profusão de bicharada e de aves, particularmente. Todas as cores, tamanhos e sons. Lindo mesmo.

Nos fins de dia, quando havia oportunidade para tal, gostava de me sentar sozinho na esplanada da Messe a apreciar a passarada que ao pôr-do-sol voava por aqueles céus. Quem não se lembra da elegância do voo do jagudi lá muito no alto, aproveitando a força de sustentação do ar quente?

De entre as muitas árvores que havia no interior do quartel de Mansabá, uma se destacava pelo seu porte, com uma copa enorme, muitos metros de perímetro seguramente. Estava no enfiamento da nossa messe e situava-se junto do Posto do Administrador. Era lindo de ver a passarada em enormes bandos que dela emanava ao fim do dia. Com o cair da noite saiam em voos rápidos em direcção ao horizonte. Espectáculo que ainda hoje recordo. Que tipo de passarinhos eram aqueles que, aos milhares, voavam de noite? Não conhecia nenhuma espécie que se dedicasse ao voo nocturno, mas que os havia, havia, porque eu estava a vê-los.

Só muito tarde vim a saber, sem perguntar, que os ditos passarinhos eram, nem mais, nem menos, que bandos de morcegos que iam à sua labuta nocturna, lutar pela sobrevivência.

Os passarinhos, lá como cá, à noite refugiam-se nas árvores, os morcegos desprendem-se delas.

Mansabá, 28NOV71 > Fim da tarde de domingo, na esplanada da messe

Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Art.ª MA
CART 2732
Mansabá
1970/72
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4079: O trauma da notícia da mobilização (3): Calma rapaz, nem tudo há-de ser mau (Carlos Vinhal)

Vd. último poste da série de 11 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5252: Estórias avulsas (57): Funeral na Guiné – Refeição melhorada

domingo, 13 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3052: Memórias de Mansabá (9): Os cães da CART 2732 (Carlos Vinhal)

Por o nosso camarada Artur ter falado em cães e no seu sofrimento durante a nossa guerra, não posso deixar de falar de duas cadelas que existiam em Mansabá e que herdámos da CCAÇ 2403.

Uma, a Diana, era amarela, alta, elegante, um tanto aparentada com um galgo, mas mais corpolenta. Era muito independente, logo pouco sociável. Andava sempre distante da nossa Messe, embora nunca abandonasse o aquartelamento.

A outra, a Nina, era mais baixota, mais peluda, mais sociável e, pasme-se, acompanhava-nos nas patrulhas mais próximas do aquartelamento e nas colunas auto.
Qaundo via os carros a formar na parada, escolhia logo um deles para se fazer transportar. Foi inúmeras vezes a Mansoa, sempre voluntariamente, ao contrário de nós que íamos obrigados.

Quando nos acompanhava no mato, fazia-o com cuidado, não ladrava e nunca saía de junto de nós.

Ambas nos faziam jeito para ajudar a consumir as inúmeras salsichas que o Costa (Fur Vaguemestre) nos fazia o favor de servir quase todos os dias, às refeições, intervalando com o polvo e o atum.

A Nina um dia ao saltar de uma viatura, por ventura ainda em andamento, partiu uma das patas traseiras. Por infelicidade ficou também prenha na mesma altura.

Embora nunca tenha conseguido soldar a pata, levou até ao fim, com algum sofrimento, a gestação dos seus cachorrinhos, principalmente na fase final, quando já mal se arrastava.

Na hora de parir, escolheu o quarto do Branco e do Carneiro para se aliviar.
Fomos assistir ao nascimento dos cachorros e começámos a contar: um... dois... três... quatro... cinco... seis... e sete.

A fase da amamentação foi também dolorosa para ela, porque os cachorros, por serem muitos, se amontoavam por cima da pata partida e ocasionavam dores que a pobre bicha suportava com paciência.

Os cachorrinhos foram todos adoptados e a Nina foi abatida porque já deitava um cheiro pestilento. Estaria com uma doença maligna.

Ficamos só com a Diana que não era nem de longe tão afectuosa como a pobre Nina, mas na hora da refeição sempre nos fazia companhia.

Mansabá > Nesta foto o Fur Mil Trms Lourenço, o primeiro a contar da esquerda e o Fur Mil Enf Marques, o terceiro, seguram os cachorros, filhos da Nina, que adoptaram. O segundo camarada é o Fur Mil Correia e o quarto eu mesmo.

Todos os cachorros foram crescendo normalmente, mas a determinada altura começaram os acidentes. Um deles foi atropelado na parada por uma das viaturas e teve morte imediata. Outro morreu vítima de uma armadilha montada pelos Sapadores, algures nas imediações do arame farpado.

Alguns dos camaradas devem lembrar-se do surto de cólera que atingiu aquela zona da África. Tivemos que ser todos vacinados e veio ordem expressa dos Serviços de Saúde de Bissau para abater tudo o que fosse animal doméstico ou domesticado. O próprio Fur Enf tomou a seu cargo a eliminação de todos os animais, começando pelo seu próprio cachorro que como sabem era filho da Nina.

O Lourenço escondeu o dele dentro do Posto de Rádio onde o Marques não podia entrar. O pessoal da Mecânica escondeu um macaco domesticado que tinham, no fundo da pista.

Mas o Marques, implacável, ou debaixo da responsabilidade de manter a nossa saúde, acabou por matar tudo a tiro de Walter, apesar de o acusarmos de não ter piedade dos animais.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2526: Memórias de Mansabá (8): O ataque ao Quartel no dia 12NOV70 (Inácio Silva)

Foto 1> Inácio Silva no abrigo da Mancarra com a sua Breda.


O nosso camarada Inácio Silva (ex-1.º Cabo Apontador de Metralhadora da CART 2732, Mansabá, 1970/72) relata, na primeira pessoa, um ataque ao aquartelamento, dos muitos que ocorreram durante os 22 meses de permanência nesta localidade da região do Oio, muito perto do Morés.

Não se pense que estas flagelações aconteciam porque a CART 2732 se limitava à sua função de força de quadrícula. A História da Unidade enumera as muitas Operações em que a Companhia madeirense participou, enquanto adstrita ao BCAÇ 2885 (até 11 de Novembro de 1970) e como força integrante do COP 6, activado e sediado em Mansabá. Foram inúmeras as colunas auto efectuadas para Mansoa e Farim, emboscadas nocturnas, patrulhamentos e participação na segurança próxima e afastada aos trabalhos de alcatroamento da estrada Bironque-K3.


Foto 2> Guiné> Mansabá, 11 de Outubro de 1970> Cerimónia oficial em memória do Alf Mil Couto, vítima mortal de uma mina AP em 6 de Outubro de 1970. No dia 5 de Outubro o aquartelamento tinha sido atacado.


CART 2732 (1)
Descrição de um ataque ao Quartel de Mansabá, de entre muitos


Por Inácio Silva

Durante os 23 meses de permanência em Mansabá, todos os dias, a qualquer hora, era possível verificar-se um confronto, repentino e inesperado, entre as forças do PAIGC e as nossas tropas, onde quer que elas estivessem: fosse numa operação militar programada, numa batida de zona, numa saída para o mato, à noite, numa coluna militar ou quando estivéssemos no quartel, acordados ou a dormir. Fosse, ainda, com a colocação de minas antipessoais ou anticarro, nos trilhos ou estradas por onde haveríamos de passar.

Foto 3> Mansabá 12 de Novembro de 1970> Estado em que ficou a Enfermaria.

Foram setecentos dias, dezasseis mil e oitocentas horas de permanente e absoluto alerta, com os olhos e ouvidos bem abertos, tentando perscrutar um movimento suspeito, um barulho, um estrondo, numa vasta área de mato, floresta e bolanha, em todo o perímetro do Quartel.

Diga-se, em abono da verdade, que a iniciativa dos ataques, partia, geralmente, dos homens do PAIGC, já que as tropas portuguesas estavam sediadas nos quartéis, cujas localizações eram suas, sobejamente, conhecidas, sendo, portanto, relativamente fácil localizá-las e desencadearem ataques às nossas guarnições.

A nós competia ocupar o território e defender as populações e as autoridades administrativas. Ao PAIGC competia marcar a sua presença em todo o território da Guiné, exercendo a guerrilha, lançando ofensivas, sem data nem hora marcadas, tentando causar baixas nas tropas portuguesas, com o objectivo de as desgastar e desmoralizar.

Num desses dias de 1970 (12 de Novembro), pelas 19H30, eu e alguns camaradas, após o jantar, já noite escura, temperatura amena, subimos, como habitualmente, para a cobertura do abrigo designado por Mancarra, para passar o tempo, o mais descontraidamente possível, até que o sono chegasse, estabelecendo, entre nós, diálogos aleatórios ao sabor de temas, ao acaso.

A minha maior preocupação eram os mosquitos que me rodeavam insistentemente, que se atiravam a mim como gato a bofe, não parando de me autoflagelar com palmadas para evitar que me picassem, a maior parte das vezes, em vão.

Sem conseguirmos ver nada que estivesse para além da periferia do quartel, a vinte metros de nós, cercada de arame farpado e iluminada pela energia produzida por um gerador, alimentado a gasóleo, cujo barulho era audível no local, de repente, a iluminação apagou-se. Tratava-se, sabíamos nós, de um procedimento habitual, pois era necessário fazer descansar aquele gerador e colocar outro em funcionamento.

Já não me lembro durante quantos segundos é que estivemos às escuras; penso que não terá ido além dos 30 ou 40 segundos. Nesse hiato decidi, sem nenhuma razão aparente, vociferar impropérios, na direcção do fosso negro, de nossos pés, até à mata.

O som das nossas vozes emitido, em absoluto silêncio nocturno, era perfeitamente audível a algumas centenas de metros. Fui acompanhado por outros camaradas, na mesma ladaínha: - Está na hora, seus filhos da p..., ataquem agora, aproveitem, seus cobardes.

Estas frases iam sendo repetidas, enquanto se vivia aquele momento de absoluta escuridão.

Foto 4> Alguns dos camaradas presentes nesta foto dormiam no abrigo da Mancarra, localizado nas suas costas. Inácio Silva sentado e encostado ao mini monumento que os defendeu dos estilhaços dos morteiros. A seta indica o sítio onde estavam quando começou o ataque.


Ainda estávamos naquele exercício provocatório, quando, inesperadamente, rompeu da escuridão, na nossa direcção, uma rajada de Kalashnikov (PPSH), conhecida por costureirinha pelo som característico, estridente que provocava, dando uma sensação de proximidade, seguida de lançamento de granadas de morteiro.

De imediato, saltámos da cobertura do abrigo, para o solo, tendo caído, nesse momento, três granadas de morteiro, perto de nós. A sorte esteve connosco, uma vez que as granadas caíram e rebentaram por detrás de um pequeno monumento, erigido pelos camaradas da Companhia que ali estivera antes de nós, a CCAÇ 2403, protegendo-nos.


Foto 5> Os círculos indicam os buracos feitos pelas três granadas de morteiro que marcaram o início do ataque.


Num ápice, o potencial de fogo por parte do PAIGC, originário de uma larga zona, em meia-lua, desde a pista de aviação, em terra batida, até ao abrigo da Mancarra, aumentou, atingindo várias zonas do quartel. Era possível ouvirem-se tiros de espingarda, de metralhadoras, e rebentamentos de granadas de morteiro, de RPG2 e de canhão sem recuo...

Percebi, logo, que estávamos em presença de uma grande operação militar do PAIGC que, das duas uma: ou respondíamos de imediato e com os todos os meios ao nosso alcance, ou poderíamos assistir a uma invasão das nossas instalações, com todas as consequências desastrosas que isso implicava.

Cada um dos camaradas que ali se encontravam, se dirigiu para o seu posto de combate e de defesa das instalações. Todos os postos avançados começaram a reagir àquele incessante matraquear mortífero: as nossas, espingardas G3, metralhadoras pesadas, metralhadoras ligeiras, morteiros 81mm e os obuses, em uníssono, desempenharam um papel absolutamente imprescindível na nossa defesa e foram, sem qualquer espécie de dúvida, a nossa salvação.

No referido abrigo da Mancarra, a meu cargo, estava uma metralhadora pesada BREDA, alimentada por lâminas de vinte balas de 8x59mm, mal posicionada em relação à frente de fogo inimiga. Havia que a deslocar para a posição correcta, sendo necessário dois militares para o efeito. Porém, o seu municiador, já há alguns dias que estava doente, acamado na enfermaria do quartel e eu encontrava-me, ali, sozinho.

Por segundos, fiquei sem saber o que fazer. A primeira reacção foi rodar a metralhadora, o máximo possível, para a frente de fogo inimiga, dando indicação aos atacantes de que a minha zona estava protegida.

Efectuei vários disparos, lâmina a lâmina, até que a BREDA encravou! Preocupado com a ausência de fogo naquele posto, recolhi todas as espingardas G3 dos camaradas que haviam saído para guarnecer os seus postos de combate e trouxe-as para junto de mim.

Tiro a tiro, fui descarregando as várias G3, mantendo, ali, uma presença de fogo. Ao dar o último tiro, fui confrontado com novo dilema: o que fazer a seguir? Abastecer os carregadores das G3 ou tentar desencravar a metralhadora e mudá-la para a frente de fogo? Qualquer destas tarefas implicaria numa paragem, absolutamente desastrosa, incompatível com a situação que estávamos a viver.

A tremer de medo, por pensar que poderia ser apanhado à mão, pelo inimigo, decidi desmontar a metralhadora. Ainda muito quente devido aos disparos a que foi sujeita, queimei as mãos ao desmontar a parte frontal, onde se encontra o cano e, esforcei-me, sem condições, por levá-la para a melhor frente de fogo. Colocada nova lâmina, lá recomeçou a funcionar. Depois, muitas outras se seguiram. Os meus dedos polegares, de empregado forense, já não conseguiam suportar as dores provocadas pelo trepidar dos disparos. Olhei para eles e vi que estavam duas enormes bolhas de sangue.

Continuei, apesar de tudo...

O meu posto era fixo e estava denunciado. De repente, oiço um assustador estrondo, acompanhado de uma labareda e de uma luz intensa, que me deixa absolutamente atordoado, surdo, a zumbir, parecendo que o couro cabeludo iria saltar. Fico sem reacção. Sinto uma impressão no meu sobreolho direito, passo a mão e o sangue anuncia um ligeiro ferimento. Nada de grave, felizmente. Era mais grave o meu estado de espírito e a minha desorientação devido ao gigantesco estrondo, amplificado pela caixa de ar onde me encontrava! Parecia encontrar-me numa gruta com milhões de morcegos a farfalhar.

Pensei! É agora que vou ser apanhado. Estava só e indefeso. Confiava nos meus camaradas que, algures, estavam a reagir estoicamente àquele gigantesco ataque. Não se ouviam vozes nem gritos, apenas os estrondos das bombas. Parecia ser o apocalipse!

Passaram-se quarenta e cinco longos minutos até voltar o silêncio! Havia que recompor as forças e o estado de espírito. Ver os estragos, abastecermo-nos de munições e preparar as armas para novo eventual tiroteio. Em teoria, ele poderia ocorrer noutra frente, no momento imediato!

Para acalmar, psicologicamente, as nossas tropas, o Comando Geral, enviou um bombardeiro T6, que sobrevoou, algumas vezes, as supostas zonas onde o IN se havia posicionado para atacar, certamente, já em debandada.

No dia seguinte, logo pela manhã, quis saber o que havia causado aquele estrondo que me tinha deixado prostrado. Foi uma granada de RPG, lançada pelos militares do PAIGC, na direcção das chamas da BREDA, que embateu na parede do abrigo, junto ao vértice inferior direito da fresta onde trabalhava a metralhadora, rebentando a cerca de um metro de mim.

Foto 6> É possível ver no círculo, o desbaste da parede efectuado pelo impacto e rebentamento da granada. Foi por um triz que ela não penetrou no abrigo.

Fotos: © Inácio Silva (2008). Direitos reservados

Feito o balanço, verificou-se ter havido um morto e quatro feridos nas tropas portuguesas (milícias locais) e 14 mortos e 45 feridos, na população.
Quanto aos estragos materiais, é de referir a destruição da enfermaria, de uma caserna e de algumas casas da população.

No que a mim diz respeito, trago comigo, até hoje, uma deficiência auditiva provocada pelo referido rebentamento, revelada em todos os exames audiométricos que efectuei (mais de uma dezena), no âmbito da Medicina do Trabalho da minha empresa, caracterizada pela impossibilidade de discernir determinadas gamas de frequência, situação que é totalmente desconhecida das entidades militares, não fazendo, pois, parte das estatísticas.

Pergunta-se, agora, porquê tudo isto?

O ser humano é único: pensa, ama, odeia, ri, chora, raciocina mas, por vezes, lamentavelmente, reage irracionalmente... e a guerra é um acto irracional!

Inácio Rodrigues da Silva
Ex-1.º Cabo de Artilharia
CART 2732 - Mansabá
1970/72
___________________

Notas do autor:

(1) Companhia de Artilharia 2732
Partida do Cais do Funchal: 13 de Abril 1970
Chegada à Guiné: 17 de Abril de 1970
Regresso a Portugal: 19 de Março de 1972
Localização da Companhia: Mansabá, região de Oio
Mortos em combate: 3 (1 alferes e 2 soldados)
Mortos por acidente: 1 soldado
Mortos por doença: 1 soldado

(2) A Região de Oio fica situada no Norte da Guiné-Bissau, fazendo fronteira com as Regiões de Bafatá, Biombo, Cacheu e Quinara. Tem uma superfície de 5.404 Km2, e uma população de 199.046 habitantes.
Os sectores que compõem a Região de Oio são: Bissorã; Farim; Mansabá; Mansoa; Nhacra.
________________

Notas de CV:

Vd. posts de:

27 de Junho de 2007>
Guiné 63/74 - P1889: Tabanca Grande (20): Inácio Silva, 1.º Cabo Apontador de Metralhadora, CART 2732 (Mansabá, 1970/72)

17 de Outubro de 2007>
Guiné 63/74 - P2184: A Guerra do Ultramar no programa Prós e Contras (RTP1, 15 de Outubro de 2007): o debate dos generais (Inácio Silva)

22 de Outubro> Guiné 63/74 - P2200: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (7): Comentário de Inácio Silva, da CART 2732, Mansabá, 1970/72

18 Abril 2006> Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

25 Março 2006> Guiné 63/74 - DCLI: A madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1325: Memórias de Mansabá (7): O Comandante do COP6, Correia de Campos, e as Minas na Bolanha de Manhau (Carlos Vinhal)

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Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 ( 1970/72) > Estrada Mansambá-Farim >O Carlos Vinhal e o Sousa à sua esquerda, segurando uma mina anticarro detectada a tempo e levantada.

Texto e foto: © Carlos Vinhal (2006), ex-Furriel Miliciano de Artilharia, com a especialidade de Minas e Armadilhas, CART 2732, Mansabá (1970/72).

Texto enviado a 3 de Novembro de 2006:


Minas na Bolanha de Manhau - 28 de Agosto de 1971

Como se tem falado, e bem, ultimamente do nosso Coronel de Cavalaria António Valadares Correia de Campos (1), vou contar um episódio onde eu e ele fomos intervenientes.

Em 10 de Agosto de 1971 chegou a Mansabá a CART 3417, companhia independente como a nossa, para fazer o seu IAO connosco. Faziam alguma instrução no quartel e, acções de patrulhamento e emboscadas no mato. A princípio integrados em pelotões da CART2732, em fase mais adiantada, sozinhos.


Correia de Campos, comandante do COP6

O comandante desta companhia era um capitão muito jovem, daqueles que a determinada altura começaram a proliferar pela Guiné em virtude do desgaste dos capitães mais velhos e com algumas comissões de serviço em teatro de guerra.

No dia 28 de Agosto de 1971, pela manhã, saíram para o mato acompanhados por alguns elementos do Pelotão de Milícias 253, para uma zona não muito distante, mais propriamente para a zona da Bolanha de Manhau, a leste de Mansabá.

Por volta das 13 horas dirigia-me eu à Messe para almoçar, quando o então comandante do COP6, Major Correia de Campos, encontrando-me na parada, me ordenou para eu avisar o oficial de piquete de que era preciso organizar imediatamente uma coluna auto para ir a Manhau e que o furriel de Minas e Armadilhas deveria ir também.


O capitão da CART 3417, vítima de uma mina A/P


O Major Correia de Campos acrescentou que o comandante da CART3417 tinha pisado uma mina antipessoal, precisando de evacuação urgente e que havia mais minas detectadas, pelo que era preciso neutralizá-las. Informei-o que era o meu pelotão que estava de piquete e que eu mesmo era o furriel de Minas e Armadilhas. Disse-lhe também que iria providenciar no sentido de que as suas ordens fossem cumpridas imediatamente.

Organizada a coluna, prontamente ele subiu para a viatura da frente. De pé, ao lado do condutor, com uniforme não camuflado e com os galões nos ombros, viajou até ao local para recolhermos o ferido e para eu me inteirar da quantidade de minas a neutralizar. O dia estava cinzento, caía uma chuva miudinha incessante e o percurso foi feito em picada por zonas de alto risco de contacto com o IN e de alta probabilidade de aparecimento de minas anticarro. Nem mesmo assim ele se protegeu da intempérie e das possíveis vistas do IN.

Chegados, deparámos com o capitão já assistido pelos enfermeiros da sua Companhia. Tinha já a perna garrotada e estava a soro. Vociferava contra a sua falta de sorte e estava visivelmente nervoso. O caso não era para menos. Era muito novo e tinha sido ferido logo na sua primeira comissão de serviço no Ultramar.

Como se pode depreender, o moral das tropas estava muito em baixo. Foram sujeitos à mais dura provação. O seu Comandante tinha sido, cedo de mais, vítima da guerra. Não estavam em condições de continuar a instrução daquele dia pelo que iriam regressar connosco.

Organizou-se a coluna de regresso ao quartel. O nosso Major e o sinistrado vieram na minha viatura. O percurso foi feito devagar para evitar solavancos exagerados.

O capitão recolheu à Enfermaria para ser devidamente tratado e esperar por um heli para o evacuar para o HM241. Eu fui aprontar o meu equipamento para voltar a Manhau a fim de rebentar as minas detectadas e trazer de volta os militares da 3417. A chuva continuava e a fome apertava, mas o dever obrigava.

Em Manhau rebentei três minas antipessoais e regressámos trazendo connosco o pessoal da 3417. Cerca das 15H00 pude comer qualquer coisa, requentada, só para não ficar em branco.


Uma coluna auto até ao HM241, em Bissau e, e regresso a Mansabá: um pesadelo de 200 quilómetros


Cerca das 17h00 veio a ordem do nosso Major Correia de Campos para evacuar o Comandante da CART 3417, em coluna auto, uma vez que a chuva não abrandava e os helicópteros não tinham condições para levantar.

O melhor que puderam, os enfermeiros acondicionaram o capitão numa das viaturas, para que a viagem de quase cem quilómetros até Bissau (!), debaixo de chuva intensa, se tornasse para o ferido o menos penosa possível. Só pedíamos a Deus que não tivéssemos nenhum contacto com o IN até Mansoa, porque então seria o bom e o bonito. Já bastava a chuva para complicar. O estado geral do sinistrado não era muito bom, porque já tinha passado bastante tempo desde a triste ocorrência. As horas de sofrimento físico e psicológico somavam-se.

Lá nos pusemos a caminho em marcha moderada, convencidos de que só iríamos até Mansoa. O normal seria as tropas dali continuarem até Bissau, mas não. Constatámos que não estava prevista nenhuma coluna a partir dali, pelo que com muita resignação, espírito de sacrifício e altruísmo, continuámos nós a viagem até ao HM241 onde chegámos cerca das 18H30. A viagem não se pôde fazer em velocidade elevada para não fazer sofrer ainda mais o ferido.

Voltámos tão rápido quanto possível, porque a noite já ia alta. A chuva que nos tinha acompanhado até Bissau, continuou até Mansabá.

Voltando ao senhor Coronel Correia de Campos, quem sou eu para enaltecer a sua figura? Sei apenas que era chamado para as situações mais complicadas no CTIG. A determinada altura deixou o comando do COP6 para assumir o comando noutra zona complicada da Guiné onde a sua presença era mais necessária.


Carlos Esteves Vinhal
Ex-Fur Mil Art Minas e Armadilhas
CART 2732
Mansabá, 1970/72 (2)

Leça da Palmeira
Matosinhos

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1235: Coronel Correia de Campos: um homem de grande coragem em Sambuiá e Guidaje (A.Marques Lopes)

(2) Vd post de 18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

terça-feira, 10 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1163: Memórias de Mansabá (6): Destacamento temporário do Bironque, inaugurado pela madeirense CART 2732 (Carlos Vinhal)

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Guiné > Região do Oio > Estrada de Mansabá-Farim > Bironque > Novembro de 1970 > Destacamento temporário: aspecto parcial. Este destacamento foi inaugurado pela CART 2732 (a companhia madeirense a que pertencia o Fur Mil Carlos Vinhal) no dia 26 de Novembro de 1970.

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Guiné > Região do Oio > Estrada de Mansabá-Farim > Bironque > Novembro de 1970 > Destacamento temporário: dia da inauguração.
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Guiné > Região do Oio > Estrada de Mansabá-Farim, no troço Bironque-K3 > Fevereiro de 1971 > A nova estrada alcatroada, construída pela engenharia militar, ainda coberta de pó branco.

Texto e fotos: © Carlos Vinhal (2006) (1). Direitos reservados.
Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

Caríssimo Vitor Junqueira (2):

Estive mesmo agora a imprimir o teu belíssimo trabalho "Um dia no mato, na região de Farim" (3) e lembrei-me de ir aos meus arquivos físicos, já que a memória me estava a atraiçoar, para, quiçá, fornecer elementos para aumentar os teus conhecimentos.

Aproveito para te enviar 3 fotografias, para o caso de não teres nada sobre o tema. Peço desculpa por estar a ser um pouco tardio, mas o que está em causa para ti é a tua valorosa CCAÇ 2753.

Assim sou a informar que o destacamento temporário do Bironque foi inaugurado, sem pompa nem circunstância, pela CART 2732 no dia 26 de Novembro de 1970. Em anexo seguem 2 fotos dos momentos antes da inauguração oficial e abertura ao público.

Quando a [CCAÇ] 2753 [ - a companhia açoriana, a que pertencia o Alf Mil Vitor Junqueira -] chegou, nós já tínhamos feito a limpeza e arrumado os stands. Ainda me lembro daquela tenebrosa primeira noite em que dormimos(?) em cavidades por nós mesmos escavadas, no cimo do muro circundante do acampamento. Para ajudar, já noite dentro, o gerador lembrou-se de avariar, pelo que com muita sorte e recorrendo aos conhecimentos de alguns militares que na vida civil eram electricistas, conseguiu-se resolver o problema.

Envio também uma foto da estrada nova, entre o Bironque e o K3, em que ainda se pode ver aquele pó branco que a BECE (4) punha por cima do alcatrão e que no princípio podia servir para esconder minas. Felizmente nunca aconteceu nada e o pó foi desaparecendo com a chuva.

Carlos Esteves Vinhal (1)
Ex-Fur Mil Art Minas e Armadilhas
Nº Mec 19551569
CART 2732/Mansabá
CTIGuiné 70/72
Leça da Palmeira

___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLI: A madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

(2) Vitor Junqueira, ex-alf mil da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá, 1970/72)

(3) Vd. post de 23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1110: Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoreana CCAÇ 2753 pela região de Farim (Vitor Junqueira)
(4) BECE = Batalhão de Engenharia de Construção de Estradas ? Ou sigla de uma empresa ?

quarta-feira, 20 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1091: Memórias de Mansabá (5): O terrível ataque ao aquartelamento em 12 de Novembro de 1970 (Carlos Vinhal)


Guiné > Região do Oio > Mansabá > Aquartelamento > Novembro de 1970 > Aspecto da enfermaria, destruída por canhão sem recuo.

Guiné > Região do Oio > Mansabá > Tabanca > Novembro de 1970 > Moranças destruídas na sequência do ataque do dia 12, que causou 14 mortos e 45 feridos à população.


Guiné > Região do Oio > Mansabá > Novembro de 1970 > A nova estrada (alcatroada) de Mansabá-Farim

Texto e fotos: © Carlos Vinhal (2006) (ex-furriel miliciano da CART 2732, Mansabá, 1970/72

Caro Luís e Camaradas:

O nosso camarada Vítor Junqueira veio avivar-me a memória, lembrando-me os conturbados tempos da construção do lanço da estrada Bironque-K3 (1). Foram tempos muito difíceis para todos os intervenientes, especialmente para a CART 2732 e CCAÇ 2753 que tinham a dupla função de forças de quadrícula e de intervenção.

Assim segue um trabalho sobre o ataque ao aquartelamento e povoação de Mansabá em 12 de Novembro de 1970.


Ataque a Mansabá em 12 de Novembro de 1970


Foi o terceiro ataque a Mansabá desde a nossa chegada (2). Foi ao escurecer apanhando toda a gente mais ou menos desprevenida.

O último tinha acontecido em 5 de Outubro, provocando a morte imediata a um milícia. No dia seguinte, no reconhecimento à zona envolvente da povoação e aquartelamento, morreu o alferes Couto, vítima do rebentamento de uma mina antipessoal quando a tentava neutralizar.

Desta feita, fomos atacados por um numeroso grupo IN, durante 45 longos minutos, que utilizou para bombardear Mansabá morteiro 60 e 82 e canhão sem recuo. Não faltaram as armas ligeiras (vulgo costureirinhas) para ajudar a desorientar.

As NT reagiram como puderam ao fogo, mas as forças do PAIGC não retiravam. A nossa artilharia começou a varrer a zona e nós, com armas ligeiras, bazucas e morteiro 60 e 81 tentávamos que eles não se aproximassem demasiado do arame farpado.

A determinada altura, e porque a situação ficou fora de controle, foi pedido apoio aéreo para Bissau. Na tabanca, também atingida pelo fogo IN, eram já visíveis vários focos de incêndio e a população, gritando, fugia desordenadamente.

Para sorte nossa o IN acabou por retirar e nós pudemos descansar um pouco, redistribuindo as poucas munições que sobraram e começando a recolher os mortos e feridos na tabanca. Ainda bem que não voltaram à carga, porque não tínhamos praticamente munições e resistiríamos pouco tempo. Se tivessem voltado bem podiam entrar pela porta de armas e apanhavam-nos à mão.

Falando de estragos: uma morteirada caiu junto dos quartos dos oficiais, outra junto à casa dos geradores, outra junto à Secretaria de Comando e outra junto ao bar dos sargentos. O bar dos praças foi mesmo atingido no telhado. A enfermaria foi atingida por canhão sem recuo provocando destruição parcial, seguida de incêndio. Tentou-se fazer corte ao fogo, mas mesmo assim os estragos foram elevados. Pelos alvos atingidos, é de supor que o IN tinha conhecimentos precisos do interior do aquartelamento.

Na tabanca havia muitas moranças a arder e os gritos dos populares eram horríveis. As nossas viaturas, num vaivém constante, recolhiam as vítimas, trazendo-as para o interior do quartel, onde eram tratados os feridos e posto de lado os mortos. Contabilizaram-se 14 mortos e 45 feridos só na população.

Felizmente que na altura tínhamos um médico na unidade e o nosso furriel enfermeiro Marques, que era enfermeiro na vida civil, tinha muita experiência. Havia também muitos militares da nossa CART a quem tinha sido dadas noções de primeiros socorros e enfermagem que se tornaram preciosos na colaboração que prestaram.

O apoio aéreo veio muito mais tarde e sobrevoou-nos muito lá por cima.

Este ataque fez parte de um programa do PAIGC para desestabilizar os trabalhos de construção do último troço que faltava para completar a estrada Mansabá-Farim que nessa altura ia só até ao Bironque. Neste mesmo dia tinha chegado a Mansabá muita gente vinda de outras tabancas com o fim de trabalhar na construção da referida estrada. Como na confusão do ataque muitos fugiram, foi preciso ir no dia seguinte, pelo mato fora, procurar e trazer de volta aqueles que por medo tinham partido.

No dia seguinte recebemos a visita do General Spínola que veio dar apoio moral às NT e fazer acção psicológica junto da população, para que eles não voltassem a fugir e convencê-los a colaborar na construção da estrada, que iria ser um factor de progresso e segurança na mobilidade de tropas e civis até Farim.

Há apenas dois dias, tinha sido reactivado o COP6 em Mansabá para coordenar as forças de protecção aos trabalhos (Operações Faixa Negra). No âmbito deste COP foram criados dois agrupamentos, um de Intervenção e outro de Trabalhos compostos por tropa especial como Companhias de Comandos, Companhias de Caçadores Paraquedistas, etc. A CART 2732 tinha como missão dar apoio logístico a todas as forças presentes, dispor de forças de intervenção e ainda participar na segurança próxima aos trabalhos.

Ao fim de muitos meses de sacrifício, contactos com o IN, accionamento de minas pelos trabalhadores civis, acidentes mortais, etc, esta estrada ficou pronta, passando-se a ir de Bissau ao K3 (na margem esquerda do rio Cacheu) em estrada alcatroada numa distância de mais de 120 Km. Para se chegar a Farim era só atravessar o rio de jangada. Valeu a pena, pois nós próprios ainda pudemos gozar deste conforto.

Carlos Vinhal
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1083: Os Barões da açoreana CCAÇ 2753 (Madina Fula, Bironque, K3, 1970/72) (Vitor Junqueira)

(2) Vd. posts de:

25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLI: A madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

(...) "Na manhã do dia [21 de Abril de 1970], [a CART 2732] seguiu para Mansabá [entre Mansoa e Farim, na região do Oio], onde chegou cerca das 13H00 para render a CCAÇ 2403. Neste mesmo dia, Mansabá foi flagelada pelo IN com morteiro 82 e armas ligeiras, causando 16 feridos na população. Assim estava consumado o baptismo de fogo".

8 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P857: 'Periquito vai no mato': de Bissau a Mansabá, passando por Safim, Mansoa, Nhacra, Cutia e Mamboncó (Carlos Vinhal, CART 2732)

terça-feira, 18 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P968: Memórias de Mansabá (4): A morte do Alf Couto da CART 2732, dia 6 Outubro de 1970 (Carlos Vinhal)

Guiné > Zona Leste > Xitole > 1970 > A temida mina antipessoal PDM-6 (vd caixa aberta), reforçada com uma carga de trotil de 9 kg (as barras do lado direito). Detectada e levantada na estrada Bambadinca-Xitole pelo furriel de minas e armadilhas Guimarães da CART 2716. "Bem, ia uma GMC ao ar, isso sim!...".

Foto: © David J. Guimarães (2005)
Texto do Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA CART2732, Mansabá (1970/72)


Os fatídicos dias 5 e 6 de Outubro de 1970

O Aquartelamento [de Mansabá] tinha sido atacado na noite de 5 de Outubro. Deste ataque resultou a morte imediata de um soldado milícia e ferimentos ligeiros em alguns militares da nossa CART (1).

Na manhã seguinte havia que fazer o reconhecimento da zona envolvente, pois o IN esteve muito próximo e normalmente deixava pistas que, de alguma forma, serviam para recolher ensinamentos para futuros ataques. Além de tudo, por vezes, antes de retirar, o IN deixava armadilhas nos itinerários utilizados por nós e pela população. A acção de reconhecimento competia ao Pelotão de Piquete.

No dia 6 estava de Piquete o 4.º pelotão, cujo Comandante era o alferes Couto que tinha, como eu, o curso de Minas e Armadilhas. Do mesmo pelotão fazia ainda parte o Furriel Sousa, também com o curso de minas.

Por motivos óbvios toda a malta se tinha deitado muito tarde e descansado pouco, mas manhã cedo lá saiu o 4º pelotão para o mato, reforçado pelo meu, o 3.º, para proceder ao dito reconhecimento.

Decorrido algum tempo após a saída dos pelotões, ouviu-se no aquartelamento um estrondo e quase de seguida, pelo rádio, ouviram-se pedidos de socorro para evacuar um morto e um ferido, vítimas do rebentamento de uma mina antipessoal num carreiro no designado Alto de Bissorã. Saíram imediatamente algumas viaturas para trazerem os sinistrados.

Quando regressaram, traziam o cadáver do Alferes Couto. O ferido era o Alferes Bento, comandante do meu pelotão, que também tinha sido atingido ao tentar socorrer o seu camarada e amigo.

O Alferes Couto era um homem com cerca de trinta anos que tinha sido incorporado com aquela idade, quando era tripulante dum navio da Marinha Mercante. Não sabemos a razão de tão tardia ida para a tropa, nem vem ao caso. Sabíamos sim que ele era casado e pai de dois filhotes. Muito comunicativo, pouco adaptado aos cerimoniais militares, apreciava mais o convívio dos soldados do seu pelotão em detrimento dos seus colegas oficiais. Lembro-me de, durante o Curso de Minas na EPE, Casal do Pote, ele passar horas a jogar matraquilhos connosco no Bar dos Praças daquela Unidade. Era um homem simples e superior ao seu estatuto de oficial.

Como operacional na Guiné, julgo que o Alf Couto já tinha neutralizado e/ou levantado algumas minas antipessoais até que chegou o fatídico dia 6 de Outubro de 1970.

As minas PMD6 utilizadas na Guiné eram traiçoeiras e por vezes difíceis de manusear. Algumas com a humidade do solo, e porque eram de madeira, inchavam de tal modo que retirar a espoleta era uma autêntica lotaria. Não se sabe exactamente o que ele pretendia fazer, só se sabe que a determinada altura chamou o Alf Bento para lhe dar ajuda naquela mina. Quando este se dirigia para ele, deu-se a explosão que ainda o atingiu.


Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 (1970/72) > Vista aérea do aquartelamento.

Foto: © Carlos Vinhal (2006)

Eu, que na altura não era operacional, estava na secretaria onde colaborava, no momento em que tudo aconteceu. Pude assim acompanhar junto do rádio o desenrolar dos acontecimentos.

Depois de removido o cadáver do Alf Couto e de o Alf Bento ter recolhido à enfermaria para posteriormnete ser transferido para o HM 241 [Hospital Militar de Bissau], havia que voltar ao local do incidente para continuar a neutralizar as outras minas detectadas.

Recebi então ordem do Comandante da Companhia para avançar e dar continuidade ao trabalho que ficou por acabar. Chegado ao local fatídico, estavam assinaladas duas minas antipessoais guardadas por alguns militares completamente consternados. Ao verem-me, desejaram-me as maiores felicidades.

Como se sabe, ao tempo as minas detectadas davam prémio pecuniário a quem as detectasse e a quem as levantasse, mas como o dinheiro não valia o risco de vida, eu tinha prometido a mim mesmo, durante o Curso, que jamais tentaria levantar alguma mina antipessoal, a menos que fosse impossível rebentá-la no local. Depois da morte do meu camarada Couto mais convencido fiquei de que tinha a razão pelo meu lado.

Assim, comecei por juntar às minas detectadas uns pedaços de TNT, que iriam ser accionados por detonadores pirotécnicos alimentados por cordão lento. Na altura ainda não dispunha de disparador eléctrico. Claro que isto exigiu que eu andasse por ali às voltas. Examinei tanto quanto pude o terreno por onde iria correr enquanto o cordão ardesse e um local para me proteger quando aquilo tudo explodisse. Pus o pessoal em bom recato, peguei fogo ao rastilho, corri e abriguei-me, esperando pelas explosões. Quando estas aconteceram, fui ao local ver o resultado e reparei que, em vez de duas crateras correspondentes às duas minas detectadas, tinha três. Na realidade não havia duas, mas sim três minas, sendo que a terceira não tinha sido detectada e eu não a pisei por mero acaso e sorte. Esta rebentou com as outras por simpatia.

Missão cumprida e retorno ao quartel onde o constrangimento era geral. Ainda estava fresco o cadáver dum camarada, que não veria crescer os dois flhos deixados em casa aos cuidados da mãe, há seis meses apenas. Tinha acontecido a nossa primeira baixa.

A partir deste dia passei a ser operacional quase a 100%, sem no entanto deixar de continuar a colaborar na Secretaria e mantendo a gerência dos bares como anteriormente.

Além disto fiquei com a responsabilidade das actividades relacionadas com as Minas na Companhia, porque o alferes substituto do camarada Couto não tinha o Curso de Minas e Armadilhas. Fiz muitas patrulhas em que o meu Pelotão não tomava parte, porque desde que o 1º ou o 2º Pelotões fossem passar em zonas minadas ou armadilhadas por nós, era exigida a minha presença.

O 4º Pelotão não precisava que eu os acompanhasse pois tinha o meu camarada Sousa numa das suas Secções. Embora houvesse relatórios de implantação das zonas armadilhadas, exigiam sempre a presença de um de nós para assegurar que ninguém da Companhia accionava as nossas armadilhas. Diga-se em abono da verdade que quando o meu pelotão saía e a minha presença era dispensável, eu era poupado. Chamada lei das compensações.

PS - Com especial dedicatória ao nosso camarada bloguista David Guimarães, meu contemporâneo no CTIG e companheiro mineiro.

Guiné-Bissau > Bissau > 2001 > O David Guimarães, na viagem de regresso à Guiné e ao seu Xitole onde foi furriel miliciano atirador, da CART 2716 (1970/1972), com a especialidade de minas e armadilhas (2)

Foto: © David J. Guimarães (2005)
_________

Nota de L.G.

(1) Vd. post de 18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

(...) "É minha obrigação lembrar a memória daqueles que partiram do Funchal e que, por morrerem, não regressaram connosco. São eles:
- Alf. Mil.º Art.ª MA Couto que em 6 de Outubro de 1970 foi vítima do rebentamento de 1 mina A/P;
- Soldado Malcata que em 16 de Maio de 1971 faleceu por motivo de doença;
- Soldado Silvestre que em 17 de Maio de 1971 faleceu por motivo de acidente;
- Soldado Vieira que em 6 de Dezembro de 1971 foi morto numa emboscada;
- e, por fim, Soldado Barbosa que foi ferido na mesma emboscada, acabando por morrer no HM 241 em 17 de Dezembro de 1971" (...)

(2) Vd. posts de
23 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXV: Minas e armadilhas (David Guimarães)

3 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLI: A região do Xitole, por onde andou o Nino... (David Guimarães)

(...) Tocou-me a mim num belo dia. Eu é que ia a comandar o grupo (o Alferes estava de férias). E lá já bem perto de Jacarajá:

- Mina, mina, porra!... E agora!?

Tocou-me a mim: afinal eu é que era o artista. Em Tancos tinham-me ensinado a trabalhar com aquilo: "manga de cu piquinino", protecção feita, suores frios ao sol quente... Bem, lá consegui operar... Tínhamos que comer... Lá ficou o buraco feito e do chão extraí isso que envio em fotografia... Um Mina PMD-6, espoleta MUV, duas barras de trotil de 4 kg, mais aqueles dois calcinhos do mesmo material a 200 gr cada cada um, sendo que dentro da mina lá estavam os 400 gr habituais da carga base onde actuaria o detonador depois de accionada a espoleta...

- Ufa, que merda!... Já está! - e daqui a pouco lá vinha a coluna, o barulho daqueles motores e, à frente, a Daimler do [Alferes] Vacas de Carvalho....

Pronto, e lá ficamos o dia inteiro até que lá a coluna volta a passar, mas de regresso a Bambadinca. Nós, por nossa vez, lá regressamos ao quartel no Xitole.

Mais tarde lá me deram os 300 escudos (prémio por levantamento de material explosivo):

- Pronto, mais um dinheirinho para beber umas bazucas [cervejas] ...

Foi um dia de rotina, um pouco diferente - uma mina sempre é uma mina.....
(...)

domingo, 9 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P948: Memórias de Mansabá (3): A angústia do minas e armadilhas (Carlos Vinhal)


Guiné > Região do Oio > Bironque > Uma mina anticarro, detectada a tempo... e pronta para ser levantada.




Região do Oio > Bironque > Levantamento da mina... Foto tirada à distância regulamentar...


Guiné > Região do Oio > Bironque > O Carlos Vinhal e o Sousa à sua esquerda... Nos dias que correm - de Campeonato do Mundo de Futebol - muito se tem falado da angústia do guarda-redes na hora do penalti... Ora, raramente se tem falado aqui da angústia dos nossos camaradas, Furriéis Milicianos de Minas e Armadilhas, quando se tratava de levantar um engenho explosivo montado pela guerrilha... (LG)


Texto e fotos: © Carlos Vinhal (2006), ex-Furriel Miliciano de Artilharia, com a especialidade de Minas e Armadilhas, CART 2732, Mansabá (1970/72)


Durante uma grande parte da comissão fui encarregue da gerência dos bares do aquartelamento. Por inerência do cargo ia quase todos os meses com o meu camarada Costa, Fur Mil Alimentação, a Bissau para acompanharmos no regresso os reabastecimentos da Cantina e Bares.

As colunas de reabastecimento eram compostas por um número elevado de viaturas de carga civis e militares, carregadas com víveres destinados a Mansoa, Mansabá, K3 e Farim. As viaturas militares de mercadorias eram pertença da Companhia de Transportes Militares e eram comandadas normalmente por um Furriel Miliciano que coordenava também as viaturas civis, alugadas para reforço. A protecção da coluna era assegurada entre Bissau e Mansoa pelas forças de Mansoa. A minha Companhia, por sua vez, esperava ali a coluna de onde fazia protecção até Mansabá e daqui ao K3. As viaturas de carga destinadas a cada aquartelamento iam ficando sucessivamente a descarregar, sendo apanhadas, mais tarde, no regresso da coluna para Bissau.

No dia 3 de Dezembro de 1971, num desses reabastecimentos, chegou, ainda em Bissau, uma informação de que teria sido montada, pelo IN, uma mina anticarro no trajecto entre Mansoa e o K3. Deram-me conhecimento do facto por eu ser o único graduado com o curso Minas e Armadilhas na coluna. Dirigi-me ao comandante das viaturas de reabastecimento, por sinal um Furriel Miliciano recentemente chegado à Guiné, para o avisar de que os condutores das viaturas de carga deveriam conduzir com cuidado, porque a todo o momento poderiam surgir complicações. Julgando que eu estava a amedrontá-lo por ele ser periquito, não me levou muito a sério.

Percorridos cerca de sessenta quilómetros, chegamos a Mansoa sem problemas onde os camaradas da minha Companhia nos esperavam para continuar a escolta até Mansabá. Pela frente ainda tínhamos cerca de quarenta difíceis quilómetros, porque iríamos atravessar uma zona de passagem do IN para o Morés. Neste percurso circulávamos sempre com cuidados redobrados.

Assim se fez e chegámos a Mansabá sem sobressaltos, faltando agora cerca de quinze quilómetros até ao K3. Para chegar a Farim era só atravessar o rio na jangada.

Como eu ia ficar e a coluna continuar, dirigi-me ao furriel da Companhia de Transportes para lhe desejar a continuação de boa viagem, bom regresso a Bissau e uma boa estadia na Guiné. Aproveitou ele para dizer que eu tinha brincado, porque nada tinha acontecido.

A coluna continuou e eu pensava já num bom banho e roupa lavada.

Passado algum tempo, estava eu no quarto quando fui chamado ao Comandante. Afinal sempre tinha aparecido uma mina anticarro. Exactamente no Bironque, num buraco existente na estrada, feito pelo rebentamento de uma outra mina em 16 de Julho de 1971 (1), a qual tinha danificado irremediavelmente a nossa GMC, causando ainda seis feridos, um dos quais com gravidade. O Comandante deu-me ordem para avançar para o local a fim de neutralizar o engenho. Fui chamar o meu camarada Sousa para que ele me acompanhasse na missão e lá seguimos numa reduzida e improvisada coluna até ao local.


Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 ( 1970/72) > GMC destruída por mina A/C no Bironque, a 16 de Julho de 1971.


A detecção da mina deveu-se à informação recolhida em Bissau e ao bom hábito de picar a zona da cratera sempre que ali passávamos.

A coluna tinha interrompido a sua marcha e o furriel da Companhia de Transportes veio logo ter comigo, pediu-me desculpa por não ter acreditado em mim e desejou-me felicidades para a operação de neutralização da mina.

Analisada a situação, afastámos toda a gente para uma distância de segurança e metemos mãos à obra. Por sorte a mina, uma TM42, que possui uma asa própria para transporte, tinha-a acessível sem necessidade de lhe mexer muito. Foi só afastar um pouco de terra com cuidado não fosse estar armadilhada. Atámos-lhe uma corda estendendo esta de modo a, por de trás de uma árvore, puxar a mina até ela se soltar. À conta de alguma força, lá a conseguimos soltar. Para a tornar inofensiva, removi-lhe a espoleta e ei-la em condições de ser tocada e fotografada para a posteridade.

O pessoal reapareceu todo, recebemos as felicitações da ordem e voltou tudo à normalidade.

A coluna continuou o seu caminho até ao K3 e nós voltámos ao aquartelamento para finalmente eu tomar o meu banho e vestir roupa lavada. A rotina no aquartelamento esperava-me (2).

Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732,
Mansabá (1970/72)
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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P890: Uma mina no Bironque (Carlos Vinhal)

(2) Outros posts, inseridos no nosso blogue, relacionados com minas e armadilhas:

26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P911: Uma mina para o 'tigre de Missirá'

24 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P904: SPM 3778 ou estórias de Missirá (3): carta a Alcino Barbosa, com muita intranquilidade (Beja Santos)

21 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P889: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (11): Férias em Portugal


(...) "Terminado o serviço, regressámos e Nossa Senhora nos valeu novamente. Saímos do aquartelamento de madrugada e passados uns 200 metros, ao começarmos a descer um relevo da estrada, no cimo da subida à nossa frente, dá-se um grande rebentamento e surge um grande tiroteio.

"Eu ia logo à frente, atrás dos picadores (picadores eram os rapazes que iam à frente com umas varas, com um ferro na ponta para picar o chão à procura de minas), e deito-me imediatamente para o chão. A árvore atrás de mim fica toda picada com tiros do inimigo. De repente noto que algo se passa de estranho, que havia outro tiroteio cruzado.

"Então o que se passara? Vinha na estrada, em sentido inverso ao nosso, uma secção de milícias nativas. O inimigo tinha na estrada uma mina comandada e montara uma emboscada. Como eles chegaram primeiro à mina foram eles a apanhar com a metralha.

"Resultado: 3 mortos e três feridos graves evacuados de heli Se tivéssemos sido nós a lá chegar primeiro, tinha apanhado eu e os picadores com aquela mina. Durante toda a tarde andei com o caixão daqueles rapazes noUnimog para os entregar às famílias. Ao fim do dia, por causa do calor, o sangue ainda não tinha coagulado" (...).

30 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXII: As minas do nosso descontentamento

26 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLIII: Uma mina na estrada de São Domingos para Susana (Manuela Gonçalves)

(...) "Foi naquela mesmo estrada - de São Domingos para Susana - numa operação de reconhecimento da via, que o Unimog em que o maridão seguia, pisou uma mina anti-carro. No Unimog, uma outra mina anti-carro, levantada cerca de 300 metros antes, era transportada atrás e, por mero acaso, não rebentou, o que teria sido catastrófico para todo o pelotão!

"A mina tinha sido accionada pelo pneu do lado direito, pelo que o maridão foi atirado para fora, em estado crítico, não tendo o condutor sofrido senão pequenos ferimentos, apesar da força do embate!

"Um helicópetro transportou-o para Bissau, tendo acordado uns dias mais tarde numa cama no Hospital Militar, sem uma perna e tendo por companheiro de quarto o capitão Peralta, cubano, cuja captura tão noticiada era nos media de então" (...).

20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (15): um dia negro para a 15ª Companhia de Comandos (Setembro de 1969)

(...) "Na estrada de Fulacunda, mais 8 Comandos e 3 soldados ficaram sem vida. Houve ainda sete feridos graves, entre os quais o meu amigo Zé João, enfermeiro comando. Uma mina anti-carro de grande potência atirou com a viatura cheia de militares, que estiveram comigo em Buba (15ª Companhia de Comandos) contra um tronco de árvore que se debruçava sobre a estrada, matando uma série deles instantaneamente. No buraco feito pela bomba pode-se esconder uma viatura, tal era a sua potência" (...).

11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXX: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (14): De que lado estaria Deus ? (Agosto de 1969)

(...) "As colunas de abastecimento a Aldeia Formosa e povoações limítrofes continuam a dar que falar. Ontem, seguiu mais uma e ao chegar ao Pontão de Uane, uma mina anticarro rebentou debaixo da 14ª viatura, projectando os seus ocupantes a grande altura, pois a viatura seguia sem carga. Três mortes instantâneas, todas de africanos e nove feridos graves, entre os quais dois colegas meus. Foi este o resultado" (...).

26 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias do Xitole ao Saltinho: duas pontes, um fornilho e uma trovoada tropical (David Guimarães)


24 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXVI: Um mês a feijão frade... e desenfiado (Mondajane, Dulombi, Galomaro, 1969) (Carlos Marques Santos)

(...) "No cruzamento para Dulombi rebenta uma mina na GMC que segue à minha frente (nós íamos apeados, fazendo a segurança à coluna que integrava uma nova Companhia em treino operacional e que era de madeiraenses) a cerca de 15/20 metros, destruindo a sua frente. Resultado: um morto (desintegrado) e um ferido (condutor) que faleceu ainda nesse dia.

"Impossibilitados de prosseguir fomos para Dulombi com os reabastecimentos. Aí fomos informados que deveríamos seguir a pé para Mondajane, que atingimos e onde nos instalámos" (...).


22 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXI: Quando até os picadores tinham medo (Mansambo, 1968)
... Às 14.00h a coluna iniciou a retirada, tendo a cerca de 2 Kms da Ponte dos Fulas (XIME 7C-2) sido emboscada do lado Oeste por grupo IN estimado em 40/50 elementos. Esta emboscada foi iniciada pelo accionamemto de uma mina A/C comandada e simultaneamente pelo lançamento de granadas de Mort e LGFog, tendo dois destes últimos atingido duas viaturas GMC, uma das quais ficando imobilizada.

A emboscada foi feita no princípio do regresso da coluna tendo a ela ficado sujeitos o Pel Caç Nat 53 e 2 Gr Comb da CART 2339, durante cerca da 30 minutos, tendo as NT reagido pelo fogo e manobra.

Tratados os feridos, apagado um foco de incêndio manifestado numa das viaturas atingidas, atrelada a que ficara imobilizada, [foi depois] procurado na ausência do PCV contacto com qualquer um dos postos fixos de Bambadinca, Mansambo e Xitole, [tendo-se] conseguido a ligação com este último, por onde foi feito o pedido de apoio de fogo da aviação de Bambadinca – Agrupamento.

"Iniciada a marcha com todo o pessoal apeado, pouco tempo depois nova emboscada IN do mesmo lado da estrada e com os mesmos efectivos e armamento (Mort 60, Met Lig e Armas Aut)(...)


19 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLIX: Cancioneiro de Mansoa (6): O pesadelo das minas

(...) "Na Guerra do Ultramar, em África,
De todos os temores, o mais terrível
Era a mina dissimulada no chão,
Traiçoeira... funesta... invisível" (...)

2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão (Luís Graça)

(...) "E de súbito uma explosão. O sol dos trópicos desintegra-se. O céu torna-se bronze incandescente. O mamute de três toneladas dá um urro de morte ao ser projectado sob a lava do vulcão. E depois, silêncio... Era uma hora e meia da tarde quando o meu relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca" (...).


23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)


(...) "Às 11.25h, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, uma viatura tipo Unimog 411, conduzida pelo Sold Soares (CCAÇ 12) que ia buscar [a Bambadinca] a 2ª refeição para o pessoal daquele destacamento, accionou uma mina A/C.

"0 condutor teve morte instantânea. Ficaram gravemente feridos 1 Oficial (CCS / BART 2917)[Alf. Mil. Moreira] (a), 1 Sargento (Fur Mil Fernandes/CCAÇ 12) e 1 Praça (CCS / BART 2917)(...).

(...) "Regressado ao local das viaturas, o Gr Comb pelas 13.30h recebeu ordens para recolher, tendo o pessoal tomado lugar no Unimog e na GMC em que tinha vindo. Esta última [onde vinham as secções, comandadas pelos Fur. Mil. Marques e Henriques] (d) , entretanto, ao fazer inversão de marcha, e tendo saído fora da estrada com o rodado trazeiro, accionaria uma outra mina A/C colocada na berma, a 10 metros da anterior, e que não havia sido detectada pelos picadores.

"Em resultado de terem sido projectados, ficaram gravemente feridos o Fur Mil Marques e os Sold Quecuta, Sherifo, Tenen e Ussumane. Sofreram escoriações e traumatismos de menor grau o Alf. Mil. Rodrigues, o Sold TRMS Pereira e os Sold Cherno e Samba"(...).



11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXX: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969) (Luís Graça)


(...) "Porquê falar em sorte ? É que eu ia justamente à frente da viatura que accionou a mina, justamente do lado do pendura, com uma perna de fora… À turista, como quem vai num alegre e matinal safari algures num parque no Quénia… A pouco e pouco, o periquito ia ganhando confiança… Com três meses e meio de Guiné, e baptismo de fogo ainda muito recente (...) considerava-me já quase um veterano…

"Recordo-me da viatura: um Unimog 404… Apesar da relativa tranquilidade que nos davam a experiente equipa de 12 picadores que iam à nossa frente com dois grupos de combate apeados, eu tinha recomendado ao condutor do Unimog que seguisse milimetricamente o rodado da viatura da frente… Um desvio de um milímetro podia ser fatal para o artista… O Dalot, que ia a atrás de mim, levava um bicho que tinha dez rodas, dois rodados duplos atrás, várias toneladas de ferro, mais três de arroz… Daquela vez vez foi ele e a sua GMC que voaram… Eu fiquei para a próxima, já lá mais para o fim da comissão" (...).

10 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIX: Estórias do Xitole: 'Com minas e armadilhas, só te enganas um vez' (David Guimarães)

(...) "E lá foi naquele dia o Quaresma, sempre ele, que já tratava por tu essa maldita granada. E como gostava dela, o furriel miliciano Quaresma!

"Mais um dia, e novamente o armadilhamento da entrada. Dessa vez ele até foi contrariado, estava a preparar uma galinha para churrasco, lerpou, não comeu…

"O quadro é simples: ouve-se um rebentamento, só um. O Quaresma é decapitado, o Leones fica cego e sem dedos… Ficámos todos em estado de choque:
-Não podia ser!!! - Mas foi: um parte para a eternidade, o outro é evacuado... O Quaresma desta vez tinha falhado, nunca mais armadilharia na vida" (...)


23 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXV: Minas e armadilhas (David J. Guimarães)

20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho (Luís Graça)