1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Setembro de 2013:
Queridos amigos,
Carlos Fabião, talvez o oficial português que melhor conheceu a Guiné entre 1955 e 1974, deixou vários depoimentos de inegável valia.
Sentiu, em meados da década de 1960, que a guerra se transformara num atoleiro para as nossas tropas; acreditou convictamente que Spínola cativaria as populações e poria a Guiné do nosso lado, foi assistindo à escalada armamentista e não hesita em dizer que se perdera a solução militar, a partir de 26 de Abril todos os dados estavam lançados.
Reitero que todas estas intervenções, cheias de deficiências devido a aspetos técnicos, devem ser lidas no site que se indica.
Um abraço do
Mário
A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas (4)
Beja Santos
A última jornada de trabalho sobre a descolonização da Guiné promovida pelos Estudos Gerais da Arrábidas realizou-se em 11 de Abril de 2002 e o interveniente principal foi Carlos Fabião (1930-2006), membro do Movimento dos Capitães, colaborador próximo do general Spínola e último governador da Guiné. Recordo aos confrades que toda a documentação atinente a estas jornadas de trabalho pode ser encontrada no site (
www.ahs-descolonizacao.ics.ul.pt/guine.htm), de que é titular o Instituto de Ciências Sociais. Esclarece-se novamente que a transcrição destas jornadas têm defeitos de vária ordem, correspondentes a interrupções, conversas inaudíveis, gravação desaparecida, aconteceu de tudo um pouco, é lamentável que assim seja dada a alta qualidade dos participantes, protagonistas da descolonização da Guiné.
Carlos Fabião, talvez o oficial português com melhor conhecimento da realidade guineense, começa por referir o seu currículo militar, incluindo as diferentes comissões que fez na Guiné. Chega à colónia em 1955 e aqui permanece até Março de 1961. Volta a Lisboa e é mobilizado para Angola, segue no Batalhão 132, já como capitão. Em 1965, faz nova comissão na Guiné. É questionado sobre o teatro de operações, e descreve-o:
“A situação já é muito má. Quando eu cheguei à Guiné, havia entre os indivíduos que aqui estavam e os que chegavam uma rivalidade estúpida: os que tinham já feito Angola, os que ainda não tinham feito Angola. O chefe do Estado-Maior perguntou-me se eu já tinha estado em Angola, respondi-lhe afirmativamente, disse-me para esquecer tudo o que tinha aprendido lá”. Vai permanecer na Guiné até 1965. Volta para a Guiné em 1669.
Spínola modificou drasticamente a quadrícula, impôs a aproximação às populações, reservou para o Comando-Chefe as zonas de intervenção onde só iam as tropas especiais. Spínola decide uma nova conceção para as milícias, quer que passem a ter uma estreita ligação às populações a que pertenciam. Fabião não regateia elogios a esta primeira fase de Spínola e como mudou dispositivos, como gerou hábitos de auscultação das populações e como foi bem-sucedido com os congressos do povo, talvez o seu maior êxito na política social:
“Spínola criou na Guiné uma maneira de estar em África que eu considero que foi o mais extraordinário que ele fez, pôs a manobra militar subordinada à manobra política. Fez uma guerra política em que a manobra militar servia só de suporte”. E criou as aldeias junto às lavras. Fabião é questionado sobre o estado de espírito no teatro de operações antes do 25 de Abril. Tem uma resposta pronta:
“A Guiné estava perdida. O 25 de Abril evitou um desastre militar na Guiné”. E pede para que as suas declarações subsequentes sejam eliminadas na transcrição.
Retomada a conversa, Fabião descreve a iniciativa de Spínola para se encontrar com Senghor, ambos analisaram uma proposta de acordo, Senghor foi firme: descolonização em dez anos; cessar-fogo imediato; pôr a diplomacia internacional a colaborar nesta solução pacífica. A fama de negociador chega aos altos comandos conservadores, por exemplo o general Câmara Pina envia-lhe uma carta apelando um retorno à bandeira. Segue-se o Congresso dos Combatentes, os ultranacionalistas fizeram uma jogada para exigir a continuação da doutrina monolítica. Os slogans do congresso eram do tipo:
“As pátrias não se discutem, defendem-se”, “Alerta, há inimigos escondidos no altar de Deus”, “Ninguém aprova o desmembramento do seu corpo. Portugal também não”. Muitos antigos combatentes foram aliciados para comparecer no Porto, seria uma forma de reavivaram a camaradagem.
Em 1971, Fabião é responsabilizado por Spínola para encontrar um novo enquadramento para as milícias, foram fundamentais para a arrancada no Sul, quando Spínola decidiu no fim do ano de 1972 a reocupação do Cantanhez. A conversa direciona-se para a operação “Mar Verde”. Fabião comenta:
“Spínola tenta de todas as maneiras a vitória militar. A “Mar Verde” é encarada como a hipótese de ganhar a guerra” e explica o que correu bem e o que correu mal. A partir do momento em que não foram destruídos os MIG, havia que regressar o mais cedo possível a casa. Critica a má qualidade das informações da PIDE/DGS. E a seguir a conversa centrou-se nos acontecimentos a seguir ao 25 de Abril. Senghor pede a Spínola para enviar um emissário a Paris, seguem Fabião e Nunes Barata. O presidente do Senegal declara estar disposto a ajudar Portugal na descolonização, a independência da Guiné-Bissau é já um dado indiscutível, a OUA ficaria extremamente agradecida. Spínola não comenta os apelos de Senghor. Fabião chega a Bissau no início de Maio, sente que não há condições para se realizar um Congresso do Povo como Spínola pretende. O PAIGC ameaça retomar prontamente a guerra.
O que passa agora a estar em discussão é se o modelo da descolonização portuguesa fora dado pela descolonização da Guiné. Fabião retoma as suas observações sobre a especificidade dos acontecimentos na Guiné, continuar a guerra era inviável, não encontrara uma fórmula de negociação com o PAIGC para o cessar-fogo teria redundado num desastre. Fabião veio a Lisboa e Spínola ter-lhe-á apresentado hipóteses que ele considerou delirantes: criar-se um Vietname ou criar-se uma Coreia, Fabião terá dito a Spínola:
“Eu isto não faço, não pense. E vou-me embora”. Spínola volta a insistir no Congresso do Povo, medida sem pés nem cabeça. O próprio Comandante Militar, General Galvão de Figueiredo foi perentório:
“Diga ao general para não pôr aqui os pés”. Decorreram bem as negociações com o PAIGC, acordou-se que eles ocupariam alguns destacamentos e que depois, de forma progressiva as tropas portuguesas iriam regressando a Bissau.
Fabião é confrontado pelos moderadores sobre a dimensão das áreas chamadas libertadas, referindo que mesmo nos santuários como Sara-Sarauol, Morés, Cantanhez, o PAIGC era forçado à mobilidade e à dissimulação, se assim não fizesse a aviação destruía tudo, liquidava civis e militares. E, por fim, veio à baila a especificidade da guerra na Guiné: clima e tensão, a penosidade dos abastecimentos, as terras alagadas e o inimigo agressivo. Fabião comenta a mentalidade daquela guerra, o estado mórbido que se desenvolvia nos militares:
“A gente na Guiné dizia que o clima jogava a nosso favor. Só quem o vive é que pode adivinhar. A gente está no quartel e o quartel é atacado todos os dias, ou dia sim dia não, e um tipo habitua-se àquilo. De repente, o quartel começa a ser atacado de cinco em cinco dias e eu, a partir do terceiro dia, já não durmo. Já não durmo porquê? Porque devia ter sido atacado na véspera e não fui. E, às vezes, os tipos estão dez dias sem atacar. A partir do sexto ou sétimo, já ninguém dorme. Tem que haver um ataque, tem que haver. Se não for esta noite é a de amanhã. Se não é a de amanhã, é a outra. Mas tem que haver”. É um depoimento significativo de quem conheceu a Guiné pacífica dos anos 50, conviveu com as diferentes fases da guerra e ali esteve como último governador, sujeito a pressões incríveis, procurando remediar soluções honrosas e tendo procurado levar por diante o espírito do Acordo de Argel.
Paquete Carvalho Araújo, pintura de Fernando Lemos Gomes: postal adquirido na Feira da Ladra, deu para lembrar as viagens que nele fiz: em Outubro de 1967, a caminho de Ponta Delgada; Março de 1968, regresso de Ponta Delgada a Lisboa; Agosto/Setembro de 1970, de Bissau a Lisboa, passando pelo Sal e São Vicente e Ponta Delgada. Terei muito gosto em oferecer este postal a quem for colecionador.
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Nota do editor
Vd. postes da série de:
7 de Fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12688: Notas de leitura (560): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 1 de 4 (Mário Beja Santos)
10 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12705: Notas de leitura (561): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 2 de 4 (Mário Beja Santos)
e
18 DE FEVEREIRO DE 2014 >
Guiné 63/74 - P12737: Notas de leitura (565): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 3 de 4 (Mário Beja Santos)