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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9440: Nós da memória (Torcato Mendonça) (8): Segundo dia em Bissau - Fotos falantes IV

Porto de Bissau - Local de protesto






1. Texto do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória", ilustrado com fotos falantes da sua IV série.





NÓS DA MEMÓRIA - 8
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

4 – BISSAU

O segundo dia de Guiné chegou. Estivera de serviço no primeiro. Agora procurava alojamento em Santa Luzia.

Sentia fortemente o apelo, o chamamento da cidade que no dia anterior atravessara. Mal a vira quando pelas ruas passei. Eram imagens demais, novidades pela diferença, para tanto ter fixado. Sentia o forte desejo de lá voltar e ver como era.
Bissau era de facto logo ali e, pouco depois estava a descer perto do antigo Forte da Amura. Recordo, não sei se mal, que logo em loja ali perto comprei uma máquina fotográfica.

Vícios velhos e, como esquecera a minha em Portugal, escolhi esta nova e boa companheira para muito tempo. Muitas e boas recordações me propiciaram.

Depois corri para o porto. Queria ver aquelas águas, o Pidjiguiti - sabia o que lá se passara anos atrás -, os barcos e aquela paisagem apressada da véspera e, se possível, fixá-la. Para isso tive que atravessar a baixa e demorei-me a ver a arquitectura dos edifícios, as gentes em passagem alegre com os seus vestidos multicolores. As vozes, as conversa ininteligíveis para mim e pensava: eles estão certos e nós, em quinhentos anos, nem a língua cá deixamos. Depois pensava ser erro meu. Era um excesso de facto.

Continuava deambulando ao acaso e surpreendia-me, como na véspera dera para ver, pela grande quantidade de militares… safa parece uma parada de quartel.

O porto visto, e fixado pela máquina, lá segui, calma e gostosamente, avenida acima até ao Palácio do Governador. Sentia os novos cheiros, o calor, as gentes e tudo era novo e diferente. Sentia-me bem. Claro que se devia a ser, por temperamento, eterno curioso pela novidade. Hoje menos e só neste momento reparo em tal.

O tempo passou célere e passado o dia seguinte, também gasto em visitas, veio o quarto e último desta primeira estadia em Bissau. Nesse quarto dia veio a preparação para a partida para o Leste.

Voltamos ao porto, ao rio e a uma enorme LDG onde embarcamos. Engoliu-nos como se nada fosse com ela.

LDG - Transporte de carga diversa até ao Xime

O Geba era um Tejo sem Tágides e larguíssimo. A LDG subia rio acima e as margens iam-se apertando naquela viagem de algumas horas. Os velhos, os que muitas viagens tinham feito, iam dando explicações: passamos o Porto Gole e o Corubal não tarda.

De facto, pouco depois aí estava o Corubal a entrar Geba adentro e a mata densa a estar bem perto.
Não sabia que, tempos depois por ali andaria. Fora uma zona muito visitada por nós e muitas operações ali fizemos.

Pouco depois aí estava o Xime o porto do Leste. Por ali passava a quase totalidade de homens, abastecimentos e armamento.

Porto do Xime e manobra de barcos de calados diferentes

Abicamos num porto rudimentar e estávamos em terra.

O trabalho, o nosso trabalho, ia começar.

Estaríamos preparados? Claro que não e seria impensável estar.

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9429: Nós da memória (Torcato Mendonça) (7): Finalmente Bissau - Fotos falantes IV

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9429: Nós da memória (Torcato Mendonça) (7): Finalmente Bissau - Fotos falantes IV

Finalmente Bissau - Palácio do Governador






1. Mais um texto do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória", ilustrado com fotos falantes da sua IV série.





NÓS DA MEMÓRIA - 7
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

3 - GUINÉ

Difícil para mim falar daqueles dias – dois ou três – depois da chegada à Guiné ou, mais concretamente, a Bissau.

O desgaste provocado pelos anos, a influência posteriormente sofrida pelo que vi e vivi, fiz e mandei fazer pode, de algum modo, deformar a maneira como recordo esses tempos. Talvez mais forte, mais determinante no arrumar de ideias, seja o que, principalmente e ultimamente, tenho lido neste nosso blogue. Há palavras, frases que se escapam ao politicamente correcto, digamos assim, e vêm-nos dizer tanto. São libertações de sentimentos reprimidos, vãs tentativas de se parecer cordeiro vestindo a sua pele sobre corpo de lobo velho ou novo. É natural que assim seja.

Eu, tu ou muitos “eles” podemos pensar de modo diferente. Porquê? Somente porque não fomos os agredidos, os humilhados e ofendidos, os despojados ou desalojados mesmo de poderes injustos e efémeros.

Eu, tu ou muitos “eles” voltamos e tentamos esquecer. Impossível fazê-lo totalmente. O mais forte, o que mais nos marcou ficou para sempre Será o infinito a apagar tudo isso.

Temos algo em comum eu, tu ou muitos “eles”: - Não esquecer, jamais perdoar as cobardes injustiças e colocar cada um em seu lugar.

Quando aqui escrevi, talvez a segunda vez, disse-o. Mantenho e assumo.

Temos igualmente em comum o gosto por aquela terra e aquelas gentes das Tabancas.
Contudo o elo mais forte entre nós é o termos sido combatentes. Termos passado por situações difíceis, termos dialogado com a morte e a sorte. Muitos quase a deixaram de temer, ou, em momentos de quase desespero quase a desejaram. O medo? O medo era uma constante e inesperadamente desaparecia como por magia, não existia tempo para ele e surgiam os automatismos treinados quase até à exaustão. Lembras-te? Claro que sim.

Seria o saber da incerteza do momento seguinte, a incerteza como hoje aqui relato essa parte do passado que nos leva a falar, a apelar à memória para fiel, o mais fielmente possível, contar a versão subjectiva, sempre subjectiva, de tudo o que se passou.

Não sei! Mas ouso fazê-lo honestamente.

Ressalvo o tudo e fico no muito. O tudo não por ser impossível.
Fiquemos no muito, na recordação, na subjectividade e no possível

 A Sé

Forte da Amura

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9419: Nós da memória (Torcato Mendonça) (6): África, adeus - Fotos falantes IV

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9419: Nós da memória (Torcato Mendonça) (6): África, adeus - Fotos falantes IV

Bissau > Cais da Marinha ou o Repouso da Marinha





1. Em mensagem do dia 26 de Janeiro de 2012, o nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), enviou-nos este texto para integrar os seus "Nós da memória", ilustrado com fotos falantes da sua IV série.





NÓS DA MEMÓRIA - 6
(…desatemos, aos poucos, alguns…)


2 – ÁFRICA, ADEUS!

(Parece plágio, creio que não)

Fotos Falantes IV

Sabia que não podíamos contrariar a História. Só não sabia quando.
Despedia-me agora de Lisboa sem com isso me preocupar. Partia como soldado em defesa do nada, de muito ou, isso sim, do desconhecido.

Em gelada manhã de Janeiro, meio escondidos como se de nós tivessem vergonha, juntamo-nos à beira Tejo no Cais da Rocha Conde de Óbidos e dali embarcamos, a custo para muitos e em desgosto para muitos mais que em terra ficavam acenando lenços, limpando uma lágrima mais incómoda, gritando um último chamamento. Triste a despedida, são sempre tristes e muitas vezes dispensáveis. Considerava esta sem interesse e, por isso mesmo, pedi para ninguém familiar ou amigo lá ir.

Lá fomos, no “Ana Mafalda”, quebrando ondas, deixando a terra a perder-se no horizonte e vendo só o oceano à volta. Sentia, com o correr dos dias, o ar a aquecer e o mar a mudar.

Finalmente o esperado grito:
-Terra. Cabo Verde, Ilha do Sal, Pedra Lume.

Para mim uma paisagem quase lunar. Paragem breve só para carga e descarga.

Levantou ferro o “Ana Mafalda” rumando ao continente, à Guiné de incógnita e temor, de destino imposto e não desejado.
Sulcava o barco pelo mar calmo e quente, o calor a aumentar e, em igual proporção, a curiosidade e ansiedade a aparecerem mais fortes, mais expectantes, tornando-nos menos faladores e mais mudos observadores.

Na madrugada seguinte o Continente, meio enevoado, surgia na linha do horizonte, cada vez mais perto e a mostrar-se com mais nitidez. Veio a informação:

- Ponta de Jeta, já estamos em mares da Guiné.

Pouco depois o estuário do Geba a ser fendido pela proa do barco. Os olhares a tudo devorarem e África já ali. Bissau a aparecer pouco depois e o calor tão forte a ensopar os corpos.

Recordo mais fortemente uma palavra talhada na alvenaria decrépita num velho casarão: Nosoco. Veio a informação. Era de um armazém de uma empresa francesa. Há anos que abandonara a Guiné.

Devagar navegava o barco e, a bombordo, aparecia o porto, o cais, a cidade. A estibordo o ilhéu do Rei, como a seguir soube o nome. Do alto, de todo o lado, vinha o calor e aquela humidade pegajosa que se colava á pele.

Paramos e esperamos maré. Depois foi o desembarque sem pressas e atravessamos a cidade só parando junto a enormes barracões.

Esperamos.
Não tardou veio a ordem de ali arrumar tudo e esperar.
Ordens a virem, ordens a saírem e o primeiro aquartelamento estava montado.
A noite quente, húmida, diferente, veio e com ela o cansaço.
E agora? Agora? Vamos ver, vamos esperar…

Porto de Bissau > Local de protesto

Uíge, o engole militares

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9408: Nós da memória (Torcato Mendonça) (5): Fado no Império - Fotos falantes IV

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9408: Nós da memória (Torcato Mendonça) (5): Fado no Império - Fotos falantes IV

Fados no Oceano

Foto ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados





1. Em mensagem do dia 25 de Janeiro de 2012, o nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), enviou-nos um texto para integrar os seus "Nós da memória", mas ilustrada com fotos falantes da sua IV série. Promete.





NÓS DA MEMÓRIA - 5
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

1 - Fado no "Império"
Fotos Falantes IV

Necessitava, para “desatar” mais uns nós da memória, de um qualquer auxílio.
Seleccionei algumas dezenas de slides e serão eles o auxílio pretendido.
Não sinto vontade em continuar a falar – escrever – sobre a “guerra pura e dura”, não, isso não.
Voltarei? É possível. Nunca digas nunca.

Suspendi o relato, a minha descrição, sobre a “Lança Afiada”. Descansa num dossier. São muitas folhas e não as quero como outras na lareira.

Antes de começar a escrever fiz breve visionamento dos slides, ora seleccionados, e um deles chamou-me a atenção. O Fado cantado em alto mar, o nosso fado, o destino de um Povo aqui em regresso de serviço prestado à ditosa Pátria.

Este, que aqui pelos ares atlânticos se perdia, não era certamente o fado triste das vielas de Lisboa e de seus amores e desamores. Não. Este teria certamente a música plagiada de um desses fados. A letra seria sobre a vida dos soldados em regresso à velha capital do Império, algo sobre a sua estadia de dois anos na Guiné, dois anos de uma juventude interrompida.

Era o regresso, o regresso das últimas caravelas. A rota seria a mesma, pouco importando os ventos e marés e, em tudo o mais diferente, quer na ida ou no regresso dos mesmos homens agora mais velhos, precocemente mais velhos, muito diferentes dos jovens da ida. O País esperava-os para deles se desenvencilhar rapidamente. Seriam peças descartáveis da máquina trituradora daquela geração. País virado ao mar e ao umbigo de minoria, País de sonho irrealizável, teimoso e bolorento nesse e noutros quereres.

Continuava virado a ilhas, a áfricas e ásias onde, a sua bandeira tremia há séculos, por terras conquistadas e mantidas com impossíveis por tão diminuta gente. Uma ocupação de conveniência.
Séculos de ocupação, de exploração para beneficio de minoria de seu Povo ou, pior ainda, para gentes de outros Países que, em conjunto com a pequena elite deste nosso rectângulo, usufruíam os proveitos desse estar e explorar terras e bens de outras gentes, impondo sofrimento, dor e humilhação.

Usavam a fé, os novos saberes da tecnologia, da cultura desrespeitadora da desses povos e não queriam entender, por não lhes interessar, que isso nada a tais gentes beneficiava. Eram gentes que nunca foram assim, em suas terras, cidadãos inteiros de um espaço que errada e enganosamente se dizia ser: - pluricontinental e multirracial do Minho a Timor. Por muito que hoje se duvide, outrora, poucas décadas atrás, muitos nisso acreditavam ou ainda acreditam.

Certo é que houve minoria, dessa gente oprimida, que desse colonialismo se libertou. Talvez, esses mesmos que de tais práticas se iam libertando, contribuíram para que os impérios se fossem desmoronando e um dia muitos, muitos mesmo ou quase todos pensaram serem livres, serem cidadãos inteiros e, mesmo apressadamente, dos velhos senhores se libertaram.

Erro deles, saíram de algo que lhes era imposto, algo que os oprimia e, sem disso se aperceberem logo noutras opressões, noutras servidões impostas por outros senhores, deles irmãos, caíram. Ainda esperam, hoje, por um novo mundo, um mundo mais livre, fraterno e sem tanta desigualdade.

Ah, ah… os últimos soldados do império? Esses, quase a totalidade, depois de serem descartados, ignorados e esquecidos vão desta vida se libertando. Não pesam pois, num Olimpo qualquer onde peso não interessa e, se algo deles cá fica, serve para outros comemorarem e relembrarem o nada em conforto de egos. Fica ou cai bem. Por vezes não, por vezes o lauto almoço, que, de um modo geral se segue excede os cuidados a ter com idades e maleitas próprias.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9295: Nós da memória (Torcato Mendonça) (4): Ano Novo; Ano Velho e Toca o Mesmo

sábado, 31 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9295: Nós da memória (Torcato Mendonça) (4): Ano Novo; Ano Velho e Toca o Mesmo

Quotidiano em Candamã
Foto ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes) 2011. Direitos reservados





1. Em mensagem do dia 26 de Dezembro de 2011, o nosso camarada Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), enviou-nos o segundo texto para publicação na sua série "Nós da memória".





NÓS DA MEMÓRIA
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

4 - Ano Novo; Ano Velho e Toca o Mesmo

Passou o Natal de 68.
Com tão grandes festejos, com os calorosos carinhos e as prendas do Pai Natal, estavam as gentes de Mansambo prenhes de alegria.
Até os picadores e seus familiares, mesmo sendo muçulmanos, com os militares estavam solidários.

Só que o trabalho continuava. A guerra não tinha fechado o portão. Esquecimento? Nada disso, os portões só se fecham quando a guerra entra em letargia e pára aqui para começar acolá.
Assim: - em 28 de Dezembro viemos para Bambadinca preparar mais uma louca coluna de abastecimentos ao Saltinho/Xitole. Louca porque era composta por muitas viaturas, civis e militares, passando por estradas e picadas entre Bambadinca, Galomaro, Dulombi, Quirafo, Saltinho e Xitole. A chegada era à noitinha ou já noite e na madrugada seguinte estávamos de regresso. Eram dezenas de quilómetros - itinerário alternativo - para não fazer dezassete entre Mansambo e o Xitole. Não era fuga a portagens, nada disso. Aquele troço de estrada estava encerrado para obras de desminagem e afins. Além disso quando foi aberto levou mais tempo, com tropas por terra e ar. Faltou a Marinha devido ao assoreamento do Galoiel e o Corubal ter uns rápidos em bela e traiçoeira paisagem.

Nesta coluna, de itinerário alternativo, só ia o 2.º GCOMB, mecânicos reforçados, picadores e os militares da Manutenção Militar. Em caso de emboscada respondiam uns, por avaria auto outros e mais outros quanto aos comes e bebes transportados. Tudo ligado mas com tarefas distintas e de preferência sem interferências Era uma maravilha.
O regresso era, se possível, de prego ao fundo.

A 30 de Dezembro já estávamos de regresso a Bambadinca, em trânsito para Mansambo. Para não arrefecer ânimos, no dia seguinte depois de breves preparativos partimos, em visita de cortesia certamente, para a Moricanhe onde estava sediado um Pelotão de Milícia. Visita e salamaleques feitos, regressámos a quartéis.

À noite, a noite de fim do fim de 1968 ou só 68 – assim o relator não parece tão velho – e de entrada em 69 (ano), houve uns tiros e, por acidente na resposta, um militar ficou ferido. Era do 2.ºgrupo. Como era um “faz de tudo” fora destacado para manobrar os geradores eléctricos, de marca Lister, creio eu e alemães. A EDP nada tinha a ver com aquilo e chineses estavam do outro lado daquela barricada. Outras vidas…

O militar foi evacuado no outro dia para Bissau. Nós seguimos para a Tabanca em auto defesa de Candamã.

Lá fomos, naquele primeiro dia de 69, fazer segurança a um pequeno Grupo da Engenharia de Nova Lamego, comandado pelo Furriel Zamite (?). Isto se bem me lembro e as breves notas da agenda estão correctas. Eles iam reconstruir um pontão entre Candamã e Musa Iéro, o pontão da Chanca, que os nossos inimigos de outrora tinha escaqueirado. O outrora fica bem, não fica? Outrora?

Mobilizada a população, sempre os que pagam as crises, para uma ajuda, as moto-serras a trabalhar - perigoso o ruído na mata - o saber das gentes da Engenharia e lá se reconstruiu rapidamente o pontão.

No dia 3 de Janeiro estávamos de regresso a Mansambo, depois de, ainda em Candamã, um militar ter ficado com ligeira queimadura. Acidentes ou azares.
Aí estávamos nós, ao fim da tarde de regresso a “casa”, com correio e roupa lavada à espera.
Talvez nos tenhamos apressado no regresso pois o IN atacou, pelas 20/21 horas, Mansambo. Seria o normal. Este não foi. Provocou um ferido grave e o primeiro morto do nosso grupo. Triste recordação.
Eles certamente tinham ido cheirar a zona do pontão ou foram para a picada Candamã/ Mansambo à nossa espera. Viemos primeiro. Que pena não termos ainda os obuses 10.5. Que pena pois eles certamente gostariam.

No outro dia, já na igreja de Bambadinca (desconhecia aquela construção) assisti à colocação do corpo do meu camarada na urna.
Curioso, talvez não, ainda recordo bem a cena. Logo já continuo. Um café, agora.

No dia seguinte, a 5 de Janeiro, apanhei boleia numa DO para Bissau. Vinha gozar o meu segundo e último período de férias.
Ninguém diria certamente que a “produção” destes militares não era boa.

Perspectivava-se um Bom Ano Novo. Outrora como agora é o que sempre desejamos. Não é? Acredita camarada, acredita pois não há mal que sempre dure.

PARA TODOS UM BOM 2012. O de 69 há muito que se finou.
Vai ser um Bom Ano, este de 2012 e com os Votos do T.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9265: (Ex)citações (167): Vagomestria(s) (Torcato Mendonça / José Brás)

Vd. último poste da série de 17 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8917: Nós da memória (Torcato Mendonça) (3): Baguera, baguera e Desconforto

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8917: Nós da memória (Torcato Mendonça) (3): Baguera, baguera e Desconforto





1. Em mensagem do dia 14 de Outubro de 2011, o nosso camarada Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), enviou-nos o segundo texto para publicação na sua série "Nós da memória".





NÓS DA MEMÓRIA
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

3.1 - Baguera; Baguera

Aprontava-se o Sol para esfregar os olhos iniciando aquele dia e já eles estavam a caminhar.
Progressão cuidada, guias e um Grupo à frente e o dele logo atrás. O ruído da mata, o chilrear da passarada sossegava-os.

Entravam numa zona que fora cultivada de arroz e passaram para o cimo do muro de terra, entre os canteiros. Cuidados redobrados, passos mais lentos e os olhares a entrarem mata fora.
De repente, como sempre, um estrondo brutal um pouco atrás dele, o rebentar do tiroteio. Deitaram-se na espalda do muro para resposta pronta à emboscada, os gritos, o estranho som do chicotear de algumas balas no lado da emboscada.

- Que merda é esta?
- O carregador balanta a apontar para umas árvores atrás deles.
- Fogo, “rega” além com a MG, fogo…

Após as primeiras rajadas algo caiu com estrondo de uma árvore.
- Era macaco, dá mais uma ou duas rajadas… e pronto…

Minutos depois, ou uma eternidade depois, o silêncio só quebrado pelos gemidos dos feridos.
Sai, sai. Já pediram evacuações.
Agarrou no Furriel e carregou-o com as armas para o riacho à frente, os gemidos dele, o querer dizer algo e a resposta que ele dava para o animar. Pararam, deu-lhe água e ânimo, talvez só um olhar e um sorriso.

Dirigiram-se para o pequeno riacho quase seco e atolou-se na lama com o peso duplo de cada perna.
Surgiu então o grito: - baguera, baguera (abelhas). Parou, tentou cobrir a cabeça e cara do Camarada com o protector – um carapuço de tule ou tecido de mosquiteiro que enfiavam na cabeça. O cheiro do sangue trouxe-as mais irritadas e ele com o cabelo rapada e as ferroadas, a lama e, finalmente, o grito da ajuda.

Deixa uma arma porra. Eu levo o Furriel. Caminharam para o possível lugar da evacuação. O enfermeiro ia tratando aquela meia dúzia de feridos e o guarda-costas tirava os ferrões da cabeça dele.

Informou-se melhor do que se havia passado e a raiva veio forte, muito forte. Calma, porra. Tem calma logo os vingas. O cigarro indevidamente acesso.

Uma voz veio do lado dele:
- Não era macaco o cabrão e era mais do que um.

Riram…


3.2 - Desconforto

Já tinha ano e meio de Comissão. Sim ano e meio.
Estava farto, farto, farto. Que tédio.
De quando em vez a rotina era quebrada por uma noite de Loto. Santa Luzia animava-se então. De quando em vez interrompia-se o grito dos números pelo grito do vencedor. Tudo alegre e sorridente. Breve intervalo e novo jogo.

Havia outros, claro. Havia outros e tinham noites diferentes.

Poucas. Uma pasmaceira. Horrível viver naquelas condições. Ano e meio sem conforto, sem nada e já viera duas vezes de férias á Metrópole. Felizmente.

Diariamente era a Repartição, a papelada, aquela barafunda toda, os pedidos aborrecidos, chatos, de quem estava no mato e ele nem sabia onde. Que esperassem. Não esperava ele por lhe arranjarem o frigorifico, limpar o ventilador do ar condicionado ou outras faltas. Uma bagunça aquela Repartição.

Tudo era uma bagunça, um desconforto horrível naquela terra, naquele Quartel-General ou o que era. Até a casa onde estava instalado. Imprópria. Quando muito dava para duas pessoas. Estavam quatro, quatro oficiais – três Alferes e um velho Capitão do SGE. Ressonava o Capitão. Talvez o peso dos galões lhe tivesse entupido os cornetos.

Pior era o frigorífico. De quando em vez ou por carga excessiva ou pela electricidade não arrefecia o suficiente. Horrível viver assim.
Ainda faltavam seis meses, seis longos meses.

Mas já saíra de Bissau. Fora, com um Piloto amigo de infância, a Bolama e a Farim. Não gostara nada. Só a paisagem vista por detrás da janela da DO.
Ouvira ainda, raramente, o som de rebentamentos lá longe. Uma vez disseram-lhe ser em Tite. Assunto a ser resolvido por outros.

Esquecia-se, como acontecera na noite passada. Uma vez por semana, geralmente à sexta-feira, ia com amigos jantar ao Solar dos Dez. Acontecera na noite passada. Bebera demais, talvez. Certo é que se deitara e adormecera docemente ao som do Bolero de Ravel…

Acordara mais bem-disposto. Talvez da música e do sonho. Pequenos luxos naquele horrível fim de Mundo.
Um dia, quando voltasse teria muito que contar aos amigos daquela terrível guerra e logo a da Guiné.
Ficava triste ao recordar os amigos e amigas,

Que mês era? Julho… pior… Seis meses naquele fim de mundo…
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8873: Nós da memória (Torcato Mendonça) (2): Retaliação

sábado, 8 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8873: Nós da memória (Torcato Mendonça) (2): Retaliação





1. Em mensagem do dia 7 de Outubro de 2011, o nosso camarada Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), enviou-nos o segundo texto para publicação na sua nova série "Nós da memória":





Mansambo > Torcato Mendonça com Braimadicó, CMDT do PAIGC, com quem trabalhou durante a Operação Lança Afiada
Foto de Torcato Mendonça, editada por Carlos Vinhal


NÓS DA MEMÓRIA
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

2 - RETALIAÇÃO

Não apareceram do nada. Não.
Vieram num regresso de raiva. Vieram dos lugares para onde os haviam empurrado. Fundamentalmente vieram dizer que estavam vivos, fortes e prontos a lutar. Vieram dizer que nunca os seus Inimigos, os Colonialistas, teriam descanso naquela Terra. Vieram em vingança contra a destruição sofrida com a Operação “Lança Afiada”, ao descrédito e humilhação suportada com a destruição das ditas “Zonas Libertadas” e à fragilidade de suas defesas.

Só que ao aparecerem agora, assim, em força, quiseram dizer ter havido mau planeamento, fugas de informação, má condução daquela Operação no terreno por parte das NT (Nossas Tropas). Algo decorrera menos bem.

Vieram, então, retaliar pelos danos causados e a afronta sofrida.

Era Março, Março de 69, perderam certamente - as NT - mais de um mês a planear, a preparar, onze longos dias a executar a Operação no terreno e, posteriormente, demasiados a recuperar, a fazer relatórios e análises, a arrotar o efeito de uma triste vitória. A maioria que o fazia por lá não tinha andado. Hábitos que se mantinham.

Eles, o IN, furtaram-se a grandes combates. Emboscadas e flagelações aqui ou acolá, estrategicamente nos locais apropriados pois eram bons conhecedores do terreno. Depois continuavam, noite fora, cambando livremente o Corubal. Transportavam populações em atraso de fuga, militares feridos e salvavam ainda alguns haveres e armamento. Pode parecer estranho mas no outro lado, na margem esquerda do Corubal, não havia tropas especiais emboscadas. Era a guerrilha sem a contra guerrilha. Regressavam certamente alguns a juntarem-se aos que tinham permanecido perto dos apelidados “Santuários”, os míticos Baio, Buruntoni ou Fiofioli. As NT entravam quase livremente banalizando o dito poder das bases IN. Destruíam infra-estruturas, culturas, celeiros, escolas e postos sanitários ou mesmo um hospital no Fiofioli, armamento escondido em locais denunciados pelos prisioneiros. Alguns elementos das populações eram aprisionados para serem levados nos hélis dos abastecimentos. Outros, devido à idade eram deixados por lá entregues à sua sorte.

Baixas ao IN, aos militares do PAIGC e cooperantes internacionalistas ou mercenários, foram causadas poucas, muito poucas. Uma dúzia - confirmadas - ou nem tanto. Voltaram as NT a quartéis depois do Soldado Português ter suportado estoicamente longos dias de sede, de má alimentação, de temperaturas de mais de quarenta graus à sombra e superiores a setenta ao Sol. Era Março, Março de 69.

Voltaram as NT depois de vulgarizar locais míticos do In, tinham ido, como sempre o foram, aonde lhes fora pedido. Nada, depois desta Operação, desta destruição imensa ficara na mesma. Nem mesmo as tropas do PAIGC, ou os nossos Militares. Aquela vasta região passara por uma enorme destruição. Uma área imensa fora arrasada: - do Xime ao Corubal e por este abaixo até ao Xitole e, para cima, pela estrada do Xitole, Mansambo até Bambadinca. Seria uma vitória das NT? Ainda hoje penso nisso e não sei ao certo.

Essa dúvida levou os Comandos a estudarem calmamente relatórios e a fazerem análises. Eles, o IN, como guerrilheiros que eram, organizaram-se rapidamente. Tiveram apoio de populações que lhes eram afectas, receberam certamente auxilio de camaradas de outras zonas do Cuór ou Morés, a Norte ou da zona de Fulacunda a Oeste e, porque não do Sul. Tudo se deve ter rapidamente movimentado. Nós, as NT digeríamos a vitória e pensávamos “Numa Guiné Melhor”. Tanto assim que milhares de Fulas e Mandigas “capinaram” à volta de quartéis e aos lados de estradas. As populações, dizia-se, estavam connosco e limpavam campos de tiro ao IN e às NT. Foram as célebres Operações “Cabeça Rapada”. Era a guerra suave, em português suave. As ilações ao que acontecera demoraram. Terão aparecido?

Eles, o IN, esperaram um pouco, só um pouco e vieram em retaliação.

A 2 de Abril, o IN, montou forte emboscada, com mina comandada à distância, perto de Mansambo. Caiu nela parte do Pelotão de Milícias 145 da Moricanhe. Sofreram vários mortos e feridos. Curiosamente estabeleceram diálogo e o tema foi sobre a Lança Afiada. Aprisionaram um Milícia (Lamine). Dias depois fugiu e voltou a Mansambo. Foi ele que disse o número de mortos sofrido pelo IN e o efeito dos obuses 10.5.

Dias depois o IN batia o pé a tropas do Saltinho e Xitole na zona do Galo Corubal.

Galo Corubal a NW do Xitole

Iam fazendo flagelações para irem ganhando terreno, distrair as NT e procurarem uma aproximação a zonas mais importantes. O Boé, toda a zona da margem esquerda do Corubal - (ver Carta 1/500.000) - estava sem militares nossos e os aquartelamentos ficavam longe da fronteira.

Localização de Madina de Boé na margem esquerda do Rio Corubal, a escassos quilómetros da fronteira com a Guiné-Conacri

Eles iam tentando avançar e, de quando em vez, uma emboscada mais forte ou um ataque a um aquartelamento ou Tabanca em auto-defesa aconteciam.

A meio de Maio caí com o meu Grupo numa emboscada forte. A 28 de Maio, foram mais atrevidos e atacaram Moricanhe, Amedalai, Taibatá e, pela primeira vez, Bambadinca, a sede do Batalhão. Certamente que o dispositivo militar do PAIGC e os seus efectivos tinham sido reforçados e reposicionados no terreno.

Os ataques a Mansambo,Candamã, Áfia e outros continuaram.

Era a retaliação à “Lança Afiada” e a alguma inércia das NT.

Confirmava-se o ditado: - “quem o inimigo poupa às suas mãos lhes morre”. Parece brutal esta frase. Parece hoje. Outrora certamente que não e leva-nos a questionar a maneira como aquela Operação foi feita. É assunto que estou há demasiado tempo a tentar escrever. Queria fazê-lo sem pôr em causa certos comportamentos militares.

Só, no aspecto de Informações, um pequeno levantar do véu. Cheguei a Bissau, vindo de férias da Metrópole, em meados de Fevereiro. Foi-me logo dito, em Santa Luzia ou no “Café Bento”, que ia haver uma grande Operação no Leste. Sem terem qualquer cuidado. A Operação foi para o terreno a oito e dez de Março. Assim era difícil trabalhar ou as chefias militares trabalharem.

A guerra continuou mas creio que se começou a transformar. O In infiltrou-se mais e foi obrigado a recuar. O nosso dispositivo no terreno foi alterado mas infelizmente era necessário “dar forte”, mais forte e menos pensamentos de diálogos. Todos sabíamos que o diálogo e a componente política eram fundamentais. Todos sabíamos o que se tinha passado na Indochina, mais tarde Vietname, Argélia e não só. Muitos sabiam a importância da componente militar e a impossibilidade de se inverter o curso normal da História. Muitos sabiam também como eram os políticos desse tempo. Certo foi que o Soldado Português sempre deu provas de dignidade e sempre foi muito além do que humanamente era admissível de se exigir a um ser humano.

Nada mais acrescento por hoje. Ultrapassei quantidade das palavras dos “escritos” e seria fastidioso continuar. Um dia.

(T. M. escreve de acordo com a antiga ortografia)
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 16 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8786: Nós da memória (Torcato Mendonça) (1): Hesitação

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8786: Nós da memória (Torcato Mendonça) (1): Hesitação





1. Em mensagem do dia 14 de Setembro de 2011, o nosso camarada Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), enviou-nos este texto para publicação na sua nova série Nós da memória:






NÓS DA MEMÓRIA
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

1 – Hesitação

Estavam, sentados a uma mesa, três amigos em amena cavaqueira. Um ntrara de férias, o segundo período de férias, de sua comissão da Guiné. Os outros já haviam regressado de todo.

Um recentemente viera de Angola, Cabinda,  e ainda buscava rumo. O outro voltara há muito da Guiné e estivera nos Caçadores Especiais. Falavam, claro está, da guerra colonial.

Preferia ouvir mais e falar menos. Estava ainda, duas semanas após a chegada, confuso, desconfiado, irritadiço com tantas luzes e barulhos.

– ... O diabo da emboscada rebentou e atirei-me, sem o jeep parar, para uma vala da estrada. Demorou pouco mas marcou-me muito. De repente tudo se calou e fez-se um silêncio enorme. Voltei ao jeep e vi o assento, o meu assento, ao lado do condutor, todo esburacado das balas. Fiquei lixado…

– Lixado, uma ova. Ficaste borrado de medo  – dizia o que estivera na Guiné.

–  Talvez. Tu, vós sabeis como é.

– Pois sei. Por isso e porque não quero lixar este gajo. Que ainda por lá anda, só conto as mais leves.

Riam-se os dois.

 – Estás lá há quanto tempo?

 – Mais ou menos um ano.

 – Estás lixado,  pá. Tens que “papar” um ano mais. A Guiné é diferente, o clima, a humidade…

A conversa continuava ou da guerra virava para “gajas”. Aí só dois alinhavam. Os da Guiné. Ambos tinham os seus afazeres, as suas cumplicidades, gentes em amizades comuns e amores a serem escondidos ou as mulheres seriam olhadas de atravessado. Vidas de outrora, mas, como hoje, eram assuntos para pouco palavreado.

Despediram-se mais cedo nesse dia.

Ficou sozinho. Necessitava estar um pouco só. Necessitava de beber mais uma “1920”.

Bebeu mais uma “1920” ou “CRF" e, naturalmente navegou com seu pensamento até á Guiné, até às milhentas recordações. O álcool suavizava e abria aquele emaranhado de recordações. Sem querer (ou quis…?),  recordou-a. Lembrou-se das primeiras férias da Guiné. Do penúltimo dia, dia de partida – 8 de Setembro – o dia de regresso à Guiné.

Desta vez não a vira. Chegou quase a meio de Janeiro, dia dez ou doze. Ela, caso tenha vindo, teria vindo mais cedo por volta do Natal. Talvez. Não perguntou a ninguém. Seria aborrecido. Tinha namorada de alguns anos, amiga especial – digamos assim – e, naquele momento, recordou e sentiu o forte desejo de esquecer aquele ultimo encontro. Não foi um encontro normal, não. Foi só uma, duas visões, duas trocas de olhares a perdurarem no tempo. Forte recordação. Dia a não ser esquecido facilmente. Dia? Ou a fusão dos olhares e o que só eles disseram? Até isso roubaram a esta geração, até isso.

Agora só, ali estava em recordação e era quase presente. Lembrava bem o encontro fortuito, a troca forte de olhares, o sobressalto de ambos – ou só dele? – Não o olhar fala e diz muito, muito mesmo. Saiu e nada disse. Ficou confuso, pensativo e alterou a hora da partida. Adiou para a puder ver e falar.

Procurou-a mais tarde, pois sabia onde. Viu-a. Sentiu ter sido visto, sentiu o afastamento dela para uma hipotética troca de palavras. Parou. Pensou, hesitou, raio hesitou. Um turbilhão de pensamentos entulhou o seu querer, a sua decisão. Olhou, olharam-se e ele voltou para trás. Justificou-se a ele mesmo.
– Tens quem tens, a guerra é para aonde vais e apressa-te para chegares a Lisboa, à Portela, a horas.

Só que recordou lá, na Guiné, e ali naquele momento, o rosto, aquele corpo de mulher… diabo.

Na sua guerra não cabiam assuntos e prisões daquelas. Mesma a que tinha teria que desaparecer. Isso era para outros.

Agora ali estava só, mais só se encontrou no regresso final, na dita desmobilização. Mas aí começou a fúria de viver, a tentativa de recuperar tempo perdido. Felizmente por pouco tempo e, mesmo assim a deixar mossas…

E voltou a recordação. Haverá recordações eternas, algo eterno?

Lembra-se naquele dia ter rejeitado mais uma “1920” e ter saído para o frio da noite.
O frio e a humidade do rio, ali ao lado, limpavam a memória.

Agora não, agora não. É tarde, está calor, a memória tem demasiados nós… desatemos, de quando em vez, um…
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8770: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (25): A essas Mulheres o nosso reconhecimento e o nosso bem hajam (Torcato Mendonça)