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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10631: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (9): 10.º episódio: Um bunker inimigo ao pé da porta

1. Mensagem do nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), com data de 5 de Novembro de 2012 com mais um episódio dos melhores 40 meses da sua vida:

Camaradas amigos.
Aí vai mais um episódio, com os meus agradecimentos a todos os que ainda conseguem ler e comentar.
Estou deveras reconhecido.
Veríssimo Ferreira


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

10.º episódio - Um bunker inimigo ao pé da porta

Abril de 1966 e dez meses de comissão completados. A continuar assim regressaremos à Metrópole passados que sejam outros dez.

Construíamos agora as quatro paredes para uma cozinha sem pó, nem jagudis gatunos. Quer dizer... fazímo-lo durante o dia mas os do lado de lá, quais catarpiladores camarários fossem, destruíam tudo à noite. Só que mais teimosos que nós não eram e a obra acabou por ser feita, também e porque, entretanto, lhes arrasámos o bunker privilegiado que usavam para o derrube.

Estava em local quase impossível de detectar e a ninguém passou pela cabeça que ali fosse. Descobriu-o acidentalmente, um dos nossos, comedor incansável de rolas e coelhos, que caçando certo dia, junto às exteriores redes de arame farpado, e eram três devidamente adornadas com garrafas vazias, que provocavam o efeito de sineta, aquando d'alguma invasão se a houvesse e houve, sendo que na maioria das vezes, menos duas, eram macacos distraídos, "um dos nossos" repito, apercebeu-se que um dos maus, entrava para um embondeiro.

Irreal nos pareceu, lógicamente, mas para que o diabo as não tecesse, fomos confirmar e lá estava a árvore... escarafunchada... oca o suficiente para que coubesse um marmanjola e até tinha dois buracos, estilo binóculo, virados para o aquartelamento. Esclarecido ficava assim, o porquê de que sempre que saíamos por aquele lado, nos mandavam com alguma desalmada e mal intencionada fogaracha.

Reunimos a equipa das demolições da Companhia, consultámos os nossos mais que maquiavélicos especialistas em desratização, capazes de acertar em qualquer melga a cem metros, planeámos o que havia a planear e pós cinco demorados minutos de intenso debate, foi escolhido o momento certo para a operação, existindo unanimidade da certeza que só avançaria quando tivéssemos a prova, que o voyeur estava mesmo mirando.

Numa espera, cuidadosamente secreta, resultou que no dia seguinte nos informam através do telemóvel ANGRC9, que um individuo cujo respectivo, entrara e que não estava só. Três outros, armados até aos dentes, acompanhavam-no, o que nos levou a nós "os cérebros" a supor que, sendo quatro iriam jogar uma suecada.

Feito o conveniente rastreio de aproximação, a fim de lhes enviarmos as duas preparadas epidurais... estas lá foram... quase em simultâneo... após a breve ordem de "vai". E mais uma vez, aquelas pintalgadas de verde-militar, bazookas, não falharam, também graças àqueles utilizadores de mãos de ouro, assaz experimentadas.

O parto, ou melhor, o partir (do embondeiro) envolto em pó qual pulverização sheltoxkiana, estava concluído. É provável que tenhamos interrompido a jogatana em curso, porque ao visitarmos, posteriormente, o sítio, encontrámos muitos e variagados vestígios, não só de cabidela, como também o chão, estava vermelho, e mais ainda cartas dum baralho interrompido e dois ases de paus, o que nos levou a concluir, que um dos quatro intervenientes, era, mesmo, um grande batoteiro.

Veríssimo Ferreira > Saliquinhedim (K3) > Março de 1966

(continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10618: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (8): 9.º episódio: As confissões de um prisioneiro

domingo, 4 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10618: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (8): 9.º episódio: As confissões de um prisioneiro

1. Mensagem do nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), com data de 1 de Novembro de 2012:

Caros camaradas e amigos
Então aí vai mais um episódio, com abraços reconhecidos
Veríssimo Ferreira


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

9.º episódio - As confissões de um prisioneiro

E lá se ia passando o tempo...

Voltámos no dia seguinte, para um provável reencontro com os tipos que nos andavam a querer dificultar a vida e já o haviam feito neste mesmo local. A determinada altura, vindo de dentro da mata e próximo, veio o zurrar dum burro, daqueles com quatro patas. Aqui nesta zona do K3, nunca tal houvera visto, embora conhecesse, um ou outro, mas de duas patas.

Acomodámo-nos melhor, uns atrás das baga-bagas, outros atrás das vetustas árvores, outros ainda deitados na camuflagem natural da selva. O dedo permanecia no pinchavelho, ou seja, naquela coisa que na G3 faz accionar a saída pelo cano, duma pecita que ao encontrar algo, derruba que se farta. Pedi que ao verem o asno, o deixassem para mim, experimentado que era e sou, em engatá-los na nora do meu sogro que também era o proprietário duma mula bem vistosa.

Passado pouco tempo, lá chegaram aqueles por quem amigavelmente esperáramos para uma aterradora surpresazinha e para lhes cantar também os parabéns. Vinham descontraídos... conversando... alegres e bem dispostos... não antevendo, ingénuos, que também sabíamos preparar recepções. A tiracolo traziam, a meu ver e depois confirmei, armas proibidas e para as quais não tinham a necessária e indispensável licença para uso e porte. No final da fila em pirilau, que o caminho era estreito, lá vinha o jumento, que tanta alegria me viria a dar mais tarde.

Tadinho... vinha carregado que "nem um burro", trazendo num dos lados do lombo... espingardões e do outro lado um canhão sem recuo. Tudo, sem sela nem canga.

Imaginei o sofrimento do pobre e pensei:
- Quais selvagens, tratam assim as bestas ???...

Hora da festa... faça-se a festa... e fez-se. Manga de ronco... mesmo... e só tarde se aperceberam do que lhes estava a acontecer. Regressámos depois a penates e de livre vontade, acompanhou-nos com arreata, o prisioneiro que ia entrementes fazendo uma alarvice de zurraria do caraças. Com este eram agora dois, os aprisionados, porque ontem um outro, bem aparamentado e com a fisga e de mãos no ar, havia desertado e entregou-se às NT.

Estava a ser interrogado a fim de vermos se nos cedia quaisquer informações, mas apenas respondia: "Je ne sais pas". Qual crioulo... qual português? Seulement français, dizia. Até que, por caridade, lhe levei o nosso prato do dia, para que se alimentasse, claro. Ao ver a "dobrada liofilizada com feijão branco", pediu em Português correcto:
- Não, não me torturem... eu falo... eu conto... eu denuncio... mas lá comer isso é que não.

E confessou que tinham:
- na bolanha, três submarinos sem portas, apenas com escotilha;
- no Cacheu, um porta aviões, perto de Farim;
- aviões, manga deles escondidos na mata, junto dos helicópteros;
- comida: camarões e lagostas de Quinhamel e ostras do Geba;
- armas de todo o calibre e feitio, morteiros e em mais quantidade, costureirinhas e AK 47, 48, 49 e 50.

K3 > Entrada da suite. Com o Ismael da Secção de Morteiros 60 

(continua)
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Nota de CV :

Vd. último poste da série de 1 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10602: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (7): 8.º episódio: Uma emboscada perigosa

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10602: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (7): 8.º episódio: Uma emboscada perigosa

1. Mensagem do nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), com data de 29 de Outubro de 2012:

Camarada Carlos Vinhal:
Obrigado pelas modificações e acrescentos que tens (isto do tu é mesmo difícil) vindo a fazer às minhas pretensiosas escrevinhadelas, e tal tem-me vindo a fazer aprender um pouco mais de português, e até estou de novo a consultar a Gramática elementar. Por vezes os dois pontos aqui e não além, alteram completamente a coisa. Obrigado e continua por favor.
Aí vai o 8.º episódio, pois que apesar dos poucos leitores mas dada a vossa disponibilidade, hei-de continuar até que os temas de acabem.

Abraços
Veríssimo Ferreira


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

8.º episódio - Uma emboscada perigosa

Mas nem tudo foi menos feliz e "tocaram-me" as lotarias várias vezes, como naquela em que, indo nós (a minha secção) a fazer um patrulhamento pelo circuito pedonal e até aos "carreiros" (a 3Km do quartel, estrada para Mansabá) local onde os mariolas costumavam "semear" minas, porque sabiam - hoje creio nisso - mas quem lhes dizia não sei, senão escarrapachava aqui, porque sabiam, repito, quando por ali iriam passar os reabastecimentos.

Saliquinhedim (K3) > Dia de ir buscar água a Farim, que se vê do lado de lá do rio. > A minha Secção. Em baixo: o 44, Gomes e Domingues; De pé: Mamadú, Samba, Soares, Kinta, Fernando Nascimento e eu.
Foto © e legenda de Veríssimo Ferreira

Pois aconteceu, que fomos emboscados, apesar de que e como era costume, a progressão estivesse a ser feita bem e como mandam as regras. De lá, vieram uns tiritos para cá... e de cá também nada meigos fomos.
É que não gostávamos mesmo... mesmo... que nos interrompessem enquanto trabalhávamos. Organizámo-nos depois em triângulo e avançámos mato dentro, e estávamos-lhes com uma sede !!!

Ficaram cientes que contra nós dez, a coisa piava mais fino. A certa altura porém, caíram-me umas folhas de embondeiro na cabeça (um tronco passou ao lado), desmanchando-me o penteado à James Dean, com risco do lado direito e tudo. Irritei-me tá visto, porque não gosto que me atirem coisas à cachimónia e olhei para cima.

Entretanto mandei parar a festa, mas do outro lado, não me ouviram decerto e as folhas continuaram a cair.

- Estes gajos são recrutas, não respondam - disse.

Rastejando, mato adentro lá debandaram gemendo. A minha teoria confirmou-se, pois que a cara dos "filhos duma mulher menos séria" estava desenhada no solo e enquanto isso fogueteavam para o ar, dando assim início à destruição da floresta, poiso de tanto macacóide e de alguns jagudis, ali a viver. Operação terminada, correra bem, continuámos...

Troço Bironque - K3, da estrada Mansabá - Farim, alcatroado no tempo da CART 2732 (1970/72)
Foto © e legenda de Carlos Vinhal

Às tantas segredam-me:

- Ali à frente, devem estar à nossa espera, vi passar uns gajos e são mais de vinte...

Estudada a nova situação, pensámos como resolver o conflito iminente... avançámos com redobrados cuidados e no sentido de os envolvermos numa teia donde não saíssem.

Após quase uma hora para percorrer 300 metros, portanto tal aproximação estava a ser enquadrada como nas mais vitoriosas tácticas militares, antes usadas, eis senão quando, estabeleço finalmente, contacto visual e sim eram realmente mais de vinte. Eram mais do dobro do que nós, mas para combatentes experimentados e conhecedores do terreno, a coisa estava destinada a ser "canja", e dali não sairiam impunes.

Último olhar que a neblina dissipava-se e vi que estavam desarmados. E porra... eram gorilas. Daqueles bem grandes. Também me viram... continuaram a comer...

E nós?

Retirámos tristes pelo falhanço do que esperávamos ter sido "manga de chocolate", mas com o sentimento do dever cumprido.

(continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10590: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (6): 7.º episódio: O quotidiano no K3

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10590: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (6): 7.º episódio: O quotidiano no K3

1. Em mensagem do dia 27 de Outubro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), mandou-nos mais um episódio da sua passagem pela vida militar, correspondente aos melhores 40 meses da sua vida; diz ele e nós acreditamos piamente.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

7.º episódio - Quotidiano no K3 (Saliquinhedim)

Localização de Saliquinhedim - K3 por se situar a 3Km de Farim. Vd. Carta de Farim.
Convém esclarecer que as referências, na carta, a Bafatá e Olossato não são a localização real daquelas importantes povoações da Guiné. Vd. cartas de Bafatá e Binta, respectivamente.

E era assim, o dia a dia no K3, mas também emboscando..., sendo emboscado..., patrulhando..., escoltando..., vigiando..., descansando... e lerpando.

No bar, tínhamos cervejolas de 6 dcl, semi arrefecidas naquele velho frigorífico a petróleo e até o whisky jorrava a rodos. O "barman" preparava um petit dejeuner daqueles de se lhe tirar o bivaque e que consistia em bocadinhos de pão, ainda não em pedra mas quase, a que juntava ovos inteiros, sem casca, claro, mais umas sagres e açucar... tudo misturado era um acepipe que deslizava suave e gulosamente pelos nossos sequiosos gorgomilos. Para alegrar o espírito beberrão, emborcávamos então, um Vat 69 e pronto até ao almoço, ficávamos "porreiros mesmo pá".

Este (o almoço) era óptimo e variado quanto baste: às 2.ªs, 4.ªs e 6.ªs: dobrada liofilizada com feijão branco; às 3.ªs, 5.ªs, Sab e Dom: feijão branco com dobrada liofilizada. De quando em vez, porém, comíamos uns bifitos de vaca tuberculosa, que comprávamos, sem falar com os donos, por ali nos matos próximos, mas raramente, pois que o perigo também lá morava e só arriscávamos quando gostávamos de parecer gente fina.

A maior carência tinha que ver com o ingerir "frescos", nome que davam aos produtos hortícolas. Raramente chegavam lá ao fim da linha, já que antes passavam por vários "esfomeados", distribuídos desde Bissau, até nós. Compensávamos tal falta, em Farim e aquando do aprovisionamento diário da água para uso da Companhia.

Aqueles chóriços assados na brasa e bem regados com um tinto especial da marca "Água de Lisboa", substituíam com vantagem evidente, a falta das vitaminas, proteínas, sais minerais e outros que tais. Por fim e com a barriguita quase aconchegada e já do lado de lá do rio, atirávamos (DE PÉ) uma granada (DE MÃO), a fim de afugentar algum empecilhoso crocodilo dundee, que por ali andasse e tomávamos uma banhoca, coisa recomendável e saudável, dado o volume da comida... bebida.

A tarde era destinada a algum descanso para que à noite pudéssemos aparecer, aos habituais encontros, com alguma compostura e pontaria afinadas, não sem que antes se houvessem limpo as maquinetas G3 e até nisso tive azar que a minha tinha mais um bocadinho para polir, pois era de bipé.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10579: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (5): 6.º episódio: Pela primeira vez o quartel foi atacado

sábado, 27 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10579: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (5): 6.º episódio: Pela primeira vez o quartel foi atacado

1. Em mensagem do dia 24 de Outubro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), mandou-nos o 6.º episódio da sua odisseia militar, correspondente aos melhores 40 meses da sua vida; diz ele e nós acreditamos.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

6.º episódio - Pela primeira vez o quartel foi atacado

Perdão peço pela expressão com que terminei a última crónica, aquela do BOLAS... BOLAS... BOLAS.

As palavras usadas foram outras e bem mais provocadoras para as mães dos sacanóides que me estragaram o frango assado na brasa e muito bem temperado com jindungo.
Não me julguem um malcriadão, pois o que sou, é um GRANDE malcriadão.
............

Recapitulemos: "Pela primeira vez o quartel é atacado.........."

Organizei-me, procurei a arma adequada para responder a tal situação e lá descobri o meu caro morteiro 60 e um cunhete com 6 poderosas granadas.
Fiz o reconhecimento da zona para onde as enviaria acompanhadas que seriam com os meus cumprimentos, raiva e votos de festas felizes e DISPAREI.

Não deviam ter conhecimento da letalidade da coisa... acabaram com a flagelação... e ouviram-se gritos de foge... foge.
Em boa verdade, até eu, o municiador e apontador, fiquei deslumbrado com tanta luz.
É que as granadas atrás citadas, em vez de explosivas como convém para casos idênticos, saíram iluminantes, mas que os fez tremer e "cavar", lá isso fez.

Ainda hoje não devem ter percebido porque foi que a negra noite se transformou num ápice, em luminoso dia.

Tínhamos um ligeiro ferido nas nossa hostes, que apanhara de raspão com uma bala no... na anca, o que lhe causava algumas dores.
Não havendo enfermeiro, fiz disso e administrei-lhe uma injecção de morfina, resultando daí que cinco minutos depois, ele quis iniciar uma perseguição na mata, para se vingar.
..............

Partimos dali ao nascer do dia, picando a estrada... no pressuposto de que e como era habitual, iríamos detectar minas.

Em Bissau recolhemos alguns haveres e lá vamos para Mansabá onde nessa mesma noite, participámos numa operação (de triste memória) na região de Manhau.

Localização de Manhau, a Leste de Mansabá. Carta de Farim

Marchámos depois, em coluna militar protegida do ar pelos velhinhos T6 e fomos tomar conta do ainda não terminado de construir, K3 e só então e finalmente, voltámos a estar juntos (a CCAÇ 1422).

Eram bem bons os quartos... dormíamos debaixo do chão... e havia umas frestas viradas para a floresta, através das quais ripostávamos ao fogo inimigo, se por acaso se atrevessem a fazê-lo.

 Vista aérea de Saliquinhedim (K3). Foto © Carlos Silva (2008). Direitos reservados

E então não é que se atreveram mesmo ???

Só que e com a ajuda dos canhões de Farim e por vezes até com os de Mansabá quando os tipos eram mais teimosos, sempre acabavam por abalar de mãos a abanar e menos.

Chatos do caraças.... tal qual as melgas que eram mais que muitas e não nos deixavam sossegar, obrigando-nos a estar, como que embrulhados nos mosquiteiros, uma espécie de rede com buraquinhos onde só devia entrar e sair o ar, mas que deixavam passar aqueles nojentos insectos, que tanta comichão produziam na nossa pobre mas bem cuidada cútis.

Volto às instalações, para referir que alguns chamavam-lhes abrigos, mas que para nós eram suites e de luxo.

Estavam protegidos por cima, com duas camadas de troncos do coqueiro, árvore alta, que para além do líquido aquoso e fresco dos seus arredondados, grandes e duros frutos, também costumava ser a casa preferida duma cobra verde, a cuspideira, de quem os nossos ajudantes autóctones fugiam que nem o diabo do inferno.

Dizia-se que o veneno cuspido por tais najas, matava que se fartava.

Em Portugal Continental, é um rastejante comum, da família das víboras e conhecido por, SOGRAS.

(continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10558: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (4): 5.º episódio: Partida para o CTIG em Agosto de 1965

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10558: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (4): 5.º episódio: Partida para o CTIG em Agosto de 1965

Lisboa > Cais da Rocha Conde de Óbidos > Partida para a Guiné, em 18 de Agosto de 1965
Foto: © Veríssimo Ferreira (2012). Todos os direitos reservados


1. Em mensagem do dia 18 de Outubro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), mandou-nos o 5.º episódio da sua odisseia militar, correspondente aos melhores 40 meses da sua vida; diz ele e nós acreditamos.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

5.º episódio - Partida para o CTIG, em 18 de agosto de 1965

Em Abrantes, estava mais perto de casa, o que me agradou. Lá se foi passando o tempo e coube-me ajudar o Oficial instrutor, ensinando novos militares. Porque alguns de nós, os recentes cabos milicianos, estávamos já a ser mobilizados, fui-me preparando. Contudo, tal mobilização só veio a acontecer, quando já houvera prestado 20 meses de tropa.

Entretanto em Abril de 1965 e "por equivalência a seis meses consecutivos em Unidade Operacional, condição a que satisfaz para promoção ao posto imediato" (sic) , fui promovido a Furriel Miliciano. Estava então em Tomar a preparar outros jovens, que afinal acabaram por ser os que,  fazendo parte da Companhia de Caçadores 1422, embarcaram comigo para a Guiné, em 18 de Agosto.

Quando digo "embarcaram comigo", em vez de "embarquei com eles", deixem que explique: Quer o Comandante, quer os restantes Oficiais e Sargentos, haviam partido uma semana antes, de avião, ficando apenas connosco, um senhor Sargento-ajudante, pessoa com alguma idade e peso e que era chefe de secretaria. A ele pertenceria comandar-nos antes do embarque, no desfile perante as autoridades... perante os nossos familiares presentes.

No último momento, nomeia-me para o fazer. Tamanha responsabilidade, fez-me tremelicar... mas ordens não se discutem.

COMANDEI!... Correu lindamente, marchámos com garbo e eu nunca mais esqueci essa, que considero a mais subida honra que o exército me proporcionou.

Lá chegámos a Bissau e novas emoções apreendemos... novos cheiros... aquela paisagem... o bulício, mas certos dos perigos a enfrentar. Na Amura ficámos e sem local ainda definido para o futuro, foram-nos treinando, "permitindo-nos" acompanhar algumas operações em curso no mato e em situações de combate.

Assim, passei por Bissorã, Mansabá, Cutia e Mansoa, mais ou menos uma semana em cada. Até que e em data que não consigo precisar, mas que julgo ter sido em meados de Outubro, mandam-me e apenas com a minha secção (nove homens) para o Pelundo. Zona calma e a cerca de doze quilómetros de Teixeira Pinto e vinte e tantos de Bula. Tinha um jeep e nele me deslocava, ora para tomar café aqui, ora além. Tais actos, poderiam ter sido "a morte do artista".

Não tive problemas, sabe-se lá porquê, mas a partir de Janeiro de 1966, a coisa tornou-se deveras perigosa. Porque será que não me comeram vivo? Seria porque estávamos protegidos pelo "homem grande" em casa de quem aquartelávamos, na tabanca? Seria que a nossa missão de lhe guardar o cofre e o recheio deste movimentou influências? Ou seria que tinham mesmo medo de nós? Intrigante e de tal forma, que ainda hoje passados 47 anos, não encontro respostas.

************

Um dia antes de abandonar aquele local, chegou um pelotão que me substituiria, e fui informado para onde iria, juntar-me à CCAÇ a que pertencia, mas fui convidado para que nessa noite desse um salto a Jolmete, em visita de cortesia.

Chegados que fomos e estando a jantar opiparamente... eis senão quando... lá vem disto:
- Pela primeira vez o quartel é atacado e estragaram-me o repasto.

BOLAS... BOLAS... BOLAS.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10543: Os melhores 40 meses da minha vida Veríssimo Ferreira) (3): 4.º episódio: Passagens por Amadora, Lamego, Tancos e Lisboa

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10543: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (3): 4.º episódio: Passagens por Amadora, Lamego, Tancos e Lisboa

1. Em mensagem do dia 13 de Outubro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), mandou-nos mais um episódio da sua odisseia militar, correspondente aos melhores 40 meses da sua vida; diz ele e nós acreditamos.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

4º episódio - Escalas na Amadora, Lamego, Tancos e Lisboa

E em 30 de Agosto de 1964 fui promovido a 1.º Cabo Miliciano, pois então...
Começa aí um percurso agitado, com constantes mudanças, assim estilo "faça férias cá dentro" e foi o que me valeu para ficar bem a conhecer, algum deste País, que eu julgava ser só o Alto-Alentejo.

1º - Amadora (Regimento de Infantaria 1);
2º - Lamego ( Rangers);
3º - Tancos (Minas e Armadilhas)
4º - Lisboa (Grupo C. Trem Auto)
5º - Abrantes (Regimento Infantaria 2)
6º - Tomar (Regimento Infantaria 15)
7º - GUINÉ.

Peripécias ocorridas:

À Amadora cheguei... nem a almoço tive direito... e mandam-me avançar, de forma a estar e sem falta, no dia seguinte em Lamego. Já algo desenrascado, apanho comboios, mais comboios e certo é que às 8h30, entro no novo poiso e, qual não é a minha sorte, que dei de caras, logo à porta de armas, com um herói da minha terra, combatente já com uma comissão prestada em Angola, monitor agora, das tropas a preparar.

Trocámos abraços, continências e amigáveis palavras, e logo ali ficámos afilhado e padrinho.
Padrinho que muito ajudou enquanto cursei.

A caserna era óptima e fiquei em lugar privilegiado de cama.
Fora dos últimos a chegar e não houve hipótese de arrebanhar melhor.

Havia só que subir três beliches, até chegar ao 4º onde dormia e com uma vista fantástica para os barrotes em madeira, que até me davam para estender a roupa molhada e esta, por sua vez, passava as gélidas noites, a afagar-me a calejada epiderme, durante os raros momentos que ali estacionei, pois que os treinos eram constantes, a qualquer momento e prolongados, estafantes e só para homens de barba rija.

Foram tempos duros, mas foram uma óptima preparação para as dificuldades que vieram depois.
Ficou-me gravada, a frase "Nunca se sabe", resposta que sempre ouvíamos a qualquer pergunta que fizéssemos.

Tancos desejava-me ardentemente e as Minas e Armadilhas que as amasse... e a Barquinha ali tão perto e com tão boa comida e melhor buída...

Passou-se e eis senão quando, me vejo a caminho de Lisboa, Av de Berna, Grupo de Companhias Trem Auto, o que me confundiu do porquê.
E não só a mim, também o Senhor Sargento da Secretaria se espantou e exclamou:
- Ora porra, pedi um Cabo Miliciano condutor e mandam-me um atirador?

Mas... e há sempre "UM PORREIRO mas"... continuou ele:
- Aguente aí ó patrício, você é da Ponte Sôr... eu sou de Alter... temos de resolver isto.

E após perguntar-me se conheço a capital e eu respondido "negativo", decidiu que eu devia ficar por ali, até que fosse rectificado o lapso, o que deveria demorar um mês.

Sem função atribuída, saía, à civil, de manhã e voltava para dormir, num quarto com mais sete militares e cinco ratazanas, das maiores que já vi. Turismei...

Vi cinema nos: Piolho... Condes... Éden... S Jorge...
Conheci, a desoras, as boas zonas... Intendente... Cais Sodré... Bairro Alto... Alfama... Mouraria.. . Madragoa...
Vi campos de futebol, com relva imagine-se... o aeroporto... Cabo Ruivo e os hidroaviões... combóios em Santa Apolónia e Rossio... Fui a Cacilhas... ao jardim zoológico... Parque Mayer... Parque Eduardo VII... Feira Popular...
Comi bifes na Solmar... Portugália... Império... Ribamar... sopa de marisco na Rua de S. José... iscas na Travessa do Cotovelo... bacalhau com grão no João do Dito...
Bebi na Ginginha e no Pirata e uns tintos no Quebra Bilhas...

Até que um dia me transmitem:
- Vais para Abrantes.

Bati o pé e disse:
- NÃO VOU... NÃO VOU... NÃO VOU... E FUI
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10538: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (2): 3.º episódio: O 2.º Turno, no CISMI, na bela terra de Tavira

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10538: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (2): 3.º episódio: O 2.º Turno, no CISMI, na bela terra de Tavira

1. Mensagem do nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), com data de 12 de Outubro de 2012:

Já enviei há dias os dois 1ºs episódios e agora aí vai o 3º. Tenho mais mas para não interromper os excelentes serviços que estão a prestar a todos nós, penso que não devo enviar já.
Se virem que é útil, mando mesmo, agora que já sei fazê-lo por aqui em email.

Abraços, obrigado pela consideração.
Veríssimo Ferreira


Vista parcial de Tavira (Foto: Algarve Press Diário, com a devida vénia)


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

3º episódio - O 2.º Turno, no CISMI, na bela terra de Tavira

A 4 de Julho de 1964, após portanto, 5 meses e 10 dias a frequentar o 1.º ciclo do Curso com aproveitamento e todos os créditos alcançados, consideraram-me então, apto para o 2.º, ou seja, "tirar" a especialidade de "atirador" e como ordens não se discutem, aí vais EU, para Tavira.

Terra linda que continuo a visitar. Linda praia, onde até a água era e é, quente, comparada com a da Ericeira, de que tinha provado o sal.

Boas gentes, embora e nesse período, as tenha considerado más com'ás cobras, tendo em conta que quando os pobres militares, sedentos e até com alguma fomita, colhíamos algumas amêndoas, alfarrobas ou figos, ou ainda, lhes bebíamos umas gotas nos escassos poços existentes... iam de imediato participar ao quartel e algumas vezes desembolsámos os 25 tostões para compensar o prejuízo. A miséria patrimonial, deste povo algarvio, era notória e justificava a queixa. O turismo mal começara e aquelas frutas e água, eram o seu ouro.

No que se refere à instrução militar, foi o acrescento próprio, para quem já estava treinado.
Novidade apenas para o "DEITÁÁÁÁR" nas salinas. Lindo de se ver, creiam.
E nós... vestidinhos... lavadinhos e engomados... calçadinhos... botas engraxadas e reluzentes, espelhando o sol quente desse mês de Julho... obedecíamos está claro. Saíamos enlameados, cheios de lodo até aos cabelos, mas mais fortes alguns, aqueles que engoliam alguma distraída enguia. Até nisso, a sorte me foi madrasta já que o único brinde que me calhou, foi uma enorme serpente que resolveu aninhar-se no bolso esquerdo das calças.

Salinas de Tavira (Foto: raquel-alaminute, com a devida vénia)

À tardinha dispensavam-nos e podíamos então confraternizar com as tascas locais, onde sempre comíamos generosas doses de grandes conquilhas, ou jaquinzinhos atados pelo rabo e em grupos de 5 ou 6, regados com aquele saboroso tintol carrascão de tal forma, que até os dentes ficavam coloridos. Alguns mais afortunados, proporcionavam a outros, passeios e assim conheci, Quarteira, Armação de Pera, Albufeira e Faro.

A cenas incríveis mas divertidas, assisti... de difícil entendimento prá época, mas que me ajudaram nas formações, cívica, intelectual e moral, três elementos importantes para uma sã convivência entre pessoas mas que entretanto perdi em qualquer lado.

Reparem nesta:

Um jovem, ainda quase acabado de nascer, havia casado e "exibia" vaidosa e orgulhosamente a sua bem bonita e formosa esposa que para além disso era também alegre e bem formada moralmente, ao que soube mais tarde.
Nós mirones e o casal fazia questão de procurar sentar-se em locais onde nos concentrávamos, olhávamos gulosamente, aqueles belos joelhos dela (única parte anatómica, possível de ver nas damas e que hoje nem reparamos se têm, dada a forma como se despem até à cintura) mas, caras meninas, continuem seduzindo e poderão fazê-lo se seguirem o douto conselho da avó duma das minhas mais que muitas apaixonadas e que um dia me disse:
-"Até ao joelho, é para quem quiser ver, daí para cima, é para quem merecer".

Mas a cena risível aconteceu assim:

Uma noite e vendo o casal que estávamos completamente d'olhos em bico, fitos exclusivamente naquele bocado onde está a rótula, levantou-se o rapaz, olhou-nos corajosamente e sem tergiversações gritou:
- É BOA... MAS É MINHA
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10522: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (1): 1º e 2º episódios: tempos de Mafra, EPI, CSM

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10522: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (1): 1º e 2º episódios: tempos de Mafra, EPI, CSM


Mafra > EPI > CSM [ Curso de Sargentos Milicianos] > BI do soldado instruendo Veríssimo Ferreira, emitido em 25 de abril de 1964




Guiné > Bissau > CCS/GG > BI do fur mil Veríssimo Ferreira, emitido em 14 de julho de 1966.

Fotos: © Veríssimo Ferreira (2012). Todos os direitos reservados.



1. Comentário do Veríssimo Ferreira, ex.fur mil,  CCAÇ 1422 (Farim, Mansabá, K3, 1965/67), à  sua apresentação na Tabanca  Grande (*):

Caro Amigo Luís Graça:

Obrigado pela deferência e até o meu ego está enorme. Aqui o tabanqueiro 581 está felicíssimo por poder estar convosco. A dificuldade maior vai ser o "tu" mas lá chegarei.

Sobre a historieta, real mas com algumas graçolas pelo meio, que não ofenderão, espero, vai já no 7º episódio. (Outras realidades, dolorosas e muito existem, mas não sei se consigo falar nisso.) O Luís Graça, quer que as remeta para o facebook? è que ainda não consigo metê-las no email, ou vai lá buscar-mas ao meu mural?

O meu email é (...).


 
2. Resposta do editor, em 8 do corrente:

Camarada: Somos da mesma geração, idade, dorminos nos mesmos buracos, bebemos a mesma água da bolanha, corremos os mesmos riscos... o que é preciso mais para nos tratarmos por tu ?... O Carlos Vinhal vai completar a tua ficha, o teu email é só para uso interno... Deves usar este endereço de correio eletrónico para comunicar connosco... Para já podes continuar a usar o Facebook, eu depois vou lá buscar o material. Mas tens que aprender o usar o mail e "anexar ficheiros" (seja texto ou fotografia)... Um abração. LG



3. Novo mail do Veríssimo, datado de 10 do corrente:

Assunto: CONSEGUI [mandar um mail] e dizem que burro velho não aprende línguas.~


 
4. Os melhores 40 meses da minha vida > 1º e 2º episódios (Mafra, EPI, Curso de sargentos Milicianos)


por Veríssimo Ferreira 


1º Episódio

E vai daí... Por edital, soube que me deveria apresentar em Mafra, na Escola Prática de Infantaria, a fim de frequentar o Curso de Sargentos Milicianos. 

Saí de Ponte de Sôr, pela matina e no comboio. Chegado a Lisboa, pedi informações para ir para o Martim Moniz, local donde sairia a camioneta para Mafra.  A confusão, nesta louca cabecinha, era mais que muita (1ª vez na grande cidade) e habituado que estava a ver muita gente junta, aquando das feiras, pensei:
- Há por aqui uma como a nossa de Outubro!!!

Bom, mas lá fui ter e parti para o destino...e cheguei enquanto no entretanto comi as duas sandes que a minha querida mãe preparara para a viagem.
Mafra, surpreendeu-me, quando logo ali mirei, o Mosteiro.
-Um quartel ? -  pensei.

Na entrada, havia um enorme grupo de juventude de cabelinhos cortados à inglesa curta e que esperava e a eles me juntei. Lá chegou a minha hora e preenchidos que foram uns papéis, mandaram-me para o alfaiate que tirava medidas olhando-nos de alto abaixo, o que significou que recebi umas roupitas bem bonitas por acaso... um bivaque onde cabiam duas cabeçorras, duas camisas cinzentas nº 54 e eu até aí, usava 42, dois pares de calças que me chegavam dos pés à cabeça, duas botas 47 e eu calçava 41....e por aí fora.

Na caserna, assim chamavam ao quarto luxuoso, um 5º andar e 183 degraus para subir, onde me colocaram, para me não sentir só deixaram-me acompanhado por mais 151 recrutas que se tornaram meus amigos.

2º episódio

...No dia seguinte, reuniram-nos num espaço rectangular, que ainda hoje existe, lá atrás do convento e a que chamaram e chamam "A parada".

Éramos, talvez, aí uns três mil recrutas, entre os que iam frequentar os cursos de Oficiais e Sargentos, Milicianos, palavra esta que poderemos traduzir desta forma: jovens que após regresso da guerra, serão dispensados do serviço militar obrigatório e passam à disponibilidade, ou seja, ainda poderão ser chamados para a tropa, se houverem alterações à ordem pública. (seja lá o que isso for)

Juntaram-nos depois, sentados no chão e rodeando o Oficial Instrutor, cá fora, ali ao lado esquerdo de quem entra, e esclareceram-nos sobre as normas nem vigor, para contactos eventuais, com os residentes civis e também como distinguir os postos militares.

Ficámos a saber que a coisa começava desta forma: O início e por aí fora:  Recrutas,  1º cabo, Furriel, Sargento, Aspirante, Alferes, Tenente, Capitão, etc. etc. General, Marechal; finalmente...  1º Cabo Miliciano!

Contentíssimo fiquei.... Então não é que o filho do meu pai, Eu, iria alcançar o mais alto posto, lá para Agosto e já especialista de infantaria e 1ª classe em metralhadora Dreyse 7,9 ? e 3ª classe em espingarda 7,9? e 1ª classe em comportamento? e atirador, terminada a instrução complementar?

Aparvalhado ainda, com o facto de ontem ter visto, Lisboa, aviões dos grandes e barcos a atravessar um rio a que ouvi chamarem Tejo e ter ainda a possibilidade de, e também, pela 1ª vez, poder ir ver o mar...as praias da Ericeira e mais agora esta notícia, plena de responsabilidades...

Olhem,f iquei de tal maneira entontecido... que julgo não ter voltado a ser o humano normal de antes.

Continências e divisas, foram-nos sabiamente mostradas, bem como o manejo duma espingarda, o seu desmanchar em bocados.e a consequente limpeza sem precisar, com o escovilhão.

No 3º dia e após o pequeno almoço, começou a preparação para que pudéssemos vir a ser militares disciplinados, bravos, heróicos e que acima de tudo voltássemos inteiros.

Corridinhas na tapada, rastejar no meio da trampa, percursos de combate, saltos para o galho, jogos de brutóbol, tiro na carreira do dito, actividades desportivas com vários empecilhos no meio, audição dos gritos estridentes e ameaçadores dos monitores do pelotão... enfim, toda uma panóplia útil que só mais tarde entendemos ter sido preciosa para que aqui e agora estejamos ainda semi-vivos e, ah, sempre acompanhados pela fiel Mauser e de capacete enfiado... no local próprio de enfiar capacetes.

Regressávamos depois e quase na hora do repasto almoçaral. Íamos, à suite, tomar um banhito rápido, mudar de fato, e proceder, se caso disso, a qualquer necessidade fisiológica ( eu, na época, dava-lhes outros nomes mas depois aprendi esta, da fisio... qualquercoisa e pronto...tornei-me fino...)

As retretes eram mais que modernas: três ao todo, para 152 à rasca. Tinham um buraco no chão, redondo, sem assentos, mas ladrilhadas e asseadas, tá claro. A mim, lembravam-me sempre, lá a margem direita do rio Sôr, onde durante anos dei "à calça" e,  não havendo papel, utilizava as ervas viçosas nascidas por ali, sem eira nem beira.

Só que, certa vez, pasmem!, uma urtiga veio anexa. A tremenda e incomodativa irritação borbulhenta provocada fez -me "arrepiar caminho" e comecei a usar pedras não bicudas, no local a limpar...

Toca a corneta e ala que são horas de almoço. Boas refeições,  sim senhor, e até vinho havia e da cor que entendêssemos, embora eu achasse que aquilo era mais água...e cânfora, substância que, e ao que diziam, transformava em eunucos, embora provisoriamente, quem bebia a zurrapa.

Aconteceu-me...mas quem me mandou ser sequioso e guloso? Voltei ao normal, podem crer, tomando como base que não tenho, nem nunca tive reclamações.

 (Continua)
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de  3 de outubro de 2012 >  Guiné 63/74 - P10473: Tabanca Grande (363): Veríssimo Ferreira, natural de Ponte de Sôr, ex-fur mil, CCAÇ 1422 (Farim, Mansabá, K3, 1965/67)