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quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2443: Pami Na Dono, a Guerrilheira, de Mário Vicente (8) - Parte VII: O prisioneiro Malan é usado como guia (Mário Fitas)

Guiné > Região de Tombali > CCAÇ 763 (1965/66) > Área de actuação dos Lassas, aquartelados em Cufar, entre Catió e Bedanda (posições das NT, assinaladas a verde)... A partir da margem esquerda do Rio Cumbijã, estendia-se a mítica mata do Cantanhez, onde o PAIGC estava fortemente implantado.

Guiné Cufar > CCAÇ 763 (1865/66) > Os Lassas na estrada Catió-Cufar. Na foto vê-se um dos oitos cães de guerra (pastores alemães) que os Lassas usavaram em operações, a título experimental.


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66) A bela Miriam, a lavadeira que fazia converso giro com O Furriel Mamadu...

Fotos: Mário Vicente, Putos, Gandulos e Guerra. Ed. de autor (Cucujães, 2000).



PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (1)
por Mário Vicente
Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112


Edição no blogue, devidamente autorizada pelo autor, Mário Vicente Fitas Ralhete (ex Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ 726)

Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.

Parte VII - Os Lassas utilizam o prisioneiro Malan como guia (pp. 52-61)

(i) Em novo interrogatório, o Furriel Rafael ameaça matar a professora de Flaque Injã

Já esquecida dos interrogatórios (2), Pami estremeceu quando em princípios de Setembro [de 1965], é novamente levada para interrogatório. A cena da primeira vez, Quêba intérprete, o alferes Telmo com o seu caderno, e o furriel Rafael com a sua pistola.

Foram repetidas todas as perguntas do primeiro interrogatório, o que levou Pami a um terrível esforço, para não cair em contradição. Depois da repetição, os militares olharam-se e o alferes disse:
- Certo, agora vamos fazer a invenção da Míriam, O.K.?
- Vamos então! - retorquiu Rafael, sentando-se no chão, junto de Quêba. Voltou a puxar pelo cigarro como da primeira vez e falou para Quêba:
- Pergunta-lhe lá se ela conhece a Míriam!

Queba foi traduzindo:
- Sim! Diz que é mulher de pessoal que está na Catió.
- Muito bem! O que é que ela lhe disse de mim, e dos militares.

Pami estremeceu e pensou o pior. Não podia mentir, seria extremamente perigoso. Tinha de descrever as conversas havidas entre ela e a lavadeira do furriel.
- Diz que lava a roupa e que quer um filho do furriel.

Os três homens riram efusivamente. Mas o alferes baralhou tudo, quando solicitou a Quêba para perguntar se conhecia Caboxanque. Pami, sempre atenta, disse que sim. E aqui começou uma autêntica caça nas perguntas e respostas:
- Quantas vezes esteve no Cafal?
- Diz que passou uma vez lá, quando foi a Cabedu, mas não conhece.
- O que é que os militares fizeram em Flaque Injã?
- Não sabe! Mas ouviu falar que tropa queimou morança e escola. E matou pessoal.
- Ela fazia conversa giro só com militar ou com outro pessoal!?

Pami viu-se quase a entrar na ratoeira. Pensou um pouco, e só depois respondeu. O intérprete meneou a cabeça em sinal de negação, e disse:
-Este gaja, meu arferes, é mesmo maluco. Diz que nunca fez aquele conversa, só uma vez pessoal levou ela na mato e tirou cabaço.
- Então porque mentiu?

Rafael tirou a pistola do coldre, puxou a culatra e deve ter metido uma bala na câmara, e disse:
- Mentiu? Então vai morrer.

Aproximou-se de Pami e sorriu. A Queba ordenou que lhe dissesse tudo o que ele ia dizer:
- Então tropa dá-lhe de comer, deixa ela estar sossegada e descansada no quartel, trata ela como uma princesa! E ela paga com a mentira? Assim só pode morrer, foi ela que escolheu!


(ii) Pami teme que os Lassas faça de novo uma operação do outro lado do Rio Cumbijã, utilizando Malan como guia...


Pami começou a soluçar, não era medo. Não fazia mal morrer, e o melhor seria o maldito militar, despejar o carregador todo na cabeça dela. Não suportava era aquele jogo, ao mínimo descuido poderia ser levada a trair os seus e isso ela nunca o quereria fazer. Tentou levantar a cabeça, num assomo de dignidade, e pedir para a matarem. Mas raciocinou. Eles não poderiam ser mais fortes que ela. Jogaria até ao fim! Se um dia conseguisse sair dali, levaria um manancial de informações que seriam de capital importância para o Partido. Limpou com o pano que lhe cobria o corpo, os lacrimejantes olhos e, olhando para o furriel falou, e o milícia foi traduzindo:
- Ela diz que tem vergonha de dizer mentira, mas está com medo de furriel, porque Miriam diz a ela que furriel não tem medo de ir na mato. Pensava que estavam a brincar com ela. Ela disse tudo verdade, só mentiu naquele coisa de conversa giro! E que gosta de tropa ali da Cufar e quer ficar aqui sempre.

Instintivamente, o furriel tirou o carregador da pistola e mostrou este vazio e a câmara sem bala. Olhou para a prisioneira. Mostrou, sorriu e para o alferes disse:
- Só estamos a perder tempo com esta merda! Queba, pergunta-lhe lá se é capaz de nos levar à nova Casa de Mato de Flaque Injã.

Estremeceu toda, e ao intérprete apenas respondeu com uma negação de cabeça.

Agora sim, a prisioneira apercebeu-se de toda a manobra no interrogatório e ficou a saber muito mais do que os militares calculavam que ela soubesse, pois continuaram conversando num à vontade total, com plena certeza de que a prisioneira não entenderia nada sobre o assunto. O alferes encostou-se à parede, puxou uma longa fumaça, começou a deitar círculos de fumo para o ar e entrou em diálogo com o furriel:
- O gajo que vem do Batalhão deve saber tudo! É aquele que trouxemos de Cobumba, quando veio esta gaja. É bem possível que o gajo da PIDE lhe tenha dado a volta.
- Certo, Telmo! Mas se vier para enganar e foder a malta, como o outro gajo que andou connosco às voltas em Cabolol, até nos enfiar na emboscada das abelhas, em que morreu o Martinho?
- Se armar em esperto, foge como o outro e fica por lá para o enterrarem!
- Achas que sim?
- É, pá, o que é que nós podemos fazer?
- Sim, tens razão! O terreno já está mais ou menos conhecido. Mas... a casa de mato? Aí é que é o busílis!
.-O Alfa conhece aquilo bem, vais ver que depressa se localiza! Preocupa-me mais alguma emboscada, aquela zona é fodida!
- Arferes Telmo tem razão! Ali tem manga de chatice com emboscada, se pessoal do Cafal tem tempo e chegar ali! – pronunciou Queba, entrando na conversa. O alferes olhou para o furriel e este encolheu os ombros, num gesto de logo se vê.

O alferes Telmo mandou o milícia levar a prisioneira, e ficou, continuando a conversa com o furriel.

Pami apercebeu-se de tudo. Os Lassas iam voltar ao outro lado do rio. Mas ficou aterrorizada, seria que o alferes se estava a referir a Malan? Não!... não seria possível ele trair o seu povo. Nuvens negras toldaram o pensamento da professora. Teria possibilidades de ainda rever Malan? Tinha de estar atenta a todos os acontecimentos e verificar as movimentações dentro do aquartelamento nas próximas horas.

A meio da tarde, a professora de Flaque Injã apercebeu-se de uma avioneta, a sobrevoar o Cantanhez, na direcção de Cabedu para Bedanda. Passado um tempo, viu sair uma autometralhadora seguida de uma viatura com soldados. Momentos depois uma avioneta, fazia a aterragem na pista de Cufar. Não havia dúvidas, estavam a preparar tudo. Pami pensou quão preciosas seriam as informações que tinha em seu poder. Seria maravilhoso podê-las transmitir à guerrilha. Mas como assim?... Pela sua cabeça, passou a hipótese de evasão. Não conseguiria!... Era impossível. Ainda pensou em aliciar Meta ou Míriam, mas seria loucura, estas não iriam trair os militares. Teria de ficar passiva e isso entristeceu-a bastante.

(iii) Pami apercebe-se de que nem todos os Lassas estão ali, na guerra, de livre vontade

Agora sim, tomou a noção do que era ser prisioneira, embora pudesse circular à vontade. A avioneta levantou e tudo regressou ao normal, à exclusão da entrada para o Comando, dos oficiais e sargentos, os quais saíram em silêncio e sem falarem com ninguém. A seguir ao jantar, o Aquartelamento tomou um movimento fora do normal. O pessoal da milícia preparava o seu armamento e os soldados recolheram aos seus abrigos. Pami ouviu o comentário de dois desses incógnitos soldados que, vindos do jantar, se dirigiam para o abrigo da metralhadora pesada, virado na direcção Norte para a mata de Cufar Nalu. Dizia o mais alto:
- Cabrões, não dizem nada! Só à última da hora é que avisam a malta!

O outro mais baixo e gordinho retorquiu:
- É para a malta não se baldar. Assim já não podes imbentar nada e ficares doente, carago.
- É o caralho! Anda aqui um gajo a dar o cabedal, para os ricaços andarem a gozar em Lisboa! Foda-se esta merda toda! Esses é que se baldam a esta porra!

O gordo atalhou:
- E se não lebarmos ,um tiro nos cornos, estamos cheios de sorte, carago.

Pela primeira vez, Pami teve conhecimento que nem todos ali estariam voluntariamente, muito menos por gosto. Já noite escura os militares começaram a concentrar-se em frente ao comando. Devidamente equipados, viam-se os cinturões repletos de carregadores. Os homens das metralhadoras ligeiras, com serpentes de munições em volta de todo o tronco. Enquanto outros com um cordel a servir de bandoleira, carregavam granadas de bazooka. Os bornais completamente cheios, levariam granadas de mão e munições de reserva.

Aí estavam os Lassas preparados para mais uma incursão novamente ao outro lado do rio. A prisioneira verificou depois que cada chefe de equipa, após confirmar os seus homens, transmitia ao furriel que informava o alferes comandante do grupo de combate, e a serpente humana, em fila de pirilau, começou a deslizar rumo à saída Porta de Armas.

Junto ao Leão de Cufar, Pami, apesar da noite estar escura, conseguiu observar um soldado com uma corda à cintura, cuja ponta passava em laço, em volta do pescoço de um negro. Mesmo de costas não se enganou, a silhueta do homem que seguia preso como um animal, era a de Malan Cassamá. Tentou sair da proximidade da palhota prisão, mas de imediato foi interceptada por um soldado milícia que lhe proibiu o afastamento. Verificou que os seus passos não eram assim tão livres como pensava. Alguma liberdade, mas só de dia.

A professora prisioneira não se enganou. Não dormindo, apercebeu-se do roncar silencioso das lanchas, Cumbijã acima.

Manhã cedo ouvia os comentários que iam passando de boca em boca, dos que tinham ficado, e que geralmente se juntavam junto das transmissões, para seguirem os acontecimentos.

Pami atenta apercebeu-se que novamente o acampamento de Flaque Injã tinha sido destruído, e que os militares tinham capturado material. A meio da manhã, para lá do rio, começaram a ver-se nuvens de fumo, e a ouvirem-se sons cavos, lá longe, de rebentamentos. Pela localização das colunas de fumo, Pami apercebeu-se de que Caboxanque e Flaque Injã eram pasto das chamas. Novamente as duas povoações tinham sido vítimas e destruídas, pelo poder dos Lassas.

O céu estava encoberto, com nuvens relativamente baixas. As comunicações abrandaram, e o regresso deveria estar a processar-se. Passado que seria uma hora, os militares muito agitados, correram novamente para o centro de transmissões, e do lado de lá do rio, ouviam-se agora perfeitamente grandes rebentamentos. O céu continuava um pouco nublado. Junto ao seu presídio, Pami ouviu a conversa de soldados que se concentravam junto ao Comando.
- O que é que se passa, meu alferes? Que barulho é este?
- A Companhia foi emboscada! A coisa está preta e os cabrões dos T6 não podem actuar, por causa das nuvens!
- Então é uma porra! Estamos fodidos! Será que já há feridos?
- Julgo que de momento estamos a reagir bem, mas se os aviões não aparecerem depressa, a coisa está mesmo má.
- Meu alferes, escute!?

(iv) Um bombardeiro T-6 é atingido poelo fogo do IN e obrigado a fazer uma aterragem de emergência em Cufar

Fez-se silêncio e ouviu-se o roncar dos motores de aviões, muito alto. O sol descobria agora por entre as nuvens que aos poucos se dissipavam.
- São eles! Haja Deus! Velhinhos, mas aquilo dá uma força dentro de nós! ... Grandes homens aqueles que andam naquela merda.

Os dois militares correram para as transmissões. Pami ficou observando o horizonte, por cima da igreja em construção. Voando em círculo, dois bombardeiros faziam evoluções. Uma nuvem de fumo vermelho apareceu por sobre o lado esquerdo de Caboxanque. Um dos aviões fez uma evolução, passando quase por cima do tarrafe de Impungueda e, passado uns segundos, viu-se novamente subindo quase a pique. Daí a momentos, ouviram-se fortes rebentamentos. O avião voltou a fazer nova evolução, agora menos visível, por ser do lado contrário. Nova subida e novos rebentamentos. Os militares junto ao posto de transmissões, gritavam agora, dando vivas e batendo palmas.

O bombardeiro voltou a fazer evoluções, passando por sobre o tarrafe, e desaparecendo por detrás deste, em direcção ao cais de Caboxanque. Nova subida, e agora sons cavos de roquetes se ouviram. De repente, Pami verificou que a efusão e alegria dos soldados se desfazia e que começavam em movimento louco a correr por todos os lados. Os homens das autometralhadoras arrancaram com os seus blindados em direcção à pista. E logo pouco depois duas viaturas carregadas de gente. Que teria acontecido? Interrogava-se a prisioneira. Mas breve teve a resposta, um soldado, passando a correr, gritava para os camaradas:
- É, pá! Preparar rapidamente! Os cabrões dos Turras atingiram um T6, o piloto vai ver se consegue aterrar aqui na pista!

Pami sorriu e fez força para que ele caísse do outro lado do rio para os seus companheiros o poderem apanhar.

Mas não, o avião passou a rasar por sobre o aquartelamento e aterrou na pista. Ficou sem saber mais nada, apenas se apercebeu da entrada do piloto no Comando.

Agora era nítido o fragor e a intensidade dos rebentamentos. Ouvia agora, junto à varanda do comando, a conversa entre o piloto do bombardeiro, o tenente médico e o alferes que tinha ficado no comando do aquartelamento.
- Parabéns, meu tenente, se o motor falha, aquela merda vem directamente cá para baixo! Não é!?

O alferes transmitia assim a sua solidariedade, ao tenente piloto que ainda não estava completamente consciente, como tinha escapado daquela.
- A vossa companhia está em terreno descoberto junto ao tarrafe, a norte de Caboxanque, e os gajos estão a avançar da mata junto ao cais de Caboxanque.
- Mas porque é que a nossa companhia aparece na bolanha? - pergunta o tenente médico, pouco sabedor desta matéria. Pois o trabalho dele, era tratar as causas da guerra e não fazê-la. Olharam-se interrogativamente, os militares uns para os outros e seguiram-se entretanto uns minutos de silêncio. O alferes cofiou a barba e em tom calmo falou:
- Eu não sei bem o que se está a passar mas, pelas informações do rádio, a malta terá sido emboscada e teria divergido no sentido Norte pela bolanha, para não cair na zona de morte. Aquela descida para o cais de Caboxanque é perigosa e as forças que estão no terreno cheiram-me a E.P. [exército popular]. O capitão deve ter cheirado qualquer coisa. Para pedir a ajuda do Vaso de Guerra, e das lanchas, a complicação é grande.
- Sim! Quando piquei pela primeira vez, só via dezenas de Turras a rebolarem no chão, eles devem ter lá muita malta, vejam que os gajos fizeram-me próximo de vinte furos no avião e furaram o depósito do óleo. Hoje é de facto o meu dia de sorte!

Mas o médico voltou de novo à carga:
- É, pá! Não percebo, nem o comando aéreo aparece! Ainda não vi a avioneta, nem tão pouco helicóptero, para o caso de alguma evacuação! Eu não percebo bem isto!
- Não!? - atalhou, o piloto - É que o céu estava encoberto! Mas eu ainda entrei em contacto com a Dornnier do CA [comando aéreo], que estaria a levantar de Catió com o oficial de operações. E deve estar a chegar outro grupo de T6!
- Olha lá, parece ela!... Mas vem bem alto! - pronunciou o médico, apontando para o céu.


(v) O desânimo de Pami: será que o seu sonho de uma Pátria Livre é irrealista ?


Entretanto por sobre o Cantanhez, mais dois bombardeiros T6 aparecem. Ouve-se o barulho de um helicóptero, que aterra em Cufar. O grupo da varanda no Comando retirou-se e a prisioneira ficou sem mais informações.

A meio da tarde as viaturas saíram, regressando pouco depois com os Lassas. Pelas conversas que ouviu junto dos milícias, a Companhia ter-se-ia esquivado a uma emboscada, junto ao cais de Caboxanque. Detectando a segurança à retaguarda, os Lassas mataram esses elementos e, saindo do caminho que vai dar ao cais, divergiram para a bolanha para não entrarem na emboscada, que deveria ter muita gente do PAIGC.

Sobre Malan o qual tinha seguido como guia, a prisioneira nada conseguiu saber.

Uns dias mais tarde, Míriam contou a Pami tudo o que tinha acontecido, conforme lhe descrevera o furriel Mamadu. O pessoal do PAIGC mais uma vez tinha sido humilhado, pelos Lassas. Tinha sofrido grandes baixas, vários mortos e muitos feridos. A professora de Flaque Injã chorou e pela primeira vez o desânimo entrou no seu pensamento. Seria que o sonho de uma Pátria era irrealista?

(Continua)
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores desta série:

23 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)

28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)

5 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)

10 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)

18 de Dezembro de 2007 > Guine 63/74 - P2363: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (6): Parte V: O primeiro interrogatório da prisioneira (Mário Fitas)

30 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2391: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (7) - Parte VI: Malan é entregue à PIDE de Catió (Mário Fitas)

(2) Resumos dos posts anteriores:

(i) A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)…

No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa. Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano.

O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto). Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa.

É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.

(ii) De etnia balanta, educada na missão católica, Pami Na Dondo, aos catorze anos, torna-se guerrilheira do PAIGC. Fugiu de Catió, com a família, que se instala no Cantanhês, em Cafal Balanta. O pai, Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Pami parte, com um grupo de jovens, para a vizinha República da Guiné-Conacri para receber formação político-militar, na base de Sambise. O pai, agora guerrilheiro, na região sul (que é comandada por João Bernardo Vieira 'Nino') , encontra-se muito esporadicamente com a filha. Num desses encontros, o pai informa a filha de que a mãe está gravemente doente. Pami fica muito preocupada e quer levá-la clandestinamente a Catió, enquanto sonha com o dia em que se tornará companheira do pai na Guerrilha Popular.

Entretanto, o destino prega-lhe uma partida cruel: na instrução, na carreira de tiro, tem um grave acidente, a sua mão esquerda fica decepada. No hospital, conhece Malan Cassamá, companheiro de guerrilha de seu pai, que recupera de um estilhaço de morteiro, que o atingiu na perna, no decurso da Batalha do Como, em Janeiro de 1964 (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964, levada a cabo pelas NT) . Malan fala a Pami da coragem e bravura com quem seu pai se bateu contra os tugas.

Pami é destacada para dar aulas ao pessoal do Exército Popular e da Milícia Popular, em Flaque Injã, Cantanhês. No dia da despedida, canta, emocionada, o hino do Partido, 'Esta é a Nossa Pátria Amada', escrito e composto por Amílcar Cabral. Segue para Flaque Injã, com o coração em alvoroço, apaixonda por Malan Cassamá. De regresso à guerrilha, a Cansalá, Malan fala com o pai da jovem, e de acordo com os costumes gentílicos, Pami torna-se sua mulher.

(iii) Na actual região de Tombali (Catió), no sul da Guiné, o PAIGC, logo no início da guerra, ganha terreno e populações (nomeadamente, de etnia balanat). A resposta das autoridades portuguesas não se fez esperar, com uma grande contra-ofensiva para reconquista a Ilha do Como (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964).

Entretanto, começam a chegar a Catió chegam reforços significativos. O Cantanhês, zona libertada, assusta o governo Português. Em contrapartida, no PAIGC, Nino, o mítico comandante da Região Sul, manda reforçar os acampamentos instalados nas matas de Cufar Nalu e Cabolol.

Em finais de 1964, Sanhá, a mãe de Pami, morre de doença na sua morança na tabanca de Cadique Iála. O guerrilheiro Pan Na Ufna, acompanhado da sua filha, faz o respectivo choro, de acordo com a tradição dos balantas.

Em Março de 1965, os homens da CCAÇ 763 - conhecidos pela guerrilha como os Lassas (abelhas) - reconquistam ao PAIGC a antiga fábrica de descasque de arroz, na Quinta de Cufar, e respectiva pista de aterragem em terra batida. Nino está preocupado com a actuação dos Lassas, agora instalados em Cufar, juntamente com o pelotão de milícias de João Bacar Jaló, antigo cipaio, agora alferes de 2ª linha.

Entretanto, Pami e Malan continuam a viver a sua bela estória de anor, em tempo de guerra, de sacrifício e de heroísmo. Ela, instalada em Flaque Injá, onde é professora. Ele, guerrilheiro, visita-a sempre que pode.A 15 de Maio de 1965, os Lassas destroem o acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. A guerrilha sofre baixas mas, durante a noite, consegue escapar com o equipamento para Cabolol. Na semana seguinte, os militares de Cufar tentam romper a estrada para Cobumba. Embrenham-se na mata de Cabolol, destroiem várias tabancas na zona.

Em princípios de Junho de 1965, os Lassas (abelhas) vão mais longe, destruindo o acampamento de Cabolol. Em Cafal, o comando político-militar do PAIGC está cada vez mais preocupado. Em Julho, Pami chora de dor, raiva e revolta ao ver a sua escola destruída, em Flaque Injã. Grande quantidade de material desaparece ou fica queimado. As casas de Flaque Injã ficam reduzidas a cinzas.

Mas a luta continua... Psiquicamente recuperada, a população começa a reconstrução de Flaque Injã e Caboxanque. A guerrilha recebe mais reforços e armamento novo. Pami entra voluntariamente numa coluna de reabastecimento que a leva à República da Guiné. Segue o corredor de Guilege, e sobe de Mejo para Salancaur, daqui para o Xuguê [Chuguè, segundo a carta de Bedanda,] terra de seus avós paternos. Desce até Cansalá, onde se encontra com seu marido. Não encontra seu pai, pois este fora transferido para o Cafal, e ali integrado numa companhia do Exército Popular.

Em meados de Agosto de 1965, Pami Na Dondo desce com Malan Cassamá até Cobumba. Malan e o seu grupo levam a cabo várias acções contra a tropa e o quartel de Bedanda. O grupo regressa a Cansalá. Uma delegação da OUA visita as zonas libertadas, a convite do PAIGC.

(iv) Madrugada de 24 de Agosto de 1965, Pami e Malan dormiam nos braços um do outro quando a tabanca, Cobumba, sofre um golpe de mão do exército português, que tem a assinatura dos Lassas.

No grupo de prisioneiros que são levados para Cufar, estão Malan e Pami que terão destinos diferentes. Pami estão integrada num grupo de cinco mulheres e procura nunca denunciar a sua condição de professora. Em caso algum falará recusará falar em português ou em crioulo. Mas os seus olhos de águia vão observado tudo, no caminho até ao quartel dos Lassas. No rio Cadique o grupo embarca em lanchas da Marinha. O Alferes Telmo não deixa que ninguém toque nas mulheres. Fala em psico, uma palavra que Pami desconhece. O grupo é entregue à guarda ao Furriel Mamadu.

Pami mal reconhece a antiga fábrica de descasque de arroz, a Quinta de Cufar, onse se instalaram os Lassas. Os prisioneiros são recebidos por militar dos óculos que, mais tarde Pami vem a saber tratar-se de Carlos, O Leão de Cufar, comandante do aquartelamento. Homens e mulheres são instalados em sítuios diefrentes. Malna e Pami entrecuzram o olhar, sem se denunciaram. Sabem que dizem ali adeus para sempre. Lágrimas nos olhos, Pami sente a dor da separação. )Pami e as prisioneiros ficam à guarda da milícia de João Bacar Jaló. Recusa-se a comer, bebe só água. No dia seguinte, a vida no aquartelamento retoma o seu ritmo. Pami pode agora ouvir e até ver perfeitamente, por entre as frestas das paredes de capim ao alto entrançado com lianas, tudo o que acontece por fora da palhota onde tinha passado a noite.

(v) Começam os interrogatórios dos prisioneiros, em Cufar. Um soldado milícia, da torpa de João Bacar Jaló, vem buscar Pami. Pelo caminho, Pami vai-se preparando mentalmente para mentir aos seus captores e sobretudo para não comprometer Malan. Entretanto, com os seus olhos de águia, vai observando e registando todos os pormenores da vida no aquartelamento dos Lassas.

Um milícia serve de intérprete. O interrogatório é conduzido pelo Alferes Telmo, acompanhado pelo Furriel Rafael (de alcunha, Mamadu), um e outros reconhecidos de imediato pela Pami. Respondendo apenas em balanta, diz chamar-se Sanhá Na Cunhema (nome da mãe) e ter nascido na Ilha do Como.
Os militares decidem mudar de táctica. Rafael encosta-lhe o cano da pistola ao seu ouvido, e pergunta-lhe, através do intérprete, o que aconteceu à sua mão esquerda... Um pouco trémula, diz que, quando era criança, fora mordida por uma cobre, tendo o pai sido obrigado a cortar-lhe a mão para a salvar...

Pami parece não convencer os seus interlocutores. Os dois Lassas entram em provocações de teor sexual, pensando tratar-se de uma eventual prostituta ao serviço da guerrilha... O interrogatório irá continuar nos dias seguintes. Pami regressa, exausta, para junto das suas companheiras de infortúnio. Mas, ao mesmo tempo, sente-se orgulhosa por. neste primeiro round, não ter traído os ideais de seu pai, Pan Na Ufna e de seu marido, Malan, valentes guerrilheiros do PAIGC.

(vi) Pami está exausta e confusa, depois do primeiro interrogatório com os rangers Telmo e Rafael (ou Mamadu). Próximo da hora de almoço do dia seguinte, Pami foi levada novamente para ser interrogada. Só que para surpresa sua, o interrogatório não era com os mesmos do dia anterior. Sente que tem de ter muito cuidado. Não pode cair em contradição, ou ceder qualquer pista, pois não sabe nada sobre o que está a acontecer ao seu marido Malan Cassamá, e agora tinha muitas mais razões para a sua inquietação, resultante das revelações feitas pelos seus inquiridores. Sim, ficou a saber que Telmo e Rafael pertenciam a tropas especiais. Porquê a sua inclusão numa companhia normal do exército colonialista, interroga-se ela?

Entretanto Malan é denunciado como guerrilheiro do Exército Popular e é entregue à PIDE de Catió. A professora apercebe-se que os seus companheiros, homens, estão a ser interrogados com a ajuda de cães para aterrorizar mais. Entre as mulheres prisioneiras, já teria havido confissões. Uma, pelo menos, foi alvo de abusos sexuais. As que colaboram com os Lassas são soltas.

Entretanto, a balanta Pami torna-se confidente de fula Miriam e sente um ódio profundo pelo Furriel Rafael (Mamadu, segundo o seu nome de guerra). Os Lassas, por sua vez, voltaram a ir ao outro lado do Rio Cumbijã. Meta, casada com um milícia e amiga da Miriam, contou que tinham andado por Cadique Iála, e que tinham morto muita gente, e queimado as casas todas. E não tinham tido nem mortos nem feridos.

Pami apercebeu-se que de facto as coisas deveriam ter corrido bem, porque houve grande festa no Comando. Mas também poderia ser festa de anos do furriel Rafael, como afirmara Miriam. Era certo que quando algum furriel ou alferes fazia anos, havia sempre grandes festas. Era uma forma de criar corpo de unidade, delineado pelo macaco velho do Leão de Cufar, o chefe dos Lassas.

domingo, 30 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2391: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (7) - Parte VI: Malan é entregue à PIDE de Catió (Mário Fitas)

Guiné> Região de Tombali > Cufar > CART 1687 (1967/1969) >
Setembro de 1967 > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Foto 12 > Centro do aquartelamento (parada), edifícios do comando e cómodos dos oficiais, vistos do lado da messe de sargentos. (Podem ver-se os varandins e balaustradas que o Mário Vicente descreve no seu livro A Guerrilheira, para a direita das viaturas Matadores que se vêm ao fundo, ficaria a palhota que serviu de cárcere à Pami Na Dondo).

Guiné> Região de Tombali > Cufar > CART1687 (1967/1969) > Setembro de 1967 > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Foto 10 > Outro interior da messe de Sargentos. Vejam-se os cadeirões feitos dos barris do vinho, a necessidade aguçava o engenho.
Guiné> Região de Tombali > Cufar > CART1687 (1967/1969) > Setembro de 1967 > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Foto 7 > Interior da messe e bar de Sargentos.

Guiné> Região de Tombali > Cufar > CART1687 (1967/1969) > Setembro de 1967 > Álbum fotogáfico de Victor Condeço > Foto 1 > Cufar Aquartelamento de Cufar, vista do lado da Pista.

Fotos e legendas: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados.



PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (1)
por Mário Vicente
Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112



Edição no blogue, devidamente autorizada pelo autor, Mário Vicente Fitas Ralhete (ex Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ 726 : Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.


Parte VI - Esperando o segundo interrogatório (pp. 47-52)


Resumos dos posts anteriores (1):

(i) A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)…

No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa. Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano.

O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto). Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa.

É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.

(ii) De etnia balanta, educada na missão católica, Pami Na Dondo, aos catorze anos, torna-se guerrilheira do PAIGC. Fugiu de Catió, com a família, que se instala no Cantanhês, em Cafal Balanta. O pai, Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Pami parte, com um grupo de jovens, para a vizinha República da Guiné-Conacri para receber formação político-militar, na base de Sambise. O pai, agora guerrilheiro, na região sul (que é comandada por João Bernardo Vieira 'Nino') , encontra-se muito esporadicamente com a filha. Num desses encontros, o pai informa a filha de que a mãe está gravemente doente. Pami fica muito preocupada e quer levá-la clandestinamente a Catió, enquanto sonha com o dia em que se tornará companheira do pai na Guerrilha Popular.

Entretanto, o destino prega-lhe uma partida cruel: na instrução, na carreira de tiro, tem um grave acidente, a sua mão esquerda fica decepada. No hospital, conhece Malan Cassamá, companheiro de guerrilha de seu pai, que recupera de um estilhaço de morteiro, que o atingiu na perna, no decurso da Batalha do Como, em Janeiro de 1964 (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964, levada a cabo pelas NT) . Malan fala a Pami da coragem e bravura com quem seu pai se bateu contra os tugas.

Pami é destacada para dar aulas ao pessoal do Exército Popular e da Milícia Popular, em Flaque Injã, Cantanhês. No dia da despedida, canta, emocionada, o hino do Partido, 'Esta é a Nossa Pátria Amada', escrito e composto por Amílcar Cabral. Segue para Flaque Injã, com o coração em alvoroço, apaixonda por Malan Cassamá. De regresso à guerrilha, a Cansalá, Malan fala com o pai da jovem, e de acordo com os costumes gentílicos, Pami torna-se sua mulher.

(iii) Na actual região de Tombali (Catió), no sul da Guiné, o PAIGC, logo no início da guerra, ganha terreno e populações (nomeadamente, de etnia balanat). A resposta das autoridades portuguesas não se fez esperar, com uma grande contra-ofensiva para reconquista a Ilha do Como (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964).

Entretanto, começam a chegar a Catió chegam reforços significativos. O Cantanhês, zona libertada, assusta o governo Português. Em contrapartida, no PAIGC, Nino, o mítico comandante da Região Sul, manda reforçar os acampamentos instalados nas matas de Cufar Nalu e Cabolol.

Em finais de 1964, Sanhá, a mãe de Pami, morre de doença na sua morança na tabanca de Cadique Iála. O guerrilheiro Pan Na Ufna, acompanhado da sua filha, faz o respectivo choro, de acordo com a tradição dos balantas.

Em Março de 1965, os homens da CCAÇ 763 - conhecidos pela guerrilha como os Lassas (abelhas) - reconquistam ao PAIGC a antiga fábrica de descasque de arroz, na Quinta de Cufar, e respectiva pista de aterragem em terra batida. Nino está preocupado com a actuação dos Lassas, agora instalados em Cufar, juntamente com o pelotão de milícias de João Bacar Jaló, antigo cipaio, agora alferes de 2ª linha.

Entretanto, Pami e Malan continuam a viver a sua bela estória de anor, em tempo de guerra, de sacrifício e de heroísmo. Ela, instalada em Flaque Injá, onde é professora. Ele, guerrilheiro, visita-a sempre que pode.A 15 de Maio de 1965, os Lassas destroem o acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. A guerrilha sofre baixas mas, durante a noite, consegue escapar com o equipamento para Cabolol. Na semana seguinte, os militares de Cufar tentam romper a estrada para Cobumba. Embrenham-se na mata de Cabolol, destroiem várias tabancas na zona.

Em princípios de Junho de 1965, os Lassas (abelhas) vão mais longe, destruindo o acampamento de Cabolol. Em Cafal, o comando político-militar do PAIGC está cada vez mais preocupado. Em Julho, Pami chora de dor, raiva e revolta ao ver a sua escola destruída, em Flaque Injã. Grande quantidade de material desaparece ou fica queimado. As casas de Flaque Injã ficam reduzidas a cinzas.

Mas a luta continua... Psiquicamente recuperada, a população começa a reconstrução de Flaque Injã e Caboxanque. A guerrilha recebe mais reforços e armamento novo. Pami entra voluntariamente numa coluna de reabastecimento que a leva à República da Guiné. Segue o corredor de Guilege, e sobe de Mejo para Salancaur, daqui para o Xuguê [Chuguè, segundo a carta de Bedanda,] terra de seus avós paternos. Desce até Cansalá, onde se encontra com seu marido. Não encontra seu pai, pois este fora transferido para o Cafal, e ali integrado numa companhia do Exército Popular.

Em meados de Agosto de 1965, Pami Na Dondo desce com Malan Cassamá até Cobumba. Malan e o seu grupo levam a cabo várias acções contra a tropa e o quartel de Bedanda. O grupo regressa a Cansalá. Uma delegação da OUA visita as zonas libertadas, a convite do PAIGC.

(iv) Madrugada de 24 de Agosto de 1965, Pami e Malan dormiam nos braços um do outro quando a tabanca, Cobumba, sofre um golpe de mão do exército português, que tem a assinatura dos Lassas.

No grupo de prisioneiros que são levados para Cufar, estão Malan e Pami que terão destinos diferentes. Pami estão integrada num grupo de cinco mulheres e procura nunca denunciar a sua condição de professora. Em caso algum falará recusará falar em português ou em crioulo. Mas os seus olhos de águia vão observado tudo, no caminho até ao quartel dos Lassas. No rio Cadique o grupo embarca em lanchas da Marinha. O Alferes Telmo não deixa que ninguém toque nas mulheres. Fala em psico, uma palavra que Pami desconhece. O grupo é entregue à guarda ao Furriel Mamadu.

Pami mal reconhece a antiga fábrica de descasque de arroz, a Quinta de Cufar, onse se instalaram os Lassas. Os prisioneiros são recebidos por militar dos óculos que, mais tarde Pami vem a saber tratar-se de Carlos, O Leão de Cufar, comandante do aquartelamento. Homens e mulheres são instalados em sítuios diefrentes. Malna e Pami entrecuzram o olhar, sem se denunciaram. Sabem que dizem ali adeus para sempre. Lágrimas nos olhos, Pami sente a dor da separação. )Pami e as prisioneiros ficam à guarda da milícia de João Bacar Jaló. Recusa-se a comer, bebe só água. No dia seguinte, a vida no aquartelamento retoma o seu ritmo. Pami pode agora ouvir e até ver perfeitamente, por entre as frestas das paredes de capim ao alto entrançado com lianas, tudo o que acontece por fora da palhota onde tinha passado a noite.

(v) Começam os interrogatórios dos prisioneiros, em Cufar. Um soldado milícia, da torpa de João Bacar Jaló, vem buscar Pami. Pelo caminho, Pami vai-se preparando mentalmente para mentir aos seus captores e sobretudo para não comprometer Malan. Entretanto, com os seus olhos de águia, vai observando e registando todos os pormenores da vida no aquartelamento dos Lassas.

Um milícia serve de intérprete. O interrogatório é conduzido pelo Alferes Telmo, acompanhado pelo Furriel Rafael (de alcunha, Mamadu), um e outros reconhecidos de imediato pela Pami. Respondendo apenas em balanta, diz chamar-se Sanhá Na Cunhema (nome da mãe) e ter nascido na Ilha do Como.
Os militares decidem mudar de táctica. Rafael encosta-lhe o cano da pistola ao seu ouvido, e pergunta-lhe, através do intérprete, o que aconteceu à sua mão esquerda... Um pouco trémula, diz que, quando era criança, fora mordida por uma cobre, tendo o pai sido obrigado a cortar-lhe a mão para a salvar...

Pami parece não convencer os seus interlocutores. Os dois Lassas entram em provocações de teor sexual, pensando tratar-se de uma eventual prostituta ao serviço da guerrilha... O interrogatório irá continuar nos dias seguintes. Pami regressa, exausta, para junto das suas companheiras de infortúnio. Mas, ao mesmo tempo, sente-se orgulhosa por. neste primeiro round, não ter traído os ideais de seu pai, Pan Na Ufna e de seu marido, Malan, valentes guerrilheiros do PAIGC.


(i) Pami está exausta e confusa, depois do primeiro interrogatório com os rangers Telmo e Rafael (ou Mamadu)

Passado que fora aproximadamente uma hora de terem levado a Bajuda, ouviram-se passos em corrida e grandes gargalhadas no Comando. Pouco depois a rapariga foi reintroduzida na prisão. Tremendo toda, enrolou-se junto de Pami. Esta ajeitou-se, de forma que as caras ficaram juntas. A professora de Flaque Injã passou com suavidade a sua única mão pelo rosto da jovem e sentiu os dedos humidificarem-se com as suas lágrimas. Num murmúrio, perguntou-lhe:
- Fizeram-te mal? Abusaram?
- Não!

Então sussurrante, a jovem contou tudo o que se tinha passado:
- Levaram-me para uma casa, onde estava uma cama dos militares. Fiquei ali só, durante um tempo até que apareceu um militar que deveria ser o dono da cama. Eu estava sentada a um canto. E ele pareceu ficar surpreendido com a minha presença. Começou a falar, mas eu não entendia nada, pois não conheço a língua deles. Passados uns momentos, ele aproximou-se e, sempre falando, pôs a mão na minha cabeça, e foi descendo até apertar o meu seio. Aí eu bati com a minha mão na dele. Falou mais, e veio novamente, agora tentando meter a mão entre as minhas pernas. Havia um pau junto, e eu peguei nele para lhe bater. Então ele começou a fugir, em volta da casa, sempre falando. Parou e tentou vir junto de mim outra vez, e eu levantei o pau novamente. Ouvi barulho, por cima, e vi muitas caras espreitando e rindo. Ele falou para os outros zangado, e os outros fugiram. Depois trouxeram-me para aqui. Mas estou com muito medo.

Estava narrada a aventura da Bajuda. Pami acalmou a miúda, colega de cárcere. Felizmente nada de grave tinha acontecido. No dia seguinte pelas conversas ouvidas ao grupo que se reuniu na varanda do Comando, verificou ter-se tratado de brincadeira, feita pelos alferes ao tenente. Do qual ficou a saber ser médico, e chamar-se Leandro.

Próximo da hora de almoço do dia seguinte, Pami foi levada novamente para ser interrogada. Só que para surpresa sua, o interrogatório não era com os mesmos do dia anterior. Estes não conhecia o nome, mas eram do mesmo grupo que comandavam os Lassas. Um sem barbas, que tinha na mão o mesmo caderno onde Telmo tinha escrito, perguntou a um milícia que também era outro, o seguinte:
- Gibi, pergunta-lhe lá, se o que ela ontem disse é verdade?

O milícia formulou a pergunta em Balanta. A prisioneira esperou um pouco e acenou que sim com a cabeça. Os militares ficaram calados, e o que não tinha barbas disse para o outro:
- O que é que fazemos, Gama?

Ao que o de cara cheia e com barbas, respondeu:
- Sei lá, carago! Oh meu alferes, deixe essa merda, carago! Estamos aqui a perder tempo para quê? O alferes Telmo e o Mamadu que tratem dela, eles são Rangers, eles é que sabem tratar dessas merdas, carago!

Pami ficou a conhecer mais dois elementos dos Lassas. O alferes virou-se para o barbudo e falou:
- Eh, pá, eu acho que eles têm razão. Esta gaja parece esconder algo.
- Não duvido! Se o Telmo e o Mamadu nos pediram para fazer isto, é porque lhe cheira a qualquer coisa, carago! Mas eles que se chateiem. Eu já não tenho pachorra para isto, carago.

O alferes virou-se para o milícia Gibi, e disse:
- Diz-lhe que quando quiser falar verdade que diga. E agora leva-a para a palhota!

A professora ficou estupefacta. Estes indivíduos são de facto imprevisíveis. Tem de ter muito cuidado. Não pode cair em contradição, ou ceder qualquer pista, pois não sabe nada sobre o que está a acontecer a Malan Cassamá, e agora tinha muitas mais razões para a sua inquietação, resultante das revelações feitas pelos seus inquiridores. Sim, ficou a saber que Telmo e Rafael pertenciam a tropas especiais. Porquê a sua inclusão numa companhia normal do exército colonialista?

(ii) Malan, denunciado como guerrilheiro, é entregue à PIDE de Catió

Ao terceiro dia é concedida autorização para as prisioneiras lavarem a roupa, pelo que se dirigem todas para o poço. As duas mulheres primeiramente interrogadas, e que continuam a ser ouvidas em conjunto, desligam-se um pouco do grupo. Os militares sentem grande interesse por elas, e estão constantemente a ser chamadas. Pami tem a certeza que elas estarão a passar informações sobre a guerrilha. A professora apercebe-se que os homens estão a ser interrogados com a ajuda de cães para aterrorizar mais. Do seu ponto de observação, no interior da prisão palhota, consegue ouvir uma conversa, em que Malan Cassamá, já foi identificado. Ouviu perfeitamente Telmo falar com o Leão de Cufar:
- Meu capitão, o problema está resolvido, o indivíduo não confessou, mas há um que confirma, que o gajo é mesmo o Malan Cassamá, e que pertence ao Exército Popular como consta no pedido de captura!
- É uma porra, Telmo! Não podemos ficar com ele. Temos de o levar para Catió e entregá-lo à PIDE. Mas vê se lhe caças alguma coisa. Na próxima ocasião, pedimos o gajo como guia. Olha, diz ao Palmeiro que aquelas duas gajas que se abriram, podem ir embora. E já agora que levem a miúda, não vá algum sacana de noite meter-lhe os tampos dentro, e termos para aí problemas. As outras espremam um pouco mais a ver se dá alguma coisa. A sem mão é capaz de ser tonta, mas tudo é possível.
- Certo, vou tratar disso com o Palmeiro!
- Outra coisa, meu capitão. A mais velha disse alguma coisa que coincide na generalidade com as outras. Mas os soldados andam de volta dela, e parece que alguns já a comeram. Era melhor o doutor vê-la, não vá haver para aí uma infecção geral, e andar tudo de gaita à bandoleira.
- Certo, levem-na ao Leandro.

Pami, embora receosa e triste, por verificar que os prisioneiros parecerem não estar a aguentar-se. Ficou mais aliviada com esta revelação, pois Malan pelo menos já tinha o estatuto de prisioneiro em princípio regularizado. Mas estava preocupada por não ser chamada, nem a sua companheira, agora que as outras três tinham partido. Ou estariam à espera que fosse ela a tomar a iniciativa? Grandes momentos de confusão para a professora de Flaque Injã.

Uma manhã, oito dias passados sobre a sua captura, Pami conseguiu ver Malan. Mãos amarradas por uma corda, que lhe envolvia o pescoço, o guerrilheiro era içado, para uma viatura, que seguiria numa coluna rumo a Catió. Agora sim a separação seria para sempre.

Aos poucos os homens prisioneiros foram desaparecendo. O destino deles era interrogação para Pami, que permanecia com a sua companheira, a qual por vezes se ausentava com os militares, voltando com pão, vinho, bolacha e por vezes aparecia já alcoolizada. A conversa entre as duas era nula. Uma manhã a companheira saiu e não voltou mais.


(iii) Pami torna-se confidente de Miriam e sente um ódio profundo pelo Furriel Rafael (Mamadu)

Pami sentiu mais liberdade, e verificou que ninguém ficava a guardar a sua prisão. Pelo que começou a sair e a sentar-se no chão junto à porta, apercebendo-se agora praticamente de toda a vida dos Lassas dentro do seu aquartelamento. O pessoal da milícia falava com ela, e as mulheres aproximavam-se mais, mantendo até conversa. Pami receou que alguma mais velha a reconhecesse de Catió, mas a invenção do nome e a falta da mão ocultavam perfeitamente bem a sua verdadeira identidade.

Duas mulheres, as quais eram bastantes novas e casadas com dois milícias já velhos, começaram a vir até junto dela, e falar imenso. A professora redobrou a atenção e concentração, não fossem os militares tentarem recolher qualquer informação através delas. Apercebeu-se mais tarde que não seria essa a intenção, mas única e simplesmente a conversa um pouco criança, talvez, que suscitava a curiosidade e o interesse das jovens mulheres.

Apercebeu-se rapidamente que a que dava pelo nome de Míriam, era nada menos nada mais do que a lavadeira - mas não só - do furriel Rafael. A de nome Meta - um pouco tonta - tinha relações com um soldado nativo, ou seja do recrutamento da Província, como diziam os colonialistas, o qual era criado (impedido) de três furriéis, onde estava incluído o Rafael.

Que ódio tinha Pami a este homem! Porquê? Ela própria não o sabia definir. Seria por causa dos interrogatórios? Talvez! Mas... tirando o caso de puxar pela pistola e tê-la colocado no seu ouvido, não tinha sido violento. Antipatia natural seria!? O olhar dele parecia que a trespassava.

Da conversa com as duas Pami ficou a saber que Meta dormia com o impedido por gostar de fazer conversa giro, coisa impossível de acontecer com seu marido, dada a impotência deste derivado da sua velhice. Os encontros de Miriam com o furriel seriam o desejo desta ter um filho de um homem branco. Coisas incompreensíveis para a jovem professora, cuja cabeça era apenas ocupada por Malan.

Os Lassas voltaram a ir ao outro lado do Cumbijã. Meta contou que tinham andado por Cadique Iála, e que tinham morto muita gente, e queimado as casas todas. E não tinham tido nem mortos nem feridos. Pami apercebeu-se que de facto as coisas deveriam ter corrido bem, porque houve grande festa no Comando. Mas também poderia ser festa de anos do furriel Rafael, como afirmara Miriam. Era certo que quando algum furriel ou alferes fazia anos, havia sempre grandes festas. Era uma forma de criar corpo de unidade, delineado pelo macaco velho do Leão de Cufar (2).
_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores desta série:

18 de Dezembro de 2007 > Guine 63/74 - P2363: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (6): Parte V: O primeiro interrogatório da prisioneira (Mário Fitas)

23 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)

28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)

5 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)

10 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)

(2) Comandante dos Lassas

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Guine 63/74 - P2363: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (6): Parte V: O primeiro interrogatório da prisioneira (Mário Fitas)

Guiné > Região do Cacheu > CCAÇ 3 > Barro > 1968> Um prisioneiro do PAIGC.

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 1621 (1966/68)> Obus 14

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 1621 (1966/68)> Canhão s/r 5,7

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 1621 (1966/68)> Pista aviação de Cufar

Fotos: © Hugo Moura Ferreira (2007). Direitos reservados. (Com a devida vénia... Do sítio do Moura Ferreira > Fotografias Fotografais cedidas ao HMF pelo pessoal da CCAÇ 1621).


PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (1)
por Mário Vicente
Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112




Edição no blogue, devidamente autorizada pelo autor, Mário Vicente Fitas Ralhete (ex Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ 726 : Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.


Parte V - Pami é sujeita ao primeiro interrogatório dos Lassas e sofre com a sua separação de Malan (pp. 40-47) (1)




© Mário Fitas / 2007). Direitos reservados.

Resumo do episódio anterior (2):

Madrugada de 24 de Agosto de 1965, Pami e Malan dormiam nos braços um do outro quando a tabanca, Cobumba, sofre um golpe de mão do exército português, que tem a assinatura dos Lassas.

No grupo de prisioneiros que são levados para Cufar, estão Malan e Pami que terão destinos diferentes. Pami estão integrada num grupo de cinco mulheres e procura nunca denunciar a sua condição de professora. Em caso algum falará recusará falar em português ou em crioulo. Mas os seus olhos de águia vão observado tudo, no caminho até ao quartel dos Lassas. No rio Cadique o grupo embarca em lanchas da Marinha. O Alferes Telmo não deixa que ninguém toque nas mulheres. Fala em psico, uma palavra que Pami desconhece. O grupo é entregue à guarda ao Furriel Mamadu.

Pami mal recinhece a antiga fábrica de descasque de arroz, a Quinbta de Cufar, onse se instalaram os Lassas. Os prisioneiros são recebidos por militar dos óculos que, mais tarde Pami vem a saber tratar-se de Carlos, O Leão de Cufar, comandante do aquartelamento. Homens e mulheres são instalados em sítuios diefrentes. Malna e Pami entrecuzram o olhar, sem se denunciaram. Sabem que dizem ali adeus para sempre. Lágrimas nos olhos, Pami sente a dor da separação. )Pami e as prisioneiros ficam à guarda da milícia de João Bacar Jaló. Recusa-se a comer, bebe só água. No dia seguinte, a vida no aquartelamento retoma o seu ritmo. Pami pode agora ouvir e até ver perfeitamente, por entre as frestas das paredes de capim ao alto entrançado com lianas, tudo o que acontece por fora da palhota onde tinha passado a noite
.




(i) Os olhos de águia da prisioneira



Aos poucos, a prisioneira começa a sentir o incómodo da situação em que se encontra. Mostra o pano empapado em sangue a uma companheira, e esta, não tendo em atenção o que se passa, mas julgando tratar-se de auto agressão, grita. Imediatamente por entre o pano que servia de porta à improvisada prisão, aparece uma cara escura de G3 em punho. Troca de palavras entre as mulheres, e a situação é clarificada e explicada ao vigilante. Passados poucos minutos, aparece um militar. Pami reconhece nele, um dos que muito se tinha movimentado junto do Leão de Cufar.
- Que aconteceu Amadu? - Pergunta o branco.

O carcereiro informa em crioulo meio português o que se passa. O militar ouve, e ordena:
- Diz à tua mulher que vá com a prisioneira junto do poço para que ela se lave!
- Eh... Arferes Palmeiro, e se mulher foge? - Pergunta aflito, o guarda das prisioneiras.
- Não foge! - Responde o que Pami fica a conhecer como alferes Palmeiro.

Aparece, então, uma mulher já de certa idade, que tenta falar crioulo. Mas em vão, pois tudo se mantém mudo. Começa então, a dirigir-se em balanta, às mulheres, pelo que Pami se levanta, e segue a mulher velha. Passam pela frente da casa principal da Quinta. Observando tudo, a professora verifica tratar-se da casa onde estaria instalado todo o comando. Olhos de águia observadora, Pami vai vendo onde ficam as transmissões e a enfermaria. Passando a estrada, contornam o edifício que mais tarde fica a saber tratar-se da messe de sargentos. Por detrás deste, situa-se um poço que abastece os soldados, para tudo quanto é lavagens. Param, e a velha sorridente dirige-se a um soldado que sobre a parede do poço se abastece:
- É, pessoal, parte água, para pessoal ali lavar catota!

O soldado dá uma gargalhada e returque:
- Só tiro água, se partires catota comigo!

- Chi! Minino, a mim belho! Esse pessoal lá é pisoneiro! Não pode faze esse cumbersa! Capitão num deixa!
- Olha! Mas ela é maneta!... Mas com a mão direita ainda tocava uma punheta! Toma lá a água, e se ela quiser mais, chama pessoal ali do abrigo!

O soldado, tirando a pulso uma lata de dez litros de água, entrega-a à velha e desaparece em direcção a um abrigo que Pami verifica ser colectivo. Paredes de adobos, com dois metros de terra pela frente. Por cima, troncos de palmeira e chapas de bidões cobertos com cerca de cinquenta centímetros de terra. Uma cobertura de colmo faz a protecção da chuva e do sol..

Pami retira o pano que lhe cobria o corpo, e coloca-o no chão. Flecte-se, dobrando os joelhos, e com uma pequena concha - feita de meia cabaça -, vai tirando água da lata, fazendo a sua higiene pessoal. Após as ablações feitas, pega no pano, colocando-o sobre uma pedra, e deita-lhe por cima o resto da água. Com uma mão apenas ajudada pelo coto esquerdo vai lavando até as manchas desaparecerem. Enrola ao corpo o pano molhado, e faz sinal que está pronta à mulher do milícia. Em silêncio, regressam ao improvisado cárcere.

Ao atravessar o arruamento que dividia o Aquartelamento, Pami olha para a esquerda e vê surgir da porta de armas um grupo de nativos acompanhado de dois militares armados. Fica a saber que se trata de pessoal das tabancas a Sul, que vêm convidar os militares para estarem presentes no Choro. Tempos mais tarde analisa este acto e confirma tratar-se de técnica de efeito psicológico, feita pelos militares junto dos moradores a Sul. Seria honra convidar os militares, que se tornavam pródigos, carregando uma viatura, com rações de combate e alguns garrafões de vinho, água de Lisboa, que depois eram distribuídos pelos homens grandes e família do morto. Oportunamente, aproveitavam todos os pormenores para conquistar a confiança das populações.

Voltando ao cárcere, verifica que apenas a bajuda e outra mulher de meia-idade - a qual não lhe era desconhecida - se encontram no interior. As outras duas companheiras tinham-se ausentado. Uma hora depois, aproximadamente, as ausentes regressam. Pela troca de olhares e pelas meias palavras, pronunciadas muito baixinho, verificam que tinham começado os interrogatórios. Quem se seguiria?



(ii) O Alferes Telmo e o Furriel Mamadu interrogam Pami


Pami Na Dondo segue-se na lista. Um soldado milícia faz-lhe sinal para que o acompanhe. Pelo curto caminho até onde funcionam os interrogatórios, Pami decide-se por mentir e, mentalmente, vai gizando um estratagema para não cair em nenhuma cilada ou, de forma alguma, denunciar Malan.

Contornando pela parte de trás o edifício do comando, é introduzida num quarto onde se encontra o sujeito milícia que parecia conhecer de Catió. Os de nome Telmo e Mamadu - este último apresentava-se de farda amarela, com a boina preta, mas sem lenço e, pendia-lhe à cintura um cinturão de lona de onde caía um coldre com uma pistola de grande calibre -, também estão presentes.

Virando-se para o milícia, Telmo começa:
- Quêba! Pergunta-lhe lá o nome?

O milícia Quêba olha para Pami e pergunta-lhe o nome em crioulo. Pami já tinha delineado manter-se firme e responder só na língua balanta, fazendo-se ignorante a qualquer outra. Pelo que não responde. Quêba torna a insistir, sem resultado.

Virando-se para Telmo informa:
- Este gaja só fala balanta, arferes Telmo!
- Está bem! Então fala em balanta! Qual o nome dela?

Quêba volta à carga, agora em Balanta. Pami hesita um pouco, olha o milícia e responde:
- Sanhá Na Cunhema.

O ora identificado alferes Telmo continua, fazendo perguntas e escrevendo:
- Idade?
- Num sabe! Mas deve ter vinte anos!
- Onde nasceu?
- Num sabe! Pai e mãe morreu quando rebentou guerra!
- Onde?
- Na Ilha do Como.
- O que é que ela fazia em Cobumba?
- Nada!

O da boina preta, mete a mão no punho da pistola, e retirando-a diz:
- Pergunta-lhe lá se sabe o que é isto, e para que serve?
- Diz que é coisa com que militar mata!

Quêba suava por todos os poros, e irritado, disse para o da boina preta:
- Furriel Mamadu este gaja está a enganar pessoal!

Pami confirmou assim a identificação do boina preta, mas não devia ser este o seu verdadeiro nome. Deveria ser nome de guerra. Não havia branco com nome de preto.

Telmo, desculpa lá! Deixa ver a reacção dela!

Pegou na pistola, e enfiando o cano no ouvido de Pami, ordenou ao milícia:
- Pergunta-lhe lá onde é que ficou a mão esquerda dela?

Pami sentiu o frio do aço da arma no ouvido e, com um gesto brusco, fugiu ao contacto. Estremeceu, pela primeira vez começou a ter medo. Este militar, com olhos fundos, não deve ser bom. A barba dele e o olhar faz medo. Um pouco trémula, a professora respondeu ao milícia e este traduziu:
- Não sabe! Quando era minino pequinina, cobra mordeu nela, e pai teve de cortar mão a ela!

O furriel Mamadu meteu a arma no coldre e sorriu para o alferes dizendo:
- Parecia fácil, não era? Aí está uma gaja que sabe muito e se está a armar em parva, ou então é mesmo louca.

O alferes olhou para o furriel e disse-lhe:
- Rafael, vamos utilizar outra forma, põe-na lá a rir!

Ficou desvendada a alcunha, Rafael era o verdadeiro nome de Mamadu.

Mamadu sentou-se no chão, puxou do bolso um maço de cigarros, tirou um e acendendo-o, de imediato ofereceu à prisioneira. Esta olhou e fez negação com a cabeça. Rafael olhando para ela, sorriu de uma forma aberta e descontraída e disse para Quêba:
- Diz-lhe lá que eu gosto do nome dela! Se ela quiser eu caso com ela!

O intérprete repetiu em balanta, e Pami descontraiu um pouco. Rafael voltou de novo ao ataque, enquanto o alferes começava a fumar também.
- Então a gaja não diz nada?

O intérprete insistiu.
- Diz que não, furriel. Branco não gosta de preta!
- Ah, sim? Mas diz-lhe lá, que aqui não há mulher branca! Espera!... Diz-lhe que os soldados brancos dizem que ao fim de quinze dias na Guiné as pretas começam a ficar brancas!

O à vontade do furriel e a forma engraçada como disse aquilo iam traindo a prisioneira, que quase esboçou um sorriso. O interprete como sempre voltou a repetir as palavras do furriel. Nestes momentos a mente de Pami trabalhou e pensou seguir um caminho que, embora perigoso, poderia transformar as coisas, e respondeu. O interprete começou a rir e voltando-se para o alferes disse:
-Ai! Arferes Telmo! Este gaja é mesmo maluco! Diz que não casa, mas que faz muito conversa giro!
- Queres ver que nos saiu uma puta na rifa! Estamos fodidos com esta merda! - Exclamou o furriel.
- Não! Espera! Vamos explorar esta situação!

Diz Telmo:
- Quêba, pergunta-lhe com quem é que ela faz conversa giro?
- Com homem! Diz ela!

Retorquiu Quêba.
- Certo! Então diz-lhe, que vai fazer conversa giro com os Militares todos do Quartel!

Pami viu que tinha ido longe demais, não se sentiu com capacidade para resistir. Pensou em Malan, e começou a chorar.

Telmo e Rafael olharam um para o outro e os seus olhares entenderam-se. Enquanto Quêba ria e ia dizendo:
- Gaja mesmo maluco! Cá tem cabeça!
- Quêba, leva a mulher para junto das outras, amanhã vamos explorar isto melhor. OK, Rafael?
- Certo! Se for uma puta para serviço da guerrilha, pode ser uma boa fonte!

O alferes e o furriel saíram, enquanto o milícia levava a prisioneira para junto das suas companheiras.


(iii) Pami não quer trair os ideais de seu pai e de Malan


Pami estava exausta, a cabeça fervilhante, não a deixava coordenar o pensamento. Sentia que tinha embrulhado tudo, e que os militares não tinham acreditado em nada do que dissera. Coisa horrível! Como seria com Malan? Tinha de saber, havia que fazer qualquer coisa para tentar no mínimo saber o que lhe estava acontecendo. Ouviu vozes fora da palhota prisão, e por entre as frestas do capim, verificou que vários soldados conversavam na varanda da casa da Quinta, agora Comando. A prisão distava uns quinze metros da varanda, e as conversas poderiam ser perfeitamente audíveis. Com extremo cuidado afastou um pouco mais o capim, e ficou com um ângulo visual mais alongado. Desta forma, poderia não só ouvir, como também ver os soldados. Lá estavam o Leão, os alferes Telmo e Palmeiro, e mais quatro. Dos restantes quatro, observou que dois tinham nos ombros a graduação, a qual tinha aprendido em Simbele, na República da Guiné. Um, já de idade mais avançada que os outros, tinha as divisas de sargento; o outro, pequenino, vestindo calções e camisa de farda amarela, tinha os galões de tenente.

Estes momentos de espionagem, acalmaram-na um pouco. Mas... logo voltou à preocupação por Malan. Fechou os olhos e recostou a cabeça no tronco do canto que servia de prumo e sustentação do cárcere. O pensamento voou e pensou em seu pai, e como tinha tido coragem de trocar o seu nome pelo de sua saudosa mãe. No amolecimento da dor e do calor, adormeceu naquele silêncio de meio do dia.

Antes de anoitecer, os milícias trouxeram mais arroz com carne. Já pela noite dentro, chegaram dois milícias que levaram a Bajuda. Pami receou o pior, concerteza iriam violá-la, e chorou de novo. Embrenhando-se nos pensamentos de lama desta guerra, sentiu que estava a fraquejar. Não!... Não poderia ser, tinha de criar forças, nunca poderia trair os ideais de seu pai e de Malan.

(Continua)

____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. episódios anteriores:

23 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)


(...) A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)…

No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa. Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano.

O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto). Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa.

É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.(...)



28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)


(...) De etnia balanta, educada na missão católica, Pami Na Dondo, aos catorze anos, torna-se guerrilheira do PAIGC. Fugiu de Catió, com a família, que se instala no Cantanhês, em Cafal Balanta. O pai, Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Pami parte, com um grupo de jovens, para a vizinha República da Guiné-Conacri para receber formação político-militar, na base de Sambise. O pai, agora guerrilheiro, na região sul (que é comandada por João Bernardo Vieira 'Nino') , encontra-se muito esporadicamente com a filha. Num desses encontros, o pai informa a filha de que a mãe está gravemente doente. Pami fica muito preocupada e quer levá-la clandestinamente a Catió, enquanto sonha com o dia em que se tornará companheira do pai na Guerrilha Popular.

Entretanto, o destino prega-lhe uma partida cruel: na instrução, na carreira de tiro, tem um grave acidente, a sua mão esquerda fica decepada. No hospital, conhece Malan Cassamá, companheiro de guerrilha de seu pai, que recupera de um estilhaço de morteiro, que o atingiu na perna, no decurso da Batalha do Como, em Janeiro de 1964 (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964, levada a cabo pelas NT) . Malan fala a Pami da coragem e bravura com quem seu pai se bateu contra os tugas.

Pami é destacada para dar aulas ao pessoal do Exército Popular e da Milícia Popular, em Flaque Injã, Cantanhês. No dia da despedida, canta, emocionada, o hino do Partido, 'Esta é a Nossa Pátria Amada', escrito e composto por Amílcar Cabral. Segue para Flaque Injã, com o coração em alvoroço, apaixonda por Malan Cassamá. De regresso à guerrilha, a Cansalá, Malan fala com o pai da jovem, e de acordo com os costumes gentílicos, Pami torna-se sua mulher. (...).



5 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)

Na actual região de Tombali (Catió), no sul da Guiné, o PAIGC, logo no início da guerra, ganha terreno e populações (nomeadamente, de etnia balanat). A resposta das autoridades portuguesas não se fez esperar, com uma grande contra-ofensiva para reconquista a Ilha do Como (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964). Entretanto, começam a chegar a Catió chegam reforços significativos. O Cantanhês, zona libertada, assusta o governo Português. Em contrapartida, no PAIGC, Nino, o mítico comandante da Região Sul, manda reforçar os acampamentos instalados nas matas de Cufar Nalu e Cabolol.

Em finais de 1964, Sanhá, a mãe de Pami, morre de doença na sua morança na tabanca de Cadique Iála. O guerrilheiro Pan Na Ufna, acompanhado da sua filha, faz o respectivo choro, de acordo com a tradição dos balantas.

Em Março de 1965, os homens da CCAÇ 763 - conhecidos pela guerrilha como os Lassas (abelhas) - reconquistam ao PAIGC a antiga fábrica de descasque de arroz, na Quinta de Cufar, e respectiva pista de aterragem em terra batida. Nino está preocupado com a actuação dos Lassas, agora instalados em Cufar, juntamente com o pelotão de milícias de João Bacar Jaló, antigo cipaio, agora alferes de 2ª linha.

Entretanto, Pami e Malan continuam a viver a sua bela estória de anor, em tempo de guerra, de sacrifício e de heroísmo. Ela, instalada em Flaque Injá, onde é professora. Ele, guerrilheiro, visita-a sempre que pode.

A 15 de Maio de 1965, os Lassas destroem o acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. A guerrilha sofre baixas mas, durante a noite, consegue escapar com o equipamento para Cabolol. Na semana seguinte, os militares de Cufar tentam romper a estrada para Cobumba. Embrenham-se na mata de Cabolol, destruem várias tabancas na zona.

Em princípios de Junho de 1965, os Lassas (abelhas) (3) vão mais longe, destruindo o acampamento de Cabolol. Em Cafal, o comando político-militar do PAIGC está cada vez mais preocupado. Em Julho, Pami chora de dor, raiva e revolta ao ver a sua escola destruída, em Flaque Injã. Grande quantidade de material desaparece ou fica queimado. As casas de Flaque Injã ficam reduzidas a cinzas.

Mas a luta continua... Psiquicamente recuperada, a população começa a reconstrução de Flaque Injã e Caboxanque. A guerrilha recebe mais reforços e armamento novo. Pami entra voluntariamente numa coluna de reabastecimento que a leva à República da Guiné. Segue o corredor de Guilege, e sobe de Mejo para Salancaur, daqui para o Xuguê [Chuguè, segundo a carta de Bedanda,] terra de seus avós paternos. Desce até Cansalá, onde se encontra com seu marido. Não encontra seu pai, pois este fora transferido para o Cafal, e ali integrado numa companhia do Exército Popular.

Em meados de Agosto de 1965, Pami Na Dondo desce com Malan Cassamá até Cobumba. Malan e o seu grupo levam a cabo várias acções contra a tropa e o quartel de Bedanda. O grupo regressa a Cansalá. Uma delegação da OUA visita as zonas libertadas, a convite do PAIGC.


(2) Vd. último post desta série > 10 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)

Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 10 : "Lagoa entre Catió e Priame".


Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 28: "Cufar, 1966 - Artilharia no quartel de Cufar, Obus 8,8 cm".


Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 14: "Catió 1967- Material capturado em Cabolol no decurso da Operação Penetrante em 27 de Junho de 1967".


Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 25: "Cachil 1965– Ilha do Como – Interior do aquartelamento".


Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Benito Neves, bancário, reformado, residente em Abrantes, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67) > Foto 6: "Catió 1967- Meninos e bajudas na estrada de Ganjola".

Fotos e legendas: © Benito Neves (2007). Direitos reservados (1):


PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (2)
por Mário Vicente
Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112
Edição no blogue, devidamente autorizada pelo autor, Mário Vicente Fitas Ralhete (ex Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ : Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.



Parte IV - Pami e Malan são feitos prisioneiros pelos Lassas (pp. 35-40)

© Mário Fitas / (2007). Direitos reservados.


Resumo do episósio anterior (2):

Na actual região de Tombali (Catió), no sul da Guiné, o PAIGC, logo no início da guerra, ganha terreno e populações (nomeadamente, de etnia balanat). A resposta das autoridades portuguesas não se fez esperar, com uma grande contra-ofensiva para reconquista a Ilha do Como (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964). Entretanto, começam a chegar a Catió chegam reforços significativos. O Cantanhês, zona libertada, assusta o governo Português. Em contrapartida, no PAIGC, Nino, o mítico comandante da Região Sul, manda reforçar os acampamentos instalados nas matas de Cufar Nalu e Cabolol.

Em finais de 1964, Sanhá, a mãe de Pami, morre de doença na sua morança na tabanca de Cadique Iála. O guerrilheiro Pan Na Ufna, acompanhado da sua filha, faz o respectivo choro, de acordo com a tradição dos balantas.

Em Março de 1965, os homens da CCAÇ 763 - conhecidos pela guerrilha como os Lassas (abelhas) - reconquistam ao PAIGC a antiga fábrica de descasque de arroz, na Quinta de Cufar, e respectiva pista de aterragem em terra batida. Nino está preocupado com a actuação dos Lassas, agora instalados em Cufar, juntamente com o pelotão de milícias de João Bacar Jaló, antigo cipaio, agora alferes de 2ª linha.

Entretanto, Pami e Malan continuam a viver a sua bela estória de anor, em tempo de guerra, de sacrifício e de heroísmo. Ela, instalada em Flaque Injá, onde é professora. Ele, guerrilheiro, visita-a sempre que pode.

A 15 de Maio de 1965, os Lassas destroem o acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. A guerrilha sofre baixas mas, durante a noite, consegue escapar com o equipamento para Cabolol. Na semana seguinte, os militares de Cufar tentam romper a estrada para Cobumba. Embrenham-se na mata de Cabolol, destruem várias tabancas na zona.

Em princípios de Junho de 1965, os Lassas (abelhas) (3) vão mais longe, destruindo o acampamento de Cabolol. Em Cafal, o comando político-militar do PAIGC está cada vez mais preocupado. Em Julho, Pami chora de dor, raiva e revolta ao ver a sua escola destruída, em Flaque Injã. Grande quantidade de material desaparece ou fica queimado. As casas de Flaque Injã ficam reduzidas a cinzas.

Mas a luta continua... Psiquicamente recuperada, a população começa a reconstrução de Flaque Injã e Caboxanque. A guerrilha recebe mais reforços e armamento novo. Pami entra voluntariamente numa coluna de reabastecimento que a leva à República da Guiné. Segue o corredor de Guilege, e sobe de Mejo para Salancaur, daqui para o Xuguê [Chuguè, segundo a carta de Bedanda,] terra de seus avós paternos. Desce até Cansalá, onde se encontra com seu marido. Não encontra seu pai, pois este fora transferido para o Cafal, e ali integrado numa companhia do Exército Popular.

Em meados de Agosto de 1965, Pami Na Dondo desce com Malan Cassamá até Cobumba. Malan e o seu grupo levam a cabo várias acções contra a tropa e o quartel de Bedanda. O grupo regressa a Cansalá. Uma delegação da OUA visita as zonas libertadas, a convite do PAIGC.



(i) Pami e Malan são feitos prisioneiros

Madrugada de 24 de Agosto de 1965. Pami dorme paulatinamente nos braços de seu marido, depois de uma noite de amor. Ao romper da aurora, uma leve neblina cobre a bolanha entre Cobumba e o rio Cumbijã. Os cães da Tabanca começam a latir e ouvem-se barulhos esquisitos que, aos poucos, se transformam em gritaria. Cobumba está cercada por tropas do exército Português. Há algumas fugas, e ouvem-se algumas rajadas de espingardas G3. Malan, desprevenido, apenas tem tempo de esconder a sua Kalashnikov num depósito de arroz. Os soldados portugueses fazem a busca, de casa em casa. O pessoal capturado é reunido numa clareira. Disfarçadamente, Pami afasta-se de Malan, por ordem deste, para que não haja mais confusão, e para tentar não comprometer sua mulher. Ele está perdido! Vai ser facilmente identificado como guerrilheiro, pois sabe que existe mandato de captura contra ele.

Pami pensa como poderia tudo isto acontecer? E repentinamente apercebe-se.Os Lassas! Verdade, ali estavam eles! Mas como? Não se ouvira nada! O roncar das lanchas de desembarque!? Terão vindo pela estrada! De certeza! São mesmo perigosos. É necessário muito sangue frio e inteligência para tratar com esta gente. Estamos no fundo, pensa Pami, enquanto, atentamente, observa a movimentação das tropas portuguesas, identificando quem manda quem, e o cumprimento irrepreensível desta máquina de guerra. Raro é o soldado que não tem barba crescida, o que lhe dá uma certa camuflagem. Agora vê nitidamente quem comanda tudo. Precisamente! É aquele indivíduo alto, magro, barba curta e óculos escuros, que apenas usa pistola. Tudo passa por ele, que recebe e dá informações através do elemento que transporta um enorme rádio às costas, e que responde pelo nome de Garcia. Não há confusão! Os homens movimentam-se, como que vivessem em Cobumba há longos anos.


(ii) O leão de Cufar

A população que não conseguira fugir ao golpe de mão, contínua toda reunida. E à ordem do homem dos óculos, um negro, magro e pequeno, começa a transmitir em balantaum discurso contra os malefícios da guerrilha, e a necessidade de entendimento com as autoridades legais. Dado não se encontrar o chefe da Povoação, terá de levar algumas pessoas, homens e mulheres, para conversar melhor sobre todos estes problemas, e sobre os guerrilheiros que se movimentam com muita facilidade em Cobumba e, também, para receber explicações pela inexistência de jovens. Pede aos que ficam para transmitirem ao chefe de Tabanca estas palavras, e que seria bom que o mais breve possível ele se apresentasse em Bedanda, ou de preferência em Cufar, no que teria imenso gosto. Seguidamente, iria ser escolhido o pessoal que acompanharia os militares. Falou baixinho com um elemento que Pami reconhece ser um residente da Tabanca de Priame, em Catió. Concerteza seria o chefe da milícia. E são os homens e mulheres escolhidos. No grupo estão incluídos Malan Cassamá e, inexplicavelmente, Pami na Dondo.

Porquê? Não veriam os militares a sua frágil constituição e a inexistência da sua mão esquerda? Ou seria por isso mesmo!?... Não é uma tropa qualquer, há algo de especial nestes indivíduos, adivinham as coisas. Os soldados que rodeiam os homens que os acompanharão, começam a movimentar-se, obrigando-os a segui-los. Como uma cobra a deslizar por entre o capim e em fila, Pami observa os Lassas a saírem das suas posições e a movimentarem-se na direcção do cais. As mulheres são agora mandadas caminhar entre um grupo, que se terá mantido invisível do lado Norte no sentido de Cansalá. Ao entrarem na picada que atravessa a bolanha, para acesso ao cais, em terreno descoberto os militares deslocam-se afastados uns dos outros, aproximadamente quatro a cinco metros, em andamento rápido, e verifica-se que têm a preocupação de colocarem os pés no mesmo local do companheiro da frente. Pelo alongamento, devem ser próximo de cem homens.

Pami compreende agora toda a manobra. Fizeram roncar as lanchas de desembarque no rio junto a Cadique, para as tropas se movimentarem mais facilmente pelo interior, e não serem detectadas.

(iii) O embarque dos prisioneiros em lanchas da Marinha

Chegada ao cais, embarque rápido. A primeira lancha enche rapidamente, e recua para meio do rio, para segurança. A segunda também é rápida na movimentação. O pessoal prisioneiro continua separado. Na primeira lancha, os homens, onde segue também o homem dos óculos sempre com o do rádio atrás. As mulheres, na segunda, com o grupo que se mantivera invisível a Norte da povoação, e começa a descida do rio.

Pami Na Dondo - incógnita sabedora da língua portuguesa -, vai observando e registando as conversas dos militares, ignorantes ainda sobre quem são as suas prisioneiras. Julgando-as apenas entenderem o dialecto Balanta, ou um pouco de Crioulo.

Quatro militares estão muito próximo de Pami e esta pode seguir perfeitamente o seu diálogo. Apercebe-se rapidamente que são os chefes deste grupo de homens. Fica um pouco incomodada com o olhar persistente de um deles. Boina preta na cabeça, lenço da mesma cor ao pescoço. Não pára de olhar o coto da sua mão, procurando depois os seus olhos, com uma intensidade profunda. Passados uns momentos, fala para o que estava a seu lado:
- Telmo! Temos de soltar a língua àquela gaja sem mão! Tem cara de inocente, mas é capaz de saber muito!
- Acredito! É bem possível! - retorquiu o outro.

Mas um terceiro, pequenino e magro, muda a conversa.
- É pá e as sacanas das formigas! Foda-se, fiquei todo picado. Vocês viram como os cabrões têm a estrada toda cortada e cheia de abatises!?

O que dá por nome de Telmo riposta:
- Qualquer dia vamos limpar aquela merda toda! Tambinha, o que é que dizes?
- O caralho! Vai tu!

O da boina preta olha para o Tambinha - diminutivo de nome balanta, apercebe-se Pami - e com escárnio diz:
- É melhor ires marcando as férias se não quiseres embarcar nessa! E tu, Taveira, não estás cá!? Ou estás a masturbar-te em pensamento!? Não dizes nada?

Entretanto, um soldado com aspecto boçal e de barba ruiva bastante crescida, chega-se mais a uma bajuda, que fazia parte das cinco prisioneiras, e por entre o pano com que esta cobria o corpo, mete-lhe a mão nos seios e sai-lhe:
- Rica chicha! Isto para o almoço era até esfolar a gaita!

Os militares riem, mas o de nome Telmo, autoritário e vendo a cena, repreende o soldado:
- Se lhe tocas mais uma vez, levas com a G3 no focinho! Seu porco! Assim é que queres fazer psico? É? Toma juizinho. Ninguém toca nas mulheres!

Faz-se silêncio por uns tempos, perturbado apenas pelo roncar do motor da lancha. Alguns militares começam a tirar cigarros dos bolsos e, fumando, vão mirando as prisioneiras com olhar muito distante.

Passado algum tempo de viagem, um militar de calção e camisa azuis - que deveria pertencer à guarnição da lancha -, informa o de nome Telmo:
- Estamos a chegar! É melhor mandar a malta desviar, para a prancha descer e acostar melhor!
- O.K.! Malta, vamos chegar mais para trás!

E, virando-se para os outros três companheiros, dá as seguintes ordens:
- Taveira, sai primeiro com os teus homens!

Depois, virando-se para o da boina atalha:
- Mamadu, com os teus leva as mulheres! Cuidado ao subir para as viaturas! Tambinha, vais no último Unimog!

(iv) A chegada a Cufar

E começam as despedidas do pessoal da lancha, enquanto a porta da frente da mesma desce e embate em terra, pelo que fica pronta para o desembarque. Os soldados começam a sair, agora com outro à vontade, e muita fala. Não sabendo onde se encontrava, Pami apercebe-se de que o terreno é já muito conhecido dos militares.

Apesar dos avisos recebidos, as mulheres são auxiliadas a subir para as viaturas, pelos soldados que aproveitam para as apalpar e passar as mãos pelas partes baixas das mesmas, satisfazendo assim o instinto animalesco, resultante de longa privação de sexo. Só quando as viaturas se põem em andamento, e atravessam a tabanca de Impungueda, Pami reconhece o local. Sim, é de certeza, passara por ali antes da ocupação de Cufar pelos militares. Atravessam Iusse, contornam a lagoa e entram ao fundo da pista de aviação, em direcção à antiga Quinta.

Ao chegarem ao portão da Quinta, Pami não reconhece nada. Está tudo modificado, só quando param em frente da moradia principal, identifica a antiga casa. Desce toda a gente, e alguns soldados curiosos aproximam-se dos prisioneiros que continuam separados. O militar dos óculos que, mais tarde Pami vem a saber tratar-se de Carlos, O Leão de Cufar, comandante do aquartelamento, reúne com os chefes dos grupos, e é dado destino aos prisioneiros. Na separação ainda há um olhar entre Pami e Malan, transmitindo em pensamento a mensagem secreta, de que a sorte os acompanhe. Não será assim! Pami e Malan fazem naquele breve, mas profundo olhar, o adeus para sempre. Ali terminará uma vontade, um querer, uma coisa diferente, aquele amor sofrido e vivido até à exaustão. É o fim de certeza! No seu interior eles sentem-no! Sentem vontade de correr um para o outro e morrer naquele momento. Mas já é tarde, lágrimas nos olhos, Pami sente a dor da separação para sempre. A solidão toma conta do seu pensamento e coração .

(v) Pami e as prisioneiros ficam à guarda da milícia de João Bacar Jaló

As mulheres prisioneiras ficam à guarda dos milícias do ex-cipaio. Os homens ficam sob a custódia dos soldados brancos. Nenhum prisioneiro conhece o seu destino. À noite é distribuída uma refeição de arroz com carne de vaca, cozinhada pelos soldados Lassas. Pami rejeita, não tem apetite, apenas bebe um pouco de água. Com as suas companheiras, são metidas numa palhota junto às moranças dos milícias. É-lhe solicitado silêncio, e o medo não deixa que haja qualquer comunicação entre as mulheres. Pami não consegue dormir um minuto, pelo que se apercebe dos movimentos nocturnos próximos da palhota. De quando em vez ouvem-se passos. Deverá ser o render das sentinelas.

No dia seguinte, ao romper da madrugada, começam a ouvir-se os bombalôs, tambores, no seu frenético tan-tan, para os lados das tabancas a sul, anunciando o Choro pela morte de alguém. Pami sentada no chão de capim - pensamento enevoado -, não sente os panos enrolados ao corpo, todos ensanguentados. A situação nem lhe dá a física percepção, de que lhe terá aparecido a menstruação.

Conforme o sol se vai erguendo por sobre o tarrafe da confluência dos rios Manterunga e Cumbijã, a vida no aquartelamento, vai tomando movimento. Pami pode agora ouvir e até ver perfeitamente, por entre as frestas das paredes de capim ao alto entrançado com lianas, tudo o que acontece por fora da palhota onde tinha passado a noite.

(Continua)
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Notas de L.G.:

(1) Um especial agradecimento é devido ao nosso camarada Benito Neves que pôs à disposição do Mário Fitas e da nossa Tabanca o seu álbum fotográfico. Sobre o Benito, vd. os seguintes posts:

Vd. posts de:

15 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2268: A falsificação da história da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67)(Benito Neves)

18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1673: O blogue do nosso contentamento (Benito Neves, CCAV 1484, Nhacra e Catió, 1965/67)

2 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1559: Ex-Alf Mil Avilez, da CCAV 1484, hoje professor de arte, foi o autor do mural de Catió (Benito Neves)


(2) Vd. episódios anteriores:

Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)


(...) A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)…

No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa. Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano.

O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto). Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa.

É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.(...)




28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)23 de Novembro de 2007 >




(...) De etnia balanta, educada na missão católica, Pami Na Dondo, aos catorze anos, torna-se guerrilheira do PAIGC. Fugiu de Catió, com a família, que se instala no Cantanhês, em Cafal Balanta. O pai, Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Pami parte, com um grupo de jovens, para a vizinha República da Guiné-Conacri para receber formação político-militar, na base de Sambise. O pai, agora guerrilheiro, na região sul (que é comandada por João Bernardo Vieira 'Nino') , encontra-se muito esporadicamente com a filha. Num desses encontros, o pai informa a filha de que a mãe está gravemente doente. Pami fica muito preocupada e quer levá-la clandestinamente a Catió, enquanto sonha com o dia em que se tornará companheira do pai na Guerrilha Popular.

Entretanto, o destino prega-lhe uma partida cruel: na instrução, na carreira de tiro, tem um grave acidente, a sua mão esquerda fica decepada. No hospital, conhece Malan Cassamá, companheiro de guerrilha de seu pai, que recupera de um estilhaço de morteiro, que o atingiu na perna, no decurso da Batalha do Como, em Janeiro de 1964 (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964, levada a cabo pelas NT) . Malan fala a Pami da coragem e bravura com quem seu pai se bateu contra os tugas.

Pami é destacada para dar aulas ao pessoal do Exército Popular e da Milícia Popular, em Flaque Injã, Cantanhês. No dia da despedida, canta, emocionada, o hino do Partido, 'Esta é a Nossa Pátria Amada', escrito e composto por Amílcar Cabral. Segue para Flaque Injã, com o coração em alvoroço, apaixonda por Malan Cassamá. De regresso à guerrilha, a Cansalá, Malan fala com o pai da jovem, e de acordo com os costumes gentílicos, Pami torna-se sua mulher. (...).



5 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)

(3) Lassas era a alcunha por que eram conhecidos os militares da CCAÇ 763, de que fazia parte o Mário Vicente, Fur Mil Fitas . No seu primeiro livro (Putos, Gandulos e Guerra, edição de autor, Cucujães, 2000, p. 75), pode ler-se:

"Por informações recebidas, a [CCAÇ 763] será conhecida no PAIGC com a alcunha de Lassas. Pelo que se veio a saber, lassa era "uma espécie de abelha existente na Guiné que, não sendo molestada, não tem problemas, mas se for atacada é terrivelmente perigosa quando enraivecida. Esta alcunha resultaria, portanto, da actuação da [Companhia] pois, quando chegava a uma povoação em que a população estivesse e não fugisse, não haveria problemas, pois falava-se com essa população e tentava-se resolver os problemas que houvesse. Se, caso contrário, a população fugisse e abandonasse as suas moranças, as mesmas eram literalmente destruídas" (...) .

O termo crioulo que eu ouvi, muitas vezes, aos meus soldados fulas, quando fugíamos das terríveis abelhas africanas era Bagera, bagera!!! (LG)