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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9119: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (11): Sexo - a quanto obrigas

1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva* (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 28 de Novembro de 2011:

Caros Camaradas
Esta é mais uma história que não gostaria de contar. Para quê falarmos das
misérias e mal-estares que passámos na guerra da Guiné? Porém, seguindo o
princípio do Blogue LG, que nos incentiva a sermos nós a contar as nossas
histórias e, por outro lado, sentindo a necessidade de que tudo deve ficar
registado, junto este testemunho denominado "Sexo - a quanto obrigas".

Um abraço do
Silva da Cart 1689


Outras memórias da minha guerra (11)

Sexo - a quanto obrigas!

O furriel Silveirinha nunca se envolvia em conquistas pontuais com as mulheres nem, tão pouco, era visto a aproveitar algum contacto com as bajudas ou com a sua lavadeira. Portava-se tão bem que elas se deixavam “apanhar” a banhar-se, com ele a olhar. Normalmente dizia que as respeitava porque, quando as via, imaginava a namorada, as irmãs e a sua própria mãe. Por outro lado, sentia muita relutância por causa da falta de higiene. Até porque eram abundantes as notícias de doenças contraídas nesses contactos.

À medida que o tempo ia passando, maior era a sua luta pela abstinência sexual. Ele lia muito, banhava-se mais, rezava bastante e procurava distrair-se permanentemente. Seguramente, tinha um comportamento mais comedido que o de alguns religiosos missionários.
Porém, em conversa com os seus militares mais directos, por vezes, confessava as suas carências e a sua crescente necessidade sexual.

Estávamos em Outubro de 1968. Fomos fazer a coluna de reabastecimento a Nova Lamego, capital do Gabu. Gozava-se de um bom período de paz naquela zona, que era visível no ambiente relativamente alegre que ali se vivia. A povoação, de ruas largas em terra batida e algumas casas de madeira com primeiro andar e varandas, até parecia uma “city” do Texas, nos tempos da corrida ao ouro.

O Soldado Montalegre, também conhecido por Montacabras, depois que um seu vizinho de Boticas o descobriu numa das nossas passagens por Bambadinca, era o terror do sexo oposto. Pelo menos, fama de “montar” não lhe faltava quer na nossa Companhia quer, pelos vistos, naquela região transmontana. Ele tinha ido a Bissau arrancar dois dentes do siso e estava ali há alguns dias, à nossa espera, para regressar a Canquelifá. Como se dava muito bem com o Silveirinha, veio dizer-lhe que estava cansado de tanto foder e que tivera a sorte de apanhar a melhor miúda de Nova Lamego. Acrescentou que, como costumava ir dormir com ela, podia dar-lhe a vez.

À noite foram a um pequeno Bar indígena. O Silveirinha viu aquela miúda linda a sorrir-lhe, não acreditava no que estava a acontecer.

O Montacabras despediu-se e o Silveirinha seguiu logo atrás da miúda. Efectivamente, tratava-se de um “borrachinho” de “mama firme”, bastante jovem, de carnes duras, pele cor negro/bronzeado, com feições arredondadas. Não teria mais que 14 anos. Tinha caído ali, em Nova Lamego, há pouco tempo e, com tanta tropa carente de sexo, ela não tinha tempo para descansar.

A miúda acendeu uma vela, que colou no chão, tirou o vestido amarelado, fino e curto, que era a única peça de roupa que vestia. E ficou nua à frente do Silveirinha. Este, sentado na cama, atrapalhado, não conseguia despir as calças porque se esquecera de descalçar as botas. Quando ele se lançou ao ataque, já a miúda tinha apagado a vela e se estendera na cama.

Depois da "primeira", a moça, que não falava crioulo e que falava uma língua que o Silveirinha não entendia, por gestos, pediu para descansar, porque era evidente o cansaço resultante do desgaste no “emprego” recente. Ela virou-se e ele não esperou muito tempo para ela recuperar.

Faminto como andava, não aguentou a demora e toca a forçar a jovem, para "dar outra". Ela, cansada e com o sono pesado, fazia um esforço enorme para corresponder à volúpia do Silveirinha. Ele descarregou os tomates, mas a miúda já dormia. Entrou em sono profundo.
O Silveirinha ainda voltou ao ataque, mas a jovem nem se mexia. Inclinou-se para a berma da cama e adormeceu também.

Quando acordou, já se sentia uma nesga de claridade. Voltou-se de barriga para cima e começou a reagir à medida que ia despertando. E, quando se apercebeu de que estava com a miúda, excitou-se rapidamente. Voltou-se para ela, que estava de bruços, e deu início a nova investida. Como ela não reagia, puxou-a pelas pernas mais para baixo. Porém, não conseguiu acordá-la. Tentou a penetração e lá concluiu da forma que pôde esta última relação.

Relaxou um pouco e pareceu-lhe estar a despertar de um sonho estranho. Caiu na real. Olhou a parede/divisória marcada de escarros e cuspidelas, levantou-se de repelão e sentiu os joelhos “enlameados” naquele lençol imundo. Pôs-se a pensar que essa “lama” era de outros e que ali nem se podia limpar sequer.

Ficou apavorado. Veio-lhe tudo à cabeça, recuperando assim, todas as suas preocupações e o seu comportamento exemplar.

Largou apressadamente a caminho do Quartel e não descansou enquanto não foi directamente ao chuveiro lavar-se de uma noite que nunca esqueceria.

A partir dali, sempre que se falava em relações sexuais, o Silveirinha não demorava cinco minutos para passar com toalha e sabonete na direcção do chuveiro.

Silva da Cart 1689

Fur Mil Silva e o seu vizinho, Alf Mil Armando Alves

Chegada da coluna de reabastecimento a Nova Lamego, a caminho de Canquelifá.
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9087: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (25): O Zé Maria ou as cambanças da nossa geração

Vd- último poste da série de 18 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9056: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (10): O grande choque (2)

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9087: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (25): O Zé Maria ou as cambanças da nossa geração



1. Em mensagem do dia 20 de Novembro de 2011, o nosso camarada José Ferreira da Silva* (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta sua boa memória de guerra.

Memórias boas da minha guerra (25)

O Furriel Zé Maria ou Cambanças da nossa geração

O regresso da Bairrada, é sempre pesado. A comida é boa, a pinga é forte e os companheiros de mesa “jogam muito” no incentivo ao consumo. Por isso, não são precisos muitos quilómetros para que um homem tenha que encostar, a fim de passar pelas brasas.

Meia horita depois, acordo mal disposto e com a cabeça tonta. Confesso que estou pior do que quando encostei naquele pequeno espaço, à sombra de um chorão vimeiro. Só um café me pode salvar. Olho em frente e reparo que há ali um, a poucas dezenas de metros.

Encosto-me ao balcão e mando vir o café. Ainda não estava servido e sinto-me envolvido por uma carícia exuberantemente cheirosa e bem “charmosa”.
- Meu bem, você não quer mais nada, além do cafezinho? - segredou-me ao ouvido a brasuca, bem abonada, encostada a mim.
- Não. Tenho que trabalhar e estou ainda cheio do almoço. – respondi-lhe.
- Mas, meu bem, você se está afastando de mim, porquê? Minha nossa, sou tão ruim, assim? Você não quer mesmo mais nada? – insistia ela, com a voz melosa, ao mesmo tempo que fazia roçar todas as suas saliências frontais pelo canastro deste pobre velho.
- Não! Nada disso! Por sinal és bem boa, carago! Sabes, é que já estou velho e cansado para outras coisas. – Voltei a responder.
- Olha meu bem, você não brinca comigo, não? Tira isso de sua cabeça, meu bem. Você não é coisa de se desperdiçá, não. Goza tua vida, meu bem, porque você é muito garboso e é uma pena você si chamá de velho. Te cuida, porque você tem muito para .

Ao mesmo tempo que me libertei, dirigi-me para a saída do café. Foi quando, a custo, me apercebi que entrara um indivíduo que não me era estranho. Quando o fito, ele reage logo:
- Olha o Silva. Que andas por aqui a fazer?
- Vim almoçar com um cliente e amigo, da Bairrada. Mas o meu alambique já não tem estofo para tanto.

Olha, lá em Catió, Cabedu, Canquelifá, Bissau etc etc, aquilo era uma máquina, a evaporar o álcool. Agora… agora, estou a emborcar cafés para poder regressar a casa.
- E tu, estás bem? Ainda trabalhas com o teu irmão? – perguntei
- Sim, está tudo na mesma. Tal e qual como há tempos quando estivemos a conversar.

O Zé Maria, fez a guerra da forma mais pacífica possível. Fazia unicamente o indispensável e exigível e procurava sempre evitar apertos ou quaisquer excessos. Era conhecido pelo Furriel Sorninha.
Por outro lado, evitava abrir-se ou falar de assuntos relacionados com a sua vida privada. Digamos que não era gajo de convívio ou de se puxar para a borga. Um gajo porreiro mas muito fechado.
E foi cá, em longas conversas, que tive a oportunidade de o conhecer melhor.

Depois da guerra, ainda frequentou o Instituto de Engenharia mas não resistiu à onda libertina do final dos anos sessenta. Rumou Europa fora, poisou em Paris, juntou-se a grupos “hippies” comunitários e andou por todo o lado, perfeitamente integrado naquele ambiente de novos ideais e de velhos prazeres. Foi até ao extremo.

O tempo passava rapidamente e as ressacas também. Quando se apercebeu de que já não estava a sentir a mesma alegria inicial e que já não estava a aproveitar nada desse tempo, resolveu iniciar o regresso.
Ainda trabalhou numa empresa pública mas, não habituado à disciplina, acabou por “encostar” na empresa do irmão (fabrico de bicicletas), onde se sentia à vontade e onde pôde por a render todas as suas capacidades.

Casou, teve um filho e tem levado a sua vida equilibrada e livre de sobressaltos. Por outro lado, gosta de manter os seus pequenos vícios (pesca, caça e um ou outro convívio restrito).

- Por que estás aqui, se moras lá mais para diante? – perguntei.
- Trabalho ali ao fundo e este é o café que tenho mais próximo. Estou de passagem. Fui buscar a “roullote” ao mecânico, porque vou aproveitar a ponte de Sexta-Feira, para ir até lá baixo com a patroa. Eu gosto disso e ela ainda mais. Queres ver, a máquina?

- Boa tarde Senhor José Maria e companhia. – saudou uma mulata que nos cruzou.
- Boa tarde Dona Miquelina. – respondeu o Zé Maria
- Estás ligado a estas gajas? – perguntei surpreendido.
- Não! Nem pensar! Simplesmente, levo a minha vida normal e trato toda a gente por igual. – respondeu
- E digo-te mais, admiro esta fulana que passou. Já é avó, vem de Gaia trabalhar, mas deixa o neto no infantário todos os dias, onde o recolhe ao fim da tarde. A filha deixou o companheiro tóxico-dependente e está desempregada. Ela vê-se ainda mais negra a lutar pela vida.
- Então, pode ser minha vizinha? - perguntei.
- Não sei de que zona é, mas não te admires nada se a vires ser tratada lá como uma senhora. Parece que faz constar que trabalha em Santa Maria da Feira, numa fábrica de calçado. Coitada, veio de Angola convencida que encontrava o pai. A mãe dissera-lhe que ele vivia junto do Tejo e que toda a gente o conhecia por Sargento Bigodes.

Em Lisboa, fez uns biscates nas limpezas domiciliárias mas, como era muito jovem e já muito jeitosa, não demorou muito tempo a ser apanhada no ambiente de vida fácil. Diz que viveu com um chulo que lhe fez a filha e que, logo que pôde, fugiu com ela para o norte.

- Sempre que passo ali na recta, vejo várias na margem da estrada. E algumas ainda muito jovens. Agora está calor, mas no inverno metem dó – disse eu.
- Sim, andam aí mais, mas vão-se alternando. No inverno, são menos. Tenho pena delas. No dia 24 de Dezembro passei aí, vi a Miquelina com uma amiga, uma desengonçada, junto de uma pequena fogueira e pensei: - Hoje é Natal, porque não fazer uma boa acção? Fui ao restaurante “As Cubatas”, trouxe de lá uns frangos picantes e mais umas coisitas, armei a mesa na “roullote” e mandei-as entrar. Encostámos com a traseira ao sol e virados para o Rio Vouga, comemos e bebemos, até fartar. Foi uma tarde espectacular! Gostei imenso! Não imaginas a alegria que vi naquelas pessoas.

Falámos, falámos, rimo-nos de tudo e de todos. A determinada altura, já melancólica, diz a Miquelina: - Não sei porquê mas agora que estou tão bem, sinto uma saudade enorme de f.....!
- O quê? – Espantámo-nos.
- Sim, de f....! De f..... a sério! F...... por amor!!! – Continuou
- Oh meu Deus, há quantos anos que não sei o que é isso!!!

Silva da Cart 1689
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9056: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (10): O grande choque (2)

Vd. último poste da série de 1 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8844: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (24): Os Bravos do 13.º Pelotão sob o Comando do Furriel Montana

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8823: Filhos do vento (4): Eu, provável mulato, de quarta geração... (Jorge Cabral)

1. Comentário, ao poste P8818 (*),  do pai do Alfero Cabral, que eu tive o privilégio de conhecer na Guiné em carne e osso, tanto o pai como o filho (que posso garantir não ser de "vento":  vd. foto à esquerda, em pose de régulo, com três bajudas mandingas de Fá):

 
Fornicadores compulsivos? Tenazes emprenhadores? Pais de multidões mestiças? Ena,  pá, o que para aí vai!

Arrisco afirmar que a maior parte dos militares portugueses nem sequer experimentou… sim, a principal actividade sexual desempenhada foi manual…

A oferta a nível de prostituição era escassa. Bafatá possuía menos profissionais do que qualquer Rua do Bairro Alto de então… As bajudas,  muito controladas e vigiadas, pois a virgindade constituía um valor a preservar. Algumas mulheres casadas, faziam o jeito… Mas quase nunca de forma exclusiva.

Nasceram alguns mestiços. E daí?

As mulheres adúlteras podiam ser repudiadas ou então os filhos eram considerados do marido, como aliás ainda sucede no nosso direito, em obediência ao velho princípio romano – "Pater est quem justae nuptiae demonstrant …" [ Pai é quem o casamento indica]. 

Mestiços existiram sempre na Guiné… Mestiços aliás, somos nós todos e os Fulas são um bom exemplo. Até o "Homo Sapiens" se cruzou na Península Ibérica, com o "Neandertal", como provou a descoberta do "Menino do Lapedo".

Quando um Homem vai para Tropa vai inteiro, não deixa o aparelho genital em casa… Antigamente os bordéis acompanhavam os exércitos … e em Portugal localidades onde existiam quartéis dispunham de abundante oferta sexual. Quem passou por Vendas Novas deve ter reparado numa rua, designada "Rua das Moças", na qual durante décadas viviam as ditas… uma espécie de Bairro Vermelho Alentejano.

Em miúdo, descobri uma velha fotografia da bisavó Francisca.  Tendo-lhe notado a cor morena e o cabelo crespo, perguntei: 
- A Avó era preta? 

Bem, ia levando uma galheta, como o Avô chamava às bofetadas, valendo a intervenção da Avó Maria… que explicou que a Mãe fora concebida numa noite muito escura… Só anos mais tarde descobri a existência do criado Simião, gigantesco negro que com os patrões viera do Brasil. Do que lhe sucedeu não sei… Segundo o Avô que substituíra a linguagem comum pela terminologia militar e chamava pré aos dez tostões que me dava, [o Simião] recebeu guia de marcha… 

Pois é, se calhar sou um mulato de quarta geração… Que trauma!

Jorge Cabral

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 25 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8818: Filhos do vento (3 ): Vi muito poucos mestiços... (J. Pardete Ferreira)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4975: (Ex)citações (46): Se eu fosse mulher sentir-me-ia duplamente envergonhada... (Vitor Junqueira)

1. Texto do Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), médico, residente em Pombal, membro da nossa Tabanca Grande, organizador do nosso II Encontro Nacional (Pombal, 2007). Enviado a 14 de Setembro de 2009, depois de solicitado a comentar um comentário de uma leitora anónima ao poste P1475 (*)


Caro Luís Graça,

Cheguei da terra de Alberto João que não visitava fazia um tempinho e a quem tiro o meu chapéu. Encontrei o teu e-mail que desde já agradeço. Como não havia qualquer referência ao texto que motivou tão grande vergonha (embaraço?) por parte da nossa cara visitante, deduzo que se trata daquele em que falo da Guiné e dos amores que eu lá tive. Até parece o título de uma canção de Coimbra!

Segue um breve comentário ao reparo da estimada leitora, com o pedido antecipado de desculpas, caso continue a sentir-se ofendida depois das explicações que lhe ofereço.



(Ex)citações (46) > A Guine e os amores que lá tive (**)
por Vitor Junqueira


Elaborando um pouco sobre um comentário seu (*) a um texto da minha autoria versando o tema do sexo em tempo de guerra, que a deixou envergonhada, permita-me, minha senhora, que lhe diga que não posso estar mais a seu lado, nem por baixo nem por cima. Também sou, por princípio, contra a guerra, a violência sobre os outros povos … e o meu. Calculo que, tal como eu, a senhora abomina a hipocrisia, o cinismo, a estupidez, a indignação das virgens púdicas, as ratas de sacristia ou falsas beatas.

Peço-lhe minha senhora, que atente na quantidade de pontos de convergência que o nosso pensamento já leva em comum. Até lhe digo mais, se eu fosse mulher, sentir-me-ia duplamente envergonhada!

Primeiro, porque ninguém gosta de ver outro do seu género (taxonómico) enveredar por uma carreira profissional tão desprotegida e socialmente desvalorizada, reconheçamo-lo. E note que estou a referir-me às profissionais dos países civilizados, como o nosso. Bem sei que, no Reino Unido e na Itália, a corporação se organizou em partidos políticos que tiveram votações consideráveis. Conheceu a Cicciolina? Até chegou a de(puta)da! Nalguns países europeus, têm direito a cartão profissional, seguros, protecção sindical e formação teórico-prática.

Em segundo lugar, garanto-lhe que a sigo noutro aspecto, o da nomenclatura. As antigas designações de puta, prostituta, meretriz, mulher de vida fácil, apresentam uma carga pejorativa considerável, soam mal ao ouvido e podem até induzir em erro toda a mulher que pretenda abraçar a profissão. Como é que se pode considerar fácil a vida de uma profissional, se ela não tiver minimamente definidos o seu horário laboral, número máximo de atendimentos/hora, remuneração, higiene e segurança no trabalho, etc.?

Prefiro a denominação de profissionais do sexo. Ao contrário do que pensa, respeito-as e admiro-as! Pela coragem, devido às doenças que por aí andam. Pelo espírito de sacrifício, porque não dever ser pêra doce desenvolver uma actividade convencional durante o dia, e à noite, dedicarem-se a outra ainda mais convencional. Eu que lhe digo, é porque sei. Vivi uns tempos na periferia de uma grande urbe nacional e, por diversas vezes, até fui testemunha presencial da ginástica que algumas tinham que fazer para andarem bem arranjadinhas e pagar a prestação do carrito.

Hoje em dia, estas profissionais estão muitíssimo melhor preparadas para enfrentarem a carreira. Muitas frequentam ou frequentaram a universidade, são clientes dos melhores ginásios e clínicas de fitness, têm a alimentação controlada por nutricionistas, vestem bem e publicitam os seus serviços (acompanhantes) em revistas caras. Pode dizer-se que usufruem de uma vida de estalão. Claro que não podemos fazer generalizações, nem todas lá chegam, tantas são as vezes em que o sucesso depende de parâmetros sobre os quais o ser humano não tem controlo. Mulheres mal feitas, feiosas, sem educação, copuladas e mal pagas, são bem capazes de, a dado momento, acharem que escolheram o lado errado da vida. Essas sentem-se envergonhadas. Compreensivelmente.

No caso da mulher africana, a minha experiência não é grande porque praticamente só tive o relacionamento que descrevi. Mas aí parece-me que a situação não é tão preocupante como pode parecer à primeira vista. Desde logo, porque é mais fácil a mulher africana ir (ou vir) com um homem porque gosta dele, e não por dinheiro. Parece-me que deixei bem claro que a minha – como lhe hei-de chamar, namorada? - nunca aceitou qualquer forma de pagamento. E depois, pelo que me apercebi, elas não brincam em serviço. Ou estão afim ou não há mesmo nada a fazer, e a insistência pode ser muito perigosa para a saúde andrógina.

Também não constatei que houvesse exploração de mão de obra barata já que o serviço mais comum, partir punhe, andava pelos dois pesos e meio, e tratando-se de clientes na casa dos vinte anos, não se pode dizer que fosse trabalho penoso, insalubre ou demorado.

Pedagogos com nome na praça têm-no aconselhado como boa prática introdutória ou iniciática ou vice-versa, olhe já estou confuso, nas nossas escolas, sem qualquer lugar a qualquer cobrança, evidentemente.

A esta hora já a senhora estará a perguntar-se; mas onde é que este rapaz terá ido buscar tanta ciência? Garanto-lhe que não foi ao currículo da mãe, irmãs, tias ou avós como estará tentada a avançar. Essas eram umas pategas, só sabiam rezar e até um simples pensamentozito mais lúbrico era motivo para confissão, a um senhor padre muuuiito velhinho e quase invisual. Onde eu tenho aprendido umas coisas é na literatura moderna, particularmente naquela de inspiração feminina. E só leio autoras de referência. Mas não dispenso as revistas de e para mulheres. Acho-as um bocadinho picantes, atrevidas mesmo. Se aquilo que lá vem corresponde à realidade, é um delicioso mundo novo que se abre para nós, homens. Alguns sortudos já encontraram tudo aberto, é a felicidade sem limites e sem responsabilidades. Agora eu, pobre de mim, vivo aqui para as berças onde ainda está tudo tão fechado!

Não me alongo mais. Reitero-lhe a expressão do meu maior respeito ao mesmo tempo que faço votos para que alcance o maior sucesso e prazer tanto a nível pessoal como profissional, seja qual for a actividade a que se dedica.

Ao seu inteiro dispor,
Vitor Junqueira

_________________

Notas de L.G.:

(*) 31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: Histórias de Vitor Junqueira (7): A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação

Comentário de uma leitora, anónima, com data de 13 de Setembro de 2009:

"Pesquisando imagens sobre África , deparei-me com o vosso blog. Por princípio sou contra a guerra, o abuso e violência sobre outros povos, mas respeito todas as pessoas que tenham vivido na pele a experiência.

"No entanto fiquei impressionada e envergonhada com a falta de respeito despudorada deste artigo. Tratando a mulher como objecto sexual, como puta, no caso a mulher africana, revelando uma total desconsideração pelo ser humano, pela mulher, demonstrando claramente os abusos do colonialismo que nada fez que explorar e violentar outros povos. Lamentável".


(**) Vd. último poste desta série, (Ex)citações: 15 de Setembro de 2009 >Guiné 63/74 - P4953: (Ex)citações (45): Resposta ao Mário Fitas: Luís, deixa sair de vez em quando as G3...(Luís Graça)

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4914: Os Nossos Enfermeiros (2): As malditas doenças venéreas e a bendita... penicilina (Armandino Alves, CCAÇ 1589, 1966/68)

1. Mensagem do do Armandino Alves, ex-1º Cabo Auxilitar de Enfermagem, CCAÇ 1589 (Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, 1966/68), que vive no Porto:


Caro Luís Graça:

Recebi o o teu e-mail e fiquei admirado com a existência do referido Livro (*). Nem na recruta nem no Ultramar foi distribuído tal livro ao serviço de Saúde para ser entregue aos militares .

Mas pelo que depreendo deve ter sido para a Guerra de 1940/45. E digo isto porque em 1960 Salazar acabou com a prostituição (**). Isto diziam eles. Como deves saber até essa data havia as chamadas casas de tia e vários cafés especializados nisso (no Porto havia o Derby, o Royal, o Moderno e o Portuense onde elas estavam sentadas nas mesas e era só escolher).

Nessa altura elas possuíam um livrinho, tipo Boletim de Vacinas, onde era anotado pelo Médico o estado delas. Se fossem apanhadas pela Polícia com o livrinho com a inspecção fora da validade dava 3 anos de cadeia. No Porto essas inspecções eram feitas num anexo nas traseiras da Biblioteca Municipal do Porto .

Ora como na teoria tinha acabado a prostituição para quê mandar editar esses opúsculos ?

A verdade é que o que existia nos postos Médicos das unidades (e nem em todos) era umas caixinhas com umas bisnagas com um produto que eu nem me lembro do nome, que o soldado solicitava quando queria ir às putas, mas tinha que se anotar o nome, dia e hora a que era solicitado. Claro que ninguém ia buscar o dito tubinho.

E foi assim que, quando a minha Companhia regressou do mato a Bissau e os Soldados se sentiram livres, apareceu-me passados dias em vários soldados os sintomas da blenorragia.

Ora isto tinha que ser comunicado ao Médico que por sua vez informava o Comando da Companhia que por sua vez agraciava o infractor com cinco dias de detenção. Ora detidos já tinhamos estado nós no mato durante um ano e, como eu já sabia que o médico ia receitar Penicilina na dose mais forte, foi o tratamento que eu lhes prescrevi e para estarem na enfermaria a X horas para ser eu a aplicar as referidas injecções. Só que para meu azar um dos atingidos por motivos de serviço não pode estar no horário previsto e foi ter com o Cabo Enfº de Dia para que lhe desse a injecção. Como ele não sabia de nada comunicou ao Médico que comunicou ao meu Comandante que chamou o soldado que lhe disse que tinha sido eu que o mediquei.

Claro que fui chamado ao Comandante que me ameaçou com os referidos 5 dias de detenção. Eu então perguntei-lhe se fosse no mato o tratamento era o mesmo.

Felizmente o Comandante, atendendo aos bons serviços prestados durante toda a Comissão, rasgou a participação do Médico e ficou tudo em águas de bacalhau.

O que as brochuras dizem não é bem o que se passa no terreno a nível prático. A gente vai-se desenrascando conforme pode e sabe e isso às vezes salvava vidas.

Armandino Alves


2. Comentário de L.G.:

A ilegalização da prostituição e das casas de passe (ou de tolerância, ou casas toleradas, como a famosa Casa da Mariquinhas), com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1963, foi feita pelo Decreto-Lei nº. 44579, de 19 de Setembro de 1962, emanado dos Ministérios do Interior e da Saúde e Assistência, do Governo de Salazar, (documento disponível aqui, em formato pdf).

As prostitutas eram equiparadas a vadios, para efeitos de "aplicação de medidas de segurança" (sic). Às menores de 16 anos aplicar-se-iam "as medidas de protecção, assistência ou educação" legalmente previstas... No preâmbulo do dipploma, o legislador faz remontar a 1875 o início do "movimento abolocionista" (oposto ao regulamentarismo) e evoca o nome do prestigiado médico e professor Ricardo Jorge para justificar a natureza repressiva da decisão, em nome do superior interesse da saúde pública e da luta contra as doenças venéreas... E, claro, da moral pública e dos bons costumes...

Contra o regulamentarismo argumenta-se que a inspecção periódica das prostitutas matriculadas não se mostrava "tecnicamente capaz de garantir a não propagação de doenças venéreas"...

No blogue Legalização das 'Casas de Passe', pode ler-se o seguinte, referente a um dos efeitos preversos do famigerado diploma, que foi a 'exportação' para Angola das ilegalizadas, na Metropóle, 'trabalhdoras do sexo' (como se diz hoje em linguagem politicamente correcta):

(...) "Por tal diploma legal, Salazar ilegalizou as chamadas 'casas de passe', determinando o seu encerramento com o despejo e apreensão de todos os bens aí encontrados. O produto da venda de tais bens em hasta pública reverteu para o Fundo de Socorro Social e o lenocínio passou a ser punido com pena de prisão até um ano e multa correspondente.

"Em Angola, porém, as 'casas de passe' não foram ilegalizadas nem as prostitutas passaram a ficar sujeitas à aplicação de medidas de segurança de internamento para reabilitação, porque, aí, não foram equiparadas aos vadios.

"Ninguém estranhou, por isso, o êxodo maciço das prostitutas para Angola, onde poderiam continuar a exercer livremente a sua profissão, beneficiando dos cuidados sanitários de que até 1 de Janeiro de 1963 usufruíram na Metrópole. Em Angola, tinham trabalho garantido pelas dezenas de milhares de soldados que Salazar para aí enviara nos dois últimos anos.

"O Ditador, mestre na perfídia, resolveu com tal Decreto um problema e uma necessidade gerados pelo estado de guerra em que o país estava envolvido no Ultramar, assegurando o 'moral' e o 'descanso dos guerreiros', à custa daquelas mulheres que, na Metrópole, transformara em vadias.

"Na Metrópole, ficaram aquelas prostitutas que, por razões de variadíssima ordem, não puderam emigrar para Angola, para aí se estabelecerem. Sem 'casas de passe' onde se pudessem acolher para, com recato, poderem exercer a sua profissão, as muitas prostitutas que ficaram na Metrópole foram 'despejadas' nas ruas, onde passaram a exercer a sua actividade sem o mínimo controle sanitário e sujeitas a medidas de segurança que implicavam o seu internamento, levadas pela chamada 'Ramona' para 'caridosas instituições', a quem o regime cometeu a digna e beatífica tarefa de, sem prazo pré-definido, as recuperar" (...).


Não há dados epidemiológticos - que eu saiba - sobre a incidência de doenças venéreas nas NT, durante a guerra colonial, muito menos na Guiné. Mas julgo que era um problema que preocupava o serviço de saúde militar: veja-se por exemplo o artigo do Ten Mil Médico Joáo A. Araújo Pimenta, sobre "Profilaxia anti-venérea..." no jornal de caserna da CART 2326.

No meu tempo (1969/71), a distribuição dé sabão e de pomadinha anti-venérea (esta última, sob a forma de uma pequena bisnaga, de cor verde, se não me engano, do Laboratório Militar), estava generalizada, sendo feita pelo nosso Furriel Pastilhas... Era também ele que nos dava a dose de cavalo de penicilina, sempre que a profilaxia falhava (e às vezes falhava mesmo, não sendo ainda prática corrente o uso do preservativo ou camisinha)... Como diria o meu amigo João Santos Lucas, era ainda, nessa época, a idade da sexuaidade desprevenida dos portugueses ...

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste anterior de 7 de Setembro de 2009> Guiné 63/74 - P4912: Os Nossos Enfermeiros (1): A formação de Enfermeiros e Auxiliares (José Teixeira)

(**) Vd. artigo CONSULTANDO O MÉDICO >
PROFILAXIA ANTI-VENÉREA OU O MÉTODO DE EVITAR ESQUENTAMENOS, MULAS, CAVALOS ETC., ETC.

Transcrição com a devida vénea ao autor:

Já nas guerras da antiguidade as tropas eram vítimas das doenças venéreas. Este problema por vezes era de tal ordem que alguns exércitos eram vencidos por este mal em vez de o serem pelo inimigo. Nesses tempos recuados, em que a táctica de guerra era o cerco, este era frequentemente levantado porque uma verdadeira epidemia de blenorragia (esquentamento) ou de sífilis se tinha declarado nas forças sitiantes.
Claro que estes casos de doenças venéreas verificavam-se e ainda se continuam a encontrar nos nossos dias, porque a prostituição sempre acompanhou a tropa como a sombra segue sempre o nosso corpo.

Se a prostituição nas grandes cidades, apesar das medidas hi¬giénicas e periódicas e obrigatórias que eram correntes, anda as¬sociada ao perigo venéreo, é fácil concluir que a prostituição clan¬destina (aquela que existe entre nós aqui no mato) é muito mais perigosa. Convém referir que nas nossas circunstâncias, mesmo aquele “arranjinho” de 1ª é de suspeitar porque certas zonas rurais apresentam 50% das mulheres contaminadas com doenças venéreas.

Muitos dos que procuram contactos sexuais com prostitutas servem-se daquela lógica (que afinal não é lógica) de que “esquentamentos só os outros é que apanham”. Os frequentadores dos Postos de Socorros costumam contar isto quando lá vão tratar o primeiro corrimento que lhes surgiu.

Sabemos que muitos soldados nunca tiveram relações sexuais antes da incorporação e a iniciação sexual começou antes do primeiro I. A. O. Isto porque em aglomerações de indivíduos jovens há sempre uns “rufias” que tentam incutir no espírito dos camaradas a ideia (que felizmente muitos dos jovens do nosso tempo já acham ridículas) de que “só é macho aquele que vai às putas e apanha bebedeiras”. Às vezes esses são aqueles que vêm cá para trás quando começam a ouvir as balas a assobiar!
Nós que já ouvimos a música do tango com um certo sorriso, temos de concordar que assim como a música, a pintura e as outras artes evoluiu, também a noção da masculinidade evoluiu, e para o homem mostrar que é HOMEM tem outros meios de o demonstrar sem ser... com blenorragias.

....................

Às vezes... a carne vence o espírito e nesse caso é conveniente recordar os ensinamentos de profilaxia anti-venérea, que se aprende na recruta.

A primeira regra é saber escolher o material. De resto isto é intuitivo – se um companheiro foi contaminado por certa mulher, ir ter relações com ela é como ficar debaixo do ponto de mira da Mauser, que é mais certeira e tem poder mais derrubante...

Se a mulher tiver feridas na pele, nos lábios ou nos órgãos sexuais é grande a suspeita de sífilis.

Se houver corrimento pela vagina (regra geral amarelado ou esverdeado) é, também, melhor recusar.

Mesmo não havendo nada do que acima foi mencionado, o perigo de contágio venéreo ainda existe. Muitos se recordarão, infelizmente, daquela que “até parecia uma senhora e por sinal até cheirava bem”, e os contaminou...

O meio mais seguro é ainda o uso do preservativo 'camisa de Vénus'. Refiro-me a um preservativo recente e não àquele que você tenha na carteira há muito tempo 'para o que der e vier', que já deve estar ressequido e portanto pode romper durante o coito (acto sexual).

Há uma ideia errada em certos indivíduos que julgam terem as mulheres relutância em usar o preservativo. Basta dizer-lhes que esse preservativo é para evitar uma possível contaminação delas, para que o aceitem de bom grado. Ao fim e ao cabo, aquele que o usa, obtém o mesmo prazer que sem ele. Depois do coito convém tirar o preservativo de maneira a não contaminar as mãos e depois lavar as virilhas e os órgãos sexuais com sabão anti-venéreo fornecido grátis e a qualquer hora pelo Posto de Socorros. Deve-se urinar sempre depois do coito no caso de não haver sido usado o preservativo; depois de urinar deve-se introduzir um quarto de bisnaga da pomada anti-venérea dentro da uretra “via da urina” e untar com o resto o pénis, os testículos, as virilhas e os pêlos da púbis. Este uso da pomada anti-venérea só é eficaz, se ela for usada até duas horas após o coito. Convém depois lavar com sabão anti-venéreo.

Por agora é tudo. Cabe aqui, só lembrar a todos aqueles que obtêm uma guia de marcha para Vila Cabral ou Nampula (onde há “bases” de prostitutas) para, juntamente com ela, levarem os preservativos e uns tubos de pomada e sabão anti-venéreo, na mala ou saco de viagem, porque “o seguro morreu de velho e a prudência foi ao enterro”...

Tenente Miliciano Médico João A. Araújo Pimenta
.

In: O JORNAL «O 26» Nº 1, pp. 5-6. (Jornal da CART 2326, Os Lobos / BART 2838 Moçambique, 1968/70).

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3494: Histórias de um oficial da CHERET (José Paracana) (1): Alfero, quer parte cabaço ?


Texto e foto: © José Paracana (2008). Direitos reservados

1. Mensagem de 19 de Novembro de 2008, do nosso camarada José Paracana (*)

Assunto - Contributo


Queridos camaradas do glorioso blogue em que perpassa a história dos combatentes no TO da Guiné-Bissau, nos idos de 60 a 74!

Tenho alguns documentos originais, referentes à guerrilha que assolou o pequeno território africano. Para já, tenho que os descobrir, mas hei-de os descobrir quando menos os procurar, como é costume!

Dado que fui oficial de segurança das transmissões (Cheret) (**), no QG, em Bissau, são do âmbito aqui citado, e têm o seu interesse realtivo!

Hoje, porém, vou narrar o que a fotos inclusa me suscitou. Nomeadamente as bajudas que nelas figuram.

Passeando pelas ruas da cidade, depois de acabado o serviço, à paisana, era frequente vir até à baixa, à zona dos cafés e bares. Não raro topava com a africana oferta, expressada por homens meio andrajosos e, por certo, sem contemplações pelas desgarçadas filhas ou familiares
que dominariam. O palavreado era simples e conciso:
- Alfero!? Quer parte cabaço? Tem bajuda novinha...! - E depois aventava os pesos que queria em paga!

Sabe-se que a cultura africana é bem diversa, nestas questões de arranjar algum dinheiro com base no proxenetismo praticado. Para ter mulher o pessoal compra, se tiver meios... Para nós europeus, a transacção é repugnante e abjecta. Mas não é momento já para reprovações, numa terra onde há e havia tantas... provações! O estômago ou o vício falavam mais alto, e no masculino! Era assim. Oxalá possa ter mudado... Por cá, infelizmente, é a escravatura ou a pedofilia!!!

Pronto. No futuro continuarei a propor mais textos que descrevam e iluminem a minha guerra, passada à volta da escuta-rádio, com cerca de vinte camaradas (cabos) a gravar o que mais adiante contarei!

Saúde e boas memórias!

José Paracana (*)
ex-alferes miliciano,
QG, Bissau,
CTIG, 1971/73

________

Notas de L. G.:

(*) Vd. postes de

23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3230: Tabanca Grande (89): José Paracana, ex-Alf Mil, Analista de Segurança das Transmissões, QG do CTIG, 1971/73

13 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3201: O Nosso Livro de Visitas (26): José Paracana, ex-Alf Mil, QG do CTIG, 1971/73

(**) CHERET: Chefia do Serviço de Reconhecimento das Transmissões, criada em 1959, em substituição da CHECIE (Chefia de Cifra do Exército), cuja criação data de 1952.

Hoje há o Centro de Informações e Segurança Militar (CISM), enquanto unidade da Estrutura Base do Exército, directamente dependente do Comando Operacional do Exército Português, instalada na Ajuda, em Lisboa. Tem a responsabilidades pelas actividades de criptologia, informações, contra-informação e segurança militar do Exército.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2290: Estórias de Bissau (14) : O Pilão, a menina, o Jesus e os pesos que tinha esquecido (Virgínio Briote)

Guiné > Bissau > Quartel de Brá, 1966. Adidos, pessoal em trânsito, um Batalhão, uma CCmds, cabia lá tudo.

Guiné > Bissau > Bissalanca, base aérea de Bissau > 1966 > A primeira geração de comandos, aqui representada pelo Briote, ex-alf miliciano (à esquerda, acompanhado pelo Furriel Azevedo, ao centro, e o Sargento Valente, à direita).

Fotos: © Virgínio Briote (2005). Direitos reservados.

Histórias do Cupilão (ou Cupelom) (1)

por Virgínio Briote (Ex- Alf Mil, Cmds)

Em condições normais, saíamos para o mato dois ou três dias e descansávamos uma semana em Bissau. Por isso, tempo não faltava para dar umas voltas por Bissau. E falar em Bissau, naqueles tempos era também falar do Cupilão.

Conheci lá muita gente, provei excelentes pratos típicos de Cabo Verde e doutros lados, cachupa, galinha à cafreal, participei em festas da boa gente cabo-verdiana, ouvi mornas e coladeras, eu sei lá o que fiz mais.

Cupilom, não te faço favor nenhum. Foi no bairro com o teu nome que aprendi a gostar daquela gente e daquelas terras.

O Cupilom, naqueles anos de 65 e 66, era um sítio calmo, andávamos por lá à vontade, sem receio. E os guerrilheiros também, quando em trânsito por Bissau, para curarem as mazelas ou para tratarem dos seus assuntos, particulares ou da guerra.

Os incidentes eram de baixa intensidade, como agora se diz. Uns copos a mais, quase sempre na origem, ou uma ligeira disputa por alguma beldade, nada que não se resolvesse, geralmente, sem necessidade de recorrer à temível PM do cap Matos Guerra.

O Jesus, assim se chamava o militar protagonista desta história, era tão assíduo no Cupilom que muita gente o conhecia e as novidades vinham ter com ele. Meninas em trânsito para Dakar, meninas novas acabadas de chegar e ainda à procura de poiso, só de informações da guerrilha é que ninguém se lembra de alguma vez ter contado.

Uma noite, aí entre as 23 e as 24h, estando eu a entrar na porta de armas de Brá, com o soldado Alegre ao volante do ME-14-04, vejo a sair um jeep nosso, com o Sargento M. Valente e mais três soldados. A esta hora, ainda vão sair, devo ter falado com os meus botões.

Vim a saber da história no dia seguinte. O soldado Jesus, no final da 3ª refeição, meteu-se numa viatura que fazia o habitual transporte para a cidade e apeou-se na entrada para o Cupilom. Nada de anormal, afinal era a sua 2ª residência. Terá andado por ali, de cima para baixo, a falar com esta e aquela, até resolver, segundo disse, regressar à estrada para apanhar novamente outra viatura para Brá.

Uma gentil figura apareceu à porta de uma casa e o Jesus, cordial como era, meteu conversa. Acabou por entrar e, palavras dele, minutos depois estavam na cama à conversa.

Terminada a conversa, já com as calças na mão, ouviu-a perguntar-lhe pelos pesos.
- Quais pesos? Eu não sou desses que pagam! Estar com o Jesus não é para qualquer uma!

E resolve dirigir-se para a porta. Só não contava é com a rapidez da companheira de cama. Muito mais lesta, sacou a chave e começou aos gritos.
- Paga, paga, não sai daqui sem pagar!

Aflito com a reacção, a dedução é minha, mudou de voz e de maneiras. Que pagava, que estava só na brincadeira.
- Paga então, paga e eu abro a porta para tu sair.

Só que o Jesus não tinha dinheiro com ele, tinha-se esquecido, disse à senhora.
- Não sai, eu não abro porta para sair.

Que tudo se resolvia, amanhã viria a casa dela e faria o pagamento, palavra dele, do Jesus.A conversa a decorrer no tom que nós imaginamos e mais barulho se junta com palmadas e vozes à porta.

Muito conhecedor do Cupilom e dos hábitos daquela gente, o nosso herói embora não deva ter percebido mais que uma palavra, deve ter entendido muito bem o motivo do diálogo.
- Vamos meter calma nesta história.
- Não quer calma, quer pesos, dá pesos eu abro porta.

Não deve ter passado de meia dúzia de minutos esta conversa, imagino eu, uma eternidade para o Jesus, que nunca tinha estado preso, tanto quanto sei. Habilidoso, fez uma proposta ao pessoal que estava cá fora, à porta. Que era só ir à estrada, que a viatura parava junto a um sítio que toda a gente conhecia e que pedisse para alguém dos comandos lhe levar os pesos.

E não é que, minutos depois, ouviu um camarada seu falar à porta?
- Olha, diz ao Sargento Valente que venha com os pesos e que não se esqueça de trazer a equipa também, o Jesus a querer sair por cima. Não lhe tinham chegado os momentos de aflição, ainda queria mais.

E foi assim que o nosso bom Sargento entrou na história. Inteirado, puxou dos pesos, passou-os por baixo da porta, e, então sim, só depois de os ter contado, a gentil menina abriu a porta.
Cá fora ainda quis protestar mas o Sargento Valente não lhe deu hipótese.
- E ao menos, meu Sargento, viu a cara dos gajos que estavam aqui à porta?

Ao nosso herói tudo lhe custou. Pediram-lhe 50 pesos, teve que os pagar ao Sargento e até ao final da comissão a aventura do intrépido Jesus foi tão falada que, meses depois, estava tão arredondada que, do original só ficou o nome dele.

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Notas dos editores:

(1) Vd posts anteriores desta série:

11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

11 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)

14 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)

17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1288: Estórias de Bissau (5): saudosismos (Sousa de Castro)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)

24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)

22 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1391: Estórias de Bissau (9): Uma noite no Grande Hotel (José Casimiro Carvalho / Luís Graça)

2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

31 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1639: Estórias de Bissau (12): uma cidade militarizada (Rui Alexandrino Ferreira)

17 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2272: As nossas (in)confidências sobre o Cupelom, Cupilão ou Pilão (Helder Sousa / Luís Graça)

14 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)

19 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2281: Estórias de Bissau (13) : O Pilão, a Nônô e o chulo da Nônô (Torcato Mendonça)

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2281: Estórias de Bissau (13) : O Pilão, a Nônô e o chulo da Nônô (Torcato Mendonça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339,(1968/69) > No final da comissão, em Novembro de 1969, o "autocarro do Amor" está pronto a deixar o "campo fortificado de Mansambo", como lhe chamavam os guerrilheiros do PAIGC, e embarcar no Uíge de regresso a casa...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339,(1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça, ao centro, num dos abrigos subterrâneos do aquartelamento, onde as fotos as estrelas de cinema (Catherine Deneuve ?) ajudavam os jovens, nos seus verdes anos, a alimentar e a sublimar o ardente desejo... de viver! Com Lisboa e o Porto, tão longe... e Bissau (1) pelo meio, mas só para alguns privilegiados....


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga> CART 2339,(1968/69) > No início da comissão, nos dias tranquilos, um guerreiro devidamente ataviado... E ainda havia, escondida, na camisa, a Manelinha, a 6.35, que fez jeito (ou melhor, deu alguma tranquilidade...) numa certa noite no Pilão, a oito dias do embarque no Uíge... É uma bela estória, Torcato! Se não a constasses, os teus filhos, os teus amigos, os teus camaradas, ficariam privados do conhecimento desta tua escapadela ao Pilão... e do prazer da tua escrita.

Fotos: © Torcato Mendonça (2006). Direitos reservados.

1. Texto do Torcato Mendonça. Enviado do Fundão com a nostalgia própria de um domingo outonal, 18 de Novembro de 2007.

Meu Caro aí vai o resto [da estória] do Pilão. Ao lado, a RTPN mostra A Guerra, em repetição. Que dizer? Digo boa noite ou bom dia…

Um dia falo disso, dos Estudos Ultramarinos, do Prof. Adriano Moreira, outras vidas de minha vida…


Um abraço,

Estórias de Bissau ( ) > O Pilão, a Nônô e o chulo da Nônô
por Torcato Mendonça


(i) Rotinas


Pela manhã ligar o computador, tomar o pequeno-almoço e voltar para espreitar o Blogue. Rotinas.

Hoje dez fotos, recentes, a mexerem comigo e certamente mais nos que por aqueles locais passaram. Trouxeram-me, não prazeres da memória, mas só, isso sim, memórias de um passado distante.

Sentei-me à mesa, com caneta, bloco e escrevo, como sempre ao correr da pena, nesta manhã fria, neste domingo com o Sol a entrar pela porta entreaberta da varanda aquecendo-me, a mim e ao Pluto, com os seus raios do calor de Outono. Ao fundo a Serra da Gardunha, o Monte de S. Brás e Alcongosta – capital da fruta – envoltas pela leve neblina do levantar da geada e orvalho.

Mais ao alto, muito mais alto, num céu muito azul, traços deixados por dois aviões, um vindo o outro indo para Lisboa. Cidade que foi Capital, dizem, de um Império glorioso. Paro em breve reflexão e abano a cabeça em discordância. Continuo a olhar o céu azul e o traço de dois, e mais um, três aviões, certamente a caminho dessa Europa ou sei lá.

Imagino viagem para terra distante. Para a Guiné? Porque não rever aquela terra, as suas gentes, sentir o calor e, nesta época, talvez ainda a chuva. Cumpriria assim a promessa feita em Amedalai, quando do regresso ao meu País. Eu volto. Nunca o fiz. Certamente não o farei. Sinto uma certa mágoa, um certo aperto no peito, uma vontade de voltar aos verdes anos. Hoje, já velho, iria em busca de outros velhos e velhas, mas em paz ou a acertar contas com ela, finalmente. São recordações de prazer e tormento. Fico aqui. Vou sempre ficando aqui, em tempo cada vez mais curto. Paro novamente. Sinto a tristeza do desejo não realizado e a solidão a entrar. Só. É isso, só. As dez imagens, o recordar outras, deixaram-me só.

Se passar à tecla e enviar aproveito para fazer a declaração de voto. Porque não recordar Bissau e o Pilão ? ! Agora não. Vou beber mais um café.


(ii) Declaração de voto

É difícil, muito difícil, pensar hoje como nos meus verdes anos. Regredir quarenta anos não é fácil. Depois, o medo de errar no relato dos factos ora passados. Hoje vejo tudo de forma diferente. Só que os relatos feitos são os do passado e analisados como tal. O ter durante tanto tempo recalcado na memória, bem lá no fundo, tudo isso não dará uma deformação ou erro ao relato actual? Assumamos contudo o que escrevemos hoje. Objectividade, honestidade e, sempre, a tentar relatar o que efectivamente aconteceu.


Difícil responder á sondagem sobre o Pilão!

Não sei se o azeiteiro, chulo ou proxeneta, não terá razão, ao avisar para os perigos da noite no Pilão. Todos, ou praticamente todos, os que passaram pela Guiné deram uma volta pelo Pilão. Qualquer graduado pediu aos militares que comandava para, no Pilão ou noutro lugar da “noite guineense”, terem cuidados redobrados. Desde que se seguissem as regras elementares, próprias daqueles “locais”, o perigo era menor. Todos conhecem as regras, a maioria visitaram cá em Portugal locais de diversão nocturna. Essas regras são estabelecidas pelos donos da noite.

É difícil votar em N/ discordo, N/concordo…. Voto em Discordo. Até porque não gosto de meias tintas e muita gente do Pilão e de outros Pilões são gente boa, igual á que habita por tanta cidade com a “noite”, ali ao lado.


(iii) Bissau e o Pilão


Bissau foi para mim uma cidade de passagem. Chegadas e partidas de e para a Metrópole e uma vinda até ao Hospital Militar. Ao todo, cerca de oito chegadas e partidas que certamente não totalizaram mais de quinze ou vinte dias de estadia. Não sei ao certo. Nesses dias confesso que procurei “viver”. Mas o que era viver numa cidade daquelas? Comer, beber e beber, ter encontros e fazer as visitas possíveis. Visitei pois o Pilão, o bordel, o hotel, a pensão, o quarto particular, o café, o restaurante e até, em Santa Luzia, a piscina.

Conheci gente boa e recomendável, gente, dita, menos boa e não recomendável. São factos que a todos aconteceram. Uns contam-se, outros ficam no arquivo da memória. Um do Pilão, quase no fim da comissão conto; de Santa Luzia, não.

Só um breve relato, certamente aconteceu a muitos, algum ou alguns desejos loucos. Já no fim da comissão tinha dois desejos: comer uma sandes de fiambre e manteiga, acompanhada com uma Cola gelada e depois beber um café duplo… lentamente. O outro era passar debaixo da Ponte do Tejo – 25 de Abril, hoje, pois nessa altura, era Salazar.

Levanto só um pouquito de outre desejo… comer uma branca…ponto!

Satisfiz os desejos?! Razoavelmente. O pão da sandes era bera e não vi bem a parte debaixo da ponte… Era arruivada… a ponte claro… por debaixo.


(iv) O Pilão em Novembro de 69

Bem. Fica para amanhã ou num outro dia qualquer. Nem só o sujeito dos conselhos era chulo. Este, o que me calhou na “rifa” no Pilão, tratava da vidinha por dez réis. Quantos, bem colocados, não a tratavam por milhares?

(…) Em finais de Novembro de 1969, vim para Bissau à espera do embarque. Devido ao Capitão L. Henriques ter menos tempo de comissão e o Alf Cardoso (2º Cmdt) estar no Hospital Militar, doente – felizmente esperava-nos em Lisboa – fiquei eu a comandar a Companhia.

Todos os dias, pela manhã, tinha que aturar o 1º Clemente com a papelada. Depois ia de jipe ver os militares e tratar de vários assuntos. O condutor, bom conhecedor de Bissau, encurtava viagem atravessando o Pilão. Eu ia vendo, fixando lugares e, confesso, ia sempre armado e atento. Foi isso que talvez me tenha safado, no mínimo de levar uma valente tareia, dias depois. Mantive esse costume.

No verão quente de 75, mesmo antes e depois, quando atravessava o Alentejo era mandado parar muitas vezes. Revistado por GNR, aprumados militares e civis, grandes defensores dos valores revolucionários e democráticos. Enojava-me. Só abri a boca, se bem me lembro, duas vezes. Uma para dizer a um GNR:
- Cuidado, esse saco tem fraldas com caca do meu filho… - E.a outra para “pedir” a um oficial, barba e cabelo grande, farda em desalinho:
- .Respeite o uniforme que enverga. - Olhou-me e calou-se. Nunca viram que eu estava armado. Mas que tem isto a ver com o Pilão? Pouco ou nada, a não ser o andar armado.

A tarde ou o fim dela, ficava livre para passear por Bissau. Eram horas então de lanchar/jantar nos lugares habituais. Ostras, camarão, mais um sólido ou outro e muito líquido. Seguia-se a digestão com auxílio de uísque e ida aos lugares de todos conhecidos. Um deles era A Meta. Ainda não ouvi aqui referência a ela. Não se entrava fardado, tinha uma pista de carros e pouco mais. Era do Viriato, ex- Fuzileiro ( como o meu amigo Sargento Fuzileiro “Piçarra” – alcunha devido a cantar bem – o nome era Ludgero e estava talvez na terceira ou quarta comissão). Outras vidas.

Em noite de bom consumo de bebida, acompanhado de dois amigos, fomos até ao Pilão. O taxista largou-nos junto a um dancing ou night-club qualquer. Por ali andei e, como a música não me agradava, vim apanhar ar. Aproveitei um táxi que largava”malta”. Pedi ao taxista para me levar onde houvesse uma cabo verdiana. È já perto. Parou pouco depois, saiu e voltou rápido. Tudo certo. Paguei bem a “corrida” e lá fui. Era jeitosa a Nônô. O resto foi o normal. Só que eu queria ficar mais um pouco, ela a dizer ser tarde e a ficar inquieta. De repente batem forte à porta. Ela olha-me a tremer. Sentei-me na cama, os últimos restos de álcool evaporaram-se. Puxei para junto de mim a cadeira onde estava a roupa. Pus a mão na camisa. Ela abriu a porta a um furacão. Um chulo branco.
- Que raio é isto ? - vociferou o matulão - Veste-te e desaparece.
- Ia já, respondi-lhe.

Puxei a camisa e poisei as mãos na Manelinha (a 6.35,e coitada) e na Zézinha (faca com cerca de palmo e pouco de bom aço). O tipo olhou-me. Fundiram-se olhares de ódio ou de bestas. Ele foi-se, batendo fortemente a porta. Ela estava aterrada. Vesti-me e pedi-lhe:
- Baixa a luz do candeeiro e abre a porta.

Sabia que havia, frente à porta uma vala funda e um pequeno passadiço. Só depois estava a estrada.

Ela abriu, a medo, a porta. Empurrei-a para a rua e saltei, baixo, para o lado. Esperei pouco. Vim rua abaixo, coração a bater e sentidos alerta, pensamento a dizer-me:
- Parvo, a menos de uma semana do embarque.

Estrada com candeeiros de luzes fracas e postes muito distanciados. Aparece um mercado à esquerda e à direita vislumbro dois ou três tipos. Sinto que me olham. Sei onde estou e a estrada, Santa Luzia/Bissau estar logo ali. Chego lá rápido e espero pouco. Ao fundo vejo luzes de uma viatura. Quando se aproxima salto para a estrada com braços ao alto. Pára um jipe, com dois militares. Meto a mão ao bolso e identifico-me. Estava à civil e a custo levaram-me.

Voltei a Santa Luzia na carrinha que parava, salvo erro, próximo da Amura.

No outro dia depois do almoço vim, como era habitual, estar com a Companhia. Descobri a casa dela. Pedi para parar e fui lá. Bati à porta e ela abriu. Olhou-me admirada e recuou. Entrei e acalmei-a.
- Desculpa o empurrão. - Conversamos e fizemos as pazes. Voltei lá mais vezes.

Ela disse-me quem ele era. Encontrei-o junto ao táxi. Reconheceu-me e ficou expectante. Eu tinha as mãos nos bolsos. Sorrimos, porque compreendemos o ridículo da situação.

Falamos e disse-me ter ficado em Bissau a tratar da vidinha. Cá, em Portugal, não tinha grandes hipóteses. Prometeu, em palavra de chulo, não voltar incomodar branco. Ainda utilizei o táxi e bebemos um copo.

O resto arquiva-se.

Poucos dias depois, a 4 de Dezembro de , embarquei. Entrei no barco com medo de me virem buscar para a Comissão Liquidatária. Só pedia:
- Desatraca e anda, Uíge dum cabrão!… - E partiu finalmente.

Ficou o Capitão, para agrado dos Sargentos, a tratar da papelada. Coisas de profissionais.

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Notas dos editores:

11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

11 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)

14 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1278: Estórias de Bissau (3): éramos todos bons rapazes (A.Marques Lopes / Torcato Mendonça)

17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1286: Estórias de Bissau (4): A economia de guerra (Carlos Vinhal)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1288: Estórias de Bissau (5): saudosismos (Sousa de Castro)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1289: Estórias de Bissau (6): os prazeres... da memória (Torcato Mendonça)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)

24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)

22 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1391: Estórias de Bissau (9): Uma noite no Grande Hotel (José Casimiro Carvalho / Luís Graça)

2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)

10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

31 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1639: Estórias de Bissau (12): uma cidade militarizada (Rui Alexandrino Ferreira)

(2) Vd. posts de:

17 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2272: As nossas (in)confidências sobre o Cupelom, Cupilão ou Pilão (Helder Sousa / Luís Graça)

14 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2264: Blogue-fora-nada: O melhor de... (3): Carta de Bissau, longe do Vietname: talvez apanhe o barco da Gouveia amanhã (Luís Graça)

domingo, 10 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1059: Estórias do Zé Teixeira (14): A Maria-tira-cabaço-di-branco (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)


Guiné > Ingoré > 1968 > O 1º cabo auxiliar enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2831 (1968/70), posando em cima de uma autrometralhadora Daimler, no início da sua comissão que o levaria do Cacheu (Ingoré) até ao Sul, às regiões de Quínara (Buba, Empada) e Tombali (Quebo, Mampatá, Chamarra).


Foto: © José Teixeira (2005)


Continuação das estórias do Zé Teixeira (ex-1º cabo enfermeiro, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70) (1)


A Maria tira cabaço di branco


Quando chegamos a Empada (2), lá aparece a Maria, mais a irmã, a dar-nos as boas vindas. Rapidamente se soube da sua arte e mestria em tirar cabaço a branco e satisfazer as necessidades a quem já sabia da poda, para desgraça da nossa jorna, já de si tão pequena e que se esvaía na cerveja e agora tínhamos a Maria.

Um alferes, a quem não foi contada a história da pequena, tenta o engate e, záz!, arranjou namorada que até ia ao quartel, durante o dia, prestando-se para todo o serviço. Ninguém lhe podia tocar, era a namorada do alferes, durante o dia, mas, à noite, zumba que zumba com toda a gente que tivesse uns patacõezitos para gastar. Até faziam fila e a irmã dava uma ajuda.

Houve cenas engraçadas com a Maria-tira-cabaço. Um camarada e amigo encabaçado, tinha vontade e. . . inexperiência, vergonha, medo, falta de jeito, etc. Então foi meter uma cunha a outro companheiro para pedir à Maria para o atender bem. Este foi, meteu a cunha e gozou de borla. O outro pagou a dobrar, isso de tirar cabaço a branco tinha de ser bem pago !

Tanto quanto pude apreciar até o Nino sabia da sua vida, pois num célebre ataque ao cair da noite, as primeiras canhoadas foram para a casa da Maria, só que os brancos que lá estavam eram velhinhos e voaram ao sentirem o som das saídas do canhão.

O pobre do alferes é que, quando soube, rebentou de raiva. E foi uns dias depois, quando foi à sua procura na morança, um dia ao fim da tarde (talvez a fosse convidar para jantar): encontrou o lugar ocupado e gente à espera...
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Nota de L.G.

(1) Vd. post anteriores:

7 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1055: Estórias do Zé Teixeira (12): O Balanta que fugia do enfermeiro

4 de Setembro de 2006 >

Guiné 63/74 - P1042: Estórias do Zé Teixeira (9): camaleões, putos e cobras

Guiné 63/74 - P1043: Estórias do Zé Teixeira (10): O embalsamador amador

Guiné 63/74 - P1044: Estórias do Zé Teixeira (11): As vitaminas abortivas

(2) Vd. posts de:

1 de Janeiro de Guiné 63/74 - CDX: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (1): Buba, Julho de 1968

14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi

(...) O diário do Zé Teixeira foi já publicado, entre 1 de Janeiro e 14 de Março de 2006. É composto por 19 posts. Eis como o Zé Teixeira, no post de 1 de Janeiro de 2006, resumiu as saus deambulações por terras da Guiné:

"Fui enfermeiro de campanha na CCAÇ 2381. Fui para a Guiné em fins de Abril de 1968 e regressei em Maio de 1970. Estacionei cerca de 3 meses em Ingoré, no Norte, onde a companhia fez o seu treino operacional. Seguimos depois para Buba e fixámo-nos em Quebo (Aldeia Formosa), [no final de Julho de 1968].

"Aí a CCAÇ 2381 teve como missão fazer escoltas de segurança às colunas logísticas de abastecimento entre Aldeia Formosa/Buba e Aldeia Formosa/Gandembel, ao mesmo tempo que garantia a autodefesa de Aldeia Formosa, Mampatá e Chamarra.

"Regressámos a Buba, em Janeiro de 1969, para servirmos de guarda às equipas de Engenharia que construiram a estrada Buba/Aldeia Formosa. Face ao desgaste físico/emocional fomos enviados, a partir de 1969, para Empada onde vivemos os últimos meses de Comissão".